domingo, 15 de março de 2009

A crise mundial está só no começo

Os últimos dados econômicos indicam que a crise capitalista será mais destrutiva do que muitos imaginavam. Ela está mais para tsunami do que para “marolinha”. Não dá ainda para prever sua dimensão ou duração, mas ninguém mais duvida dos enormes estragos que causará e muitos se recordam do desastre do crash de 1929, que só atingiu o seu pico quatro anos depois – em 1933. Os países capitalistas centrais estão derretendo. A economia dos EUA, apesar do socorro dos cofres públicos, não dá qualquer sinal de recuperação. Como descreve uma excelente reportagem do jornal Avante, do Partido Comunista Português, o cenário é dramático, desesperador.

“Com a economia e o desemprego a baterem todos os recordes negativos, os trabalhadores dos EUA enfrentam a fome e a degradação das condições de vida. Somente em fevereiro, segundo dados oficiais, registrou-se a perda de cerca de 700 mil empregos, cifra idêntica às apuradas em dezembro de 2008 e janeiro deste ano. Estes números elevam a taxa de desemprego para 8,1%, a mais alta dos últimos 25 anos... Desde dezembro de 2007, a economia norte-americana já perdeu quase 4,5 milhões de empregos, a maior perda desde a II Guerra”. O jornal cita a queda de 6,2% do PIB no último trimestre de 2008, a retração de 21,1% nos investimentos privados, a redução de 23,6% nas exportações e o abrupto aumento dos dependentes de cupons alimentares, já usados por 31 milhões de pessoas que passam fome e privações – um em cada dez estadunidenses.

O descolamento dos “emergentes”

As potências capitalistas da Europa vivem um quadro semelhante. O Financial Times divulgou nesta semana dados sobre a indústria no Reino Unido, França e Suécia, que comprovam a brutal retração econômica. Tecnicamente, a Europa já está em recessão. O PIB recuou 1,5% no último trimestre do ano passado, marcando o pior período desde a criação da zona do euro, em 1999. A recessão impulsiona o Banco Central Europeu (BCE) a cortar novamente a taxa básica de juros – que já se encontra no seu nível histórico mais baixo, de 2% - e aumenta a pressão pela estatização integral do sistema financeiro, que está totalmente apodrecido e contagia o restante da economia.

Mesmo nos chamados países emergentes, o cenário é preocupante e questiona a complicada tese sobre o “descolamento”. Na China, com uma economia altamente dependente das exportações, as vendas externas tiveram em fevereiro a maior retração desde 1998, com queda de 25,7% na comparação com o mesmo mês do ano passado. Foi o quarto recuo consecutivo das exportações chinesas. No Brasil, a forte retração de 3,6% no PIB no último trimestre de 2008 ascendeu a luz vermelha e forçou o Banco Central a recuar na sua política criminosa de juros estratosféricos. A produção industrial tem encolhido e o desemprego se torna rapidamente uma dura realidade.

Limites imanentes do capitalismo

Estes dados, entre outros, parecem confirmar as previsões mais pessimistas sobre a gravidade da crise. Em recente palestra em Buenos Aires, o intelectual francês François Chesnais afirmou que a economia capitalista vive “uma verdadeira ruptura, num processo de crise com características comparáveis à crise de 1929, ainda que se desenvolva num contexto diferente. É preciso recordar que aquela crise se desenvolveu como processo: começou em 1929, mas seu ponto culminante se deu depois, em 1933, e abriu caminho para uma longa fase de recessão. Digo isto para sublinhar que vivemos as primeiríssimas etapas de um processo de amplitude e temporalidade. Estamos diante de um desses momentos em que a crise exprime os limites históricos do capitalismo”.

Citando uma passagem do livro O Capital, de Karl Marx, ele lembra que “o verdadeiro limite da produção capitalista é o próprio capital... O meio empregado – desenvolvimento incondicional das forças produtivas – choca-se constantemente com o fim perseguido, que é um fim limitado: a valorização do capital existente. Por conseguinte, se o regime capitalista de produção constitui um meio histórico para desenvolver a capacidade produtiva material e criar o mercado mundial correspondente, envolve ao mesmo tempo uma contradição constante entre essa missão histórica e as condições sociais de produção próprias deste regime”.

“Uma catástrofe para a humanidade”

Sem cair numa visão fatalista, Chesnais prevê que o sistema terá dificuldades para superar a crise e retorna a Marx com outra brilhante citação: “A produção capitalista aspira constantemente a superar os limites imanentes a ela, mas só pode superá-los recorrendo a meios que voltam a levantar diante dela os mesmos limites, e ainda com mais força”. A ofensiva neoliberal, com a desregulação financeira e o desmonte do keynesianismo, foi a resposta do capital à crise capitalista já presente nos anos 70. Mas ela não superou os limites imanentes do sistema e, ainda, agravou-os. “Um dos métodos escolhidos pelo capital para superar seus limites se tornou fonte de novas tensões, conflitos e contradições”.

Os outros dois meios usados pelo capital para enfrentar sua crise foram: a criação descontrolada de capital fictício e a ampliação do mercado mundial, com a incorporação da China. O primeiro já teria sucumbido. “Toda a etapa de liberalização e de globalização financeira dos anos 80/90 foi baseada na acumulação de capital fictício, sobretudo em mãos dos fundos de investimento e de pensão”. Este mecanismo entrou em colapso nos EUA. “Agora, eles estão desmontando este processo. Mas dentro dessa desmontagem, há processos de concentração do capital financeiro... Há uma fuga para frente que não resolve nada [...] e isso é um fator de perturbação ainda maior”.

Quanto à China, ele não arrisca a prever sua capacidade de resistência. Mas, numa abordagem polêmica, avalia que ela não se manterá imune. “A China é realmente um lugar decisivo, porque até as pequenas variações na sua economia determinam a conjuntura de muitos outros países do mundo”. Com base nesta análise, Chesnais prevê que a crise mundial será mais grave do que se previa há alguns meses. Diante das críticas ao seu “catastrofismo”, enfatiza: “Na realidade, creio que estamos diante do risco de uma catástrofe, mas não do capitalismo e sim da humanidade”.

A “tempestade global” e o Brasil

No mesmo rumo, a economista Maria Conceição Tavares também teme que a crise só esteja no início. “Estamos diante de uma tempestade global. Não é apenas a violência que assusta; é o fato de que sua origem financeira torna tudo absolutamente opaco no horizonte da economia mundial. Mente quem disser que sabe o que virá e quanto tempo vai durar. Minha percepção é que será uma guerra de resistência”. Para ela, a atual crise “é dramaticamente mais séria que a de 29. Ela ainda não alcançou a proporção daquela, mas o núcleo financeiro dos EUA está carcomido. Os maiores bancos praticamente agonizam. Baixas dessa magnitude não ocorreram nem em 29”.

Quanto ao Brasil, motivo maior de preocupação da brasileiríssima Conceição Tavares, ela se diz preocupada, mas sempre otimista. “O Brasil tem condições de segurar o manche e agüentar... A luta será dura. Mas, pela primeira vez na história, o país enfrenta uma crise mundial sem ter que carregar o setor público nas costas. E isso é inédito. Nesta crise, o Estado não está afundado em dívida externa, para não dizer totalmente quebrado, como ocorreu nos anos 90. Significa mais do que não ter um peso morto. Significa um Estado em condições de amparar o investimento, o emprego e o capital de giro da economia... Basta ter determinação política”. A questão é: será que o governo Lula está disposto a enfrentar a tempestade com ousadia e determinação política?