quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O significado da vitória de Dilma

Por Altamiro Borges

A vitória de Dilma Rousseff no segundo turno das eleições presidenciais possui uma dimensão histórica, transcendental. Ela revela os avanços da democracia brasileira e abre uma nova fase na luta por mudanças no país. Após eleger Lula – retirante nordestino, metalúrgico, acidentado, líder grevista e preso pela ditadura militar –, num fato inédito na história, o povo brasileiro repete a façanha e escolhe a primeira mulher presidenta da República. A cultura machista, preconceituosa e tacanha, sofreu a maior derrota da sua longa existência.

Dilma teve 55.752.493 de votos, o que equivale a 56,05% dos votos válidos – contra 43.711.299 de votos dados ao demotucano José Serra (43,95%). A vitória comprova o prestígio do governo Lula, que goza atualmente de 83% de popularidade. Noutro fato inédito, é a primeira vez na história republicana que um presidente consegue fazer o seu sucessor. Mas a eleição de Dilma não revela apenas a capacidade de transferência de votos do atual governante. Ela indica a elevação do nível de consciência dos brasileiros.

O povo reconheceu na ex-ministra uma pessoa que teve o papel de liderança no atual governo, encabeçando seu ministério de maior peso e seus principais projetos – o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Minha Casa, Minha Vida e a descoberta do pré-sal. Com a sua vitória, novos horizontes se abrem para a luta dos trabalhadores por seus direitos imediatos e futuros. A derrota de José Serra, candidato das elites e do atraso, expressão do receituário neoliberal regressivo e destrutivo, representa uma vitória dos brasileiros e mais um passo no prolongado processo de acumulação de forças na luta pela superação da miséria e da exploração capitalista.

Mudança da correlação de forças

Além da eleição presidencial, os brasileiros também escolheram os novos governadores das 27 unidades da federação (26 estados e Distrito Federal), 54 senadores (que se unirão aos 27 eleitos em 2.006), 513 deputados federais e 1.059 deputados estaduais. Neste democrático processo de renovação, ocorreu uma guinada relativa na correlação de forças políticas no Brasil. As forças de direita, ligadas às elites da cidade e do campo, sofreram uma queda na sua representação. Já os candidatos vinculados às lutas sociais ganharam maior espaço no cenário político.

No caso do Senado, a mudança foi mais sensível. Inimigos jurados do sindicalismo e dos direitos trabalhistas foram surrados nas urnas – como Arthur Virgilio (AM), o valentão que ameaçou dar “uma surra no Lula”, o jagunço Tasso Jereissati (CE) e Marco Maciel (PE), eterno senador e duas vezes vice de FHC, entre outros notórios direitistas. Já na Câmara Federal, o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) constatou a redução da bancada dos ruralistas e o ligeiro aumento do número de deputados oriundos do movimento sindical.

Na disputa aos governos estaduais, os tucanos ampliaram sua força, elegendo oito governadores, mas os setores de esquerda também elevaram a sua presença, em especial o PT e o PSB – que elegeram, respectivamente, cinco e seis governadores. Em síntese, a eleição de outubro alterou, mesmo que timidamente, o tabuleiro político, tornando-o mais favorável à luta por mudanças no país. As elites empresariais, porém, ainda preservam ampla maioria no Congresso Nacional.

Radicalização da forças de direita

As eleições também serviram para evidenciar uma nova ofensiva da direita, mais radicalizada e perigosa. Sem ter como defender o legado neoliberal de FHC, que jogou milhões de brasileiros no desemprego e na miséria e quase destruiu a nação, as forças direitistas apelaram para o discurso conservador mais tacanho e raivoso. Na total ausência de propostas concretas, os demotucanos usaram antigos e arraigados preconceitos, religiosos e morais, para promover uma das campanhas eleitorais mais sujas da história do país.

Uma onda de boatos difamatórios, que circulou pela internet e nas igrejas e templos, contaminou o processo político, estimulando o ódio e a divisão da sociedade. Grupos fascistas, como a Tradição, Família e Propriedade (TFP) e a seita Opus Dei, foram ressuscitados para defender José Serra e para promover ataques caluniosos. Setores religiosos conservadores financiaram publicações e usaram os espaços da fé popular na campanha, num nítido caso de crime eleitoral.

Este tipo de campanha, que apela aos piores preconceitos, não é novidade do Brasil. É importado das nações que vivem um processo de fascistização política, como na Europa, com a perseguição racista aos imigrantes, e nos EUA, com o surgimento do Tea Party, grupo de extrema-direita do Partido Republicano. Ele também traz à lembrança o período da preparação do golpe militar de 1964 no Brasil, com suas “marchas com Deus”, financiadas por empresários e insufladas pelos EUA. Este tipo de campanha fascistóide indica uma tendência de radicalização da luta de classes no país.

Papel nefasto da mídia

Por último, nesta avaliação preliminar, vale destacar o papel cada vez mais influente da mídia no processo eleitoral. Vários especialistas apontam que os jornais, as revistas e as emissoras de TV e rádio se comportaram como partido político, transformando-se em comitês eleitorais de José Serra. O jornal Estadão foi o único que assumiu explicitamente, em editorial, seu apoio ao candidato demotucano. Já o jornal Folha, a revista Veja e a TV Globo, entre outros veículos, usaram velhos padrões de manipulação para ludibriar a sociedade.

