segunda-feira, 6 de julho de 2015

Mídia: oportunismo e vocação para o golpe

Por Felipe Bianchi, no site do Centro de Estudos da Barão de Itararé:

Imprensa alternativa, censura, tortura... Foram muitos os temas abordados no debate sobre mídia, golpe e ditadura, realizado no Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, em São Paulo, na sexta-feira (3). O depoimento comovente de Hildegard Angel, porém, roubou a cena. Filha de Zuzu Angel e irmã de Stuart Angel, ambos assassinados pelos militares nos anos de chumbo, ela se emocionou e foi aplaudida de pé ao relatar sua experiência e criticar, de forma veemente, a imprensa brasileira.

“Essa é a história do oportunismo da imprensa brasileira”, disparou. “Do oportunismo dos intelectuais brasileiros, daqueles que se situam e formam suas panelinhas para manter seus cachês valorizados. Agora, não valoriza cachê ser de esquerda, o cachê fica baixo. Valoriza o cachê falar mal das causas sociais, dos progressos e das conquistas sociais”.

Hilde, como é chamada, traçou ainda um paralelo entre o momento presente e a década de 1950, quando Getúlio Vargas sofria implacável oposição por parte da imprensa e o jornal Última Hora, comandado pelo jornalista Samuel Weiner, constituía um verdadeiro oásis de simpatia ao governo. “O que ilustra bem os momentos ditatoriais, de como deformam e revelam as pessoas, é que uma das mágoas de Weiner foi a rejeição e maus tratos que sofreu por parte de companheiros de profissão”, conta. “Me disse ele que quando foi se exilar em uma embaixada, o jornalista Ibrahim Sued escrevia o condenando ao paredão. E ele questionava: 'Como você, grande amigo meu, querido e recebido em casa, tão elogioso a mim, fez tanta pressão pela minha prisão e execução?'. E a resposta de Ibrahim foi que 'balão quando tá caindo, a gente tasca'. É assim que eu sinto, hoje, o governo de Dilma Rousseff”.

Sobre a crescente onda conversadora que assola o Brasil, Hilde demonstrou preocupação. “O Judiciário atropela a Justiça, o Legislativo atropela o regimento... Estamos em uma catacumba”, definiu. “Acho que estamos sendo ingênuos, pois o que se passa é um verdadeiro Estado de exceção. O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, não ceder a palavra a um opositor por discordar do que ele irá dizer é um ato ditatorial”, opinou, acrescentando que “algo muito estranho acontece no país”.

Sequestro à democracia ontem e hoje

A atividade marcou também o lançamento de dois livros: Golpe de Estado (Geração Editorial), de Palmério Dória e Mylton Severiano, e Lamarca – O Capitão da Guerrilha (Global Editora), de Emiliano José. Palmério Dória, um dos debatedores da noite, fez uma retrospectiva de sua trajetória na imprensa alternativa escancarando como os corajosos repórteres driblavam a censura e enfrentavam a mordaça imposta à botas, fuzis e capacetes. “Tínhamos um princípio inabalável, que era o de nunca nos sujeitarmos à censura. O livro Golpe de Estado é isso aí, continuar contando essa história para entendermos como tudo o que ocorreu em 1964 desemboca nisso que estamos vivendo hoje”, declarou. “Fica fácil entender a existência, por exemplo, de um Eduardo Cunha".

Segundo ele, há uma ideia fundamental que abre esse 'vácuo' onde nascem golpistas em potencial: “nos sequestraram a consciência democrática”. Crítico à inércia dos governos Lula e Dilma Rousseff em relação à regulação e democratização da mídia, Dória acredita que a célebre frase de Millör Fernandes – “Jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados” – perdeu o sentido. “Existe um golpe em marcha, com a complacência dos meios de comunicação, e não podemos ser apanhados no contrapé, como fomos outrora. A única saída é ir pra rua”.

Apesar do diagnóstico alarmante, o icônico repórter declarou enxergar, nas mídias alternativas, uma forma de combate à ignorância e ao senso comum apregoado pela grande imprensa. “Há algumas iniciativas muito boas, como os Jornalistas Livres. A rapazeada está mandando brasa, mesmo com o governo imóvel”, disse. “Informação fundamental, hoje, tiro dessas mídias na Internet. A imprensa alternativa vai bem, obrigado. Mas mudou de plataforma”.

Mídia e a 'vocação golpista'

Celebrando o lançamento da 17ª edição de sua obra sobre um dos principais líderes da oposição armada à ditadura militar, Emiliano José destacou que houve, sim, terrorismo no Brasil, mas de direita, e não de esquerda. “A ditadura prendeu, desapareceu com pessoas, matou, torturou velhos e crianças. Fez tudo isso e nós vemos, lamentavelmente, gente com estômago para pedir a sua volta”.

Para o Secretário de Serviços de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações, que passou quatro anos de sua vida encarcerado pelos militares, é imprescindível cultivar a memória do papel da imprensa à época para entender e refletir sobre a sua atuação nos dias de hoje. “A Folha de S. Paulo, por exemplo, foi cúmplice direta da ditadura. Foi a sucursal do DOI-CODI”, acusou. “Falava-se que a Folha da Tarde era o 'jornal de maior tiragem', de tantos tiras que frequentavam a redação”.

Apesar de não entrar nos meandros do tema, ele utilizou a cobertura tendenciosa sobre a Operação Lava-Jato como exemplo do servilismo da imprensa a interesses escusos. “Só sai na mídia o que criminaliza o PT, o governo e Lula. Nada mais”, protestou. “Valores, pessoas e tudo o que está envolvido, em sua grande maioria, não é petista, mas não importa que Aécio Neves (PSDB) tenha recebido mais que todos. Ele está blindado”.

A mídia tem verdadeira 'vocação golpista', segundo Emiliano José. “É a vanguarda do golpe na história brasileira”, decretou. “Quem conduziu toda a operação que culmina no golpe de 1964 foi a mídia. Historicamente, é ela quem prepara golpes. 1954, por exemplo. O golpe pronto contra Getúlio Vargas foi adiado em 10 anos pelo 'descortino histórico' do então presidente, que se suicida com a mais absoluta certeza de estar suspendendo um golpe. Última Hora, de fato, era o único jornal simpático ao governo e ao trabalhador. O resto era a mesma coisa de hoje”

Para se fazer jornalismo investigativo, praticamente nulo no país, não depende só de financiamento, conforme argumenta, “mas de disposição para fazê-lo”. Hoje, avalia, só existe a fonte que entrega seletivamente aquilo que lhe interessa.

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