segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

A arte e a imbecilização da elite

http://designyoutrust.com
Por Cynara Menezes, no blog Socialista Morena:

O provocativo artigo de Mino Carta na CartaCapital da semana, A Imbecilização do Brasil, me instigou a escrever um contraponto às palavras dele. Discordo de Mino e sei que, ao escrever o texto, sua principal intenção era justamente levantar o debate. Não, não acho que o Brasil tenha se imbecilizado. A questão, para mim, diz respeito ao que se considera arte. Só Portinari é arte? Existe arte “menor” e arte “maior”? Em que tipo de arte você acredita?

Não vejo “deserto cultural” algum no País. Nos últimos anos, uma nova cultura está surgindo, mas é preciso ter olhos para vê-la. É forte a cultura que vem da periferia e cada vez mais será. Não temos mais Portinaris? Temos grafite. O Brasil é hoje referência mundial em arte de rua. Temos grandes artistas como Os Gêmeos, Nina Pandolfo, Nunca. Estava matutando sobre estas coisas e acabei descobrindo outro fera, o baiano Toz, que acaba de pintar, ao lado de oito grafiteiros, um painel gigante na lateral de um prédio da zona portuária do Rio.

Ao olhar o incrível trabalho de Toz, me dei conta de que a “arte” de que muitos sentem saudade é na verdade uma arte que fica trancada nos museus, que tem de ir à Europa para conhecer. A arte dos grafiteiros está na rua, ao alcance dos olhos de quem passa, não precisa pagar ingresso para ver. Portinari, Di Cavalcanti, Volpi – é indiscutível sua qualidade artística. Mas ver de perto um quadro deles não é para todo mundo. O grafite é – e para mim tampouco é discutível seu valor. Detalhe: o grafite no muro, ao contrário do quadro pendurado no museu, faz qualquer um sentir que pode ser artista. Isso é inclusão.

Guimarães Rosa, Gilberto Freyre… Entendo a provocação de Mino Carta, mas vários dos nomes que ele cita em seu artigo vieram da elite brasileira. E não é culpa do Brasil se a elite não cria mais. Se, em vez de ir para a Europa se ilustrar e voltar escrevendo ou pintando obras fantásticas, os filhos da elite agora preferem ir a Miami comprar bugigangas, não é culpa do povo. Quem se imbecilizou não foi o Brasil, foi a elite. Já escrevi aqui, em tom de galhofa, sobre os submergentes: a elite brasileira submergiu, emburreceu, se vulgarizou. Por que a imprensa, como diz Mino, está ruim? Porque a imprensa é o retrato dessa elite decadente e inculta.

Mas, prestem atenção: o que tem surgido de manifestação cultural vinda do povo é muito mais do que interessante. Representa o futuro, não o passado que ficou para trás. O mundo mudou, a arte também. “Ah, mas o povo gosta de axé, de sertanejo”. E acaso o axé e o sertanejo vieram do povo? Ou vieram do mainstream, da elite que controla a música, para pegar o dinheirinho do povo? Ivete Sangalo, que cobra 650 mil reais para tocar sua música ruim até em inauguração de hospital, não veio do povo. Luan Santana não veio do povo. Eles se impuseram ao povo por meio de mega-esquemas de divulgação. É completamente diferente.

O rap que vem da periferia de São Paulo vem do povo. “Ah, mas o rap não é brasileiro”. E o que é brasileiro? A bossa nova? Mas ela não veio do jazz norte-americano e ganhou elementos nossos? A mistura está em nosso sangue e em nossa tradição cultural: bossa com jazz, rap com samba, funk com maracatu. Isso é Brasil. Vejo, sim, grandes talentos do rap surgindo, fazendo ótima música e falando a linguagem do entorno onde vivem. Os rappers são os cronistas dos rincões mais longínquos e esquecidos do Brasil urbano. Assim como, gostando-se ou não dele, o funk carioca nasce no subúrbio, em estúdios de fundo de quintal. É original e vibrante. Não é “arte”? Voltamos ao começo: o que é arte, afinal?

Numa coisa Mino tem razão, a TV brasileira oferece muita coisa ruim. É verdade. Mas eu não sou tão pessimista. A Globo, principal emissora do país, de vez em quando brinda seus telespectadores com coisas bacanas, até mesmo em novelas, seu mais popular produto – Avenida Brasil é um exemplo recente. Ironia: as outras emissoras comerciais, que pretendem tirar a “supremacia” da Globo, não têm nenhuma exceção, só oferecem lixo. Mas vejam só, temos TV a cabo, com várias opções (eu gosto muito do Canal Brasil), e ainda tem a TV pública. Ninguém é obrigado a assistir porcaria, é só usar o controle remoto.

Hoje mesmo li o Zeca Pagodinho se queixando de que não toca samba no rádio. Pois eu ouço samba direto no rádio, sabem por quê? Porque só ouço rádio pública, todas com programação de alto nível e variada. Zeca, como tanta gente que reclama do que toca no rádio, devia simplesmente boicotar as emissoras comerciais.

