terça-feira, 5 de março de 2013

Mídia: Alguma dúvida, companheiro?

Por Venício A. de Lima, no Observatório da Imprensa:

Em seu discurso de posse (1/2/2013), o novo presidente do Congresso Nacional, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), não deixa dúvida de que considera inadmissível qualquer alteração no status quo legal das comunicações (ver, neste Observatório, “Carta aberta ao senador Renan Calheiros“).

Três dias depois, na tradicional “Mensagem” enviada ao Congresso Nacional por ocasião da abertura do ano legislativo (4/2/2013) – a terceira de seu governo –, a presidenta da República, Dilma Rousseff, não faz qualquer menção a um marco regulatório para o setor.

Duas semanas se passam e o secretário executivo do Ministério das Comunicações, Cesar Alvarez, na abertura do Seminário Política de (Tele) comunicações, em Brasília (20/2/2013), disse com todas as letras que neste governo não se colocará em consulta pública uma proposta de marco regulatório (ver “Minicom descarta novo marco legal das comunicações neste governo“ e “Governo decide não enviar proposta sobre mídia eletrônica“).

Para “fechar o círculo”, o próprio ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, declarou em Barcelona, Espanha (26/2/2013), que a regulamentação das comunicações só poderá ser discutida quando estiver “madura” e que admitia não ser esta uma prioridade do governo.

Quase simultaneamente foi assinado o Decreto 7.921, de 15 de fevereiro, que atende demanda das operadoras de telecomunicações: suspende a contribuição de PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), além do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre máquinas, equipamentos e materiais de construção de obras civis de projetos envolvidos no Programa Nacional de Banda Larga para Implantação de Redes de Telecomunicações (Repnbl-Redes). Estima-se que essas isenções alcancem o valor total de 60 bilhões de reais.

E no dia 18 de fevereiro, o informativo Televiva, apoiado em números divulgados pela Ancine, calculou que as programadoras internacionais que operam na TV paga remeteram ao exterior um total de R$ 1,317 bilhão em 2012, contra R$ 1,085 bilhão em 2011 e R$ 857 milhões, em 2010. Registre-se que esses valores não representam o lucro dos canais, de vez que “muitos dos custos são pagos diretamente no exterior e há recursos que não são remetidos. O valor também não inclui a receita das joint-ventures internacionais que têm sede no Brasil, como o Telecine” (cf. “Canais internacionais remeteram R$ 1,311 bilhão ao exterior em 2012“).

Nada mal, não é?

Pode haver alguma dúvida sobre qual é a posição do governo?

Existe outro lado da moeda?

Diante de tais afirmações e ações, os não-atores – setores organizados da sociedade civil representados pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) – distribuíram nota pública com o título “Governo Federal rompe compromisso com a sociedade no tema da comunicação“. Prometem, todavia, prosseguir na elaboração do que deverá se transformar em projeto de lei de iniciativa popular de marco regulatório que, após debate público, será encaminhado ao Congresso Nacional.

Paralelamente, o presidente nacional do PT, partido da presidenta da República, deputado Rui Falcão (SP), em artigo publicado no dia 15 de fevereiro na Folha de S.Paulo, afirmou:

“Vamos também manter nossa luta pela ampliação da liberdade de expressão, focando principalmente na regulamentação dos artigos da Constituição que tratam do assunto”.

O ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, presidente de honra do mesmo PT, ao participar das comemorações de 30 anos de fundação da CUT, em São Paulo (27/2), questionou:

“Por que a gente não organiza o nosso espaço? Por que a gente não começa a organizar a nossa mídia?”

No dia seguinte (28/2), em longa entrevista divulgada no site do PT, o presidente Rui Falcão reiterou que “o que nós queremos do alargamento da liberdade de expressão no Brasil é justamente regulamentar o que está previsto na Constituição Federal de 1988”.

Respondendo especificamente sobre as declarações do secretário executivo do MiniCom e a nota púbica do FNDC, Rui Falcão afirmou:

“Acho que é um direito dessas entidades e a crítica quando ela é feita politicamente, não em termos rasteiros ou pessoais, ela ajuda avançar, ela corrige erros, ela retifica caminhos. Acho que o FNDC está no seu direito. Ela esperava outro ritmo, não ocorreu. O governo deve ter suas razões, mas nós como partido...

