segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Berzoini nas Comunicações. Agora vai?

Por Altamiro Borges

Depois de vários recuos para "acalmar o mercado" e "garantir a governabilidade" – com as indicações do neoliberal Joaquim Levy, na Fazenda, e da ruralista Kátia Abreu, na Agricultura, entre outros nomes difíceis de engolir –, a presidenta Dilma Rousseff passou a nomear os ministros mais voltados à aplicação do seu programa mudancista de governo. Nesta segunda-feira (29), ela anunciou mais sete nomes que comporão a sua equipe – dos 39 ministros, ela já nomeou 24.

Entre os novos nomes, destaque para Ricardo Berzoini no Ministério das Comunicações. Durante a campanha eleitoral, a presidenta Dilma finalmente abandonou a platitude sobre "controle remoto" no enfrentamento da mídia monopolizada e se comprometeu com a regulação econômica do setor. Este será o enorme desafio do próximo ministro da área. Será que agora o Brasil vai superar a sua triste condição de "vanguarda do atraso" nesta área estratégica?
Em várias oportunidades recentes, o ex-sindicalista Ricardo Berzoini já defendeu a urgência de um novo marco regulatório para os meios de comunicação. No final de maio último, ele concedeu uma entrevista para vários blogueiros e jornalistas no qual reafirmou este compromisso. Reproduzo abaixo alguns trechos da conversa registrados por Renato Rovai, da revista Fórum:

*****

Renata Mielle (Barão de Itararé): Considero que existem três pautas de cunho democrático que em nossa recém-democracia não conseguiram avançar. A primeira é a questão da forma das políticas de segurança; a segunda, a da reforma política; e a terceira, a da democratização dos meios de comunicação. Qual é a grande dificuldade que o Estado brasileiro – e eu acho que a sociedade brasileira – tem em enfrentar essas pautas, que são democráticas, mas acabam sendo passadas para a população como antidemocráticas. Como o governo vê isso?

Berzoini: Em relação a essas pautas, temos que organizar a sociedade para que ela possa, primeiro, compreender o que está em jogo e se movimentar a favor ou contra as propostas colocadas. Eu participo do debate da reforma política desde 2002. No debate da reforma política, estou absolutamente convencido, e a presidenta Dilma também está, de que precisamos de um movimento mas amplo da sociedade. Não se pode ficar tentando fazer a reforma política em grupo de trabalho e comissão especial no Congresso, porque a fragmentação partidária que vivemos no Congresso é consequência dessa situação. Sem mobilizar ninguém fica o status quo, porque os deputados, todos nós, somos eleitos, inclusive os do PT, por esse sistema que está aí. E conhecemos as regras e cada um sabe como se movimentar nesse sistema. Se não tiver pressão de fora pra dentro – e eu tenho defendido isso desde o ministério em 2008-, não haverá mudança importante. Isso vale para as outras duas pautas também.

A pauta da regulação democrática dos meios de comunicação, da democratização do acesso à expressão e da garantia para a sociedade de que ela terá mecanismos de proteção contra os abusos, é uma pauta que precisa ser tratada como uma pauta da sociedade. É claro que o governo tem que ter posição, os partidos têm que ter posição. Não estou tirando da reta, mas precisamos fazer o embate político, cada um com seu ponto de vista. Mas a sociedade precisa ter [esse embate] – e aí significa as entidades todas pautarem como um ponto central nas suas agendas.

Paulo Nogueira Batista (Diário do Centro do Mundo): O senhor é a favor da regulamentação dos meios de comunicação?

Berzoini: Sou favorável à regulamentação para o cumprimento do que está na Constituição. O artigo 220 da Constituição, até o 224, na minha opinião, é uma formulação avançada, mas conceitual. Se não regulamentar, eles não têm efetividade. E é interessante para matar de vez essa discussão de que querem controlar conteúdo, fazer censura, porque a primeira formulação é exatamente a seguinte: não haverá lei que possa limitar a liberdade de expressão, de comunicação. Enfim, aquilo que a gente defende. O que nós estamos querendo discutir é qual é o papel social da comunicação no Brasil. Qual é o papel econômico da comunicação. E como a sociedade, da mesma forma que em Portugal e na Inglaterra, por exemplo, pode se proteger dos abusos.

