quarta-feira, 8 de junho de 2016

Michel Temer e o golpe dos Hunos

Por Marcelo Zero

Átila, Rei dos Hunos, Flagelo de Deus, dizia que, por onde passava seu cavalo, a grama não crescia nunca mais. De fato, as hordas dos hunos deixavam sempre um rastro de pilhagem, destruição e crueldade.

Átila não construiu nada. Não deixou nenhum legado. Sua especialidade era a destruição do legado dos outros.

O golpe brasileiro parece seguir o mesmo caminho.

O primeiro legado destruído foi o da democracia.

A “assembleia geral de bandidos presidida por um bandido”, na definição de Miguel Souza Tavares, promoveu o golpe por mera vingança política contra uma presidenta honesta, que se recusou a defender Eduardo Cunha. No Senado, continua a farsa do impeachment sem crime de responsabilidade, promovido, sabe-se, com provas, por políticos interessados em parar a Lava Jato e outras investigações. Com intuitos torpes e meramente partidários estão banalizando a instituição do impeachment e instaurando uma espécie de “parlamentarismo de bananas” no Brasil, sob o comando de Eduardo Cunha e aliados.

Mas, além de terem destruído, com o golpe, o legado democrático, que custou o esforço e o sacrifício de gerações, querem destruir também o legado da proteção aos diretos e garantias individuais, base da civilização moderna.

No Senado, tentou-se o golpe dentro do golpe. Tentou-se destruir o direito à defesa, pois o relator recusou-se a incluir no processo as provas que inocentam a presidenta afastada. Como no caso das delações premiadas, só vale o que servir como desculpa para condenar o PT e seu governo. Provas que o inocentam devem ser jogadas no lixo, junto com o direito à defesa. Na realidade, querem concluir o golpe a jato, como no Paraguai, atropelando prazos, ritos e direitos. Sabem que tempo joga contra o golpe, pois o governo usurpador e trapalhão tem cada vez menos aceitação e credibilidade. Além disso, alguns membros importantes da cavalaria huna estão ameaçados de prisão iminente.

Outro legado que os hunos estão destruindo tange à gestão republicana do Estado.

Na Esplanada, intensifica-se a caça às bruxas. A ordem é afastar qualquer pessoa que não goste do golpe ou que tenha quaisquer vínculos ou simpatias com o governo legítimo. E não importa que isso afete a população. No MEC, talvez por conselho de atores pornográficos, demitiram uma secretaria inteira dedicada, entre outras coisas, à inclusão dos deficientes no ensino público regular. Jogou-se fora todo um trabalho de anos que aumentou a taxas de inclusão dos deficientes de 20% para 80%. Com o intuito de excluir os progressistas do governo, botam os deficientes para fora da escola. Demite-se até mesmo quem não pode ser demitido, como o presidente da EBC, que tem mandato público aprovado no Senado.

A fúria persecutória digna de um Átila se estende até aos perigosos garçons, os quais, aparentemente, usam muito a mão esquerda para servir o café.

O irônico é que o PT, quando chegou ao poder, fez o oposto. Manteve ou incorporou à equipe muita gente ligada ao PSDB e outros partidos conservadores. Mesmo recentemente, com grande número de funcionários públicos participando ativamente de protestos contra o governo progressista deposto, não houve quaisquer ações de perseguição ou retaliação. Observe-se que levantamento feito pelo TCU, por solicitação do governo golpista demonstra que o PT ocupava apenas 13,6% dos cargos de confiança nos Três Poderes, sendo que o PMDB ocupava 11% e o PSDB (pasmem!) ocupava quase 10% (9,64%).

Agora, porém, o próprio sistema de inteligência do Brasil foi acionado para “monitorar” o PT, partidos de esquerda de um modo geral e os movimentos sociais que se opõem ao golpe. É o uso da máquina pública para fins partidários, como ocorreu no famoso caso Lunus, na época do PSDB. O objetivo, como na República Velha, é criminalizar tudo o que for de esquerda e tudo que for contra o golpe.

Dessa forma, extingue-se o legado de republicanismo deixado pelos governos do PT. É assim que o governo golpista quer “unir o país” e fazer a nação se “dar as mãos”. É o método huno de pacificação.

O governo dos hunos, que destruiu nossa imagem externa com o golpe, quer, agora, destruir nosso protagonismo internacional, com a volta de uma política externa de país periférico. Um legado de difícil reconstrução.

Com efeito, no campo externo o governo dos hunos é um desastre. Uma vergonha internacional. Seu chanceler, totalmente inadequado para o cargo, distribui bordoadas contra o Mercosul, a integração regional, a África, onde pretende fechar embaixadas, e a cooperação Sul-Sul, vertentes fundamentais e exitosas da nossa política externa. Ataca ferozmente qualquer país ou organismo internacional que questione o golpe. Ataca até mesmo a OMC, presidida por um brasileiro, demonstrando profunda ignorância sobre o sistema internacional de comércio.

À exceção, talvez, do Departamento de Estado dos EUA, ele não agrada ninguém. Não tem agenda mundial substantiva. Ninguém de peso quer com ele se encontrar. Ainda por cima, leva a agenda repressiva do golpe para o exterior. De forma ridícula, patética, pede repressão policial contra algumas dezenas de manifestantes pacíficos em Paris, como se estivesse em São Paulo, sob o governo Alckmin.

