quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Globo, Record e a urgência da CPI da mídia

A “guerra nada santa” travada entre as TVs Globo e Record comprova que existe algo de muito podre no reino dos poderosos e impenetráveis impérios midiáticos do país. Os barões da mídia, por razões políticas e na busca por audiências sensacionalistas, adoram impor a instalação de Comissões Parlamentares de Inquéritos. A “presunção de culpa” se sobrepõe à “presunção da inocência”, inscrita na Constituição, e reputações são jogadas na lata de lixo da noite para o dia. A agenda política fica contaminada pelo denuncismo vazio, que rende pontos no Ibope e novos anunciantes, e que ofusca o debate sobre os problemas estruturais da democracia brasileira.

O processo sui generis de concentração da mídia nativa e sua alta capacidade de manipulação de corações e mentes são, de fato, graves atentados à democracia. A lavagem de roupa suja entre as duas maiores emissoras do país, num caso inédito de transparência no setor, revela que há muito a se apurar sobre a ditadura midiática. Ela cria a oportunidade ideal para as forças organizadas da sociedade, engajadas na luta pela democratização da comunicação, também exigirem a instalação de uma CPI para averiguar tais irregularidades. Impõe a vários parlamentares, hoje alvos da fúria midiática, uma revisão deste poder descomunal. E não faltam motivos para esta justa demanda.

A sensível questão religiosa

Liderando uma “cruzada” que reúne os jornalões Folha e Estadão e a revista Veja, a Rede Globo tem exibido para milhões de telespectadores várias denúncias contra a sua principal concorrente. Com base numa denúncia do Ministério Público de São Paulo contra Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), a TV Globo tem apresentado exaustivamente matérias que comprovariam formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e enriquecimento ilícito. Willian Bonner e Fátima Bernardes, o casal-âncora do Jornal Nacional, o noticiário de maior audiência no país, não se cansa de mostrar os vínculos entre o Edir Macedo e a Rede Record.

As reportagens globais também procuram explorar a sensível questão religiosa, acusando a Iurd, que possuí 8 milhões de fiéis no Brasil e igrejas espalhadas por 174 países, de desviar dinheiro das doações para compra de imóveis suntuosos, carros importados e emissoras de rádios e TV. “Edir Macedo deu outro destino ao dinheiro doado à Igreja Universal”, acusou Fátima Bernardes no Jornal Nacional. Com várias imagens das pregações feitas nos cultos, a TV Globo insiste que “a religião é apenas um pretexto para a arrecadação de dinheiro”. Os ataques são duros e diários.

Golpismo e irregularidades

Como resposta, a TV Record tem exibido para milhões de brasileiros inúmeros fatos irrefutáveis que só uma minoria conhecia. Aproveitando-se da vulnerabilidade política da concorrente, ela mostrou que a Rede Globo é cria da ditadura militar e que construiu seu império graças ao apoio decidido dos generais golpistas. Celso Freitas e Ana Paula Padrão, os âncoras do Jornal da Record, que já estiveram do outro lado do front, lembraram as fraudes para impedir a vitória de Leonel Brizola ao governo do Rio de Janeiro, as manobras para esvaziar a mobilização popular pelas Diretas-Já, a fabricação do “caçador de marajás” e as várias investidas para desestabilizar o governo Lula.

Mas a TV Record não ficou somente no campo da política – como a concorrente também não se limitou à discussão religiosa. Ela também apresentou inúmeras denúncias de irregularidades. Já na sua origem, o acordo misterioso com a empresa estadunidense Time-Life, numa transação que era proibida pela lei brasileira e que rendeu milhões de dólares à TV Globo. Depois, na aquisição suspeita da TV Paulista, num negócio com documentos falsos. O ex-ministro das Comunicações, Euclides Quandt de Oliveira, também garantiu numa entrevista que a Globocabo contraiu empréstimos irregulares na Caixa Econômica Federal e no BNDES, em 1999, no valor de R$ 400 milhões. Outra bomba foi a denuncia de que a TV Globo ocupa um terreno da Secretaria de Planejamento de São Paulo, numa relação promíscua com o governo tucano de José Serra.

Apuração rigorosa das denúncias

Como se observa, as denúncias de ambos os lados são graves e exigem rigorosa apuração. Em função da “guerra nada santa” entre as duas principais emissoras de televisão do Brasil, o tema hoje está na boca do povo – o que é saudável para a democracia. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a mídia contribuiria para investigar a veracidade dos fatos. Além disso, a CPI seria uma importante alavanca para o debate sobre a urgência da democratização dos meios de comunicação no país. Afinal, as emissoras privadas usufruem de uma concessão pública. Elas não podem ficar acima das leis, da Constituição e da Justiça.