quarta-feira, 8 de julho de 2015

Risco de golpe contra a soberania popular

Por Miguel do Rosário, de Brasília, no blog O Cafezinho:

Passei o final da manhã e a tarde inteira em Brasília, conversando com deputados, senadores e assessores, tentando entender o clima de fim de mundo que se instalou na política nacional.

Engana-se quem pensa que os alertas de golpe seriam "paranoia" ou "delírio" de blogueiros sujos.

Não há ninguém com medo. Ao contrário, a disposição dos movimentos sociais e a deste blog é de luta. A resistência contra o golpe será grande, embora o seu tamanho dependerá da inteligência e ousadia do governo para produzir uma grande agenda positiva.

Os discursos tucanos em sua convenção de domingo deixaram bem claro que eles já tomaram uma decisão política em prol da ruptura da ordem institucional.

Nessa terça-feira, que é mais ou menos quando começa a semana parlamentar, os discursos dos senadores Cassio Cunha Lima e Aécio Neves não deixaram dúvida.

Eles não trataram o PT e o governo como entidades contra as quais eles simplesmente fazem oposição política.

Não, eles abandonaram a estratégia de fazer oposição política. Eles decidiram tratar o PT e o governo como "organização criminosa".

Não se dialoga com "organização criminosa".

O PSDB, no entanto, agora se tornou apenas uma de muitas frentes de oposição. E as mais perigosas vem de aparelhos do próprio Estado.

É o Estado estamental, aristocrático, meritocrático, conservador, elitista, reagindo contra um governo popular.

Há várias frentes abertas para violar a soberania do voto de 54 milhões de eleitores.

TCU, TSE, Lava Jato, mídia.

No TSE, que é o mais perigoso, eles já tem três votos, num total de sete votantes.

O impeachment pode ser aprovado na Câmara Federal, e se isso acontecer a presidente tem de se afastar imediatamente.

Em seguida, há votação no Senado, onde se decide o impeachment em si.

A grande mídia tem promovido o impeachment há meses. Já mostrei aqui no blog que a seção de política da Folha - caderno Poder - ficou durante meses inteiramente recheada de propaganda do impeachment.

Houve uma reação do governo hoje, através de programas anunciados e uma entrevista da presidenta, mas ainda falta muito para se reconstituir politicamente.

Dilma sempre age assim: aparece apenas aos 44 minutos do segundo tempo.

O programa em prol de emprego, apesar de importante, também não é exatamente uma agenda positiva. É para segurar o desemprego, então passa a seguinte ideia: "olha como a situação está ruim! o governo está tomando medidas desesperadas".

Não se oferece, todavia, um programa substancioso. Na psicologia das massas, pede-se esperança, futuro, expectativa de tempos melhores. A estratégia da "gratidão popular" pelos feitos do governo nos últimos 12 anos não tem mais força.

Dilma às vezes aparece, mas logo desaparece de novo.

E se a crise política arrefece um pouquinho, some de vez.

A bancada governista está bastante ressentida com essa apatia política do Planalto, que não é de hoje.

A presidenta só articula entrevistas com a grande mídia de oposição. A tal "batalha de comunicação", anunciada no início do ano, durante a primeira grande reunião ministerial, parece ter sido uma bandeira natimorta.

(Aliás, aquele discurso, convencional, prolixo, vazio, divulgado de maneira crua pelas redes sociais, era um exemplo de anti-batalha de comunicação).

Não digo que a presidenta deveria dar entrevistas a "blogueiros sujos". Pode até dar, deveria dar, seria vantajoso para os blogs e para ela, mas ela podia dar entrevistas semanais à Carta Capital, Caros Amigos, Brasil de Fato, jornais regionais, rádios populares.

Deveria empoderar as mídias que estão dispostas a lhe ajudar, não a lhe derrubar, como Folha, Estadão, Veja e Globo.

Sua assessoria podia fazer videozinhos diários, com falas da presidenta, com pegada jovem e moderna.

Podiam ser lançados aplicativos com dados atualizados do governo, trazendo os planos futuros, com detalhes sobre os grandes projetos, os acordos internacionais celebrados, além de sistemas de interação com a sociedade.

Os partidos de esquerda, PT à frente, tem dezenas de milhares de representantes políticos ou núcleos de organização, em toda parte. Por que o governo não articula uma rede de comunicação capilarizada em todo país, usando essas forças?

As universidades têm milhares de quadros de esquerda, ansiosos para colaborar, para construir programas, elaborar projetos, estudar narrativas.

O governo não usa nada. Por quê?

As próximas semanas, até o fim de agosto, serão pesadas, e se o governo não reagir, há o risco real de ser derrubado.

O que segura Dilma nesse momento é apenas a questão democrática, e um certo receio - justificadíssimo, aliás - do empresariado, de uma grande instabilidade política em caso de impeachment.

Os líderes da base aliada, de vários partidos, divulgaram hoje uma nota em apoio à Dilma e à legalidade democrática.

No entanto, o terrorismo judicial, econômico e político causado por uma Polícia Federal descontrolada, dominada por núcleos que passaram a ter como referência de poder a oposição e a mídia, e não o governo, tem gerado enorme instabilidade hoje.

O senador Lindberg, com quem também conversei hoje, escreveu um artigo contundente, denunciando esse jogo de chantagens: o terrorismo judicial visa convencer setores do capital a apoiarem o golpe.

Trechos do artigo de Lindbergh:

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"(...) O outro argumento - este de bastidor - é que nunca houve na história do Brasil um governo tão fraco na relação com o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal. Se em público os tucanos aplaudem o juiz Sérgio Moro, em privado falam de abusos no processo e prometem que, se chegarem ao poder, tudo mudará. Não cansam de repetir que não agirão como Dilma, “que lavou as mãos”, e prometem um governo forte, com ascendência sobre o Ministério Público, trânsito no STF e nos meios de comunicação. Lembram que, no período FHC, era o presidente quem escolhia o Procurador (Engavetador) da República. Não havia eleição, isso foi “invenção do Lula”. Nunca vi tanto cinismo junto!

Trata-se, como evidente, de um discurso encomendado para seduzir setores da própria base governista. Vou mais longe: o que começou como uma conspiração está tomando a feição de um acordo, já com roteiro e plano de ação prontos. Falam-se das “pedaladas” e da rejeição das contas pelo TCU, mas a grande aposta é no TSE.

Sabe-se que o PSDB, logo que terminou as eleições presidenciais do ano passado, entrou com uma representação, uma AIJE (Ação Indireta de Investigação Eleitoral), de suposto “abuso de poder econômico”. Procura-se de todas as maneiras forjar um depoimento de um dos delatores presos na Operação Lava Jato, falando de “origem ilegal de recursos de campanha”. Pronto. Arrumou-se o mote.

A partir desse depoimento, parte-se para cabalar votos no Tribunal. Como é um Tribunal pequeno, apenas sete membros, uma maioria circunstancial de quatro permite o afastamento da presidenta da República. Sem nem precisar passar pelo Congresso! Sem nem passar pelo complexo e desgastante processo de um impeachment! Restaria a Dilma apenas lutar por uma liminar junto ao STF.

Resultado do hipotético julgamento junto ao TSE, afastados a Presidenta e o Vice, assumiria a Presidência da República, por três meses, o deputado Eduardo Cunha, enquanto novas eleições seriam realizadas. Este é o roteiro preferencial da chanchada preparada pela oposição e por alguns setores da ainda formalmente chamada “base governista”.

Alguém pode perguntar: o PMDB embarca nesta canoa furada mesmo contra Michel Temer? Ora, o Temer é minoria no PMDB. Além disso, aqui sabemos que ele não tem boas relações com seu próprio partido no Senado. E o controle da bancada do PMDB na Câmara é de Eduardo Cunha, que adoraria assumir a Presidência da República de forma interina. Evidentemente, se esse caminho não der certo, vão-se tentar outras veredas, a exemplo do impeachment e TCU.

Diante da gravidade da situação brasileira, o que nós, democratas e militantes de esquerda, podemos fazer para impedir o golpe, seja judicial ou parlamentar? Podemos fazer muito. Na minha avaliação, a questão central é mobilizar nossas bases sociais para irem às ruas."


*****

Eu perguntei ao senador se havia diálogo entre governo e a bancada do PT. Sua resposta: "nenhuma". Ou seja, o governo não está ouvindo os únicos que podem lhe defender de um golpe: seus próprios parlamentares e os movimentos sociais.

A Lava Jato, que se tornou uma conspiração midiatico-judicial, chantageia abertamente a Odebrecht, para que abandone qualquer tipo de apoio ao governo, se não quiser ser perseguida inclusive internacionalmente, visto que os procuradores estão indo até os EUA em busca de informações contra a empreiteira.

Os grandes empresários, que já são tucanos por natureza, passam a ser ameaçados pela mídia e estamentos meritocraticos - seções burocráticas historicamente conservadoras, que flertam às vezes com o fascismo -, para que se juntem às conspirações para derrubar o governo.

É como se a história se repetisse.

Como se Dilma estivesse novamente presa, amordaçada, pendurada num pau de arara, enquanto seus algozes lhe xingam.

A direita novamente domina os aparatos de repressão, através dos quais manda seus adversários, incluindo os empresários que ousaram fazer doações de campanha a eles, para a cadeia, independente da existência de provas.

A frase que marca toda uma era de conspirações midiático-judiciais foi proferida por Rosa Weber, ministra do STF, durante o julgamento do mensalão:

"Não tenho provas para condenar Dirceu, mas a literatura me permite fazê-lo."

Uma frase pavorosamente fascista, que pode valer para tudo, inclusive para um possível golpe de Estado.

A constatação, porém, de que a conjuntura está ruim não deve servir para desmobilizar os movimentos sociais e militantes pela democracia.

Não dá para tampar o sol com a peneira. Mas repito: não há ninguém com medo.

Haverá resistência.

Por outro lado, o governo não conseguirá resistir se não rearticular sua base de apoio, a mesma base que tratou com estúpida indiferença depois que se reelegeu, contrariando os alertas desesperados que todos nós lhe fazíamos.

E não adianta fazer reuniãozinha com fulano, reuniãozinha com sicrano. É hora de ações concretas, de políticas públicas progressistas, ousadas.

O ajuste fiscal já foi para as cucuias, visto que a instabilidade política, os juros altos, a insegurança jurídica, tudo isso devora qualquer economia que se faça reduzindo programas sociais.

Ao contrário, o ajuste fiscal está piorando as perspectivas de economia: o desemprego já começou a crescer e o crescimento do PIB vai sendo reavaliado cada vez mais para baixo.

Apertem os cintos, portanto.

Haverá sim uma tentativa de golpe, numa conjuntura extremamente negativa para o campo progressista. Os exércitos golpistas avançam por todos os lados.

E haverá também resistência.

Mas para que essa resistência tenha a força necessária à vitória, o governo tem de fazer a sua parte.

Não apenas conversar com as bancadas de esquerda, com os movimentos sociais, com o campo político que se mobilizou e deu vitória à Dilma - mas sobretudo agir, tomar decisões políticas audaciosas e inteligentes.

Ou seja, a guerra obrigará o governo a se posicionar com muito mais assertividade e coragem.

Só assim poderá vencer esta odiosa conspiração golpista.

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