segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Direitos para todos humanos

Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:

As cenas de pavor produzidas na penitenciaria de Pedrinhas, no Maranhão, colocam uma pergunta civilizatória: quem tornou nossos criminosos tão criminosos, tão perversos, mais cruéis do que nossa imaginação seria capaz de adivinhar?

Engana-se quem fala nas condições sócio-econômicas. O Brasil está melhorando na última década, em especial para os mais pobres.

Engana-se quem fala que bandido bom é bandido morto, pregando uma escola de violência que não deu certo e nunca dará.

A perversidade do crime brasileiro tem uma origem conhecida que, como símbolo, vou definir por um nome: capitão Ubiratã.

Ele mesmo, o oficial da PM que comandou o massacre do Carandiru, marco histórico da violência do Estado, que deveria zelar pela vida e pelos direitos de toda pessoa que é mantida sob sua guarda. Estou falando de um símbolo, de uma postura, uma ideia – não de uma pessoa física. Você pode colocar outros nomes reais: secretários de Estado, governadores, Ministros... É só escolher.

Quem for atrás do degrau atual da criminalidade brasileira irá encontrar um nome: a facção criminosa PCC. E quem for atrás do PCC irá encontrar outro nome: Carandiru.

Competente repórter a estudar o assunto, Josmar Jozimo, com passagens respeitáveis pelas editorias de polícia dos principais jornais de São Paulo, escreveu até um livro sobre a facção criminosa.

O que importa registrar é o seguinte: o PCC se forma, inicia suas primeiras ações e atos de crueldade – fuzilar diretores de presídio, explodir automóveis, cortar cabeças e assim por diante – como uma resposta ao massacre de Carandiru.

Pois é, meus amigos. A lição a ser aprendida é assim: a violência do Estado atingiu um patamar tão baixo, tão grotesco, tão inaceitável, que obrigou os criminosos, individualistas por natureza, dispersos e competitivos por vocação, a se organizar, a criar disciplina e mesmo definir objetivos que são – sim – de natureza política.

Esqueça por um instante o tráfico de drogas, o controle dos presídios, a chantagem sobre as famílias. São motivações econômicas.

O que está na origem da facção criminosa, o que dá força a sua liderança, é a capacidade de dar resposta ao Estado. Não tem nada a ver com exemplos de grupos que praticavam a luta armada contra o regime militar.

É selvageria em estado bruto. Olho por olho, dente por dente. Por isso, porque fala a linguagem de Carandiru, Ubiratã, e tantos outros, ela é obedecida e temida.

Quem quiser entender a barbárie atual pode voltar aos textos do professor Antonio Flavio Pierucci, aquele que pesquisou o nascimento de uma classe média conservadora no início da democratização do país – e que se mostrava escandalizada com a política de direitos humanos. Chamava de mordomia todo esforço para melhorar a vida no cárcere, de proibir a tortura e as execuções sumárias. Aplaudia a violência e pedia mais, sempre mais. Comemorava fuzilamentos.

Chegamos aonde era fácil ver que iríamos chegar. O tratamento desumano está institucionalizado. As prisões são um inferno tão previsível que é preciso encontrar algo que chama a atenção. Se não fossem as cabeças decepadas, da menina de 6 anos incendiada de forma criminosa, quem estaria falando de Pedrinhas? Alguns advogados que são considerados uns chatos, uns padres que deveriam pensar em coisa melhor...

Os prisioneiros foram rebaixados a animais para serem explorados, cotidianamente, como gado. Sua fome alimenta quem desvia verbas, sua penúria serve a quem faz negócios intermediários. Sem direito a palavra, ao Direito e a outros recursos da civilização, não falam. Preferem atos repugnantes: machucam, matam, torturam. Olho por olho, dente por dente.

Esta é a realidade em que nos encontramos e da qual o país não irá sair sem uma grande mudança. Não precisamos de homens providenciais. Precisamos de políticas que respeitem nossos valores – para que eles sejam respeitados.

Isso implica em cadeias que não sejam hotéis mas também não sejam jaulas nem chiqueiros.

Numa justiça capaz de atender o pobre, o sem recurso e sem oportunidade. Isso implica em dinheiro, envolve sacrifício, exige enfrentar aquela parcela influente, rica e profundamente ignorante de cidadãos que não entenderam nada desde que numa aventura parisiense do século XVIII a humanidade aprendeu que todos os homens são iguais – e sem entender isso, fica difícil entender qualquer coisa, ainda mais quando se fala de liberdade, de respeito, direitos.

Se queremos conviver com humanos, não podemos tratar homens e mulheres como animais. Nenhum de nós tem culpa. Mas a responsabilidade, não custa lembrar, é nossa.

1 comentários:

antonio disse...

É obvio que hoje a crimialidade violenta nada mais tem a ver com miséria, desemprego, desigualdade, fome.A maioria das quadrilhas presas são de brancos, paulistas e classe média.É só ver as fotos nos jornais, tvs e revistas. Não lhes falta vestuário, alimentação, e emprego.Aliás , o mais cruel é ver bandidos empregados que fazem parte de quadrilhas e tem emprego de fachada.Isso não quer dizer que as prisões não devam respeitar um mínimo de decência. Pois quem paga a conta são justamente os encarcerados por crimes mais leves que sofrem na mão de monstros irrecuperáveis.