Não vejo imbecilização alguma do Brasil. Temos uma significativa parcela de pessoas recém-incluídas que já estão produzindo cultura e, incentivadas, produzirão cada vez mais. É uma notícia excelente: não são mais só os 5% de brasileiros que tinham acesso à cultura que podem fazer música, pintura, literatura, cinema. Ainda não deu tempo de uma nova geração de intelectuais, oriunda das classes mais baixas da população, como é possível hoje, se formar. No futuro, tenho certeza, virão daí os novos Gilbertos Freyres, os novos Sergios Buarques de Holanda, escrevendo sobre o País, suas mazelas e seus desafios.

Com a diferença de que, para eles, não será só uma paixão intelectual. Sentiram na pele o que estão falando. Escreverão com as vísceras. E é essa, para mim, a melhor definição de arte, sempre: aquela que vem das vísceras.

8 comentários:

Discos de Brasilia disse...

Esse seu artigo e um pequeno
exemplo da imbecilizacao.A senhora fala que entendeu mas nao entendeu nada.Mino Carta nao esta levantando debate nem instigando nada.O Brasil esta mesmo imbecilizado de uma maneira que a senhora nao consegue entender.
Carlos

dbacellar disse...

Eu entendi do artigo do Mino, com o qual em concordo, em parte - porém mais que a Cynara - é que nossa arte e literatura decantaram-se, perderam densidade, conteúdo. Também gosto de graffiti e de RAP (que não é música, por definição, é ritmo e poesia falada, não cantada). Só que não dá para comparar a pobreza do RAP ou de outro gênero popular, o Funk Carioca, com a MPB ou o Samba. O Samba também tem origem 'humilde', mas não tem uma riqueza vocabular e de musicalidade muito maior que RAP e Funk.

Graffiti pode ser muitas coisas, mas acaba sendo visto como uma de duas: sujeira nos muros ou uma espécie de 'arte decorativa', com uma variedade criativa muito restrita (pelo substrato, pelas tintas esmalte usadas, pela própria formação do artista).

Outro capítulo totalmente diferente é a literatura. Não vi exemplos no texto de Cynara quanto a isso. Pichações brilhantes como "Eu ti amo", comuns por aí? Os poemas do RAP são um bom exemplo, é verdade. Mas a riqueza do Português se perdeu, duvido que se usem mais que cerca de duas mil palavras para fazer a letra de todos os RAPs, Funks e similares. Muitas delas, fora de contexto, mal usadas, mesmo. Ah, sim, estamos criando uma nova língua. De fato, sempre que se perde uma parte significativa de uma cultura, outra nova surge, como resultado de décadas ou séculos de evolução. Ainda bem que ainda tenho muito que ler e ouvir da produção brasileira das décadas passadas!

Luis disse...

Quem está imbecilizado é o Sistema atual, artísta depender de Edital, de Projeto, isso mata. Os músicos que fazem música instrumental elaborada, que estudam pra valer estão falidos, investem tudo o que podem em equipamento e estudo e se vêem na dependência de Edital de empresa, de um burocrata, um técnico de escritório ignorante que tem a chave do trabalho, que vai dizer pra onde as coisas irão, sempre a partir de critérios imbecis. Um equivoco.
A música, as artes plásticas, a literatura sempre vão existir, mas o Sistema está muito ruim pro cara que faz mesmo. Desculpa o paralelo idiota, mas o artísta verdadeiro, salvo excessões, é como o agricultor, o Agronegócio vai bem, dá lucro, infla o pib, e o agricultor na miséria - não fosse o a ajuda do Bolsa Família e nem isso têm os artístas. Arte não pode depender do Sistema, Arte quebra, cria novos contextos e por aí vai. A tv Globo é uma indústria capitalista, nada a ver com Arte.

Carlos R. disse...

Hoje temos a internet, os blogs, onde podemos fazer nossa arte. Um espaço democrático onde podemos publicar para quem quiser ver. Eu mesmo tenho meu blog onde posso mostrar minhas poesias e minhas fotos. Algo impossível quando se fazia a Bossa Nova. Posso até aqui convidar vocês para me lerem: http://carlosaraujo68.blogspot.com.br

Anônimo disse...



Alguns reps são lindos e bem escritos, cheios de referências. No meio do balaio rep há coisas lindas demais. E todos são válidos.
Acho que voces nem conhecem e nem ouvem o rep. Ouçam a rádio 105,... de noite.

Shogun disse...

Os argumentos dela são muito fracos. "É só usar o controle remoto"? Como se todo mundo tivesse Tv paga. Na TV aberta brasileira de modo geral, tem no máximo 5 canais que não precisa de uma TV nova e uma antena potente, para se ver sem muitas dificuldades, e destes 5 canais, nenhum presta.

