sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Bancos: assédio moral e metas abusivas

Por Lisa Carstensen, no sítio Repórter Brasil:

Em um contexto marcado por denúncias constantes de assédio moral organizacional, aquele que não é pontual, mas sim sistemático, por afastamentos relacionados a problemas de saúde e até por suicídios, a pressão por metas abusivas é vista por dois em cada três bancários brasileiros como o principal problema enfrentado pela categoria em 2013. É o que aponta consulta feita pela Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf) com a participação de 37 mil trabalhadores do setor. Dos participantes, 66,4% reclamaram deste ponto específico.
O novo número só reforça tendência identificada por pesquisadores há alguns anos que está relacionada com o aumento da terceirização e da precarização de condições de trabalho. Em média, segundo dados de estudo publicado em 2009 pela Universidade de Brasília (UnB), há uma tentativa de suicídio por dia no setor bancário brasileiro. Dessas, uma se consuma a cada vinte dias. Os índices são alarmantes e, segundo Cláudia Reina, juíza do Trabalho e mestre em Direitos Fundamentais, Justiça e Cidadania, estão relacionados a esta forma de abuso conhecida como assédio moral organizacional, em que abusos acontecem não em relações individuais, mas pela forma como o trabalho é organizado. “É uma forma de violência invisível que pode levar uma pessoa à morte sem derramar uma única gota de sangue”, diz a juíza, que pesquisa o tema e faz parte do Grupo de Direitos Humanos e Saúde Helena Besserman.

Cláudia Reina defende que é preciso aumentar o conhecimento sobre o problema, melhorando o registro de dados, incentivando a formação de especialistas no tema, e ampliando a divulgação de informações a respeito. Ela ressalta que as vítimas precisam de acompanhamento psicológico e diz que são necessárias mudanças no sistema judiciário que, “muitas vezes ainda fecha os olhos frente à violência psicológica”.

Afastamentos e doenças

Gilberto Saviano, assessor da secretaria de Saúde do Trabalhador da Central Única dos Trabalhadores (CUT), aponta que, além do suicídio, dados gerais de doenças mentais entre bancários causam preocupação. As doenças estão relacionadas ao aumento de pressão no trabalho em função de metas determinadas pelas empresas. De acordo com Plínio Pavão, também assessor da secretaria de Saúde do Trabalhador da CUT, o resultado é o acirramento da concorrência entre os trabalhadores, maior individualismo, e esgotamento físico e psicológico. Dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) apurados pela CUT apontam que 21.144 trabalhadores bancários foram afastados do trabalho em 2012 por problemas de saúde. Do total de causas, 25,7% correspondem a estresse, depressão e síndrome de pânico.

Entre outros problemas de saúde, também são objeto de pesquisas e preocupações as lesões por esforços repetitivos, que despontaram em primeiro lugar com 27% dos afastamentos em 2012. O debate sobre o assédio moral é forte na categoria dos bancários e o entendimento dos trabalhadores é de que o assédio moral organizacional está ligado à reestruturação produtiva do setor.

Em 2006, pesquisa do Sindicato dos Bancários de Pernambuco feita com base em questionários anônimos revelou alto índice de reclamações sobre a questão. Dos 2.609 bancários que responderam as perguntas, 38,9% afirmaram que haviam sofrido situações constrangedoras no trabalho (veja quadro). Das 804 pessoas que responderam a uma segunda pergunta, sobre a frequência das situações constrangedoras, quase 80% delas (638 pessoas) disseram que estas ocorrem uma ou mais vezes pela semana, o que é o suficiente para caracterizar assédio moral. A pesquisa também mostra que 15,63% dos entrevistados nunca falaram com ninguém sobre o ocorrido.

Plínio Pavão, da CUT, avalia que o assédio moral no setor bancário brasileiro não é um problema de comportamento individual, mas sim uma prática sistemática. “Em busca de lucros, o assédio moral dá resultados, mas acaba com as pessoas”, explica.

É importante ter em mente que cada pessoa reage de maneira diferente a situações de constrangimento, assédio moral e estresse. Além disso, o que ocorre no trabalho também está inter-relacionado com a vida privada das pessoas.

Há muitas formas diferentes de assédio moral. Por isso, não é possível descrever um padrão de reações pessoais. No entanto, o elevado número de doenças, transtornos mentais e até suicídios na categoria indica que essas doenças devem ser entendidas como um problema de saúde no trabalho, em vez de um destino individual. O Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região da CUT recebeu 833 denuncias de assédio moral de 2011 até o presente momento. A presidenta do sindicato, Juvandia Moreira, enfatiza, em entrevista à Repórter Brasil, que esses são só os casos que foram denunciados e diz acreditar que o número real seja bem mais alto por perceber muito estresse e afastamento por transtornos mentais entre os trabalhadores.

