sábado, 16 de outubro de 2010

O PSTU e a metafísica do absenteísmo

Reproduzo artigo de polêmica enviado pelo professor José Ricardo Figueiredo:

No segundo turno destas eleições, o PSTU recomendou voto nulo a seus militantes e eleitores, como já fizera em 2006. O PSOL estuda a questão, não tendo repetido o intempestivo voto nulo decretado por Heloísa Helena logo no início do segundo turno, e acatado pelo partido. Mas muitos no PSOL se inclinam pela mesma tendência de voto nulo. Acreditam que esta é a postura coerente com seu discurso do primeiro turno, onde buscaram diferenciar-se das principais candidaturas denunciando-as todas como parte de um mesmo “tudo que está aí”.

De fato, nenhuma das principais candidaturas ostentou propostas de enfrentamento das relações capitalistas em geral, nem de redistribuição radical das rendas ou das propriedades. Pelo ângulo dos que defendem um discurso explicitamente socialista, há fundamentos lógicos para a defesa da abstenção.

É fato que, pela complexidade e amplitude das questões políticas, há também fundamentos lógicos para uma postura distinta. Por exemplo, num debate em que Plínio foi perguntado por Serra a respeito das relações Brasil-Irã, ele defendeu, na prática, a atual política brasileira. Em vista da importância da questão da paz mundial, esta aproximação com a atual linha da política brasileira, por si só, justificaria um apoio crítico no segundo turno. Entretanto, a concordância foi pontual, enquanto as falas nos debates e a propaganda do PSOL, como do PSTU, enfatizaram as divergências.

Algumas vezes, as divergências se manifestaram de forma injusta, como quando Plínio foi perguntado por Dilma sobre o ProUni e o ReUni. Respondeu o esperado acerca do ProUni, criticando o financiamento das escolas privadas. Mas também não deu o braço a torcer pelo ReUni, que virou “política do Banco Mundial”. Ora, o Reuni é uma expressiva ampliação das universidades federais, na qual os novos professores vem sendo contratados por meio de concursos públicos, tal como o movimento docente, discente e de funcionários sempre defendeu. Por razões táticas, para marcar diferença e não valorizar a adversária, Plínio passou por cima de uma das bandeiras históricas mais importantes destes movimentos. Nestes pontos, portanto, a defesa do voto nulo é coerente com o erro.

Mas isto não é a essência da questão. A coerência que se busca é a coerência com uma política de explicitação de um projeto socialista. E a que leva tal coerência lógica?

Temos neste segundo turno uma acirrada oposição entre dois campos, o que governou entre 1995 e 2002, e o que governou entre 2003 e 2010. O acirramento se vê, principalmente, pela imprensa, instrumento central da política em situações democráticas. Por mais heterogênea que seja a composição de cada um destes dois campos, toda a grande imprensa defende, sem exceção, o retorno do primeiro campo ao poder. Esta polarização não é nova. Ocorreu nas eleições de 2006, de 2002, e mesmo na de 1989. E lembra muito as polarizações de um passado mais remoto, como a crise de 1954, que levou ao suicídio de Vargas, e a campanha pró-golpe de 1964.

É diante desta luta feroz que PSTU defende, e talvez o PSOL venha a defender, em termos de coerência lógica, o voto nulo. A soma dos votos obtidos por estes dois partidos no primeiro turno foi aproximadamente 1% do total dos votos válidos. Mas a coerência lógica com o discurso que lhes propiciou tal votação é o motivo para lavar as mãos, soberbamente, diante da luta em que se engalfinharão os outros 99% da população.

Evidentemente, esta lógica é profundamente idealista, metafísica, por que parte do discurso, dos projetos idealizados para o futuro, e ignora a realidade material, a luta objetiva que se desenvolve no momento. Supostamente revolucionária, esta lógica nada tem a ver com o marxismo e o leninismo, que reiteradamente insistem na essencialidade da estratégia e da tática políticas se fundarem nas análises concretas das situações concretas. O absenteísmo é antagônico à política como práxis de enfrentamento das contradições reais da sociedade, tal como se manifestam efetivamente, e só se fundamenta em formulações teóricas abstratas.

Entretanto, isto não significa que o absenteísmo não tenha conseqüências concretas. Tem, porque o absenteísmo não é neutro. Não se vê nenhum militante de extrema direita pregar o voto nulo porque, por exemplo, em seu passado, Serra, tal como Dilma, pertenceu a grupo de resistência à ditadura militar. A propaganda absenteísta não tem a pretensão de convencer partidários de Serra a mudarem de idéia e anular seu voto. Seu alvo são eleitores possivelmente simpáticos a Dilma, mas que tenham divergências em relação ao projeto em andamento.

Mas, afinal, o que vale este pequeno detalhe prático para quem tanto valoriza a coerência do discurso na construção do socialismo ideal? Diante de ideais tão sublimes, que importam as conseqüências imediatas? Bem feito para Dilma, para Lula, para todos aqueles que decepcionaram os defensores do socialismo ideal! Bem feito para a população em geral, que ainda não percebeu a magnificência do ideário socialista, e continua a fiar-se no reformismo, aliás, “melhorismo”!

Este ponto de vista tem sua coerência. Pelo menos para quem não depende de bolsa-família, nem do aumento real de salário mínimo. Para quem não valoriza a criação de empregos neste sujo mundo capitalista. Nem a diminuição das desigualdades regionais. Nem a política externa soberana e pacifista, incluindo os esforços de integração latino-americana. Nem a interrupção das privatizações a toque de caixa e a preço de esterco. Nem o aumento dos investimentos em universidades e em pesquisa. Para quem, enfim, defende um socialismo tão lindo, tão distributivista, tão democrático, tão ecológico, tão ideal, que as humildes conquistas do presente são irrelevantes. Abstraindo, evidentemente, um ou outro infiltrado, que defende o voto nulo de esquerda precisamente pelas conseqüências práticas em favor da direita.

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Em tempo: O texto de polêmica de José Ricardo Figueiredo foi escrito antes da executiva nacional do PSOL aprovar a resolução "Nenhum voto em Serra", liberando seus militantes para o voto crítico em Dilma ou voto nulo.

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6 comentários:

Hector disse...

a crítica não traz nada de novo. além do mais, é injusta com a realidade. a política externa do governo Lula marcou gol contra os trabalhadores quando se aliou aos EUA e ocupou o Haiti e no próprio financiamento do capitalismo brasileiro pra invadir com projetos de "integração" os países da AL. Sobre o REUNI, pior ainda. O movimento docente, através de seu sindicato Nacional, o ANDES [sob ataque do governo federal!], combate essa expansão IRRESPONSÁVEL do REUNI e é com isso que somos coerentes. Voto nulo é o nosso não comprometimento com duas variantes de um mesmo projeto, sob hegemonia do capital financeiro. Não aceitamos o terrorismo dilmista.

Unknown disse...

Nossa .... análise perfeita.

Com todo o respeito aos companheiros do PSTU e do PSOL, com os quais, por vezes, lutamos conjuntamente, acredito que com essas análises eles se aproximam muito mais de uma vertente hegeliana (idealista) do que de uma vertente materialista dialética. Isso, na política concreta, se traduz em "esquerdismo, doença infantil do comunismo".

Essa é a grande sacada do texto.

Quanto a posição do PSOL, diferentemente de 2006, acertaram, em parte, a sua tática


Saudações petistas, socialistas e cutistas

Regiane Cerminaro

Marcelo Rodrigues disse...

A luta política real hoje é construir pontes sobre o rio tormentoso e turbulento que separa o povo da nação brasileira, mas parece que estes que se pretendem radicais acham que o povo é maluco e vai acompanhá-los a nado e sem bóia, não é a toa que o discurso deles não encontra ressonância. Com esta postura tíbia de "voto nulo", "nenhum voto a Serra" (ao invés de todos os votos a Dilma"), na prática, os sabichões da esquerda estão fazendo o trabalho sujo para a direita.

Anônimo disse...

Hector,

Firmeza na estratégia e flexibilidade na tática.

O PT e os petistas não são terroristas, ademais, é lamentável que vc utilize esse termo tão utilizado pelo tucanato neoliberal e Serra, dentre outros desta mesma linha a qual combatemos, para nos desqualificar.

Saudações
Regiane

Anônimo disse...

Muito bom texto. Aliás, estes partidos "esquerdistas" são na verdade meras correias de transmissão do desgosto de uma classe média que perdeu seu protagonismo em vista da movimentação das classes mais populares impulsionada pelos governos reformistas do PT. Estes partidos/seitas gostam mesmo é de aparelhar sindicatos e associações,destilar ódio a quem não pensa como eles e o pior, na prática, fazem o jogo da direita mais raivosa. Não são marxistas, pois não entendem a dialética, não são leninistas, pois não constroem táticas para se aproximar da maioria da classe trabalhadora, e não são trotsquistas porque não entenderam o perigo fascista que ronda a sociedade brasileira e que esta presente na campanha do Serra.

Zé Geraldo disse...

Zé Gê

O texto até dialoga razoavelmente, mas os cometários... Não consigo identificar quais os fundamentos sociológicos, políticos e filosóficos que possam embasar pensamentos tão razos... Eu fui formado do PT e militei por 15 anos em doação na sua construção, mas ao ler esses comentários me parece que o pensamento está encolhendo. Isso é mesmo necessário para manter governos, ou seria possível negociar mais conseções ao capital?

Saudações Socialistas;