Tv por assinatura é algo que, como todos sabemos, é dominada pela GLOBO. Que controla, além de metade dos canais, algumas das maiores operadoras do país, como a SKY e a NET. E mesmo com a nova lei de tv paga, a Globo se considera no direito de controlar o conteúdo nacional nestas operadoras. Até o canal citado pela autora, é da Globo. E pelo que o Caio Blat revela, tudo tem que pagar um certo 'jabazinho', para ser passado na Globo.

Funk, se ela não sabe, é proveniente do que se tocava nos bailes cariocas do começo dos anos 90, que era essencialmente o pior do que se possa chamar de RAP, o Miami Bass (especie de RAP acelerado com letras mais vulgares e com uma batida incessante). Veja aí a Originalidade do Funk -> (http://www.youtube.com/watch?v=u6VTj7LhCtE ) De original no Funk carioca, nem as popozudas, que são derivadas das vagabundas norte-americanas. Veja algumas ai (http://www.youtube.com/watch?v=RDx-3CTQV8c)

O RAP se originou na Jamaica e, mesmo assim, não é algo totalmente original que não tem nenhum paralelo no mundo. No Brasil, de norte a sul, temos nossos repentes e trovadoristas, que se assemelham muito com a proposta do RAP e, até o Forró, tem uma certa semelhança, mas desta vez com a estrutura, compasso e etc. E pelo contrario do que ela pensa, o RAP está morrendo, justamente por seus novos artistas serem cada vez mais "midiáticos", e fazerem exatamente o que o mercado manda.O RAP está cada vez mais voltado para as demandas do capital e menos para "reportar" a própria "quebrada". Não se encontra com facilidade um Racionais MC's, hoje em dia - ainda mais com a mão pesada do governo em cima das rádios comunitárias e piratas, que era onde esse tipo de arte tinha espaço - , o que se encontra hoje, é algo que possa ser passado nas rádios comerciais,e em TVs opcionalmente na GLOBO, em seus milhares de canais fechados.

A autora podia citar como arte, o teatro de rua, que vem crescendo bastante, a literatura marginal, que a cada dia nos surpreende, encabeçada em SP pelo escritor Ferrez( que por sinal escreve em revistas progressistas e acabou de lançar um novo livro). Podia citar a cooperifa, podia citar a dança de rua, que já te espaço em muitas companhias de dança por aí.
Mas pelo que vemos, ela está muito imbecilizada, ao ponto de dizer que a globo passa coisa boa e as rivais só LIXO. Eu hein!? É cada uma.

Patricia disse...

Eu tenho a impressão que nos últimos anos Cynara Menezes se perdeu.

Ele tem escrito textos muito,muito fracos. Não sei se é deslumbre com a notoriedade que a Carta Capital lhe deu... mas meu encanto ruiu quando li a entrevista dela com o Ayres Brito...

Acho uma pena porque ela escreve bem. Tão bem que me pergunto se esse texto é dela realmente porque há argumentos risíveis,como tão bem já explicou o comentário de Shogun.

O texto de Mino Carta toca em uma ferida,sim. Até porque não dá para entender o Brasil sem passar pelos escritores e músicos que Mino coloca como referência.

A cultura marginal foi uma resposta de quem foi excluído dessa cultura que o Mino cita.


O que eles fariam se tivessem acesso ao que construiu culturalmente o Brasil de hoje?

E por que excluíram esse grupo de ter acesso a essa cultura?

Agora vamos ter essa supervalorização do que vem da "periferia", renengando tudo que veio antes.

Muitos daqueles citados por Mino eram a periferia de sua época, só que tinham estudos melhores.

Será que vai surgir um Gilberto Freire de universidades como a UNIP? Tão comprometida com lucro?

Alguns estão levando além do pé da letra a frase do Lula, "nós x eles". Tem gente mais realista que o rei...

É quando se quer destruir uma pessoa comece a elogiá-la. Isso server tanto para Cynara Menezes quanto para a cultura da periferia...

Unknown disse...

Creio que o mais grave que tem acontecido é a cegueira em que as pessoas nela insistem. O que hoje se chama de cultura popular no Brasil é um lixo,é o que há de pior. Sua legitimidade está apenas em ser aquilo que o povo, com educação péssima, pode produzir por si mesmo. Enquanto isso, enquanto se enaltece o vulgar, o pobre, os que não detém o capital ficam "proibidos" de conhecer todo o outro lado da cultura criado pela humanidade, legado seu também. É muito cômodo dar lata para um grupo de criança bater, chamar de música e dizer "que lindo. É a cultura deles". Difícil é investir em violinos. Mas é claro, dirão, os que não querem mudança alguma, que esse meu pensamento é um pensamento elitista. Sei que ando nas ruas e o que vejo, advindo disso tudo, é violência e falta de educação. A música tem sido a trilha sonora.