quinta-feira, 26 de novembro de 2015

A aula de cidadania nas escolas ocupadas

Por Isabela Cristina Coev Hornos, no site Carta Maior:

Há alguns dias, várias escolas públicas estaduais de São Paulo estão sendo ocupadas por estudantes que são contra a política de “Reorganização Escolar” realizada pelo governador Geraldo Alckmin.

A chamada “reorganização”, sob o pretexto de organizar alunos e alunas em ciclos de estudos e faixas etárias, está fechando mais de 94 escolas da rede estadual, além de transferir vários estudantes de suas escolas atuais. Na realidade, não passa de uma estratégia descarada de corte de gastos públicos onde mais deveria existir investimento: educação. Tanto é assim, que a maior parte das escolas fechadas na região metropolitana de São Paulo seguem o modelo defendido pelo governo e estão sendo fechadas da mesma forma.

Não é segredo que grande parte das escolas estaduais estão abandonadas, sem infraestrutura básica de saneamento, iluminação, material didático, etc. A maioria das escolas não têm água potável, não têm bibliotecas, não têm computadores, não têm laboratórios, não têm mapas, não têm materiais de artes e educação física, não têm funcionários para limpeza (que muitas vezes fica por conta dos próprios alunos nas chamadas “aulas vagas”), não têm sabão e papel higiênico nos banheiros, algumas não têm vidros nas janelas (quando chove, não tem aula), não têm ventiladores, não têm giz (que fica a cargo dos professores comprarem ou da Associação de Pais e Mestres doarem).

Em grande parte das escolas as salas de aula são abarrotadas de alunos, que ficam trancafiados por portas metálicas ou grades que os impedem de chegar inclusive até os banheiros. Os pátios são sujos. Muito sujos! Não há quem limpe. Devem ficar meses ou até anos sem que alguém os lave com água e sabão. Os professores não conseguem ensinar. Não existe um ambiente para educar. Existe concreto, muito concreto. Grades. Muitos alunos. Muito calor. Muita irritação e hostilidade. Este é o dia a dia de milhões de alunos e alunas da rede pública do estado de São Paulo.

Para um estudante de escola pública, “estar na escola” não é sinônimo de segurança e crescimento, mas o reflexo nítido do enraizamento da cultura governamental do desprezo, da invisibilidade, da desvalorização e da mutilação intelectual do jovem pobre.

Há anos não há investimento em educação. Não há atenção do governo para crianças e adolescentes do ensino público. Estes jovens estão sendo marginalizados dentro do ambiente escolar. Estão sendo negligenciados pelo próprio Estado e violados em seus direitos e garantias fundamentais.

Ainda é dever do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com prioridade absoluta, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, conforme prevê o artigo 227 de nossa Constituição.

Porém, com a “reorganização”, o governo prioriza o corte de gastos à formação destes jovens e garantia de seus direitos básicos. Ao invés de investir nas escolas, encerrará as suas atividades: estudantes serão aglomerados em salas já abarrotadas; professores ficarão ainda mais sobrecarregados em suas árduas tarefas; vínculos sociais e etapas educacionais serão rompidas com a transferência dos alunos e fechamento das escolas. Até mesmo irmãos que atualmente estudam juntos, ficarão em escolas separadas em função do "ciclo único".

Apesar da política impetuosa do sr. Governador que há anos boicota jovens pobres e despreza completamente os direitos e a dignidade dos estudantes das escolas públicas, apesar do menosprezo do Estado pela capacidade dos estudantes de reivindicar seus direitos e de lutar democraticamente por seus ideais, a “Reorganização Escolar” não passou silenciosa por todos e todas que foram considerados “marginais”.

Hoje, somam-se pelo menos 150 escolas ocupadas. Ser contra a “reorganização” é reivindicar ensino e escola de qualidade. É exigir ser tratado como gente – e com dignidade!

A ocupação das escolas é um ato político de resistência a um plano governamental que fere direitos humanos. É uma luta consciente e cidadã, é um clamor por direitos fundamentais básicos que estão sendo há muito tempo desrespeitados pelo Estado.

Não há como tirar mais nada daqueles a quem nenhuma oportunidade foi dada. Não tirem suas escolas, as reformem. Não tirem seus professores, deem a eles materiais didáticos e condições de ensino. Não tirem seu núcleo afetivo de convívio, abram diálogo com a comunidade. Criem ambientes dignos de serem chamados de escolas. Deem a oportunidade da emancipação do ser humano: a educação. Não tem um estudante sequer pedindo algo diferente disso.

Apesar da péssima qualidade do ensino a que são diariamente acometidos, esses jovens estão nos ensinando a responsabilidade participativa que temos na política. Estão nos lembrando que estudantes de escola pública não são invisíveis, e que o futuro deles não será definido por políticas arbitrarárias de um governo desumano. Estão, também, explicitanto ao governo e à toda sociedade que tampouco serão renegados, ignorados e marginalizados por mais tempo.

Estão ganhando espaço e visibilidade e, obviamente, estão incomodando. O governo não está preparado para 4 milhões de jovens articulados politicamente. Seu plano era prepará-los para a subvida, para o subemprego, para o subdesenvolvimento, treinando-os desde crianças em escolas que mais parecem presídios. Por isso, para eles, o governo manda a polícia, a ameaça, a violência. É cíclico e notório. Deixaremos a eles este fado?

Quem fecha escola em nome de "reorganização" não está do lado da educação, mas da falácia política, do sucateamento do ensino público. Apoiar a ocupação também é preciso. Sustentar a luta dos estudantes é um ato de cidadania, de respeito pelo direito do próximo. É se importar com o ensino público de qualidade. É demonstrar interesse na participação política. É ter consciência coletiva. E é, acima de tudo, proteger o jovem, e assegurar um futuro digno a milhares de crianças e adolescentes.

OCUPAR É PRECISO!

* Isabela Cristina Coev Hornos é advogada e ativista de Direitos Humanos.

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