segunda-feira, 12 de maio de 2008

Os patriotas e a 4a frota dos EUA

Os graves incidentes na reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, fizeram ressurgir o debate sobre a soberania nacional e a integridade territorial do país. Diante deste tema estratégico, que merecia tratamento mais equilibrado, alguns se aproveitaram para lançar confusão na sociedade. Até quem não tem qualquer compromisso com a nação e com seu sofrido povo resolveu posar de patriota para justificar a violência contra os indígenas. É o caso do sinistro prefeito de Pacaraima, Paulo Quartieiro, que preside o entreguista Demo (ex-PFL) e armou a sua milícia de jagunços.
O curioso é que nesta mesma semana os EUA anunciaram que irão reativar a sua Quarta Frota na América Latina. Diante desta decisão, que realmente coloca em risco a soberania e a integridade dos países da região, não houve gritaria. A mídia burguesa, sempre tão servil ao império, não deu qualquer destaque à notícia. Poucos foram os autênticos patriotas que levantaram sua voz contra a crescente de militarização na América Latina. Vale destacar a postura revolucionária de Fidel Castro e da nova presidente do Conselho Mundial da Paz (CMP), a brasileira Socorro Gomes.

“Recado à Venezuela e à região”

Nas suas “reflexões” no jornal Granma, o líder cubano lembra que a 4ª Frota de Intervenção dos EUA foi criada em 1943 para combater os submarinos nazistas durante a II Guerra Mundial. Em 1950, foi desativada por ser desnecessária. “Porém, 58 anos depois, ela acaba de renascer e não é preciso esforço para mostrar seus fins intervencionistas. Os próprios chefes militares o divulgam em suas declarações, de forma natural, espontânea e até direta”. O chefe do Comando Sul, James Stavrides, afirmou que o aparato militar ajuda no “mercado de idéias a ganhar corações e mentes das populações da região”. Já o diretor de operações navais, almirante Gary Roughead, informou que o objetivo da 4ª Frota é “combater o terrorismo e as atividades ilícitas no continente”.
Fidel Castro chama a atenção de que o anúncio do retomada da 4ª Frota ocorreu em abril, poucas semanas após a Colômbia invadir o território do Equador, “com armas e tecnologias dos EUA, o que causou profunda repulsa entre os líderes latino-americanos na reunião do Grupo do Rio”. Outra coincidência é que a decisão surge “quando é quase unânime o repúdio à desintegração da Bolívia promovida pelos EUA” e estimulada pelo seu embaixador no país, Philip Goldberg. Para o líder cubano, não há dúvida de que a retomada das operações navais visa intimidar os governos progressistas da América Latina. “É um recado à Venezuela e ao resto da região”.

A “guerra preventiva” de Bush

No mesmo rumo, Socorro Gomes, dirigente do Cebrapaz (Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz) e recém-eleita presidente do CMP, condenou a iniciativa dos EUA. “O anúncio da recriação da Quarta Frota, destinada a realizar missões navais agressivas nas regiões do Caribe, América Central e América do Sul, é uma grave ameaça à paz, à segurança e à soberania dos povos da nossa região. Recentemente, ao respaldar a ação militar da Colômbia em território equatoriano, o governo dos EUA intentou dar vigência no continente aos pressupostos da guerra preventiva, uma doutrina fascista a serviço do terrorismo do Estado”.
“Agora, com o restabelecimento da 4ª Frota, os EUA fomentam a militarização do continente, a corrida armamentista e a ameaça nuclear, já que ela é equipada com porta-aviões nucleares. Tal medida merece nosso mais veemente repúdio. É o que se espera dos governos progressistas, dos movimentos populares e das lideranças patrióticas de toda a região”, afirmou. Socorro também criticou os recentes exercícios navais dos EUA em águas territoriais brasileiras e argentinas, na chamada operação conjunta Unitas. O exercício teve como principal equipamento o porta-aviões George Washington, considerado a maior arma de guerra da atualidade – ele transporta em seus aviões de seis a dez bombas nucleares e torpedos Tomahawks.
“A consciência patriótica não pode aceitar estes exercícios como atos de rotina. O seu caráter é agressivo. Sua existência e realização freqüente aviltam a soberania dos países que servem como cenário das operações. A 4ª Frota como força intervencionista e os exercícios no Atlântico Sul fazem parte da política de guerra do imperialismo ianque, contra a qual se ergue a consciência democrática, independentista e pacifista dos latino-americanos”. No caso dos exercícios navais, a própria Constituição, no seu artigo 21, afirma que “toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional”.

O medo dos “regimes esquerdistas”

O objetivo intervencionista da 4ª Frota e dos exercícios conjuntos, criticado por Fidel Castro e Socorro Gomes e subestimado por alguns patriotas, foi reconhecido pelo próprio jornal Gazeta Mercantil, que faz a cabeça da elite. “Essa decisão chega quando os regimes esquerdistas eleitos pelo voto popular, como o do presidente Hugo Chávez, contestam cada vez mais a influência norte-americana na América Latina e no Caribe. Além disso, os países sul-americanos, entre eles Venezuela, Brasil e Equador, estão aumentando os seus gastos militares”.
A 4ª Frota deverá entrar em operação em 1º de junho. Ela terá sob sua responsabilidade mais de 30 países do continente, cobrindo 15,6 milhões de milhas. O imperialismo ianque tem hoje dez porta-aviões do tipo Nimitz, com capacidade de deslocamento de 101 mil a 104 mil toneladas de carga, incluindo 90 aviões e dois reatores nucleares. O último construído leva o nome de George H.W. Bush, pai do atual presidente-terrorista, e entrará em operação em dois meses. Segundo o Pentágono, os exercícios conjuntos em abril já fazem parte do plano de implantação da 4ª Frota. Como afirma Fidel Castro, “nenhum país do mundo possui um único navio semelhantes a estes, todos equipados com sofisticadas armas nucleares, que podem se aproximar até poucas milhas de qualquer um dos nossos países. O próximo porta-aviões, o Gerald Ford, terá tecnologia Stealth, invisível aos radares... Os porta-aviões e a bombas nucleares que ameaçam nossos países servem para semear o terror e a morte, mas não para combater o terrorismo. Deveriam servir ainda para envergonhar os cúmplices do império e multiplicar as atividades de solidariedade aos povos”.

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Os dilemas do presidente Lula

Apesar dos ventos favoráveis, não está dado que o segundo mandato de Lula será mais avançado do que o primeiro. O seu próprio início já indica que ele será extremamente contraditório e ambíguo. Isto deriva da própria postura conciliadora e pragmática do presidente Lula. Sem maior convicção de projeto, ele evita conflitos e insiste no lulinha paz e amor, que governa para todos. Apesar de reafirmar o seu compromisso com os “mais pobres, sem negar a minha origem social”, ele elege os usineiros como “heróis da nação” e elogia os lucros dos bancos. Como teoriza o cientista político Luis Werneck Vianna, Lula tenta construir um condomínio de classes, um governo de conciliação nacional.
Num extremo, mantém intocados os privilégios dos banqueiros – que neste ano voltaram a bater recordes de lucratividade – e incentiva as poderosas corporações e o agrobusiness. Na outra ponta, adota políticas sociais que beneficiam os setores mais excluídos da sociedade. Na prática, ele não enfrenta os interesses da burguesia, em especial do capital financeiro, e não promove reformas estruturais que reduzam a brutal desigualdade na distribuição de renda – na qual o país é campeão mundial. Como diz o teólogo Frei Betto, esta ausência de projeto só agrava as disparidades sociais. “Em 2006, o Bolsa Família doou R$ 15 bilhões para 11 milhões de famílias pobres. Já o ‘bolsa especulador’ deu R$ 150 bilhões para 20 mil famílias de credores da dívida pública. Não há futuro para um país que beneficia dessa maneira a camada mais rica”.

Os paradoxos do PAC

Expressão cabal desta contradição encontra-se no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), anunciado com toda pompa e circunstância no início do segundo mandado. Por um lado, ele dá sinais positivos ao reforçar a necessidade do papel indutor do estado, ao fixar metas de investimentos e ao planejar as prioridades – como em obras de saneamento e habitação. É melhor debater propostas de desenvolvimento do que ficar discutindo a estabilidade monetária, como no reinado neoliberal do ministro Antonio Palocci. Por outro lado, o PAC não enfrenta os verdadeiros gargalos do crescimento econômico nem fixa qualquer controle social sobre os investimentos, que podem servir apenas às poderosas empresas.
O tripé neoliberal da política macroeconômica – política monetária restritiva dos juros elevados, arrocho fiscal do superávit primário e libertinagem cambial – mais uma vez não foi tocado para alegria do capital especulativo. Num gesto de pura provocação, na mesma semana em que foi anunciado o PAC o Banco Central reduziu o ritmo da queda da taxa de juros. Lula falou em acelerar o crescimento e o BC pôs o pé no freio, revelando que manda, de fato, na economia. Se fosse mais ousado, o presidente teria demitido toda a direção do BC – uma fortaleza dos banqueiros. Este paradoxo, entre a retórica desenvolvimentista e a prática monetarista, pode inclusive empacar o PAC e torná-lo apenas uma peça publicitária.

Iniciativas contraditórias

Nesta mesma lógica contraditória, o segundo mandato combina medidas positivas com outras altamente negativas. Entre as positividades, Lula não esqueceu o seu passado operário e teve a coragem de vetar a nefasta Emenda-3 do projeto da Super-Receita. Este contrabando da bancada patronal, que foi batizado de Emenda da Rede Globo, reduziria a ação de fiscalização nas empresas e estimularia a precarização do trabalho e a figura da Pessoa Jurídica (PJ), sem vínculos empregatícios. Apesar da pressão da mídia, o presidente manteve seu veto e, para isto, contou com o apoio do grosso do sindicalismo. Ainda na área trabalhista, ele apresentou projeto reconhecendo as centrais sindicais, um fato inédito na nossa história.
Num outro gesto histórico, o governo reconheceu oficialmente os brutais crimes praticados pela ditadura militar. Também investiu na criação da rede pública de televisão, como contraponto às manipulações da mídia. Além disso, deu passos expressivos no combate à opressão de gênero – com a criação da Secretária das Mulheres, a adoção da Lei Maria da Penha e a ampliação da licença maternidade –, no enfrentamento dos preconceitos raciais e na adoção de políticas afirmativas para a juventude trabalhadora – como o ProUni, que já ofereceu 300 mil bolsas de estudos no ensino superior para os jovens de baixa renda.
Já no extremo oposto, o governo acaba de “privatizar” sete rodovias federais – mesmo que em condições melhores das que efetuadas por FHC –, e já concluiu seu controvertido projeto das fundações estatais, que acaba com a estabilidade no emprego dos servidores e entrega à iniciativa privada inúmeros equipamentos sociais. Sob o argumento da crise do petróleo, de seu papel nefasto ao meio ambiente e das vantagens comparativas do Brasil, o presidente se tornou o principal “mascate” do chamado biocombustível. Mas, para a alegria dos usineiros, até agora não criou mecanismos de proteção contra a perigosa concentração agrária, contra a crescente desnacionalização da agricultura ou de proteção ao trabalhador rural.

Alguns riscos iminentes

Além destas medidas negativas, ainda há espectros perigosos rondando os lares dos trabalhadores. Desde abril passado, o Fórum Nacional da Reforma da Previdência, uma instância tripartite, discute medidas de “ajuste” nesta área. As entidades patronais insistem no falso discurso do déficit previdenciário, fato que é desmentido pelas próprias contas do governo, que confirmam o superávit da seguridade e a sua melhoria constante devido ao crescimento econômico, que reduz a informalidade e reforça o caixa da previdência. A pressão é pelo aumento da idade mínima de aposentaria – alguns raivosos falam em 70 anos –, redução dos benefícios e pelo incentivo aos fundos privados de pensão. O governo finge-se de arbitro, acima dos interesses de classe, mas fala em mudanças para as próximas gerações, ou seja, para os nossos filhos.
Também continua o embate sobre a lei de greve no serviço público. O projeto apresentado pelo ministro Paulo Bernardo, seguidor de Palocci, foi retirado da pauta após intensa pressão do sindicalismo. Exigia quorum absurdo para decretar greve, instituía a figura do fura-greve e penalizava os sindicatos com altas multas. Agora, diante da pressão das entidades patronais, o governo fala novamente em desarquivar este nefasto projeto. No seu vácuo, o Poder Judiciário ajuizou um pacote que restringe o direito de greve no setor. Também não estão descartadas mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), taxada recentemente pelo presidente Lula de “antiquada”. Com diz o ditado popular, onde há fumaça, há fogo!

Problemas estruturais

Devido a esta política ambígua, na qual convivem medidas positivas e outras altamente negativas, graves problemas estruturais do país não são tocados. A economia dá sinais de crescimento e o presidente afirma viver num “céu de brigadeiro”. Mas as profundas injustiças não são enfrentadas. O desemprego continua elevado; a informalidade abarrota as cidades; a renda dos assalariados ainda é das mais baixas do mundo; a perversa estrutura agrária concentra 56% das terras agricultáveis nas mãos de 1% de latifundiários; as favelas amontoam de 20% da população nos centros urbanos; os serviços públicos de saúde, educação e outros são de péssima qualidade; e 28,8 milhões de trabalhadores estão excluídos da previdência social.
No outro extremo, a ditadura financeira, a grande vilã dos tempos modernos, continua auferindo lucros recordes. Os balanços do primeiro semestre indicam que o Bradesco alcançou lucro liquido de R$ 4,007 bilhões – novo recorde histórico, 27,9% superior ao obtido no passado. Já o Itaú superou seu concorrente no pódio dos especuladores, obtendo lucro liquido de R$ 4,016 bilhões, resultado 35,8% superior ao de 2006. A escandalosa lucratividade dos bancos, resultante das taxas de juros estratosféricas (segunda maior do mundo) e da criminosa cobrança de tarifas (que hoje cobrem todos os gastos com funcionários), reduz o crédito ao consumo interno, asfixia a produção e eleva a dívida pública interna. O governo, que festeja a redução da dívida externa, está atolado na imensa dívida interna, que já supera R$ 1,198 trilhões. A União é forçada a desembolsar cerca de R$ 150 bilhões ao ano para pagar os juros, beneficiando uma minoria de 20 mil famílias de rentistas em detrimento dos recursos para a infra-estrutura e os programas sociais.
Além da orgia financeira, o Brasil virou um paraíso das multinacionais. Segundo estudos da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), o país já é o quinto melhor do mundo para os investidores estrangeiros. As poderosas corporações são atraídas pelo baixo custo da mão-de-obra, mercado abundante, carga tributária menor do que a das nações desenvolvidas e pela desregulamentação da economia. Até setembro último, as fusões e aquisições das empresas brasileiras movimentaram US$ 44 bilhões, segundo a consultoria Thomson. A “armada espanhola” abocanhou até bancos, lembrando a fase colonial. Este processo explica porque no ano passado as multinacionais bateram recordes na remessa de lucros ao exterior. A “febre do etanol” também seduz os estrangeiros, como o megaespeculador George Soros, que adquirem enormes extensões de terra num temido processo de desnacionalização do campo.

A opulência dos ricos

Irritado com as vaias na abertura do Pan e com a criação do “Cansei”, um movimento articulado por ricos empresários e notórios tucanos, o presidente Lula desabafou num comício recente: “Os que estão vaiando são os que mais deveriam estar me aplaudindo. Posso garantir que foram os que ganharam muito dinheiro no meu governo. Aliás, a parte mais pobre é que deveria estar zangada, porque ela teve menos do que eles tiveram. É só ver quanto ganharam os banqueiros e os empresários”. O emblemático discurso serve como uma penitência. Realmente, as camadas ricas da sociedade não têm do que reclamar do governo Lula.
Ao manter intocados os graves problemas estruturais do país, a elite burguesa concentra ainda mais renda e riqueza. Recente estudo da Boston Consulting revela que os bilionários “nativos” detêm mais da metade do PIB nacional. Ao todo, são 130 mil ricaços com ao menos US$ 1 milhão cada em investimentos. Mais ricos da América Latina, sua fortuna conjunta é estimada em US$ 573 bilhões – em 2005, era de US$ 541 bilhões. Entre 2000 e 2005, o Brasil saltou da 18ª para a 14ª posição no ranking das nações com maior número de ricaços no mundo. Não é para menos que o país atrai tantas marcas, butiques e condomínios de luxo. Como ironiza a colunista Mônica Bergamo, “se tem um setor que não está precisando do PAC é o do consumo de alto luxo. O país cresceu 3,7% em 2006, certo? Pois, o mercado de luxo explodiu e cresceu 32%. Se, em 2005, o faturamento das empresas deste ramo foi de US$ 2,9 bilhões, em 2006 ele saltou para US$ 3,9 bilhões. Em 2007, a estimativa é que fature US$ 4,3 bilhões”.
Diante desta enorme disparidade, não há programa Bolsa Família que reverta esta brutal concentração de renda e riqueza. Estudo do Instituto de Pesquisas em Economia Aplicada (IPEA) demonstra que, apesar dos programas sociais do governo Lula, a desigualdade se mantém intacta. “Apenas 10% da população continua se apropriando de 80% da renda nacional”, explica Gabriel Ulyssea, pesquisador do IPEA.

Projeto de desenvolvimento

Diante desta disjuntiva, em que ocorrem avanços em algumas áreas, mas persistem os graves problemas estruturais, torna-se vital garantir os compromissos da campanha eleitoral de 2006. Diferentemente do pleito em 2002, em que a ameaça do chamado “risco-Lula” de desestabilização da economia levou o candidato a assinar a “carta ao povo brasileiro” (também apelidada de “carta aos banqueiros”), na qual cedia às chantagens do capital financeiro, agora os seus compromissos são com as camadas populares. A radicalização da campanha no segundo turno forçou maior nitidez do projeto mudancista.
Nos comícios públicos, Lula garantiu que o seu segundo mandato teria “a obsessão do desenvolvimento”, criticou os que propõem a precarização do trabalho e outra contra reforma da previdência, condenou a privataria e reconheceu que não houve mudanças profundas na estrutura agrária. O programa de governo 2007-10 fez uma demarcação mais explícita com as teses neoliberais e estabeleceu seis compromissos: a) combate à exclusão social; b) desenvolvimento com distribuição de renda; c) educação massiva e de qualidade; d) ampliação da democracia; e) garantia de segurança publica; f) inserção soberana no mundo.
O desafio agora e viabilizar as promessas de campanha que garantiram sua reeleição. Neste sentido, urge romper com os entraves neoliberais ao crescimento econômico do país, única forma segura para a geração de emprego e renda. O tripé neoliberal dos juros elevados (política monetária), arrocho fiscal (superávit primário) e da libertinagem cambial, precisa ser superado. Do contrario, o próprio PAC corre o risco de empacar. Uma política ousada de crescimento não combina com a manutenção da diretoria ortodoxa do Banco Central, a principal fortaleza dos banqueiros. Alem das medidas para destravar o desenvolvimento, o segundo mandato também necessita enfrentar os gargalos estruturais do país.
A exemplo da campanha pelas reformas de base no governo João Goulart, que contagiou a sociedade nos anos 60, estão dadas as condições hoje para se deflagrar uma massiva e unitária mobilização por reformas democráticas. Seis delas adquirem urgência: a) reforma política, que aperfeiçoe o sistema eleitoral e o pluralismo partidário e garanta maior protagonismo aos setores populares; b) reforma agrária, que elimine de vez o latifúndio e garanta o acesso a terra de milhões de trabalhadores rurais; c) reforma urbana, que enfrente os dramas dos centros urbanos e garanta acesso aos serviços públicos de qualidade; d) reforma tributaria, que desonere os assalariados e os pequenos e médios proprietários e fixe a tributação progressiva sobre os detentores de riqueza e renda; e) reforma da educação, que garanta o acesso ao ensino completo para os filhos dos trabalhadores e permita, de fato, a igualdade de oportunidades; f) e democratização dos meios de comunicação, com o fim da ditadura midiático no país.

Pressão urgente

O governo Lula, que inicia seu segundo mandato, é uma experiência inédita na história do país. É fruto do acúmulo de força dos movimentos sociais e dos partidos de esquerda, com suas virtudes e seus defeitos. Em 1930, um operário negro disputou a presidência da República, o comunista Minervino Oliveira, mas não pode votar em si próprio porque estava preso. Em 1945, outro candidato de esquerda, o médico Yedo Fiúza, teve quase 10% dos votos, o que não impediu que o Partido Comunista do Brasil fosse colocado na ilegalidade dois anos depois e que seus 14 deputados e um senador fossem arbitrariamente cassados. Agora, em decorrência do avanço das forças populares e progressistas, Lula é eleito e reeleito presidente.
Esta conquista inédita representa uma dura derrota das classes dominantes, que nunca estiveram fora do poder central. Mas, derrotadas eleitoralmente, elas não entregam a rapadura e fazem forte pressão para enquadrar e domesticar o governo. Contam para isso com as próprias limitações e a falta de convicção de projeto do próprio presidente. Nos momentos mais tensos, como na crise política aberta em maio de 2005 com as denuncias de corrupção contra o núcleo central do governo, as elites inclusive apostaram na via golpista, procurando emplacar o impeachment do presidente. O jogo de pressão é violento e permanente.Sem fazer o jogo da elite e de sua mídia venal, os setores populares e progressistas da sociedade também precisam intensificar a pressão sobre o governo Lula, fazendo o contraponto à tática da burguesia. Só com muita pressão popular será possível viabilizar as mudanças profundas, que destravem o desenvolvimento econômico, valorizem o trabalho, promovam a inclusão social e garantam as reformas estruturais para enfrentar as gritantes desigualdades deste rico Brasil. Com isto, serão dados os passos para a superação do neoliberalismo, expressão maior da barbárie capitalista, e para a aproximação do objetivo socialista.

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Um balanço parcial do governo Lula

Depois de vinte anos de feroz ditadura militar e de mais de uma década de ofensiva neoliberal, o Brasil se encontra inserido num novo contexto político. A vitória eleitoral de 2002, que levou um líder operário à presidência da Republica pela primeira vez na nossa história, abriu um novo estagio na luta de classes no país. Ele é mais complexo, cheio de possibilidades para o avanço da luta dos trabalhadores, mas também carregado de obstáculos e armadilhas. O primeiro mandato do presidente Lula confirmou esta disjuntiva.
Ele foi marcado por avanços nas áreas sociais, por maior autonomia frente às potências capitalistas e pela não criminalização dos movimentos populares. Estes aspectos positivos, que não podem ser minimizados, garantiram a sua reeleição em 2006, apesar da agressiva campanha do bloco liberal-conservador e de sua mídia. Ao mesmo tempo, o primeiro governo Lula cometeu graves erros, que causaram justa decepção em setores da sociedade. Não rompeu com a política macroeconômica neoliberal, não promoveu mudanças estruturais e ainda golpeou direitos dos trabalhadores, como na reforma da previdência. Lula nunca se disse de esquerda ou socialista, mas bem que poderia ter avançado mais nas mudanças que o povo almeja.

As vantagens externas

O segundo mandato do presidente Lula, iniciado em janeiro último, abre um novo capítulo nesta história. Em vários sentidos, as condições hoje são bem mais favoráveis para se avançar nas mudanças. O cenário externo permite posturas mais ousadas dos governantes com coragem e convicção de projeto. Diferente do primeiro mandato, quando o presidente-terrorista George W. Bush se encontrava em plena ofensiva, bombardeando e invadindo nações e taxando os descontentes de “eixo do mal”, agora ele está atolado no Iraque e metido numa grave crise interna, o que amplia a margem de manobra das nações dependentes.
Além disso, ocorreram profundas mudanças na América Latina nos últimos anos. Em 2003 só havia um governo progressista na região, o de Hugo Chávez, que ainda corria risco de queda devido a um locaute patronal. Nos demais países, os governos aplicavam a risca o modelo neoliberal e mantinham “relações carnais” com os EUA. Agora o quadro é distinto, com uma viragem à esquerda no tabuleiro político, o que reforça as posições mais progressistas. Os recentes avanços na integração latino-americana, com o fortalecimento do Mercosul, a criação da Unasul, o surgimento da Alba e as várias iniciativas de maior unidade regional, criam melhores condições para o Brasil superar a sua perversa dependência externa.

Suspiro econômico

Outro fator favorável às mudanças encontra-se, contraditoriamente, na situação da economia capitalista internacional. Há cinco anos que ela passa por uma fase de relativa estabilidade, com taxas positivas de crescimento, apesar de medíocres. O período anterior foi de intensa turbulência, com as graves crises do México, Rússia, Ásia e do próprio Brasil. Os países dependentes foram principais vítimas da instabilidade financeira e tiveram vários solavancos. Atualmente, devido ao acelerado crescimento da China, que virou a principal locomotiva da economia, e também a outros fatores, há certo suspiro na economia mundial.
As nações que exportam commodities, produtos de baixo valor agregado nos setores minerais e agrícolas, têm obtido fôlego para crescer. Em parte, isto explica o aumento das exportações brasileiras e seus saldos recordes na balança comercial. Este cenário aparentemente mais favorável, que pode evaporar caso ecloda nova crise nos EUA, permite que o segundo governo Lula seja mais audacioso nas mudanças, superando os gargalos que entravam o desenvolvimento. É bem diferente do primeiro mandato, iniciado com a nação totalmente quebrada e vulnerável, próxima do colapso, devido à gestão criminosa e entreguista de FHC.

Avanços palpáveis

A situação econômica aparentemente mais favorável não decorreu apenas dos fatores externos. O governo Lula adotou algumas medidas que evitaram a falência do país. Em 2003, quando chegou à presidência, o Brasil possuía uma dívida externa de US$ 210,7 bilhões e o temido risco-país, calculado pela ditadura do capital financeira, estava acima de dois mil pontos. Com as mudanças efetuadas na economia, a dívida externa caiu para US$ 161 bilhões no início de 2007 e o risco-país baixou para 200 pontos, menor índice da sua história. O governo também saldou as dívidas com o Fundo Monetário Internacional (FMI), pondo fim às humilhantes auditorias deste órgão da agiotagem. A relação da dívida externa liquida com o PIB, que na gestão de FHC saltou de 17,5% para 35,9%, no primeiro mandato de Lula baixou para 9,4%.
Já as reservas internacionais, que dão maior autonomia à economia, atingiram US$ 95 bilhões em 2006 – bem diferente do triste reinado tucano, quando despencaram de US$ 37,9 bilhões para US$ 16,3 bilhões, deixando o país totalmente vulnerável. O saldo comercial, decorrente do aumento das exportações e da redução de importações, atingiu um superávit de US$ 120 bilhões em 2006. Já no governo FHC, o déficit foi de US$ 8,6 bilhões. As mudanças na economia tiveram reflexos imediatos na vida do trabalhador. O desemprego, que atingiu 13% da População Economicamente Ativa na gestão tucana, baixou para 9% - que ainda é muito elevado. Os graduais reajustes do salário mínimo aumentaram o consumo interno e alavancaram a produção, gerando a abertura de novas vagas. Os programas sociais do governo Lula, com destaque para o Bolsa Família, que atende 11 milhões de lares, também ajudaram a aquecer o economia.

Impulso das eleições

Por último, como fator que empurra o governo Lula para uma postura mais ousada, encontra-se o próprio resultado das eleições de 2006. Apesar do bombardeio da mídia venal e do jogo sujo da direita neoliberal, que se travestiu de arauto da ética, a esmagadora maioria do povo preferiu evitar riscos de retrocesso. Por ironia da história, a ida da eleição ao segundo turno, fruto de graves erros de campanha e da manipulação da mídia, ajudou a demonstrar o que estava em jogo na disputa. Ela forçou o candidato Lula a adotar um discurso mais incisivo, politizando a campanha, com críticas às privatizações e a defesa dos investimentos nas áreas sociais, da política externa soberana e da relação democrática com dos movimentos sociais.
O candidato direitista Geraldo Alckmin ficou acuado e perdeu mais de 2,5 milhões de votos no segundo turno. As forças governistas fizeram maioria na Câmara de Deputados e elegeram vários governadores, ficando em dificuldade apenas no Senado. Neste sentido, a vitória de 2006 não foi apenas eleitoral, mas também política e ideológica. Representou um duro revés das idéias neoliberais, privatistas, entreguistas e anti-sociais. Também ajudou a enfraquecer os mercadores de ilusões no interior do governo, que sempre pregaram a conciliação de classes com as elites burguesas e promoveram cedências no primeiro mandato. Em decorrência deste resultado, os partidos do bloco liberal-conservador entraram em crise. O PFL até mudou de nome, transformando-se em DEM (ou demo!) para esconder sua opção liberal; já o PSDB não se entende, com uma guerra fratricida entre os tucanos José Serra e Aécio Neves. É indiscutível que o segundo governo Lula tem mais força política para emplacar as mudanças que a nação exige.

A derrota da mídia

O resultado eleitoral de 2006 também significou uma fragorosa derrota da mídia hegemônica. Diante do desgaste e da crise dos partidos neoliberais, ela assumiu o papel de “partido da direita”. No passado, ela já prestara este serviço sujo: desestabilizou os governos de Getúlio Vargas e João Goulart; incentivou o golpe de 1964; apoiou a ditadura militar (a famíglia Frias, que controla o jornal Folha de S.Paulo, cedeu suas peruas para o envio de presos políticos à tortura); enriqueceu com o regime autoritário (foi a fase áurea da Rede Globo); demonizou os movimentos grevistas nos anos 80; interferiu na Constituinte para impedir os avanços sociais; criou a figura do “caçador de marajás” para evitar a vitória da esquerda em 1989; apostou na eleição e reeleição de FHC; e fez propaganda escancarada do ideário neoliberal.
No governo Lula, a mídia manteve a mesma linha editorial. Manipulando as informações e deformando as consciências, tentou enquadrar e domesticar o presidente ou simplesmente apostou no seu impeachment, numa despudorada ação golpista. Na campanha eleitoral, ela fez campanha aberta da oposição. O livro “A mídia e as eleições de 2006”, organizado por Venício de Lima, prova com vários gráficos que as notícias negativas contra Lula foram três vezes maiores as de Alckmin. Marcos Coimbra, do Instituto Vox Populi, afirma que nunca viu tanta manipulação. Apesar deste bombardeio midiático, o povo garantiu a reeleição e infringiu histórica derrota à mídia prepotente. Revelou que o seu poder manipulador não é imbatível. Atualmente, apenas seis grupos controlam mais de 70% da mídia nativa – Marinho (Globo), Abravanel (SBT), Macedo (Record), Frias (Folha), Civita (Abril) e Mesquita (Estadão). Somente a TV Globo detém mais de 60% das milionárias verbas publicitárias – inclusive dos R$ 1,06 bilhão dos cofres públicos. Na prática, existe no Brasil uma ditadura midiática, que a pleito de 2006 ajudou a desmascarar. Não é para menos que o governo Lula, tão iludido e dócil no primeiro turno, agora investe na criação de uma rede pública de comunicação e que os movimentos sociais exigem a revisão das concessões para as emissoras privadas de rádio e TV, o fim da perseguição às rádios comunitárias, novo marco regulatório que elimine o monopólio do setor, e a rediscussão do destino das verbas publicitárias. Entre outros méritos, a eleição de 2006 tornou urgente o debate sobre a democratização da mídia. Sem enfrentar a ditadura midiática não haverá efetiva democracia no país e a luta dos trabalhadores esbarrará em enormes obstáculos.

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Os novos ventos na América Latina

Num cenário em mutação, em que o império se fragiliza e as idéias neoliberais perdem encanto, avançam as lutas dos povos no mundo todo. A heróica resistência iraquiana, fincada numa região rica em petróleo, é hoje o calcanhar de Aquiles dos EUA. Fruto da violência imperial, ela conflagrou toda a região asiática. Outro fenômeno animador é o crescente engajamento da juventude na luta por “outro mundo é possível”. Este movimento de rebeldia, que ganhou maior organicidade a partir dos Fóruns Sociais Mundiais (FSM) de Porto Alegre, é hoje uma pedra no sapato das corporações empresariais e das potencias capitalistas. E também surgem sinais positivos de uma retomada das lutas sindicais, com as recentes greves gerais na França, Portugal, Grécia e Itália contra as regressões na previdência social e nos direitos trabalhistas.

Um continente em transe

O destaque desta resistência, porém, se dá na América Latina, o que nem sempre é notado pelos lutadores sociais do Brasil – talvez porque ainda não cultivemos a nossa identidade latino-americana. Nos últimos anos, o continente passou por bruscas alterações no tabuleiro político. Para o cientista político José Luis Fiori, esta mudança é inédita na história da região. De laboratório do neoliberalismo, ela se converteu na vanguarda da luta contra os seus efeitos destrutivos. A resistência avança num ritmo acelerado, utilizando diversas formas de luta. De maneira residual, ainda persistem experiências de guerrilha – com realce para as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs), que dominam 40% do território. Outra forma de luta, com marcas insurrecionais, é a dos levantes populares, que já depuseram onze presidentes na região.
A maior forma de expressão desta rebeldia, entretanto, se dá através das urnas, com a insatisfação popular resultando na derrota dos candidatos comprometidos com as idéias neoliberais. Hugo Chávez, um militar rebelde, inaugurou a série de vitórias à esquerda no final de 1998; na seqüência foram eleitos um operário e sindicalista no Brasil, Lula; um líder camponês e indígena na Bolívia, Evo Morales; um ex-guerrilheiro na Nicarágua, Daniel Ortega; um economista heterodoxo no Equador, Rafael Correa; além de René Preval no Haiti, Nestor e Cristina Kirchner na Argentina, Tabaré Vázquez no Uruguai e Michele Bachelet no Chile. Em breve, um teólogo da libertação, Fernando Lugo, poderá se tornar presidente do Paraguai.

Ritmos e processos diferenciados

Cada país destes, com suas particularidades, realiza experiências distintas no enfrentamento à grave crise que devastou a região nas décadas sombrias do neoliberalismo. Alguns governantes adotam posturas mais ousadas, em especial nas nações andinas – Venezuela, Bolívia e Equador. Outros trilham caminhos mais moderados, evitando confrontos, como no Brasil, Uruguai e Chile. Em comum, todos os novos governos, inclusive por temerem a pressão social, tentam se distanciar dos velhos dogmas neoliberais, paralisando as privatizações em áreas estratégicas da economia, voltando a reforçar o papel indutor do Estado, investindo em programas sociais e reduzindo o ímpeto das medidas de precarização trabalhista.
Como afirmou Chávez no Fórum Social Mundial em Caracas, em 2006, a conduta dos novos governantes reflete a correlação de forças de cada país, não adota um modelo único e segue ritmos diferenciados, mas todos buscam superar as mazelas do neoliberalismo. Para não frustrar as expectativas populares e evitar o retorno do bloco liberal-conservador, as novas forças nos governos necessitam avançar nas mudanças. A vida empurra para maior ousadia e radicalização; do contrário, a revanche da história pode ser brutal. O caso mais exemplar é o da Venezuela, onde o processo bolivariano adquire contornos revolucionários e coloca como desafio a construção do “socialismo do século XXI”. Ele desafia a arrogância imperialista e ataca a ditadura midiática ao não renovar a concessão da golpista RCTV. Mesmo derrotado “por ahora” no referendo, o seu projeto de reforma constitucional propunha a redução da jornada de trabalho para 36 horas semanais, a reforma agrária antilatifundiária e a inclusão na previdência do trabalhador informal.
Já na Bolívia, Evo Morales nacionaliza campos e refinarias de petróleo e gás. A corajosa iniciativa é um marco na história do país, o mais pobre da América do Sul, apesar deste possuir reservas estimadas em 1,5 trilhão de metros cúbicos de gás, de extrair 40 mil barris de petróleo por dia e de produzir 150 milhões de pés cúbicos de gás por ano. A partir deste gesto soberano, parte da riqueza natural agora é destinada aos programas sociais de combate à fome, à eletrificação da zona rural e à alfabetização. Já Rafael Correa, no Equador, afirma que não pagará a dívida externa com a fome do povo, vence com folga a eleição para a Constituinte e reafirma sua convicção socialista. Nos outros países, inclusive no Brasil, o processo de mudança é mais contido, o que gera insatisfação nos movimentos sociais e atiça os setores conservadores.

Esforço da integração regional

Apesar destas diferenças de ritmos e concepções, outro fator unifica estas várias experiências: o esforço da integração latino-americana. Cada governante, por razões pragmáticas ou por convicção, já percebeu que isolado nenhum país terá como enfrentar o poder do “império do mal”, que historicamente sempre tratou o continente como “quintal dos EUA”. Com esta compreensão avançada, importantes passos têm sido dados no rumo da constituição de um bloco regional contra-hegemônico.
Além de fortalecer o Mercosul, que agora suplanta a fase da união comercial e adquire contornos políticos – inclusive com a eleição do seu parlamento –, avança o projeto da Unasul, que integrará toda a América do Sul, e ganha solidez a proposta da construção da Alba (Alternativa Bolivariana das Américas). Passos também são dados no sentido da maior sinergia no setor energético, como no gasoduto que beneficiará toda região, na criação do Banco Sul, como instrumento de fomento ao desenvolvimento regional, e mesmo no reforço da TeleSul, como contraponto à ofensiva ideológica dos EUA através de sua mídia.
Nunca antes na história a América Latina avançou tanto na concretização do antigo sonho do libertador Simon Bolívar da construção da “Pátria Grande” – para o desespero do imperialismo ianque e europeu. É certo que a integração não é um processo fácil. Há muitas assimetrias entre os países da região. Há ainda divergências políticas, como diante da ocupação do Haiti por tropas da ONU, sob comando do Brasil. Já a nacionalização do petróleo na Bolívia atiçou a ira da elite brasileira, que exigiu o rompimento de relações diplomáticas e o envio de tropas à fronteira. Apesar destas dificuldades, os novos governantes sabem que a integração é vital – do contrário será a desintegração da região para a alegria do “império do mal”.

Reação do império e das oligarquias

Mas estes avanços, que confirmam o cenário mais favorável à luta dos povos, não ocorrem impunemente. Os EUA têm poderosos interesses nesta rica e estratégica região e não ficam parados frente às mudanças. O império continua atuando nos campos econômico-comercial, político-diplomático, militar e ideológico. Derrotado na proposta neocolonial da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), tenta seduzir e atrair países via tratados bilaterais de comércio (TLCs) para isolar as nações rebeldes. Mesmo desmoralizado, ainda investe na desestabilização dos governos da região – como na tentativa frustrada de golpe contra o governo venezuelano e, agora, no incentivo às iniciativas separatistas da burguesia na Bolívia. No terreno militar, ele mantém mais de 850 “consultores” no governo do narcoterrorista Álvaro Uribe, na Colômbia, e monta mais uma base no Paraguai. Já na esfera ideológica, os EUA detêm o controle de mais de 85% das informações que circulam na região e contam com o apoio da mídia venal e servil destes países.
As oligarquias locais, que há séculos controlam o poder e saqueiam as riquezas num consórcio subalterno com os grupos imperialistas, também procuram sair da defensiva. No referendo da reforma constitucional na Venezuela, elas superaram sua divisão e, com o forte apoio dos EUA, conquistaram importante vitória política – após sofrerem dez derrotas eleitorais consecutivas. Na Bolívia, a elite racista organiza grupos de mercenários, promove o desabastecimento do mercado e prega o separatismo, criando um clima de guerra civil para sabotar a nova Constituição. No Equador, investe contra a Constituinte instalada em novembro e também prega a divisão do país. Mesmo nas experiências mais moderadas, ela tenta criar obstáculos às tímidas mudanças. A recente derrota da CPMF, o “imposto do cheque” usado para financiar os programas sociais e a área da saúde, comprova o ódio da burguesia à “gastança pública” do governo Lula.

Urgência do internacionalismo ativo

Todas estas investidas do imperialismo e das oligarquias associadas indicam que, apesar dos avanços, não está ainda consolidado o projeto de mudanças na região – seja na perspectiva socialista ou mesmo na via moderada. Qualquer deslize tático pode ser fatal para os que defendem a libertação da América Latina. Na prática, os setores populares e democráticos do continente ainda se encontram numa fase de resistência, de acumulação de forças, na qual é fundamental ousadia, inteligência política e forte unidade. O “império do mal” e as elites abastadas ainda são poderosos e as idéias neoliberais não foram totalmente derrotadas. O projeto de superação do neoliberalismo e de aproximação do objetivo estratégico socialista exige que os trabalhadores sejam protagonistas das mudanças que alterem as estruturas injustas do sistema capitalista. Neste sentido, a ação internacionalista dos trabalhadores é uma exigência ainda mais atual. Entre outros desafios, é urgente denunciar os planos de dominação e exploração das nações imperialistas, em especial dos EUA. É necessário se solidarizar com todos os povos em luta por soberania e justiça – o que hoje se materializa no apoio ao heróico povo cubano, que resiste há 50 anos de criminoso bloqueio econômico, e na solidariedade ativa às experiências antiimperialistas da Venezuela, Bolívia e Equador. A bandeira da paz, contra as guerras imperialistas, adquire cada vez maior centralidade. É preciso também reforçar todas as iniciativas que marchem no sentido da integração latino-americana, como única forma de se contrapor aos desígnios do “império do mal”.


Janeiro de 2008
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A crise do império e do neoliberalismo

O ano de 2007 confirmou o processo de alteração da correlação de forças no mundo, com uma tendência mais favorável às lutas dos povos. As forças contrárias aos trabalhadores se fragilizaram e a resistência ao neoliberalismo e ao poder imperial dos EUA cresceu. Diferentemente das décadas anteriores, nas quais o capital promoveu uma verdadeira tsunami contra os estados nacionais, a democracia e os direitos sociais, atualmente está em curso um movimento que tenta transitar, com suas limitações e ritmos diferenciados, da resistência à construção de alternativas ao neoliberalismo. A maior expressão deste avanço se dá na América Latina do libertador Simon Bolívar e do revolucionário Ernesto Che Guevara. É neste contexto que os movimentos sociais devem lutar, com maior ousadia, por seus interesses imediatos e futuros.

Fraquezas do “império do mal”

Prova desta alteração da correlação de forças é a crise que atinge o maior inimigo da humanidade, os Estados Unidos. Após décadas de hegemonia esmagadora no planeta, agredindo e saqueando as nações para impor seus interesses, os EUA dão evidentes sinais de fraqueza – o que não significa que estejam à beira do colapso. Na didática síntese do sociólogo Emir Sader, a força de um império se mede por dinheiro, armas e palavras. Nestes três quesitos, os EUA estão em dificuldades.
No tocante à economia, ao dinheiro, o país enfrenta uma grave crise. O recente colapso do seu mercado imobiliário revelou que esta economia é virtual, sem base no real. Os EUA são hoje um país endividado, totalmente parasitário. Seu déficit gêmeo – importa mais do que exporta (déficit comercial) e gasta mais do que arrecada (déficit fiscal) – não pára de crescer e já supera a casa de US$ 1,3 trilhão. O país precisa atrair cerca de US$ 3 bilhões ao dia para sustentar os seus déficits. A dívida das famílias estadunidenses atinge a cifra recorde de US$ 11,5 trilhões e a das empresas já supera os US$ 8,4 trilhões. Segundo o renomado economista Osvaldo Martinez, “a crise econômica dos EUA é estrutural e insolúvel”.
Os trabalhadores são as maiores vítimas deste declínio da economia. O Census Bureau, instituto oficial de estatísticas do governo, divulgou recentemente que o número de pobres nos EUA atingiu 36,5 milhões de pessoas – para a Academia Nacional de Ciências, mais rigorosa nos cálculos, são 41,3 milhões de pobres, um recorde histórico. O desemprego cresceu, atingindo em agosto, antes da explosão da crise imobiliária, 4,9% da População Econômica Ativa (PEA) – quando George Bush venceu as eleições, em 2000, o índice era de 3,9%, já considerado alto para os padrões ianques. O trabalho parcial, temporário e precário é um dos mais elevados do mundo, já que impera no país a total desregulamentação trabalhista, e os salários não têm aumento real, acima da inflação, há anos.