Na ânsia de defender o golpe, submete-se o país a vexames mundiais. Em reunião recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT), dedicada a discutir a situação dos indígenas de Honduras, obrigou-se nosso representante diplomático a fazer catilinária a favor do golpe. Provocou a reação irada de mais de 100 países. A própria presidente da sessão ordenou que o representante diplomático brasileiro se calasse.

Não bastasse esse vexame mundial, o New York Times fez novo editorial condenando os golpistas. Agora, o mais importante jornal do mundo, afirma que o Brasil ganhou “a medalha de ouro da corrupção”, graças ao governo golpista, que se instaurou para coibir as investigações.

Serra humilha o Brasil. E tenta fazer uma política externa pequena, mesquinha. Uma política externa de país pequeno e subserviente, sem interesses próprios, mas alinhado aos interesses de países maiores.

Querem destruir também o legado de futuro que o pré-sal representa.

De fato, o golpe dos hunos quer acabar com a alavancagem do nosso desenvolvimento com o pré-sal. O novo presidente da Petrobras já deixou claro que é favorável à volta ao modelo de concessão. Nesse modelo, o petróleo passa a ser de propriedade da empresa concessionária, assim que a jazida começa a ser explorada. Desse modo, as empresas multinacionais poderiam explorar nosso óleo a seu bel-prazer, passando ao largo da política de incentivo à indústria nacional e independentemente dos interesses estratégicos do país. No exterior, já estão chamando essa venda do nosso futuro, o pré-sal, de “o negócio do século”. Negócio do século para eles. Tragédia definitiva para nós, brasileiros.

Outro legado a ser destruído por nossos hunos, com sentido de urgência, se relaciona à política de efetivo combate à corrupção implantada ao longo dos governos do PT.

Com efeito, os nossos “átilas”, ameaçados de prisão, pretendem limitar o combate à corrupção, circunscrevendo-o ao PT. Como os hunos históricos, querem pilhar com impunidade. Essa foi, aliás, a principal motivação para o golpe. Querem, no fundo, a volta do engavetador-geral e o enfraquecimento das instituições de controle, fortalecidas pelos governos do PT. Já extinguiram a CGU e, com certeza, pretendem controlar politicamente as demais instituições, mediante o Ministério da “Transparência”.

Os novos hunos brasileiros pretendem até mesmo rever o legado da responsabilidade fiscal. Um das primeiras medidas do governo interino foi aumentar irresponsavelmente a meta de déficit de R$ 93 bilhões para mais de R$ 170 bilhões. Para quê? Aumentar investimentos sociais em tempos de crise? Tentar estimular o mercado de trabalho para combater o desemprego? Não. O déficit gigantesco foi proposto para pagar a conta do golpe. A velha conta do fisiologismo. Boa parte será consumida pelo reajuste ao judiciário, ao passo que o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida e outros programas direcionados aos mais pobres sofrerão cortes brutais e reduções de benefícios.

Mas o principal legado que o golpe dos hunos pretende extinguir é o legado social. Ou, mais precisamente, os legados sociais de Lula, Ulysses Guimarães e Getúlio Vargas.

No cardápio, indigesto para a população, mas palatável para os rentistas e o grande capital, estão incluídas medidas para a redução do salário mínimo, desvinculação do salário mínimo aos benefícios previdenciários, diminuição de aposentadorias, pensões e outros benefícios da seguridade social, aumento da idade mínima para a aposentadoria, desvinculação das receitas orçamentárias constitucionalmente obrigatórias para Saúde e Educação e a erosão da proteção trabalhista assegurada pela CLT. Inclui-se também, como sobremesa, a volta do foco estreito das políticas sociais, as quais passariam a atingir somente os 5% mais pobres, para que a fome volte a atingir 36 milhões de brasileiros e para que 12 milhões de crianças que estão agora no Bolsa Família saiam das escolas e voltem às ruas.

Arrematando esse golpe hediondo contra os mais pobres, está a loucura de limitar, de forma permanente, o crescimento da despesa primária total pela inflação.

Essa loucura, que não existe em nenhum país do mundo, provocaria prejuízos enormes para os serviços públicos do Brasil. Uma simples simulação comparando os gastos efetivos realizados na Saúde e na Educação nos últimos 10 anos demonstra que, caso essa regra absurda estivesse em vigor nesse período, o prejuízo apenas nessas áreas chegaria a mais de R$ 500 bilhões.

O que os novos hunos querem com isso é acabar com o precário Estado de Bem-Estar brasileiro, de modo a usar livremente o dinheiro público para pagar juros e financiar a pilhagem fisiológica da máquina pública.

Não se enganem.

Se o golpe for definitivamente consumado, não nascerá mais a grama da soberania e do protagonismo internacional de um Brasil com interesses próprios.

Não nascerá mais a grama do republicanismo e do combate efetivo à corrupção. Não nascerá mais a grama dos direitos e garantias individuais, atropelados pelos cascos autoritários.

Não nascerá mais a grama dos aposentados, dos trabalhadores e das crianças que dependem do Bolsa Família e da Educação e Saúde públicas. Crescerão apenas as inúteis ervas daninhas dos juros.

Não nascerá mais a exuberante floresta da igualdade e do combate à pobreza. Ficará o triste deserto da desigualdade e da miséria.

Não nascerá a planta do futuro regada com o petróleo do pré-sal. Sobrará a praga devastadora de um passado entreguista.

Não crescerá, sobretudo, a flor frágil da democracia. Mas se multiplicarão os fungos do autoritarismo e do fisiologismo.

O legado único será destruição, pilhagem e crueldade.

0 comentários: