sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Os sandinistas vencerão na Nicarágua?

Por Sergio Ferrari, no sítio da Adital:

No próximo dia 6 de novembro serão realizadas as eleições gerais na Nicarágua, país centro-americano que, nos anos 80, motorizou um dos movimentos de solidariedade internacional mais ativos da história contemporânea. Como naquela época, hoje a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) continua sendo um dos principais atores políticos e seu candidato, o atual presidente Daniel Ortega Saavedra, aspira à reeleição. No entanto, algumas das antigas personalidades sandinistas dos anos 80 se situam em aberta oposição. Isso define um cenário particular, onde quatro alianças tentam disputar a hegemonia com o partido do governo.



Leia a entrevista com William Grigsby, militante sandinista, diretor da Rádio La Primerísima – entre as de maior audiência no país - e profundo analista político da região centro-americana.

As últimas pesquisas pré-eleitorais indicam uma cômoda vitória ao candidato da Alianza "Unida, Nicaragua Triunfa”, do atual presidente Daniel Ortega. Sua leitura coincide com essa?

O ambiente no país antecipa que Daniel Ortega ganhará as eleições. Penso, inclusive, que poderia ser de uma grande maioria, o que lhe permitiria obter os dois terços dos 90 deputados que integram o Parlamento. Esse resultado facilitaria, inclusive, uma futura reforma da Constituição. Os quatro partidos que competem nas eleições, todos de direita, estão conscientes dessa tendência. Como também os grandes empresários e governos, como o dos Estados Unidos. No entanto, a FSLN não se confia muito nesse prognóstico e seus ativistas continuam fazendo o trabalho de casa em casa, em todas as comunidades dos 153 municípios dos 17 departamentos e regiões do país. A verdade definitiva será conhecida somente no dia 6 de novembro quando os nicaragüenses se manifestem nas urnas.

A oposição denuncia a ilegalidade das eleições. Para eles, Daniel Ortega não estava autorizado a um segundo mandato consecutivo;mais ainda por ter exercido o governo nos anos oitenta.

Em um Estado do de direito é o Poder Judiciário quem determina, em última instância, quando uma norma afeta direitos fundamentais de um ou de vários cidadãos. Na Nicarágua, a Corte Suprema de Justiça determinou que a proibição da reeleição presidencial não pode ser aplicada para alguém que já exerceu dois períodos antes. A Corte entendeu que impedir Daniel Ortega a candidatar-se seria ferir os princípios fundamentais da própria Constituição, que primam sobre qualquer outra norma jurídica. A questão é que a oposição na Nicarágua somente se submete ao império da lei e dos falhos judiciais quando lhe convém. Em última instância, a legitimidade de um novo mandato do candidato sandinista, em termos políticos, dependerá, sobretudo, da forma pela qual a cidadania se expresse eleitoralmente. E penso que o voto será contundente.

A própria oposição fala de "clientelismo” por parte do poder para explicar a possível vitória eleitoral do sandinismo...

A maioria dos nicaragüenses sabe hoje vive muito melhor do que há oito anos. Só para citar um exemplo: em um país no qual 78% da população vive com 2 dólares diários ou até menos, até janeiro de 2007, a educação e a saúde eram pagas. Hoje, são absolutamente gratuitas. Outros indicadores nesses cinco anos: o país dobrou o montante de seus investimentos; o salário mínimo duplicou; o emprego cresceu; a crise de energia elétrica foi resolvida e a cobertura desse serviço foi ampliada de 56% para 70%; 80 mil mulheres do campo agora são produtoras de leite e de carne; 217 mil mulheres receberam microcréditos sem juros.

Além disso, o analfabetismo foi reduzido de 32% para 4%; o Estado criou uma rede nacional de distribuição de alimentos básicos, com quatro mil postos que os vendem a preços mais favoráveis que o mercado privado; 481.537 produtores agrícolas de todos os tamanhos foram sujeitos de crédito. Além disso, em quatro anos, o governo entregou 1.397 milhões de dólares em créditos para a agricultura. Hoje, 152 mil empregados públicos recebem um bônus mensal de 700 Córdobas (ndr.: em torno de 35 dólares estadunidenses) como complemento salarial. Essas são, dentre muitas outras, as razões pelas quais, penso, que o eleitorado votará massivamente pela FSLN.

