domingo, 31 de julho de 2016

O detalhe que falta a Temer

Por Marcos Coimbra, na revista CartaCapital:

Com o governo provisório no terceiro mês e uma perspectiva cada vez maior de permanência, a lua de mel de Michel Temer com os integrantes da aliança que o levou ao poder atravessa seu melhor momento. Parecem todos felizes.

Especialmente após um fim de semana em que a “grande imprensa” os presenteou com boas notícias, oferecidas de bandeja pelo instituto Datafolha, do jornal Folha de S.Paulo. Há maneira melhor de acordar no domingo e saber que “cresce o otimismo com a economia”, como garantiu o matutino em manchete? Ou de ir dormir assistindo ao programa Fantástico, da TV Globo, e ouvir que “metade dos brasileiros prefere o presidente em exercício à presidente afastada” e que “para 50% dos entrevistados, Michel Temer deve continuar no mandato até 2018”?

Foi quase uma diplomação. Há força maior do que a Globo declarar que “Temer deve continuar”, escolhendo um verbo imperativo que sequer constava do questionário da pesquisa? Os senadores que entendam a instrução...

Com o início caótico do governo, a perplexidade assombrava os amigos de Temer. De trapalhada em trapalhada, ele e equipe estavam acabando por fazer o que parecia impossível, recuperar a imagem de Dilma Rousseff. Depois de tanto esforço para destruí-la, do enorme custo que sua derrubada representou para o Brasil.

Os envolvidos no impedimento de Dilma precisavam de um alento, para consumo interno e internacional. De algo que sugerisse que o governo interino dispunha da confiança da população e do mínimo de legitimidade que se exige nas sociedades democráticas modernas.

E, como não tinham “boas notícias” de verdade para oferecer, inventaram algumas.

Apesar do otimismo do Datafolha, no mundo real as expectativas a respeito da economia continuam muito negativas. Seja em relação à inflação, seja ao desemprego, a vasta maioria das pessoas olha para o futuro com apreensão. É o que mostram as pesquisas e é para onde apontam os indicadores objetivos. O mercado imobiliário está estagnado e patina a compra de bens duráveis. Por receio, as pessoas não querem se endividar.

Tais sentimentos decorrem do longo processo de construção da ideia de que “estamos em crise”, ao qual os partidos que voltaram ao governo com Temer, o empresariado e a mídia se dedicaram nos últimos anos, mais especificamente, desde o primeiro semestre de 2013. Fez parte do esforço para derrubar o governo do PT e foi bem-sucedido: as pessoas se convenceram de que “a crise é grave”.

Chega a ser cômico supor que, apenas dois meses depois de empossado, Temer fosse capaz de reverter essas expectativas, como a manchete da Folha sugere nas entrelinhas e como afirmou peremptoriamente a TV Globo: “Em fevereiro deste ano, com Dilma na Presidência, 72% acreditavam que a inflação ia subir. Agora, com Michel Temer, caiu para 60%”.

A realidade, como mostrou a pesquisa CUT/Vox Populi de junho, é outra. Temer chegou ao Planalto em meio a graves preocupações da população com a economia, em particular com o desemprego: 56% dos entrevistados disseram acreditar que o problema iria aumentar, além de outros 21% que afirmaram que “não iria mudar”. Em cada cinco pessoas, apenas uma imaginava que diminuiria.

O mesmo vale para a despropositada conclusão de que metade dos brasileiros acha que Temer “deve continuar até 2018”. Por razões que não explicou, o Datafolha deixou de fazer a pergunta relevante a respeito do que a população deseja como solução da crise política atual. Mas vários institutos a fizeram.

Na pesquisa CUT/Vox, 67% dos entrevistados responderam que “o Brasil deveria fazer uma nova eleição ainda este ano”. Também em junho, a pesquisa CNT/MDA indicou que 50% afirmaram que “a eleição para presidente (...) deveria ser antecipada para este ano”. Em abril, o Ibope já havia mostrado que 62% achavam que “a melhor maneira de superar a crise política” era “Dilma e Temer saírem e ocorrer nova eleição”.

De pouco adianta declarar que existem sentimentos inexistentes. Não é porque leem que as pessoas estão otimistas que elas mudam de opinião, esquecendo seu pessimismo. Não é porque a TV Globo decretou o que “deve” acontecer que elas passam a desejar aquilo que não querem.

O Brasil dessa pesquisa do Datafolha não é real. Como dizia Garrincha em sua frase inesquecível, para que fosse verdadeira, falta um detalhe: combinar com o povo.

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