“Como partido vai resgatar essa bandeira?

“Rui Falcão – Isso.”

E, por fim, o Diretório Nacional do PT, reunido em Fortaleza, divulgou na sexta-feira (1/3) uma resolução inédita que “decide”:

“I. Conclamar o governo a reconsiderar a atitude do Ministério das Comunicações, dando início à reforma do marco regulatório das comunicações, bem como a abrir diálogo com os movimentos sociais e grupos da sociedade civil que lutam para democratizar as mídias no país;

“II. No mesmo sentido, conclamar o governo a rever o pacote de isenções concedido às empresas de telecomunicações, a reiniciar o processo de recuperação da Telebrás; e a manter a neutralidade da Internet (igualdade de acesso, ameaçada por grandes interesses comerciais);

“III. Apoiar a iniciativa de um Projeto de Lei de Iniciativa Popular para um novo marco regulatório das comunicações, proposto pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), pela CUT e outras entidades, conclamando a militância do Partido dos Trabalhadores a se juntar decididamente a essa campanha;

“IV. Convocar a Conferência Nacional Extraordinária de Comunicação do PT, a ser realizada ainda em 2013, com o tema “Democratizar a Mídia e ampliar a liberdade de expressão, para Democratizar o Brasil” [cf. “Democratização da mídia é urgente e inadiável“].


No domingo (3/3), por outro lado, a convenção nacional do PMDB aprovou uma moção de “defesa intransigente da liberdade de imprensa”.

Pode haver alguma dúvida de que existe um conflito de posições entre o governo da presidente Dilma (incluindo seu aliado, o PMDB) e o PT, em relação à regulamentação das comunicações?

O que resta a ser feito

A política pública de comunicações, por óbvio, não pode ser considerada isoladamente. Sua formulação, como, aliás, a de qualquer outro setor, depende de uma série de fatores, inclusive a governabilidade – adverte o presidente do Congresso Nacional, senador Renan Calheiros, da qual “o PMDB tem sido um pilar”, em nome da democracia (sic).

Alguém poderá lembrar também que o partido da presidenta Dilma é o PT, mas que o governo – no “presidencialismo de coalização” que temos – é de um conjunto de partidos, não é do PT.

Ponderações anotadas, o que resta, então, a ser feito?

Em julho de 2011, diante da insensibilidade crítica da grande mídia brasileira em relação aos acontecimentos que envolveram o tabloide News of the World e a News Corporation na Inglaterra, publiquei artigo com o título “As mudanças virão das ruas“.

Na época, afirmei:

“Para além do entretenimento culturalmente arraigado – simbolizado pelas novelas e pelo futebol – cada dia que passa, aumenta o número de brasileiros que se dão conta do imenso poder que ainda está nas mãos daqueles que controlam a grande mídia e que, historicamente, sonega e esconde as vozes e os interesses de milhões de outros brasileiros.

“É o aumento dessa consciência que vem das ruas que explica as pequenas e importantes vitórias que a sociedade civil organizada começa finalmente a construir em níveis estadual e local. (...) Esse parece ser o único caminho possível para a democratização da comunicação no nosso país: a consciência da cidadania. Esse caminho independe da vontade da grande mídia e de seus parceiros e defensores. Esses continuarão encastelados na sua arrogância, cada dia mais distantes das vozes excluídas que vem das ruas e que, felizmente, não conseguem mais controlar.”


Pode haver alguma dúvida de que a alternativa que resta àqueles que acreditam na necessidade de um marco regulatório para as comunicações é convencer mais e mais brasileiros de que o controle de uns poucos grupos – que não admitem a ampliação da participação popular e muito menos a formação de uma opinião pública republicana, plural e democrática – permanecerá enquanto não houver liberdade de expressão e acesso universal ao debate público?

Quem sabe o apoio e o engajamento efetivo de partidos políticos ao Projeto de Lei de Iniciativa Popular, proposto pelo FNDC, não dinamizará a campanha que já está nas ruas?

Não há mais nada o que dizer. Só resta fazer.

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