quarta-feira, 22 de outubro de 2014

E os jornalistas ficaram na platéia

Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:

Como sabe a maioria dos eleitores, os debates do segundo turno da campanha presidencial apresentam uma novidade: os repórteres foram dispensados de aparecer no estúdio para fazer perguntas. Os únicos jornalistas presentes cumprem tarefas burocráticas, como controlar o tempo de cada candidato e avisar quem fará a próxima pergunta.

A participação ativa de repórteres, revezando-se para fazer perguntas e debater temas relevantes, chegou a ser uma tradição das campanhas presidenciais anteriores e se manteve ainda no primeiro turno.

A mudança no segundo turno é produto de uma conveniência silenciosa entre as duas campanhas.

A campanha de Dilma não queria jornalistas para ter certeza de que não iria enfrentar um tratamento agressivo e desigual, registrado de forma matemática pelo Manchetômetro.

Aécio também não tinha interesse na presença de jornalistas, mas pela razão oposta: o risco era perder a vantagem comparativa que lhe garantiu um tratamento benigno no dia a dia da campanha.(Veja o Manchetômetro, também).

A imagem do candidato do PSDB poderia ser arranhada exatamente por profissionais que teriam de “mostrar serviço,” na definição de um assessor de um dos finalistas.

Como se viu em entrevistas e debates do primeiro turno, quando se apresentam cara a cara com os candidatos, muitos jornalistas mostram-se corretamente preocupados com a isenção e procuram colocar questões mais equilibradas. Se é verdade que apenas Dilma foi interrompida com tanta agressividade na bancada do Jornal Nacional, tanto Aécio Neves como Eduardo Campos e Marina Silva enfrentaram perguntas mais difíceis do que o padrão habitual.

É provável que a lembrança do trauma de 1989, quando a TV Globo fez uma edição abertamente favorável a Fernando Collor, num escândalo que comprometeu gravemente sua credibilidade, tenha deixado lições duradouras, recomendando cautelas redobradas.

A presença de um jornalista num debate entre candidatos a presidente da República tornou-se um fato comum com o passar dos anos mas nada tem de trivial.

Estamos falando de um encontro entre dois cidadãos representativos de grandes camadas da população, que tiveram de conquistar dezenas de milhões de votos para ter direito a fazer uso da palavra perante uma tribuna da nação, que se encontra reunida diante da TV para ouvir o que têm a dizer sobre sua vida e seu futuro.

Não há nada tão semelhante, nas democracias modernas, para lembrar a arena dos antigos onde homens livres se reuniam para discutir política.

A participação de uma terceira voz — ou de várias terceiras vozes — nesta conversa pode modificar seu conteúdo, alterar o rumo do debate e, no limite, alterar o próprio resultado da eleição. Isso porque algumas perguntas, como nós sabemos, podem ser muito mais importantes — em geral pelo aspecto destrutivo — do que qualquer resposta.

Cada palavra, cada frase, cada mudança na entonação de voz, pode ter influência. E aí é razoável perguntar: em nome de quê os jornalistas perguntam, questionam, duvidam? Qual seu critério para perguntar?

Qual sua agenda num debate: combater o tédio? Elevar a audiência? Querem entrar para a História ou ajudar o eleitor a compreender questões abstratas de interesse público, mesmo que pareça uma chatice?

As cartilhas e manuais de todas as redações dizem que os jornalistas são profissionais preocupados exclusivamente com interesses “do leitor” e do “cidadão,” que praticam seu ofício de modo “isento”, sem “preferência política nem eleitoral.”

Acredito sinceramente que há muita verdade por trás destas palavras que parecem lembrar o mais puro blá-blá-blá. Mas é preciso reconhecer que essas regras tem sido desmentidas todos os dias, a toda hora. Num debate, isso pode ser decisivo, até porque nem o mais investigativo dos repórteres nem o mais independente dos editores pode impedir seus olhos de se interessarem mais por um lado da paisagem política do que pelo outro. Os profissionais de imprensa podem até fingir que não tem preferência política. Mas têm.

E mesmo quando não têm, e declaram voto nulo, transformam seu niilismo num esforço para nivelar todos os candidatos por baixo, no mesmo nível de mesquinhez e incapacidade, o que sabemos ser falso e injusto.

O primeiro debate sem repórteres, na Band, foi uma luta livre. O segundo, na Record, trouxe discussões mais relevantes. Realisticamente falando, foi um dos melhores da campanha.

Num país que passou o ano de 2014 em debates permanentes sobre o papel dos meios de comunicação, essa opção obriga a um minuto de reflexão. A exclusão dos repórteres é a demonstração mais clara de que nem os jornais nem os jornalistas conseguiram encontrar um lugar adequado num momento tão relevante da vida de um país como uma eleição presidencial.

Começaram a campanha como interlocutores dos poderes de Estado. Chegam ao final na posição de espectadores. Será preciso mais para compreender que há alguma coisa muito errada?

1 comentários:

margarida newlands disse...

Estou com medo desse debate de sexta-feira na Globo, pois não posso esquecer o que foi feio em 1989 quando o Collor ganhou.Acho que todas as pessoas de bem devem pedir a Dilma para ela não ir.