sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Liberdade de expressão de oligopólios

Por Michelle Amaral, no jornal Brasil de Fato:

O debate sobre a necessidade de de­mocratização da comunicação no Bra­sil tem sido feito há muito tempo. Mo­vimentos sociais, parlamentares e orga­nizações da sociedade civil defendem a criação de um marco regulatório para o mercado midiático brasileiro, para que se amplie o acesso de diferentes vozes aos meios de comunicação em massa.

No final do segundo mandato do ex-­presidente Luís Inácio Lula da Silva, em 2009, a esperança pela criação da lei pa­ra o setor foi fortalecida com a realização da Conferência Nacional de Comu­nicação (Confecom). No encontro, fo­ram levantadas mais de 600 propostas para a democratização da comunicação brasileira, que tratavam desde o fim do monopólio no setor até o fomento à pro­dução independente nacional. Um estu­do para a elaboração da nova legislação chegou a ser encomendado por Lula pa­ra o então ministro das Comunicações, Franklin Martins. No entanto, a discus­são não avançou no Executivo.

Como forma de pressionar o governo federal para a elaboração do marco re­gulatório, diversas entidades lançaram em agosto deste ano a campanha “Para expressar a liberdade, uma nova lei pa­ra um novo tempo”. A campanha, en­cabeçada pelo Fórum Nacional pela De­mocratização da Comunicação (FNDC), alerta para a urgência em se ter uma no­va lei de regulação da mídia. O atual Có­digo Brasileiro das Telecomunicações (CBT), única legislação do setor, com­pletou 50 anos em 2012 e, segundo as organizações sociais, “é de outro tem­po, de outro Brasil”. O ministro das Co­municações, Paulo Bernardo, chegou a anunciar que uma proposta seria apre­sentada em consulta pública ainda neste ano, o que não ocorreu até o momento.

Monopólios

Mesmo sem ter um avanço na elabo­ração da nova legislação, grandes grupos de comunicação e parlamentares a eles ligados acusam que a instituição do mar­co regulatório representaria uma tenta­tiva de cercear a liberdade de imprensa. A reação é decorrente da possibilidade de perderem concessões públicas de uso das radiofrequências e terem o controle do setor comprometido.

De acordo com o estudo Donos da Mí­dia, do FNDC, o Brasil possui 9.477 veí­culos de comunicação, mas quatro gran­des grupos nacionais controlam diferen­tes mídias, criando uma espécie de oli­gopólio no setor da comunicação. A Rede Globo de Televisão possui 340 veí­culos; o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) tem 195; a Rede Bandeirantes de Televisão, 166; e a Rede Record, 142.

O marco regulatório visa, entre outras coisas, democratizar o acesso a essas concessões públicas, garantindo, assim, a pluralidade de meios e a diversidade de ideias e opiniões a serem difundidas. Es­te é, também, o objetivo da Lei de Servi­ços de Comunicação Audiovisual da Ar­gentina, mais conhecida como Lei de Meios. A lei foi aprovada em 2009, mas ainda não entrou em plena vigência de­vido ao embate travado pelo Grupo Cla­rín, expressão do monopólio midiático no país, contra o governo da presidenta Cristina Kirchner. O Clarín tem conse­guido impedir a aplicação da lei, que de­veria ter entrado em vigor no último dia 7 de dezembro, por meio de liminares ju­diciais. O motivo é que, com a nova le­gislação, o conglomerado perderá gran­de parte de seus veículos. Isto porque a Lei de Meios estabelece que nenhuma empresa pode ter mais do que dez emis­soras de rádio e televisão e 24 licenças de TV a cabo, nem superar 35% de alcance em relação ao total da população ou do total de assinantes. O Clarín possui 240 concessões no sistema de cabo, nove rá­dios AM, uma FM e quatro canais na te­levisão aberta.

Em visita não-oficial ao Brasi em dezembro de 2012, o rela­tor especial para promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e ex­pressão da Organização das Nações Uni­das (ONU), Frank La Rue, elogiou a lei argentina, justamente porque comba­te o monopólio dos meios de comunica­ção e cria um órgão regulador indepen­dente para o setor. “Na América Latina, temos permitido que a comunicação so­cial seja vista, especialmente o rádio e a TV, pela ótica comercial. E isto é um er­ro. Qualquer Estado, inclusive o Brasil, tem a obrigação de regular o uso das fre­quências audiovisuais como um patri­mônio da nação”, defende.

Segundo La Rue, o Uruguai também está produzindo uma legislação seme­lhante “ou mais avançada”. Para o rela­tor da ONU, todo país deve ter um órgão regulador no setor das comunicações porque as concessões são bens públicos e devem ser ofertadas de forma igualitá­ria entre todos. Ele pondera, contudo, que este órgão deve seguir princípios es­tabelecidos a partir de um amplo debate com os diversos setores da sociedade. “É importante que o órgão regulador seja coletivo, com a representação de muitos setores de diferentes partes, e que haja um processo de diálogo com a sociedade para a aplicação e implementação da re­gulação”, explica.

Democratização
Nesse sentido, Rosane Bertotti, coor­denadora-geral do FNDC, afirma que a Lei de Meios é um exemplo para os paí­ses que ainda não possuem uma regula­ção específica para o setor, como o Bra­sil. “Ela é fruto de um processo de debate e construção política pública feitos com o povo argentino”, descreve.

A mesma opinião é compartilhada por Pedro Eckman, do Coletivo Intervozes. Segundo ele, a lei tornou-se uma refe­rência internacional, pois “diminui a concentração de meios e aumenta a plu­ralidade e diversidade de pontos de vis­ta, atores e falas, o que reforça a questão da liberdade de expressão”.

No caso do Brasil, Eckman conta que a concentração midiática por alguns gru­pos específicos impede a consolidação da democracia no país, já que por meio de seus veículos influenciam a opinião de grande parte da população. “A de­mocracia, em seu sentido mais amplo, não vai se consolidar no Brasil enquan­to a gente não conseguir democratizar a comunicação, porque ela é parte consti­tuinte da cultura da sociedade”, afirma.

Por isso, de acordo com a deputada fe­deral Luciana Santos (PCdoB), o deba­te pela regulação das concessões públi­cas de frequências audiovisuais no país é estratégico e deve ser ampliado. “É im­portante enfatizar o papel da comunica­ção enquanto direito básico de qualquer cidadão, que repercute diretamente no seu modo de agir, de pensar e de se rela­cionar culturalmente”, analisa.

O relator da ONU, durante sua pas­sagem pelo país, ouviu diversos relatos de violação da liberdade de expressão e de dificuldades de setores da sociedade brasileira de terem acesso aos meios de difusão de informação. Ele disse espe­rar um convite oficial para que possa re­tornar ao Brasil para investigar os casos e produzir um informe com recomenda­ções ao governo brasileiro.

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