Diversos partidos ou agrupações que, em sua origem, eram parte da FSLN hoje apóiam a Fabio Gadea, um dos candidatos da direita. Inclusive Edmundo Jarquín, dirigente do Movimento de Renovação Sandinista, é o candidato a vicepresidente dessa lista. Como se compreende a atitude da dissidência sandinista?

O MRS hoje já é uma facção de direita que renegou o sandinismo para inscrever-se entre as forças mais reacionárias da sociedade nicaragüense. A maioria de seus militantes que não são mais do que 150 ocupou posições privilegiadas nos anos 80 como membros da FSLN. Logo, quando a FSLN foi oposição, dedicaram-se a fazer negócios. Sua motivação atual para aliar-se com Fabio Gadea é mais pessoal do que política. É um setor que odeia pessoalmente a Daniel Ortega e busca a vingança política porque já não controla a FSLN como aconteceu até 1994.

A América Central vive uma situação muito especial de sua história. A ex-guerrilha salvadorenha da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN) é atualmente governo de El Salvador. A resistência hondurenha que apóia ao ex-presidente deposto, Manuel Zelaya, demonstrou sua força nesses últimos meses e aspira ganhar as próximas eleições. Nesse contexto regional, qual poderia ser o impacto do resultado eleitoral na Nicarágua, no próximo 6 de novembro?

Em termos históricos, a Nicarágua sempre jogou papel chave em toda a região. O que acontece aqui influencia nos outros cinco países centro-americanos. A integração econômica entre esses países com economias que dependem muito umas das outras, está acima de qualquer divergência ideológica em qualquer um dos governos, como já foi demonstrado nesses últimos cinco anos. A FSLN tem jogado um papel de estabilidade e consenso na região, como ficou demonstrado com a reação mundial contra o golpe militar contra o presidente Manuel Zelaya, em 2009 e seu posterior retorno a Honduras. Insisto: o sandinismo é um elemento que contribui ativamente à estabilidade regional.

Para concluir: a América Latina atravessa um processo quase generalizado de consolidação democrática com predominância progressista. Qual é a relação entre o que vive Nicarágua e essa conjuntura continental?

Entre os séculos XVIII e XX, a Europa pariu as mudanças que ainda hoje repercutem em grande parte do planeta. O século XXI é da América latina. A Europa não somente envelhece como população, mas em suas ideias. Tem crises de paradigmas e de valores. Em troca, a América Latina vive uma onda de revoluções nacionalistas e progressistas, que rompem os moldes da ortodoxia marxista ou dos revisionistas socialdemocratas. A maioria dos países latino-americanos iniciou caminhos diferentes com um mesmo propósito: acabar com a pobreza e procurar o desenvolvimento com equidade social.

Os sandinistas integram essa corrente de Nossa América. No entanto, na Europa e nos Estados Unidos, o poder faz exatamente o contrário. Quer salvar o capitalismo produzindo mais pobres; aprofundando as diferenças sociais; reduzindo o Estado e privilegiando a máfia financeira que dirige suas sociedades. Empreendemos caminhos antagônicos e somente a história poderá colocar a cada um em seu lugar.

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Últimas pesquisas

No próximo domingo, cerca de três milhões de nicaraguenses irão às urnas aos 12.960 centros de votação distribuídos em todo o país.

Cinco forças políticas disputarão a presidência e a vicepresidência da República para os próximos cinco anos. Também as 90 deputações da Assembleia Nacional (Poder Legislativo) e 20 representantes ao Parlamento Centro-Americano.

Segundo a consultora Siglo Nuevo, que publicou seu estudo em meados de outubro, a Alianza Unida Nicaragua Triunfa, com a FSLN como coluna vertebral, ganharia com mais de 58% dos votos.

Em segundo lugar, com cerca de 16%, estaria a Alianza Liberal Independiente, com o empresário de rádio, Fabio Gadea Mantilla, de direita. Este, tem como companheiro de fórmula ao sandinista dissidente Edmundo Jarquín, um dos líderes do Movimiento de Renovación Sandinista (MRS).

Mais atrás, o ex-presidente Arnoldo Alemán, com 12%. Fecham os cálculos outros candidatos também de direita, que somados não superariam 1.5% dos votos.

As eleições serão seguidas por centenas de observadores eleitorais da Organização de Estados Americanos (OEA), da União Europeia, ONGs e instituições internacionais privadas etc. Não foram aceitos os representantes da Embaixada dos Estados Unidos em Manágua, que queriam acreditar-se como observadores. (Sergio Ferrari).

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