Paulo Nogueira Batista: O Aécio já disse que é contra a regulação, o Eduardo Campos também, com aquele belo argumento, inclusive que foi dado pela Dilma, de “troca o canal”, que é de um cinismo, de um farisaismo imenso, e o PT está querendo que o governo encampe isso. Quais as chances de a Dilma encampar a defesa da regulação da comunicação?

Berzoini: Essa é uma pergunta para ela responder, mas posso dizer com tranquilidade o seguinte: quando alguns candidatos dizem que são contra, parece que eles estão querendo lançar cantadas para os meios de comunicação. O que nós estamos dizendo é que existe uma convicção por parte da sociedade brasileira de que a censura é uma coisa abominável e qualquer restrição à liberdade de expressão é abominável. O que nós queremos é discutir o papel social de um sistema que é gerador de muita receita e muito lucro e que, no Brasil, em função da situação histórica, que veio da ditadura militar também, é altamente concentrador de renda e de poder. Hoje, ele se concentra na mão de algumas famílias, que têm o poder de dizer o que vai ao ar e de colocar muito lixo para ser veiculado. E não divulgar o que é a realidade cultural do país. Então, é uma questão de indústria, não estamos discutindo só democracia, mas indústria também. Quando discutimos os modelos existentes no mundo, isso fica desmistificado. Porque a Inglaterra recentemente modificou sua legislação e Portugal, menos recentemente, também. E são modelos interessantes para serem discutidos. Quem faz com que o cidadão tenha direito a ter acesso à informação, à cultura e a conteúdo que permita que ele se beneficie disso, assim como a água tem que ser cuidada pela Agência Nacional das Águas. A água em São Paulo não é um bom exemplo, mas no Brasil é.

Paulo Nogueira Batista: Há alguma chance de a campanha da Dilma assumir isso também?

Berzoini: Veja bem, não quero responder a sua pergunta porque eu não posso falar pela Dilma.

Renato Rovai: Mas o senhor vai defender internamente que ela coloque isso no seu próximo programa de governo?

Berzoini: Vou defender dentro do partido e dentro da coalizão que esse seja um tema com esse viés democrático e que se afaste qualquer debate sobre controle de conteúdo, porque o risco político dessa questão é a oposição e a mídia nos carimbarem como defensores da censura.

Eduardo Guimarães (Blog da Cidadania): Mas o Lula, no encontro nacional dos blogueiros, foi muito claro, contundente: “essa é uma pauta e estamos nela”, ele disse. A pergunta do Paulo é mais ou menos na mesma linha da minha. Eu o entrevistei faz um mês, pelo telefone, e publiquei que o senhor estaria chegando ao ministério e que teria sido convocado para endurecer o jogo. E agora há pouco lhe perguntei se teria algum reparo ao que eu escrevi e o senhor disse que não. A questão é a seguinte: eu já notei, e você também deve ter notado, que frequentemente a mídia, por um período, dá uma no cravo. Na verdade, dá 58 mil no cravo e uma na ferradura, para dar uma disfarçada…

Berzoini: Me mostra essa na ferradura (risos).

Eduardo Guimarães: Eu costumo dizer que essa mídia tem lado. Você concorda comigo?

Berzoini: Concordo completamente. Como cidadão e agente político, entendo que a grande mídia no Brasil tem lado e é historicamente contra as conquistas dos trabalhadores. Foi contra a criação do salário mínimo, contra todos os avanços da Constituição de 88, ajudou a organizar o Centrão em 88. Então, é uma mídia que tem lado do ponto de vista partidário e é contra quem está organizando a classe trabalhadora para melhorar a situação dos trabalhadores no país. Ela sempre apoiou o neoliberalismo de maneira radical. Várias dessas empresas tinham interesses econômicos nas privatizações e vão ter lado na eleição de 2014. Eu posso dizer com tranquilidade que os grandes grupos de comunicação do país estão apoiando o PSDB. Não tenho dúvida disso.

