terça-feira, 5 de agosto de 2014

Denúncia de corrupção empaca no TRE-SP

Por Antonio Barbosa Filho

O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo suspendeu por tempo indeterminado o julgamento dos recursos do prefeito de Taubaté e de seu pai, Bernardo Ortiz Júnior e José Bernardo Ortiz, respectivamente, contra a cassação do prefeito e a suspensão dos direitos políticos do seu pai. Júnior teria montado um esquema de corrupção e fraude em licitações na FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação), presidida por Bernardo entre 2011 e 2013.

O órgão é o mais importante da Secretaria da Educação do Estado, com orçamento de mais de 3 bilhões, e responde pela construção, manutenção e reformas de todas as unidades da rede escolar pública, bem como pela compra de materiais e equipamentos e até por “gerenciar os sistemas de avaliação de rendimento escolar”. Os Ortiz são muito ligados ao governador Geraldo Alckmin, político de Pindamonhangaba, cidade vizinha a Taubaté, onde o governador formou-se em Medicina.
O prefeito foi cassado há cerca de um ano pela juíza eleitoral de Taubaté, Sueli Zeraik de Oliveira Armani, num processo que levou mais de oito meses, embora instruções do STE (Superior Tribunal Eleitoral) considerem tais procedimentos “prioritários”. A magistrada cassou o prefeito e seu vice, Edson Aparecido de Oliveira, mas isentou o pai de cumplicidade. O procurador-eleitoral do Estado, Paulo Thadeu Gomes da Silva, pediu que o TRE não acolha os recursos e inclua na sentença o pai do réu principal, alegando que “o ex-presidente tinha ampla ciência de tudo o que se passava na FDE no que tange às irregularidades na licitação” e que “a sua conivência e concordância são suficientes para que se determine sua responsabilização”.
O julgamento havia sido adiado do dia 29 para 31 passados porque o juiz-relator, Roberto Maia Filho, não compareceu à primeira sessão alegando doença. Mas no dia 31, apresentou um relatório considerado “arrasador”, condenando todos os réus - prefeito, seu pai e o vice. A votação estava em dois a zero pela condenação quando os juízes Costa Wagner e Alberto Toron pediram vistas do processo, adiando a decisão para data indefinida.

Escândalo de R$ 35 milhões
O caso que levou à cassação do prefeito e vice tucanos de Taubaté (cidade de 300 mil habitantes no Vale do Paraíba paulista) refere-se à uma licitação para aquisição de mochilas escolares para serem distribuídas aos alunos da rede estadual, em 2011.

Na denúncia inicial, o promotor eleitoral de Taubaté, Antonio Carlos Ozório Nunes, afirmava que tão logo foi nomeado por Alckmin para a presidência da FDE, em 21 de janeiro de 2011, José Bernardo Ortiz “permitiu que nela se instalasse um poder paralelo, um ‘esquema’ organizado e comandado por seu filho”. Júnior, embora não pertencesse aos quadros do Estado, indicou nomes de sua confiança para posições-chave na estrutura do órgão, como o diretor de Administração e Finanças, Cláudio Falótico. 

Ambos, segundo a denúncia “fizeram da FDE um escritório político ‘particular’, um balcão de negócios para arrecadar dinheiro para a sua milionária campanha a prefeito de Taubaté”. O filho do presidente fazia reuniões com empresários na própria sala da Presidência, na Sala dos Retratos, frequentava diretorias, tinha vista de processos, contratos, editais de licitações e dados das empresas operantes na FDE. Recebia apoio de seu irmão Diego, que igualmente tinha acesso irrestrito à instituição, tendo inclusive fotografado processos e editais de licitação, segundo o MPE..
Com amplos poderes na repartição comandada por seu pai, Júnior aproximou-se do empresário Djalma Santos, então diretor comercial da empresa Diana Paolucci, fornecedora de materiais para Prefeituras e governos de Estados, mas que nunca havia vendido nada à FDE. O futuro candidato a prefeito propôs abrir as portas da FDE à Diana e outras empresas que Djalma pudesse contatar, mediante uma comissão de 10% sobre as vendas ao Estado. Ele disse ao empresário que precisaria de sete a oito milhões para investir em sua campanha a prefeito em 2012.
Júnior foi levado por Djalma a vários encontros com empresários interessados em fornecer à FDE, um deles no restaurante 14 Bis, no Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, com representantes de duas empresas. Ali decidiram detalhes dos editais a serem publicados para a compra de materiais, incluindo neles “itens de dificílimo acesso no mercado, como kits geométricos reciclados e caderno com folhas recicladas”, de forma a direcionar o edital para as empresas integrantes do cartel que se formava.
Ortiz Júnior pediu 10% de comissão, mas os empresários aceitaram dar-lhe apenas 5%. Posteriormente, Júnior ofereceu uma parceria à Diana Paolucci mediante os 10%, o que acabou sendo aceito já que a empresa jamais vencera alguma licitação para o gigantesco mercado da FDE, e ainda contava fornecer para a Prefeitura de Taubaté depois da pretendida vitória. (Ao final deste caso, Júnior recebeu 5% de um contrato de 35 milhões de reais).
Djalma Santos, o parceiro de Ortiz Júnior em toda a operação, entrou em conflito com um dos proprietários da Diana, meses depois, e decidiu denunciar os fatos dos quais havia participado. Para provar sua denúncia, informou o MP que pagou um adiantamento da comissão a Ortiz Júnior, no valor de 100 mil reais, sendo duas parcelas de 33 mil em dinheiro, e um cheque de 34 mil, do Citibank, que foi descontado pelo coordenador de Marketing da campanha eleitoral de Júnior, Marcelo Tadeu R. Pimentel. Este cheque tornou-se uma prova importante, já que Júnior não jamais conseguiu provar a origem daquele valor.

