quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Incentivar as rádios comunitárias (4)

A radiodifusão comunitária é recente no país e já demonstrou o seu enorme potencial na luta pela democratização das comunicações. Ela dá voz a quem não tem voz. Permite que as comunidades “excluídas” expressem seus anseios e reivindicações, divulguem suas criações culturais, prestem serviços à população. Essa experiência no Brasil surgiu no início dos anos 1980, ainda na fase sombria da ditadura militar, e só foi reconhecida legalmente em 1998. Na Bolívia, as rádios comunitárias nasceram na década de 1950 no bojo das greves dos mineiros; já no Chile, elas contribuíram para as vitórias da Unidade Popular, a coalizão socialista de Salvador Allende.

Temendo a sua concorrência, a radiodifusão comunitária é alvo da fúria da mídia hegemônica. Já os governos, sob pressão dos empresários, investem para criminalizá-la. O governo Lula foi até mais realista do que o rei, batendo recordes de perseguição. Segundo a Associação Brasileira das Rádios Comunitárias (Abraço), de 2002 a 2007, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Polícia Federal fecharam mais de 15 mil rádios comunitárias.

No mesmo período, “também foram abertos mais de 20 mil processos e cerca de 5 mil militantes foram condenados judicialmente por tentar exercer o direito de livre expressão”, alerta a Abraço. O atual ministro das Comunicações, Hélio Costa, dono da rádio Sucesso FM, de Barbacena (MG), vetou todos os projetos de avanço neste setor e recrudesceu o fechamento das emissoras.

Burocracia e fisiologismo

Além da repressão, tudo é feito para inviabilizar a legalização da radiodifusão comunitária. A burocracia é infernal, com inúmeros obstáculos administrativos. Estudo feito pelo Sistema de Controle de Radiodifusão, em novembro de 2006, apontou a existência de 13.595 pedidos de rádios comunitárias acumulados no Ministério das Comunicações – três vezes mais do que os 4.400 verificados no início de 2003. José Sóter, dirigente da Abraço, critica os burocratas do ministério, “subservientes à Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e aos interesses dos monopólios da comunicação, e a falta de gente que esteja comprometida com a efetivação do serviço de radiodifusão comunitária como política pública de comunicação”.

Estudo recente, no qual foram pesquisadas 2.205 rádios comunitárias autorizadas pelo Ministério das Comunicações (80,44% do total das legalizadas), ainda aponta para outro grave perigo: o de que estas concessões sejam utilizadas como moeda de barganha, servindo a políticos fisiológicos e credos religiosos. A pesquisa indica que “a maioria das rádios comunitárias funciona no país de forma ‘irregular’ porque não se logrou ser devidamente autorizada; e, entre a minoria autorizada, mais da metade opera de forma ilegal. Entre as 2.205 rádios pesquisadas, foi possível identificar vínculos políticos em 1.106 – ou 50,2% delas... Há, também, um número considerável de rádios com vínculos religiosos: 120 delas, ou 5,4% do total”. Este deformação revelaria a existência de um “coronelismo eletrônico de novo tipo, envolvendo as outorgas de rádios comunitárias”.

Os riscos do padrão digital

Para complicar ainda mais o quadro, o setor passa por um processo de mutação tecnológica para sua digitalização. O Ministério das Comunicações, dominado pelos barões da mídia, já anunciou que prefere o padrão digital dos EUA, o IBOC. Várias rádios foram autorizadas a realizar testes com o novo padrão, criando um fato consumado – sem qualquer consulta à sociedade. Além de ser propriedade de uma única empresa, que cobrará elevados royalties, essa tecnologia ocupa o espectro de forma predatória, fechando espaços para as transmissões. Ele inclusive avança sobre fatias de freqüências ocupadas pelo sistema analógico. Ao encarecer os equipamentos e restringir as transmissões, esse padrão de digitalização poderá asfixiar a radiodifusão comunitária no país.

Ao invés de ser criminalizada, a radiodifusão comunitária deveria ser incentivada pelos poderes públicos. Diante do golpismo da ditadura midiática, ela é uma arma contra-hegemônica decisiva na defesa da democracia. O Estado deveria baratear seus equipamentos e promover oficinas para capacitar os radiodifusores. Mudanças na legislação deveriam garantir o aumento do número de freqüências das emissoras e ampliar o limite da área e o potencial de seu alcance – hoje restrito a um quilometro. A urgente criação de um sistema brasileiro de rádio digital serviria para evitar a monopolização do setor. Além disso, o poder público deveria garantir os meios de sustentação financeira destes veículos, investindo na construção de conteúdos de qualidade e plurais, e criar barreiras para coibir sua apropriação por setores fisiológicos e para garantir o seu caráter laico.

Propostas concretas para o setor

Para agilizar a legalização das rádios, a Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) propõe medidas simples, como a descentralização dos processos de concessão, redução dos prazos de tramitação e zoneamento da radiofreqüência para definir o canal e a potência para cada localidade. Já a Associação Mundial das Rádios Comunitárias (Amarc) propõe mudanças urgentes no marco regulatório.

Entre outros pontos, propõe que “as comunidades organizadas e entidades sem fins lucrativos tenham direito a usar a tecnologia de radiodifusão disponível, tanto analógica como digital”; que “os meios comunitários tenham assegurada sua sustentabilidade econômica, independência e desenvolvimento”, por meio de patrocínios e publicidade oficial; e a criação “de fundos públicos para assegurar o seu desenvolvimento” e de “políticas públicas que desonerem ou reduzam o pagamento de taxas e impostos, incluindo o uso de espectros”.