sexta-feira, 17 de abril de 2015

Zelotes e a indignação seletiva

Por Pedro Estevam Serrano, na revista CartaCapital:

Uma cifra de nada menos que 19 bilhões de reais tem aparecido de forma tímida em também tímidas e diminutas reportagens veiculadas sobre a Operação Zelotes da Polícia Federal. Embora esse vultoso montante seja quase quatro vezes o valor desviado no tão repercutido esquema do “petrolão” – estimado em cerca de 5 bilhões de reais pela própria Petrobras –, não tem produzido na grande mídia e em parte da opinião pública a mesma indignação manifestada em relação a outros casos de corrupção.

Os agentes da PF que integram a Zelotes desbarataram uma quadrilha especializada em anular e reverter junto ao Carf, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, multas bilionárias devidas por seus “clientes” por sonegação fiscal. Este teria tudo para ser de fato “o maior escândalo de corrupção da história do Brasil”, se sonegação fosse vista pelas nossas elites econômicas e por grande parcela da sociedade como algo escandaloso. Não é. E não é porque não convém que seja.

Ainda que sonegação fiscal seja crime e implique na subtração de recursos públicos que, tais quais os valores desviados nos “petrolões”, serviriam à melhoria de serviços essenciais de saúde, educação e saneamento, por exemplo, eles são aceitos como corrupção menor. Isso talvez decorra do fato de que o crime de corrupção no Brasil é geralmente atribuído ao agente público, aquele servidor distante, encastelado nas repartições, enquanto que a sonegação é amplamente disseminada entre os segmentos economicamente incluídos, sobretudo entre os mais ricos.

A impressão de que a sonegação é corrupção menor deriva também do grande privilégio de que gozam os sonegadores, cujos crimes, mesmo após denunciados, são passíveis de extinção de punibilidade, caso o acusado opte por liquidar ou até mesmo parcelar sua dívida tributária. Sim, não somente a dívida do contribuinte comum, mas também a dos grandes figurões do setor privado pode ser paga em suaves prestações, quando não protelada anos a fio. Ou seja, sonegar no Brasil não é perigoso, principalmente para as grandes corporações que, aliás, desfrutam de boa reputação e são geralmente apontadas como exemplo de eficiência e boa gestão.

Vale lembrar que, nos atos do dia 15 de março, 12 de abril e corriqueiramente nas redes sociais, muitos se manifestam – legitimamente, é preciso dizer – indignados porque os desmandos de agentes públicos estão sangrando recursos que poderiam ser empregados em hospitais, escolas, creches, estradas, entre tantas outras aplicações. Causa estranhamento, portanto, o seu silêncio em relação à sonegação, crime que se revela venal e tão mais oneroso aos cofres públicos. No campo ético, aliás, trata-se de crime idêntico ao peculato, já que ambos implicam apropriação indevida de dinheiro do Estado.

Ora, se os movimentos das ruas e das redes sociais se constituem para combater a corrupção de forma genérica, por que não se revoltam contra a sonegação? Não seria de se esperar que exigissem combate mais rígido, pela mudança das leis, à sonegação e ao sonegador? Ou será que são condescendentes com esta pauta porque, ao pedir maior punição para a sonegação, seriam traídos pelas próprias vozes? O grande mal desses dias não é a corrupção, em seu sentido amplo e irrestrito. O pior dos males é a indignação seletiva, essa hipocrisia tão íntima demonstrada por setores da nossa sociedade.

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