Críticas ao governo Lula, mesmo que justas, viraram manchetes e foram bombardeadas durante toda a campanha – como nos casos da quebra do sigilo fiscal e das irregularidades na Casa Civil. Já o candidato Serra foi totalmente blindado, com a mídia ocultando suas falhas na administração de São Paulo ou seus podres de campanha, como o caixa-dois organizado por Paulo Preto, ex-diretor do Dersa.

Contra Dilma Rousseff, a imprensa inventou uma falsa ficha policial, acusou-a de ser favorável ao aborto, culpou-a até pelo apagão elétrico herdado do presidente FHC. Contra Serra, tudo foi abafado ou omitido. A TV Globo, maior império midiático do país, nada falou sobre o aborto de sua mulher, Monica Serra, relatado por ex-alunas, e tentou esconder as suspeitas de maracutaias nas obras viárias em São Paulo.

A manipulação da mídia nestas eleições foi vergonhosa, criminosa, e coloca na ordem do dia o debate sobre o novo marco regulatório das comunicações no país – a exemplo do que já foi feito até nos EUA e Europa e que hoje é discutido na Argentina, Venezuela e em outros países da América Latina. Não dá mais para tolerar a ditadura midiática! É urgente democratizar os meios de comunicação no país, pondo fim aos monopólios e estimulando a pluralidade informativa.

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Veja bajula Dilma. É muito cínica!

Por Altamiro Borges

Das três, uma ou todas juntas: ou a revista Veja acha que seu leitor é um imbecil – no que tem parte de razão; ou ela gosta de fazer provocações; ou ela é oportunista e está atrás de anúncios publicitários. Após satanizar Dilma Rousseff, o panfleto direitista da famíglia Civita publicou às pressas uma edição extra para bajular a presidenta eleita.

Já na apresentação, a maior caradura: “Uma vitória de todos os brasileiros”. Que brasileiros cara pálida – ou melhor, filhote do Tio Sam? Nos dois meses finais da disputa eleitoral, a revista Veja estampou sete capas raivosas contra a candidata. Na véspera do eletrizante segundo turno, ela até acusou a ex-ministra de pressionar o secretário de Direitos Humanos para produzir dossiês contra José Serra. Não apresentou provas da acusação, nem sequer o áudio da suposta escuta telefônica.

Falsidade ideológica

Seus colunistas, sempre presos à coleira da famíglia Civita, acusaram a candidata de tudo o que é imaginável e inimaginável. Ou ela era “frágil, uma marionete do Lula”, ou ela era “autoritária e arrogante”, o inverso do conciliador Lula, e “romperia com o presidente”. No geral, todos eles rosnaram que “Dilma é incompetente”, “não tem habilidade política”, é uma “mera burocrata”.

Agora, a edição especial – que deveria ser processada por falsidade ideológica ou por desrespeito ao consumidor – “comemora a eleição de Dilma Rousseff”. A revista também traz os principais trechos do seu primeiro discurso após o anúncio do resultado do pleito. “O pronunciamento, feito na noite de domingo, mostrou uma presidente eleita senhora do lugar que agora ocupa e com plena consciência das prioridades políticas, econômicas e sociais do país”.

Medo da regulamentação do setor

Na escolha dos principais trechos, a Veja novamente tenta se travestir de baluarte da democracia. “Dilma reafirmou o respeito irrestrito à liberdade de expressão e seu reconhecimento de que ‘as críticas do jornalismo livre ajudam o país e são essenciais aos governos democráticos, apontando erros e trazendo o necessário contraditório’. Um grande começo”. A revistinha fascistóide morre mesmo de medo do avanço no debate sobre a democratização dos meios de comunicação no país.

Dilma Rousseff deve tomar muito cuidado com as bajulações da famíglia Civita. Agora, ela posa de civilizada. Mercenária, quer arrancar fartos anúncios publicitários. Direitista convicta, deseja enquadrar o futuro governo no figurino neoliberal. Ela perdeu a eleição, mas almeja ser vitoriosa política e comercialmente. Caso não consiga, apostará na desestabilização golpista, como já fez com Lula. E, na próxima campanha eleitoral, será novamente o cabo-eleitoral da direita.

Reação dos fiéis seguidores

Já os seus fanáticos leitores da TFP (Tradição, Família e Propriedade), do Opus Dei, das seitas fundamentalistas e da classe “mérdia” individualista e egoísta não precisam ficar preocupados. A revista Veja não mudou de lado. Não se converteu ao esquerdismo. Continuará destilando seu ódio ao sindicalismo, ao MST e a qualquer proposta mais progressista no Brasil e no mundo.

Mas não custa fazer uma sugestão a estes seres tão inteligentes: por que vocês, leitores fiéis, não cancelam de imediato a assinatura da Veja. Seria um alerta à famíglia Civita. Ajudaria a manter a revista como o principal partido da direita no país e como a sucursal rastaqüera dos interesses do império no Brasil. Além disso, garantiria o emprego de seus colunistas de coleira.

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