segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Hegemonia: do jornal à internet

Por Sheila Jacob, no sítio do NPC:

“Precisamos nos sensibilizar para o papel fundamental de um jornal impresso público, de massas, complementar às novas tecnologias”. Assim o jornalista Beto Almeida deu início à primeira mesa de sexta-feira do 17º Curso Anual do NPC, intitulada Do jornal à internet: hegemonia e luta de classes.

Como lembrou o palestrante, essa iniciativa já existiu no Brasil: durante o governo de Getúlio Vargas foi criado o Última Hora, jornal que, segundo o jornalista, cumpriu o papel de ser um veículo de massas que refletia a agenda da classe sindical e trabalhadora, em oposição à mídia hegemônica de criminalização das lutas sociais. “Esse jornal fazia uma verdadeira disputa ética e estética frente à grande mídia, entrando com força na ’batalha de idéias’, como diria Che Guevara. A publicação foi um contraponto fundamental naquele momento, o que é urgente nos dias de hoje”, ressaltou, lembrando os principais argumentos levantados por quem é contrário a essa ideia.



O primeiro seria a crença de que a disputa pode ser feita na mídia tradicional, o que na opinião do palestrante seria impossível, pois os meios hegemônicos estão fechados ao contraditório e ao plural. “É uma ilusão pensar que essa mídia irá se comportar de modo democrático”, afirmou. O segundo argumento, combatido por ele, seria o da dificuldade de se obter financiamento. “Esta também é uma mentira, pois a quantidade de recursos transferidos pelo Governo para a mídia hegemônica é impressionante. Uma única edição da Revista Veja, por exemplo, já recebeu 14 páginas de publicidade. As possibilidades, portanto, estão aí: o Governo continua pagando para apanhar”, afirmou.

Segundo Beto Almeida, é necessário seguir exemplos que estão ocorrendo em países vizinhos ao nosso. Ele citou o caso da Venezuela, onde o presidente Hugo Chávez criou jornais públicos para combater as ideias difundidas pela mídia de direita. Um deles é o Correo de Orinoco, que hoje possui quase 300 mil exemplares diários, a custo mínimo. Outro é o Ciudad Caracas, periódico gratuito editado pela Prefeitura da capital do país. “Assim como por aqui vemos lixeiras espalhadas pela cidade, por lá há bandejas vermelhas por todos os lados, com jornais depositados para serem recolhidos gratuitamente. Nessas páginas há cobertura diferenciada de questões internas e externas, como a política do FMI, a invasão da Líbia etc”.

O jornalista também citou a Bolívia, onde Evo Morales, além do jornal público Câmbio, incentivou e fortaleceu rádios indígenas e determinou a transmissão da Telesul em canal aberto. Na Argentina, onde foi aprovada a Lei dos Medios, “a mais avançada do continente em relação ao combate à concentração midiática”, foram criados o El Argentino e Tiempo argentino, que disputam com o Clarín. No Equador há ainda o exemplo do El Telégrafo, e, no México, o La Jornada, com tiragem de 120 mil exemplares. “Precisamos nos mobilizar para enfrentar a má distribuição de recursos pelo Governo Federal. Rapidamente poderíamos ter um jornal de massas, para efetuarmos uma verdadeira disputa estética, ética e ideológica com a mídia conservadora. Tudo isso depende da nossa organização”, concluiu.

“A Revolução quem faz é o povo na rua, mas casamento entre mídias é caminho fundamental”

Altamiro Borges, do Centro Barão de Itararé, lembrou que, ao contrário do que disse Fukuyama, a história não acabou, e a luta de classes só está se intensificando, inclusive no Brasil. “Vemos isso na Europa, com a queda de primeiros ministros, crises econômicas e manifestações contrárias à agenda de flexibilização dos direitos trabalhistas, demissões e avanço das privatizações. A tendência é aumentar, mas não sabemos aonde isso vai dar”.