Mochilas de ouro

O Pregão Eletrônico de Registro de Preços número 36/00496/11/05 foi preparado de maneira que a empresa Capricórnio S/A fosse a vencedora e a Diana e a Mercosul forneceriam o material à primeira. Houve três lotes de compras, sendo que a Capricórnio venceu os dois primeiros e a empresa Brink Mobil venceu o terceiro, esta última sem participar do esquema de propinas.
Nos dois primeiros lotes, cada mochila custou ao Estado, em média, R$ 9,50; no lote 3, sem a comissão de Júnior e parceiros, cada uma custou, em média R$ 6,50. Ou seja, os cofres públicos pagaram cerca de 43% a mais pelas mochilas.
O advogado de Djalma Santos, José Eduardo Bello Vicentin, registrou no 39o Cartório de Registro Civil da capital, muito antes da licitação, documento afirmando que “haverá formação de cartel entre empresas do ramo para que os licitantes Capricórnio S/A, Brink Mobil Equipamentos Educacionais Ltda. e Diana Paolucci Indústria e Comércio se sagrem vencedores, dividindo de alguma forma os três lotes do certame”.
Em seguida, Vicentin compareceu à FDE e conversou pessoalmente com o presidente Bernardo Ortiz, dizendo-lhe que seu filho Júnior estava por trás do esquema e que, por alguma razão, não estava cumprindo ou querendo cumprir o prometido à Djalma. Entregou uma petição pedindo investigação, nas mãos da chefe de Gabinete de Ortiz, Gladiwa Ribeiro. Assim que o advogado saiu de sua sala, Ortiz determinou à assessora: “Engavete isso!”.
Djalma começou a procurar a imprensa, mas não encontrou receptividade à sua denúncia que envolve importante órgão do Governo Geraldo Alckmin, sempre protegido pela mídia paulista e nacional. Finalmente, a revista IstoÉ publicou ampla reportagem a respeito, o que deslanchou as investigações em curso. São várias Ações Civis de Improbidade Administrativa, como uma que afirma que “o demandado José Bernardo Ortiz, em verdade, integrou e facilitou a atuação de uma quadrilha de ladravazes dentro da FDE, visando a obtenção de quantias ilícitas em licitações em favor de seu filho José Bernardo Ortiz Monteiro Júnior”.
Os dois Ortiz são objeto ainda de investigações que tramintam na Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social, e no Grupo Especial de Combate aos Delitos Econômicos (GEDEC). Bernardo acabou afastado pelo Judiciário da presidência da FDE e, depois de alguns meses em que continuou recebendo seus vencimentos, foi demitido pelo governador Alckmin, aparentemente convencido da culpa de seu amigo e correligionário. A 14a Vara da Fazenda Pública de São Paulo bloqueou os bens de pai e filho, que já tentaram liberá-los junto ao Tribunal de Justiça do Estado, duas vezes, sem êxito.

FDE em campanha
Além de captar milhões de reais através de comissões nas compras de materiais e equipamentos, o esquema de Ortiz Júnior colocou a FDE para participar ativamente de sua campanha para prefeito de Taubaté.
Assim, usou empresas de mão-de-obra terceirizadas que prestam serviço ao órgão estatal, enviando-lhes currículos de pessoas que deveriam ser contratadas - seus cabos eleitorais em Taubaté ou militantes do PSDB em outras regiões do estado, às centenas. Tais contratações eram feitas desprezando-se as listas de aprovados em concursos públicos anteriormente, e isso gerou várias denúncias de pessoas prejudicadas, que esperavam há tempos a nomeação a que tinham direito.
Por indicação do filho, Bernardo Ortiz contratou, por exemplo, a filha do presidente estadual do PP, Fernanda Ribeiro, com o que selou-se o apoio daquela partido à sua candidatura, em coligação. Um funcionário citado apenas como “Adriano” era funcionário da FDE, mas fazia campanha para Júnior na zona rural de Taubaté. E a FDE doou vários materiais e equipamentos “inservíveis” para entidades sociais da cidade, configurando a típica compra de votos.
Quando fez uma doação à “Casa Mulher e Vida”, entidade que cuida de mulheres portadoras do HIV, Bernardo Ortiz foi advertido por sua chefe de Gabinete, Gladiwa Ribeiro, de que a entidade respondia a processos por desvio de verbas. Ortiz respondeu-lhe: “Mulheres com Aids também são eleitoras”...
A Paróquia Nossa Senhora Aparecida, de Taubaté, recebeu 11 mesas, seis armários, 20 computadores, duas impressoras e 40 cadeiras. As mesas e cadeiras eram novas, e tudo deixou os depósitos da FDE sem cumprimento das normas internas para doações de “inservíveis”.
Este é o caso que a mídia paulista esconde há anos, por envolver pessoas muito próximas ao governador Geraldo Alckmin, que atuaram criminosamente no setor vital da Educação.
Agora tudo está nas mãos dos juízes Costa Wagner e Alberto Toron, que conseguiram adiar por mais algum tempo a cassação definitiva (caberá recurso ao STE, mas os réus terão que deixar os cargos de imediato) de dois e a punição de mais um tucanos de alta plumagem. Uma cidade de 300 mil habitantes vive uma péssima administração, já que o prefeito-cassado passa todo o tempo defendendo-se nos tribunais e fugindo de oficiais de Justiça, enquanto o Judiciário, como sempre ocorre com réus do PSDB, trabalha numa lentidão que indigna as pessoas honestas.

* Antonio Barbosa Filho é jornalista e escritor.

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