Miguel do Rosário (Blog “O Cafezinho”): No governo Fernando Henrique, houve um almoço, um café da manhã – você deve se lembrar disso -, entre o Fernando Henrique e todos os barões da mídia, onde ele dizia que o apoio que recebia da mídia era tanto que ficava até chato, era até covardia…

Berzoini: Estou aqui para responder por mim. Posso dizer com tranquilidade que eu tenho convicção de que os grandes meios de comunicação do país têm lado e operam politicamente a pauta dos seus meios de comunicação, impressos ou eletrônicos.

Miguel do Rosário: Desculpe insistir, é que essa questão é central para a gente. Eu até estava com a Renata agora na USP, num encontro com estudantes, diretores de DCEs do Brasil inteiro, e todos eles são extremamente comprometidos com essa pauta. Sem querer ser pedante ou acadêmico, até porque eu não sou acadêmico, mas a questão da concentração da mídia é uma agressão frontal ao princípio democrático, e a nossa mídia muitas vezes se autopromove como paladina da democracia e tenta pintar qualquer crítica a ela como antidemocrática, quando é absolutamente o contrário disso. Os grandes teóricos da democracia no mundo falam da questão da agenda política. Se você tiver poucos atores determinando a agenda política, como a mídia faz no Brasil, você não tem uma democracia. Queria saber se o senhor entende que a questão da concentração da mídia no Brasil é um déficit democrático gravíssimo que afronta a soberania popular e que isso aí é uma questão que tem que ser enfrentada corajosamente pelos governos no Brasil, como foi enfrentada já pela Comunidade Europeia, pelos Estados Unidos, pela Inglaterra, pelo mundo democrático inteiro?

Berzoini: Concordo, com um único reparo: enfrentado pelo governo e pela sociedade. O governo tem um papel importante como liderança política, como porta-voz de um programa que vai às urnas, mas nós não podemos apostar só no viés institucional tradicional. Nós precisamos manter uma estratégia de mobilização popular para que as pessoas compreendam o que está em jogo.

Renata Mielli: E o senhor avalia que essa mobilização popular não é suficiente hoje?

Berzoini: Acho que ela é pequena. Tanto é que, vamos pensar em termos de agenda para as eleições de 2014, quantos candidatos vão disputar a eleição com base nessa plataforma? Nessa da reforma política e da questão da democratização da mídia…

Renata Mielli: Aí volta aquela questão, que é o problema de enfrentar a pauta democrática… Só que a sociedade sozinha tem dificuldade de fazer uma grande mobilização sem que o governo assuma o seu papel. O governo também não contribui no sentido de estabelecer a discussão pública para que a gente fortaleça ainda mais a mobilização da sociedade…

Berzoini: Eu não estou excluindo a responsabilidade do governo, o governo é um agente importante, mas não é suficiente.

Dennis Oliveira (Blog Quilombo – ECA-USP): A perspectiva de relação do governo com os movimentos sociais, isso é uma coisa que me preocupa. Por exemplo, nas conferências participativas, a quantidade de resoluções que efetivamente viraram políticas sociais é muito pequena. Qual é a relação efetiva que o governo tem com os movimentos sociais? A minha avaliação é que no atual governo houve um retrocesso nessa relação. Então, fica muito difícil a gente mobilizar a sociedade civil em prol de política quando a gente percebe que existe uma certa dificuldade de relacionamento do governo com a sociedade civil.

Berzoini: O governo Lula deu um salto muito grande com as conferências e isso continuou, talvez num patamar um pouco inferior, no governo Dilma. Não tenho um diagnóstico das razões que levaram a isso, mas acho que esse é um caminho fundamental para a formulação de políticas públicas e, ao mesmo tempo, para estabelecer o processo de mobilização social. Qual é a questão que está colocada? Nem sempre a composição dos movimentos sociais se expressa de uma maneira objetiva no enfrentamento legislativo. E o governo também é de coalizão, não é um governo só das forças de centro-esquerda ou de esquerda. Então, acho que tem que fazer a sintonia fina e refinar a relação do Poder Executivo com os movimentos sociais, buscar uma estratégia mais objetiva em relação a como se faz a contraposição entre o que os movimentos defendem, o pensamento da sociedade e a expressão legislativa disso.

