terça-feira, 1 de julho de 2008

Limpeza étnica na Europa fascista

O Parlamento do Mercosul, reunido na cidade argentina de San Miguel de Tucumán, aprovou ontem uma dura resolução de repúdio às novas regras migratórias em vigor na União Européia, a fascista “Diretiva de Retorno”. Segundo relatos de bastidores, o documento foi articulado pelo ministro de Relações Exteriores do Brasil, o embaixador Celso Amorin, foi consensual entre os países membros do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai) e teve o entusiástico apoio dos governos da Venezuela e Bolívia, ainda em fase de adesão formal ao bloco regional.

“O Parlamento do Mercosul declara seu repúdio à denominada Diretiva de Retorno, que constitui uma violação aos direitos humanos básicos, em particular ao direito de livre circulação... Declara a sua esperança na capacidade do Parlamento Europeu rever, com base nos valores civilizatórios da Europa, essa decisão equivocada e estéril, que mancha a imagem da União Européia”, afirma a incisiva resolução, que será encaminhada a todas as instâncias internacionais. Alguns governos latino-americanos também não descartam a possibilidade de adotar duras medidas de represália, no espírito do direito à reciprocidade, como forma de pressão sobre as nações européias.

Oito milhões de “criminosos”

A Diretiva de Retorno, aprovada pelo parlamento europeu em 18 de junho, representa uma brutal regressão na política migratória e reflete a atual onda direitista no velho continente, com a vitória de vários governantes xenófobos. Ela relembra a fúria racista do período nazi-fascista. Fixa que, a partir de 2010, o estrangeiro em situação irregular em qualquer país da União Européia terá de sete a 30 dias para voltar ao seu país de origem, independentemente do tempo de residência na Europa e mesmo de sua situação familiar. Caso não deixe o país, ele ficará sujeito à detenção por seis meses, prorrogáveis por mais 12 meses. Os filhos nascidos na Europa também poderão ser separados dos pais imigrantes e os deportados não poderão retornar à Europa durante cinco anos.

Segundo estimativas, atualmente há oito milhões de imigrantes ilegais no continente – entre eles, cerca de 800 mil brasileiros. A partir da vigência desta lei, já batizada de Diretiva da Vergonha, todos passarão a viver como criminosos, perseguidos pela polícia migratória e discriminados por europeus envenenados pelas manipulações racistas difundidas na mídia hegemônica. O clima de terror já impera. Na Itália, o magnata da mídia Silvio Berlusconi, durante a sua campanha para o terceiro governo, pregou abertamente a “tolerância zero contra o rom [ciganos], os clandestinos e os criminosos”. Eleito, já ordenou a destruição de acampamentos e a prisão sumária de ciganos.

Arsenal de desgraças do colonizador

Na França, liderada por outro fascista, Nicolas Sarkozy, foram fixadas cotas anuais de expulsão de estrangeiros. Também foi autorizado o interrogatório de “suspeitos” durante seis dias, sem a presença de advogados, e as normas de controle dos aeroportos agora serão secretas. O governo francês ainda decretou que os patrões deverão denunciar funcionários sem documentos sob pena de multa de 15 mil euros e cinco anos de prisão. Na Espanha, o social-democrata Luis Zapatero se vangloriou de ter expulsado 330 mil imigrantes – 50% mais do que nos últimos quatro anos de José Aznar. Outros países autorizaram a polícia a deter os imigrantes por 42 dias sem acusação formal e os serviços secretos já vasculham, sem sentença judicial, os correios eletrônicos.

Na opinião do jornalista Luis Eça, a escalada xenófoba na Europa, que explica a recente vitória de governantes fascistas, teria vários motivos. “A aversão da população européia aos imigrantes se explica, em parte, pelo racismo – nem sempre expresso, mas, em geral, latente –, herdado dos tempos coloniais, quando os africanos eram acoimados de selvagens e os asiáticos de bárbaros que deveriam ser ‘civilizados’. Outra razão, talvez mais importante, é o temor de que os intrusos venham a tomar postos de trabalho da população local”. Os imigrantes seriam as vítimas destas injustiças. “Após séculos, primeiro escravizando e depois explorando impiedosamente a África, a América Latina e parte da Ásia, a Europa parece não ter esgotado o seu arsenal de desgraças”.