O inferno dos imigrantes

Enquanto isto, o presidente-terrorista George W. Bush investe fartos recursos nas guerras, servindo aos interesses da indústria bélica e do petróleo. O orçamento de 2008 prevê gastos militares de US$ 790 bilhões – quase o dobro do PIB brasileiro. Para bancar o seu belicismo insano, Bush corta gastos sociais, como no recente pacote de redução da assistência à infância, privatiza os serviços públicos e precariza os direitos trabalhistas. Cerca de 47 milhões de estadunidenses não têm qualquer proteção à saúde e 8,7 milhões de crianças estão sem assistência social. O aumento da miséria fica mais patente entre os imigrantes – os milhões de miseráveis da periferia capitalista atraídos pelo “paraíso do consumo”.
Há 12 milhões de latino-americanos – incluindo um milhão de brasileiros – na triste condição de ilegais. O imigrante coloca a vida em risco ao atravessar o “muro da vergonha”, que separa o México dos EUA. Na parte mexicana, ele é espoliado por máfias criminosas que cobram até US$ 12 mil pela travessia ilegal – dormindo em barracas de lona, sem higiene e com péssima alimentação. Já no território ianque, ele é perseguido por 17 mil soldados – só em abril passado, 4.802 brasileiros foram detidos, uma média de 160 ao dia. Ele também é perseguido por sádicos empresários, que participam das caçadas organizadas por grupos racistas, como a Gatekeeper. Em 2006, ocorreram 441 mortes na fronteira. Os que ingressam nos EUA são explorados como mão-de-obra barata, nos trabalhos mais penosos e perigosos e sem direitos à rede pública de hospitais e escolas. O imigrante é o retrato da miséria na pátria do capitalismo.

Um novo Vietnã

Além dos graves problemas econômicos, os EUA enfrentam duros revezes no campo militar, nas armas. O Iraque se transformou num grande pesadelo. Segundo pesquisas de Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia, os gastos com esta guerra atingiram em dezembro passado o valor de US$ 2.267 trilhões. O governo do carrasco George W. Bush achava que a ocupação seria um passeio. Mas já são quase 4 mil soldados ianques mortos e outros 27 mil feridos pela insurgência iraquiana, que preferiu adotar técnicas de guerrilha a combater de frente o poderoso exército invasor. Como afirma o teólogo Frei Betto, o Iraque é o novo Vietnã, que apavora os estadunidenses. “Se ficar o bicho come, se correr o bicho pega”, afirma.
Mesmo no Afeganistão, pouco tratado na mídia, os EUA perdem terreno, com os guerrilheiros do Taleban retomando o controle de importantes fatias do território nacional. O governo fantoche de Hamid Karzai só se mantém no poder devido ao apoio dos soldados ianques e à aliança feita com as máfias do ópio – o que revela o falso discurso de Bush na sua cruzada contra o narcotráfico. O poderio militar, as armas, não tem garantido o plano hegemonista nesta região rica em petróleo e estratégica na geopolítica internacional. A Palestina continua conflagrada na luta pelo estado nacional; Líbano e Síria se insurgem contra a ambição imperialista; e o Irã parte para a ofensiva, inclusive no terreno nuclear. Como fera acuada, o “império do mal” dá sinais de desespero. Bush até ameaçou recentemente com uma terceira guerra mundial.

Desgaste do “diablo” Bush

Em decorrência da crise econômica e do pesadelo militar, já é tida como certa a derrota do presidente-terrorista George W. Bush nas eleições do próximo ano. Forte indicio desta tendência foi a surra do Partido Republicano no pleito para as duas casas legislativas no final de 2006, um fato inédito na história recente deste país. As idéias belicistas de Bush no front externo e sua política interna neoliberal sofrem rápido desgaste. Vários assessores neocons e teocons já abandonaram o navio do desgastado presidente como ratos no naufrágio. Manifestações de rua se sucedem nos EUA para rechaçar o governante que afundou o país na crise, elevou os índices de miséria, retirou direitos dos trabalhadores e mandou para guerra mais de 300 mil soldados – 150 mil integrantes das Forças Armadas e outros 150 mil mercenários.
Cresce também a pressão por democracia, já que Bush transformou o país num estado policial, através da Patriot Act e de outras medidas ditatoriais, vigiando o acesso à internet e até a compra de livros, escutas telefônicas ilegais e prisões de milhares de pessoas sem prova ou direito à defesa. Pelo mundo afora, o tirano é rechaçado em protestos massivos e cada vez mais radicalizados. O “Fora Bush” ecoa em todos continentes e o presidente dos EUA é considerado o “homem mais detestado do planeta”.

A fadiga do neoliberalismo

As idéias destrutivas e regressivas que emanaram dos EUA no final dos anos 80, reunidas no famigerado “Consenso de Washington”, atualmente não seduzem sequer alguns governos de direita. Além de agravar os problemas da humanidade, elas não conseguiram dar novo fôlego à economia capitalista, que continua patinando em baixos índices de crescimento – os menores desde os anos 70. As privatizações criminosas, a diminuição dos investimentos sociais e o desmonte dos direitos trabalhistas e previdenciários hoje são questionados no mundo inteiro. Até na Europa, onde a direita neoliberal retorna ao poder numa nova onda conservadora, os governantes procuram outras formas, mais mitigadas, de exploração para fugirem da ira popular – como ocorreu recentemente na França, com as explosivas revoltas de imigrantes e jovens.
O desgaste das idéias neoliberais confirma as dificuldades do próprio capitalismo. Este modo de produção está cada vez mais hipertrofiado, sob controle da ditadura financeira. O aumento da produtividade, fruto dos avanços tecnológicos, não serve ao bem-estar social, mas é apropriado por uma minoria de rentistas, que especula com as riquezas produzidas. Diariamente, on-line, circulam pelo mundo mais de US$ 3,5 trilhões na especulação financeira. Confirma-se também a tendência da concentração de riquezas no sistema capitalista, com as megafusões de empresas e a privatização das estatais. Na ambição do lucro, esta minoria coloca em perigo a própria existência do planeta, devastando o meio ambiente.

Avanço das potencias rivais

Neste processo de perda crescente de hegemonia dos EUA, novas potências surgem no cenário mundial e tentam romper o poder unipolar do imperialismo ianque. A China, com todas as contradições do seu “socialismo de mercado”, desponta como uma rival poderosa, ocupando o terceiro lugar na economia. Hoje já é a maior credora da divida pública dos EUA, o que dificulta suas ações agressivas, e a principal locomotiva da economia. Já a Índia, com toda a sua miséria, passa a ocupar papel de relevo no planeta. A Rússia, arrasada pela restauração capitalista, também tenta se firmar no contexto mundial.Junto com o Brasil, Rússia, Índia e China constituem hoje o temido BRIC, que resiste às investidas expansionistas do imperialismo ianque e europeu. Graças a sua ação conjunta, a Rodada de Doha, que visa definir as regras do comércio internacional, está empacada há quase dois anos. As potências capitalistas forçam a criminosa abertura das economias periféricas, em especial nas áreas da indústria e dos serviços, mas não aceitam mudar as suas regras protecionistas nas atividades agrícolas. Defendem, cinicamente, o “façam o que eu falo, não o que faço”, mas já não conseguem impor os seus ditames.
11∕janeiro∕2008 www.adital.org.br