Sérgio Amadeu: Nós tivemos um enfrentamento recente numa questão muito técnica, muito difícil, na verdade uma desgraça, que era o debate sobre Marco Civil. Era algo muito difícil de se explicar para a sociedade e, além disso, havia contradições internas do governo Dilma. O ministro das Comunicações, por exemplo, era contra a nossa visão do Marco Civil. Mas a presidenta Dilma, depois das denúncias do Snowden, talvez meio confusa, percebeu que a internet é um negócio comunicacional violento, assumiu essa pauta e travou o debate no Congresso. O Marco Civil potencializou e virou. Então, a luta política hoje no Brasil não vai ser tranquila em nenhuma questão. Vai ter que ter enfrentamento. E no caso da pauta do Marco Civil, a Globo foi derrotada junto com as teles. A questão é: se o governo não pautar agora, na eleição, a democratização da mídia, depois ela não vai andar.

Berzoini: De acordo. E não é só esse tema, o dos meios; é o tema da reforma política: se a gente não conseguir traduzir de uma maneira inteligível pelo menos para 10 ou 15% da população brasileira o que está em jogo, não vamos conseguir pautá-lo depois. Nós vivemos impasses políticos que inviabilizam alguns avanços fundamentais. Por exemplo: a reforma tributária. O Brasil tem o sistema tributário mais perverso entre as 20 maiores economias do mundo e o foco central dessa questão está no imposto dos Estados, no ICMS. Se você não mexer no ICMS, não consegue mexer no restante, porque o ICMS tem um peso tão grande que ele engessa o sistema. A reforma tributária está lincada com a questão dos meios de comunicação e com a reforma política.

Conceição Oliveira (Blog da Maria Frô): O senador Linderbegh Farias, do PT, é autor da PEC da desmilitarização da PM. É uma PEC importante para a gente e ela não entra na pauta do governo. É a mesma coisa com a democratização da mídia: muita gente do governo reproduz um discurso que a gente vê na oposição, o do “mude o controle remoto”, como se a gente tivesse opção…

Berzoini: Eu não estou discutindo o controle remoto. Eu vou pelo viés da indústria e da democracia; o controle remoto é o menos importante…

Maria Frô: É o menos importante porque a gente tem concessões públicas que são privatizadas.

Berzoini: E que são instrumentos de geração de riqueza, de receita e lucro…

Maria Frô: E que concentram receita de publicidade, como a Globo. Quando a gente fala em democratização, dizem que a gente está censurando. Mas aqui alguém recebe um centavo desse governo? Esse discurso é tão calhorda… Mas o pior é que a gente tem um partido aliado do governo que entra no Supremo Tribunal Federal, como o PTB, contra a única coisa que a gente conseguiu regular na comunicação, que é a classificação indicativa. É absurdo. A TV produz um monte de barbárie, uma cultura da violência absurda, e a gente tem um governo que ficou 12 anos no poder e não contribuiu em nada da para esse debate.

Berzoini: Tem um déficit neste campo. Agora, é preciso lembrar o seguinte, nós conseguimos eleger – e é uma arte isso – três presidentes identificados com as teses do avanço democrático, da questão da redistribuição de renda, mesmo com tudo isso. Vamos lembrar o seguinte: ter o Poder Executivo não significa necessariamente ter hegemonia do processo político. E aí em determinados momentos, como no do Marco Civil, quando houve uma série de elementos conjunturais e circunstanciais que levaram a uma vitória, podia ter levado a uma derrota.

Maria Frô: Após 12 anos no poder, o PT finalmente vai discutir democratização da comunicação?

Berzoini: O PT já está discutindo há mais tempo. Quando presidente do partido, participei de vários eventos de discussão de democratização dos meios de comunicação. Democratização e a discussão do papel econômico. Agora, obviamente, o PT é um pedaço do governo e vários participantes da nossa coalizão têm opiniões bastante antagônicas em relação àquilo que o PT defende e a que nós dos movimentos sociais defendemos.

(...)

*****
Leia também:








0 comentários: