quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Lula e a artimanha do Tinhoso

Da coluna "Notas Vermelhas", no site Vermelho:

A Revista Veja publicou, em sua última edição, dados bancários do ex-presidente Lula. Todo cidadão tem assegurado por lei o sigilo de sua movimentação bancária, que só pode ser quebrado por ordem judicial. No entanto, segundo a revista, as informações foram obtidas a partir de um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

A polícia federal anunciou a abertura de um inquérito para apurar o vazamento. Com certeza será um inquérito “rigoroso”, pois todos sabem que nossa polícia federal é imparcial e rigorosamente republicana. Só não é tão imparcial quanto nossa mídia hegemônica, que reagiu duramente à quebra do sigilo. Alguns exemplos.

Editorial de O Globo (1)

“A quebra ilegal do sigilo bancário de um cidadão não pode ser esquecida. Pela gravidade do delito em si, cometido contra um dos direitos civis básicos, a privacidade, o caso precisa ser esclarecido em detalhes e todos os culpados, punidos. É óbvio, mas deve-se frisar. O crime também não pode ser esquecido porque representa a ação ilegal de um braço do Estado”.

Editorial da Folha de S. Paulo

“Que outra concepção de estado senão a totalitária, pode gestar tamanha afronta a uma Constituição Democrática. Em momentos como esse, em que um Poder exorbita de suas prerrogativas, as demais esferas da República precisam agir no interesse do reequilíbrio institucional. O Congresso, o Supremo Tribunal Federal, o Ministério Público e a burocracia do executivo devem reagir e colocar um freio à sanha autoritária que atropela as garantias básicas do cidadão”.

Editorial de O Globo (2)

“A escandalosa devassa ultrapassou as medidas”

Editorial de O Globo (3)

“A quebra ilegal do sigilo bancário é tão repulsiva quanto pedagógica. De gravidade indiscutível, por invadir, sem ordem judicial, a privacidade de um cidadão, a obtenção criminosa do extrato da conta também revela de maneira cristalina o risco que corre a sociedade quando o Estado passa a atender a interesses de grupos políticos”.

Demétrio Magnoli em O Globo

“O poder que faz isso não conhece limites. Seu horizonte utópico é o estado policial: a administração pública convertida em aparelho de intimidação permanente dos cidadãos, por meio da invasão da privacidade”.

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Como o atento leitor e a não menos perspicaz leitora já devem ter desconfiado, nos exemplos acima os jornais reclamavam era sobre a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa, em 2006. Na época, levado por parlamentares tucanos, o caseiro foi uma das peças de acusação contra o então ministro da Fazenda de Lula, Antonio Palocci. Dias depois se descobriu que Francenildo, com renda declarada de 510 reais por mês, recebera, a partir de 6 de janeiro daquele ano, três depósitos mensais, nos seguintes valores sucessivos: 10 mil reais, 9.990 reais e 5 mil reais. O último no dia 6 de março de 2006, quatro dias antes de contar sua história à imprensa.

A artimanha do Tinhoso

A possibilidade de um depoimento “comprado” (o que Francenildo sempre negou) não foi sequer considerada, pois o escândalo ficou centrado na quebra ilegal, pelo Coaf, do sigilo bancário do caseiro. Como vimos só O Globo abordou o tema em três editoriais distintos. Atualmente, quando se quebra ilegalmente o sigilo bancário do ex-presidente Lula, nada se diz, pois afinal, o que se trata não é de democracia, de combate à corrupção, ou da defesa do bem público, o que se trata é de luta política e para a mídia hegemônica nessa luta, vale tudo e mais um pouco. 

A indignação seletiva e hipócrita é apenas uma das muitas armas desta mídia venal, que sempre foi cúmplice da corrupção, mas engana muita gente posando de defensora da ética, pois como já dizia Shakespeare “o diabo pode citar as Escrituras quando isso lhe convém”.

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Editorial de O Globo (1) – Edição de 02/04/2006

Editorial da Folha de S. Paulo – Edição de 28/03/2006

Editorial de O Globo (2) – Edição de 08/06/2011

Editorial de O Globo (3) – Edição de 22/03/2006

Demétrio Magnoli em O Globo – Edição de 03/09/2009

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