Novos escravos da Europa

No seu calvário, o imigrante sofre ao tentar ingressar no “primeiro mundo”, ao ser violentamente explorado e, agora, ao ser perseguido e expulso. Ele trabalha nas áreas mais penosas e insalubres, numa jornada média de 60 horas semanais, com salários baixos e sem qualquer direito. Temendo ser denunciado à polícia, ele se submete às horas não pagas, à truculência patronal, às demissões arbitrárias, à ausência de indenizações e ao trabalho noturno e no final de semana. Os imigrantes ilegais, mas também os legais, são utilizados pela burguesia para instigar a concorrência entre os trabalhadores, o que estimula a divisão na própria classe e os piores instintos xenófobos.

Reportagem contundente do jornal O Estado de S.Paulo, intitulada “Novos escravos da Europa”, revelou o drama de dois africanos, Adam Mohamed e John Kawala, que venderam suas lojas de artesanato em Gana “para reunir dinheiro e pagar todas as propinas necessárias para cruzar várias fronteiras e chegar a Europa. Em três semanas, passaram por Gana, Togo, Benin, Níger, Líbia e finalmente cruzaram o mar Mediterrâneo até o sul da Itália. Gastaram 4 mil cada um na viagem. Tudo isso para, três meses depois, viverem na condição parecida com a da escravidão na Europa. ‘Se eu soubesse que viria ao inferno, não teria iniciado a viagem’, afirma Kawala, 35 anos”.

Violação dos direitos humanos

O artigo mostra que esta é a sina da maioria dos 500 mil africanos, latino-americanos e asiáticos que ingressa no bloco todos os anos. O grosso trabalha ilegalmente, sendo responsável por quase 12% do PIB europeu. Muitos vivem “em condições de indigência. Eles sofrem diariamente com violência, vivem em edifícios abandonados, sem eletricidade ou água, e infestados de ratos. Pior: não podem voltar diante das dívidas que acumularam com seus patrões. Conhecida por criticar as condições de trabalho na produção da cana-de-açúcar no Brasil ou de têxteis na China, a Europa está sendo obrigada agora a admitir a existência dessas violações em seu próprio território”.

No trabalho nos campos da Itália, França ou Espanha, “quem ousa fugir é até perseguido pelos capatazes das fazendas. Há dois anos, a região [da Calábria] ainda foi tomada por um escândalo envolvendo a morte de poloneses que também trabalhavam no campo. Investigações feitas pela Justiça mostraram que algumas das mulheres encontradas mortas poderiam ter sido estupradas e aquela foi a primeira vez que os italianos passaram a saber a real situação dos imigrantes... Hoje, os que morrem não têm muitas vezes nem como ter seu corpo transportado para seus países”.

Resposta deve ser dura

Além de comer o pão que o diabo amassou, em condições desumanas de trabalho, o imigrante será agora mais perseguido e humilhado. Para Emir Sader, “a mensagem européia é clara. Diz um colunista espanhol: ‘Imigrante, não, muito obrigado. Petróleo, passe, por favor’. Em outras palavras, livre comércio, mas, numa sociedade que considera o ser humano mercadoria, estes são excluídos da lei geral. As mercadorias podem circular livremente, os seres humanos, não... Não é necessário recordar que sempre aceitamos imigrantes europeus, sem nenhuma política de cotas”.

Para o renomado sociólogo, é urgente repudiar esta barbárie fascista. “Uma vez García Márquez anunciou que não permitiria mais a venda dos seus livros na Espanha se passasse a ser solicitado visto aos colombianos. Agora, Hugo Chávez anuncia que deixará de vender petróleo aos países que aplicarem a Diretiva da Vergonha”. A resposta dos governos e dos povos latino-americanos, africanos e asiáticos deve ser dura. Nos séculos 19 e 20, os países do Sul “receberam milhões de italianos, portugueses, franceses, alemães, espanhóis e ingleses, que para cá vieram em busca de melhores oportunidades que seus países não ofereciam. Mas, na Europa de Berlusconi, Sarkozy, Merkel e Brown, gratidão não é um argumento levado em conta”, ironiza Luis Eça.