segunda-feira, 15 de junho de 2015

Uma aliança estratégica a partir do Sul

Por Monica Bruckmann e Theotonio dos Santos, no site da Adital:

A conjuntura latino-americana contemporânea, que mostrou grandes avanços nos processos de integração regional a partir de um novo ciclo das forças progressistas e de esquerda na região, se mostra, atualmente, como um amplo espaço de disputa entre dois projetos antagônicos.

De um lado, estão os objetivos dos interesses hegemônicos dos Estados Unidos, articulados a um crescente processo de militarização e à estratégias multidimensionais de desestabilização política dos governos democráticos na região.

Entre os principais instrumentos desta estratégia estão as guerras psicológicas e econômicas que contam com poderosos aliados locais, particularmente os meios de comunicação monopolistas e as empresas transnacionais que operam globalmente a partir de uma estratégia bem definida.

Por outro lado, encontram-se diferentes projetos de integração que, a partir de uma visão soberana, estão desenvolvendo diversos mecanismos de integração política, econômica e cultural que, apesar dos diferentes ritmos, têm conseguido avançar na formulação de uma agenda latino-americana.

Contudo, esta agenda ainda carece de uma visão estratégica capaz de colocar em tensão todas as forças e potencialidades da região e que lhe permita exercer um papel mais ativo e de maior impacto nas mudanças profundas que vêm se desenvolvendo no sistema mundial.

Integração

Neste contexto, a diplomacia regional adquire uma densidade sem precedentes. Um conjunto de novas articulações se traduz em instituições sub-regionais, regionais e continentais, que transformam o processo de integração em uma complexa realidade onde estão envolvidos os Estados e os governos, acompanhados de um processo, por vezes, paralelo, por vezes convergente, de integração e unidade dos povos e dos movimentos sociais, incluindo os sindicatos e os movimentos camponeses e estudantis, que já teriam uma certa tradição de integração na região.

Formam parte deste novo quadro a afirmação da identidade dos povos originários que se converte, ao mesmo tempo, em inspiração e instrumento de mobilização política capaz de transformar os Estados e criar novos princípios constitucionais. Desta forma, se redefine a relação com a natureza, conferindo ao movimento ambientalista um sentido político e filosófico.

Um princípio que adquire cada vez maior centralidade é o da soberania, entendido como a capacidade de autodeterminação dos Estados, das nações, dos povos e das comunidades. Esta soberania significa também a apropriação da gestão econômica, científica, social, do meio ambiente e dos recursos naturais, de modo a permitir a elaboração de novas estratégias e modelos de desenvolvimento em benefício dos povos.

Alianças estratégicas

A aproximação da América Latina à China, à Rússia, e aos Brics em seu conjunto, representa uma oportunidade de desenvolver alianças estratégicas que deixem de reproduzir o modelo primário-exportador e se orientem no sentido do desenvolvimento integral de seus povos. Trata-se de acometer uma profunda ruptura com a visão extrativista e os devastadores efeitos sociais, econômicos e ambientais que esta prática acarreta e avançar na direção de um processo de reapropriação social da natureza e dos recursos naturais como base para o desenvolvimento e bem-estar dos povos.

Se faz necessária uma política regional de industrialização dos recursos naturais. Esta política precisa se apropriar da pesquisa científica e tecnológica, orientada para o desenvolvimento de tecnologias de extração que tenham o menor impacto ambiental possível; ao conhecimento profundo dos materiais e sua aplicação industrial; à inovação tecnológica; e às novas utilizações industriais. Esses objetivos exigem também a criação de instrumentos de análise para uma gestão mais eficiente destes recursos.

Disputa por minerais

Ao mesmo tempo, é necessário ter clareza sobre o crescimento da disputa por minerais como uma das tendências dominantes no plano mundial. A América Latina aparece como uma das grandes regiões em disputa. A diversidade de atores mundiais pode ser utilizada como instrumento positivo para assegurar a soberania e aumentar a capacidade de negociação da região.

A nova dinâmica de cooperação Sul-Sul abre um novo ciclo histórico de afirmação do Sul, baseado nos princípios de cooperação, autodeterminação e soberania que inspiraram a declaração da Conferência de Bandung.

A América Latina tem uma oportunidade histórica de desenvolver uma cooperação estratégica com os países do Sul que lhe permita romper a relação de dependência que marcou sua inserção no sistema mundial. Deixar de reproduzir o modelo primário-exportador significa pôr em marcha estratégias de industrialização regional baseadas no desenvolvimento científico-tecnológico e na produção de conhecimento e de informação orgânicos a este processo. Para este fim, faz-se necessário assegurar e aprofundar os avanços democráticos conduzidos pelas forças populares. Isto significa a construção de uma grande agenda estratégica que não se limite a administrar conjunturas impostas pela dinâmica mundial, mas que se proponha conduzir o destino da região.

Cabe aos países da região aproveitar esta oportunidade ou reproduzir a lógica da dependência e da submissão aos centros de poder do capitalismo mundial. A recuperação do espírito de Bandung se converte em uma ferramenta de transformações globais e representa a principal ameaça para as estratégias imperiais na complexa geopolítica mundial.

* Monica Bruckmann é socióloga, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretora de pesquisa da Cátedra da UNESCO sobre Economia Global e Desenvolvimento Sustentável (REGGEN). Theotonio dos Santos é sociólogo, presidente da Cátedra UNESCO sobre Economia Global e Desenvolvimento Sustentável (REGGEN), e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

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