O jornalista lembrou que Lênin dizia que a luta de classes se dá em três terrenos: o econômico, o político e o das ideias. “Acho que essas três esferas estão dadas hoje. Estamos bem atrasados na terceira, mas não podemos negar que há iniciativas interessantes nesse campo”, disse Borges, lembrando exemplos históricos das imprensas anarquista, comunista e os veículos alternativos criados durante a ditadura civil-militar de 1964. “Há inclusive o Jornal do MST, que comemorou 30 anos recentemente e pode ser considerado um ‘organizador coletivo’, pois nasceu antes do próprio movimento”, disse. Mas, segundo ele, ”temos que fazer mais”.

Concordando com Beto Almeida, Altamiro Borges considera que o Estado tem que ser mais pró-ativo como nos outros países latino-americanos, papel que, segundo ele, infelizmente o atual Governo não tem cumprido. Ao contrário: tem havido retrocessos na política de comunicação: “A Dilma vai à festa da Folha de S. Paulo, ao programa da Ana Maria Braga, sinaliza pessimamente em relação à Banda Larga, rádios comunitárias vem sendo fechadas pela Anatel...”, exemplificou.

Para ele, se a esquerda sabe que está lutando “contra um titã”, tem que se utilizar de todos os instrumentos de comunicação: jornal, revista, rádio, TV e principalmente a internet. “Essa última área é interessante porque permite três coisas: transparência, inclusive em relação ao Estado, como é o caso do Wikileaks; contraponto ao que é difundido pela mídia tradicional; e possui também um papel mobilizador, o que vimos com as revoltas árabes, lá fora, e com a marcha das vadias e o ‘churrasco da gente diferenciada’, aqui no Brasil”.

Segundo ele, a esquerda precisa se apoderar mais desse instrumento, que possui muita agilidade, é mais barato, permite a interatividade e a diversidade de ideias. “Sabemos que a Revolução quem faz é o povo na rua, mas acho importante pensarmos o casamento entre as mídias como um importante caminho para isso”, concluiu.

A internet deve ser prioridade

Já para o editor da Revista Fórum, Renato Rovai, a prioridade de investimento hoje deve ser a comunicação online, já que há dados recentes que mostram um aumento do acesso à internet. “A estrutura de hierarquização dos jornais tradicionais infelizmente tende a se repetir nos meios sindicais e dos movimentos sociais, devido aos limites de espaço que o meio impresso impõe. A internet não é assim”.

O jornalista fez uma provocação ao público, composto em sua maioria por sindicalistas e movimentos sociais, pois disse considerar que há muito atraso de investimento nessa área, o que,para ele, poderia ser explicado por um receio de abertura para o contraditório. “Hoje há um novo espaço de relacionamento. O diálogo tem sido feito de muitos para muitos, e temos que discutir essa nova dinâmica”, disse.

Para Rovai, apesar de boa parte da categoria representada pelos sindicatos estar conectada à internet, como jornalistas, engenheiros e professores, isso não se reflete na política de comunicação das entidades. O jornalista reforçou ainda o papel mobilizador destacado por Altamiro Borges. “O Occuppy Wall Street começou por causa de um texto publicado no blog Adbusters, do Canadá, que convocava os estadunidenses a se organizarem contra o sistema financeiro, a exemplo das revoltas ocorridas recentemente no Oriente Médio. Hoje virou global esse movimento que surgiu de um blog, com cerca de 2500 acampamentos como o de Wall Street espalhados pelo mundo”.

O jornalista também foi ao Egito acompanhar a queda de Mubarak. “Lá o processo também começou na internet. Um menino egípcio foi morto pela polícia após denunciar a violência policial com um vídeo no facebook. A repressão policial a ele voltou para a rede, e a partir de então começaram a aumentar os protestos contra o governo”. Para ele, contudo, é evidente que a internet não resolve os problemas. “Precisamos de seres humanos nas ruas, mas estes estão começando a se organizar pelas redes”, fez questão de destacar.

Rovai lembrou como a articulação de blogueiros foi muito importante no processo eleitoral. “Os sindicatos e os movimentos sociais precisam investir nessas novas mídias, que estão ficando cada vez mais fortes. Temos que prestar atenção a essa urgência, pois as grandes empresas de comunicação já estão fazendo isso”, concluiu.

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