O assédio moral é uma situação de violência e estresse causada de maneira sistemática pelo empregador ou por colegas de trabalho. A juíza Cláudia Reina explica que é difícil de se provar esse tipo de abuso porque muitas vezes trata-se de uma “violência invisível”, que consiste em atos degradantes no dia a dia. Ela explica que é importante estabelecer critérios e tornar o assédio moral visível por meio de de denúncias. Para se formular uma denúncia corretamente, a juíza recomenda às vitimas a elaboração de um conjunto de provas que ajudarão no momento do julgamento.

Cobrança e pressão psicológica

De acordo com especialistas ouvidos pela Repórter Brasil, falta no Brasil conhecimento acerca do conceito de assédio moral. Cláudia Reina reclama que as indenizações em caso de ações julgadas por assédio moral muitas vezes são muito baixas ou inexistentes. Ela cita, como exemplo, uma ação que julgou na 22ª Vara de Trabalho do Rio de Janeiro em 2009. No caso, uma empregada do Bradesco alegou sofrer pressão psicológica para cumprimento de metas sob ameaça de demissão, o que a levou a jornadas prolongadas, humilhação e constrangimento.

A sentença cita uma testemunha indicada pela autora, que afirma que o gerente gritava com a colega, batia na mesa e chamava-a de burra, velha e “outras palavras que, como cristã, não poderia falar em público”. Segundo o relato, o gerente a chamava de “incompetente” em público, falava palavrões e agressões de conotação sexual.

Além disso, foi considerado um agravante o fato de, apesar de estarem expostos a risco de morte, os trabalhadores não receberem nenhuma assistência. Segundo o depoimento, aconteceram três assaltos na agência, mas os empregados não receberam assistência psicológica e os assaltos não foram reconhecidos como acidentes de trabalho, conforme determina a legislação vigente. Nestes casos, por estarem expostos aos perigos e ao estresse da situação, as vítimas podem desenvolver síndrome de estresse pós-traumático, síndrome de pânico e depressão, devendo receber atendimento médico e licença para recuperação quando necessário, entre outras medidas.

No caso específico, outra testemunha contou que, apesar de estarem abalados psicologicamente após os assaltos, os empregados tiveram de continuar o serviço no mesmo dia, “até porque a preocupação da diretoria era com os valores que tinham sido roubados”. A testemunha disse que deixou de atingir a meta pelo banco e, por isso, sofreu ameaças.

Na decisão de primeira instância, o banco foi obrigado a pagar uma indenização de R$ 250.997,60 por danos morais causados pelo assédio moral. No entanto, quando o banco recorreu à segunda instância, o Tribunal Regional de Trabalho da 1ª Região considerou que as provas providas pela autora não bastavam para provar a dor e o sofrimento que tinha passado e reduziu a indenização para R$50 mil.

Metas “desafiadoras” ou “abusivas”?
Não existe hoje no Brasil um registro com as denúncias sobre assédio moral. Contudo, a juíza Cláudia Reina diz perceber um crescimento das denúncias, que entende ser uma mudança na cultura empresarial: “Hoje a cultura em muitas grandes empresas é de metas, metas, metas. É assim: o indivíduo tem que estar em constante aperfeiçoamento, em constante concorrência, é um indivíduo que vive para o trabalho. A forma de como o trabalho está organizado já é muito cruel. E muitas vezes as metas não têm nenhum parâmetro”.

O setor bancário no Brasil e no mundo vem passando por uma reestruturação produtiva e se internacionalizando desde a década de 1970. Mesmo considerando que o sistema financeiro do país não foi tão atingido pela crise internacional deflagrada em 2008 do mesmo jeito que em outros países, observa-se uma aceleração das tendências de reestruturação que se soma a um processo anterior. No Brasil, após a reforma da moeda, com a adoção do Real, e a abertura do mercado, observou-se uma onda de privatizações, entrada de bancos estrangeiros ao país e fusões. De acordo com uma pesquisa efetuada pelo DIEESE em 2011, o lucro líquido dos maiores bancos que atuam no Brasil cresceu quase 500% em dez anos; de R$ 8,09 bilhões em 2001 para R$ 48,41 bilhões em 2010, com somente sete grandes empresas dividindo o mercado entre si. Ao mesmo tempo, mudanças na estrutura social brasileira possibilitaram o acesso aos serviços financeiros de novos grupos sociais e mudanças nos mercados financeiros globais levaram a uma diversificação de produtos e clientes.

Os anos 1990 trouxeram novas formas de gestão do trabalho no setor. De 1999 a 2010, o processo de terceirização acentuou-se, ao passo que o investimento dos bancos em serviços de terceiros aumentou em 368%, atingindo R$ 10,5 bilhões. Ao mesmo tempo, novos modelos de gerenciamento e controle de qualidade total foram introduzidos.

Muitos destes novos modelos funcionam com base em metas “desafiadoras”, muitas vezes difíceis ou impossíveis de ser atingidas e que levam a jornadas extensas, individualização dos trabalhadores, concorrência e estresse contínuo. Luciana Veloso, auditora fiscal do trabalho em São Paulo, lembra que é importante ter em mente que as metas também criam sentimentos de injustiça quando imprevistos, como falhas de equipamento ou reclamações de clientes, os impedem de chegar aos resultados ambicionados. Ela apresentou casos e discutiu o tema durante o Ato Público de Reflexão Sobre Assédio Moral no Setor Bancário, realizado em outubro em São Paulo.

Juvandia Moreira explica que as metas a atingir por vezes levam os trabalhadores a vender produtos financeiros mesmo durante festas familiares. Na opinião dela, essa política também prejudica os clientes, que muitas vezes acabam comprando produtos que não precisam. Ela entende que a concorrência e o isolamento entre os trabalhadores são os maiores obstáculos ao combate ao assédio moral: “O isolamento não é proteção. O problema tem que ser arrancado pela raiz, é importante procurar ajuda. Não vale chegar a perder a saúde mental por causa do trabalho”.

Denúncias e negociações
Quanto às políticas de metas orientadas ao trabalhador individual que chegam a prejudicar sua saúde, os representantes sindicais dizem que isso só pode ser superado com base em ação coletiva e organizada dos trabalhadores. “É preciso que haja um olhar mais coletivo do processo de trabalho e que os trabalhadores participem nas definições das metas”, enfatiza Walcir Previtale, secretário de saúde da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf), em nota da entidade.

Na cláusula 41 da Convenção Coletiva de Trabalho 2010/2011 da categoria foi previsto um acordo para o combate ao assédio moral que definiu canais de denúncia anônima via sindicatos. Na opinião do assessor da secretaria de Saúde do Trabalhador da CUT, Plínio Pavão, a eficácia deste instrumento depende muito da implementação e monitoramento em cada local de trabalho. Ele acredita que a existência de uma Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) também é favorável para o combate ao assédio moral.

O tema também foi pauta da Convenção Coletiva 2013/2014. Ela introduz uma cláusula que diz: “No monitoramento de resultados, os bancos não exporão publicamente, o ranking individual de seus empregados”. No mesmo artigo, define-se ser “vedada a cobrança de cumprimento de resultados por torpedos (SMS), pelo gestor, no telefone particular do empregado”. Outro resultado desta negociação coletiva foi a criação de um “Grupo de Trabalho Bipartite – Análise dos Afastamentos do Trabalho” que foi instalado em 7 de novembro 2013. O grupo, composto por representantes dos trabalhadores e empregadores e médicos do trabalho, agora está começando a elaborar um diagnóstico profundo sobre os afastamentos dos trabalhadores bancários. Juvandia espera que este projeto ajude a identificar as causas dos afastamentos e avançar no desenvolvimento de soluções e medidas preventivas. Ela enfatiza que esse debate é uma conquista da campanha salarial da greve de 2013.

3 comentários:

Luisa disse...

Por um mundo sem bancos e sem banqueiros.

Anônimo disse...

Problema na sociedade é problema da sociedade.
A futura sociedade deve ser criada com a participação da sociedade toda, coisa que até hoje a parte que se julga alheia parece negar-se a compreender, muito menos participar da discussão.
No caso o problema é do trabalhador enquanto trabalhador, que também foge àquela parte alheia da sociedade, quando julga que o problema não é mais do seu interesse. Não fosse assim quantas experiências estariam ativas subsidiando as lutas, que são sempre as mesmas.
Em meio a esta crise a terceirização do serviço de caixa com a transferência para mercados, além de não levar os direitos trabalhistas, não leva nem a remuneração, que fica com o capital, dono do mercado. Colocando assim quem perdeu e quem não teve o emprego fora da discussão, como também os novos profissionais lá no mercado, caixa, administração, segurança, limpeza, pela fragilidade e desconhecimento.

Anônimo disse...

Sem desmerecimento da causa dos trabalhadores formais.
O descaso desumano e social com o bancário, cliente, trabalhador enquanto no mínimo dentro da agência.
A vida da agência se justifica no atendimento ao cliente o cliente enquanto na agência é parte integrante e fundamental para o trabalho da agência.
O tempo dedicado pelo cliente numa agência, o impede de produzir algo a mais do que o serviço na agência, em espera ou não.
Considerando o número de atendimentos e o tempo médio de permanência por cliente chega-se ao valor de horas produtivas dos trabalhadores clientes que até hoje não se pensou em remuneração, no mínimo numa compensação em beneficio social.