sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

São Paulo na contramão do mundo

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Por Rafael da Silva Barbosa, no site Brasil Debate:

Na contramão das maiores cidades do mundo, a cidade de São Paulo tomou uma decisão que poderá aumentar o seu número de acidentes. A recente decisão do atual prefeito da cidade de elevar os limites da velocidade em suas principais vias arteriais, marginais Tietê e Pinheiros, passando de 50 para 70 quilômetros por hora, na pista local, e de 70 para 90 quilômetros por hora, na expressa, fere recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de limites de 50 km/h em vias arteriais e 30 km/h para áreas pavimentadas de circulação de pedestres e ciclistas.

Essa política chama a atenção da sociedade quando os maiores centros urbanos do planeta estão debruçados no desenvolvimento de formas eficientes para o deslocamento urbano com segurança, ou seja, que reduzam os congestionamentos e acidentes a partir da redução do limite da velocidade. A atual gestão paulistana parece regredir em relação à tendência global de uma gestão do tráfego viário mais eficiente.


A mudança atual da gestão viária da cidade traz grande preocupação local e nacional, já que, em última instância, a cidade de São Paulo é um farol para outros grandes centros urbanos do país e o seu modelo de gestão tende a ser copiado pela grande maioria dos municípios. Um exemplo foi a abertura das avenidas aos pedestres aos domingos, política reproduzida por quase todas as capitais. Dessa forma, a cidade de São Paulo é um grande parâmetro para as demais grandes cidades.

Segundo a organização internacional World Resources Institute (WRI), o Brasil é o 4º no ranking entre os países que mais matam no trânsito e uma das principais causas para essa colocação é o limite da velocidade estabelecido nas regiões do país. Na América Latina, o Brasil é um dos países que apresentam um dos maiores limites de velocidade do continente, em conjunto com a Colômbia, México e Guatemala (ver mapa I).


Em contrapartida, atualmente 114 países do mundo têm limites iguais ou inferiores a 50 km/h em vias urbanas. Tal quadro foi estimulado pelos efeitos deletérios em termos econômicos e sociais dos acidentes de trânsito nos respectivos países, visto que esse acometimento atinge principalmente a população em idade ativa, os jovens, ocasionando incapacidade laboral e insegurança social no trânsito.

Para se ter uma ideia, no ano 2000, a Austrália reduziu em 10 km/h a sua velocidade – de 60 para 50 km/h – e o impacto estadual (South Austrália) foi de 100 vidas salvas e uma economia de mais de US$ 1 bilhão com despesas decorrentes dos acidentes de trânsito, entre os anos de 2003 e 2013, o que representou queda de 40% do número de fatalidades.

Outro caso a ser destacado foi o de Nova York. O projeto “Green Light for Midtown” trouxe mudanças do desenho viário e redução das velocidades nos bairros adjacentes da Broadway, e os resultados foram: redução do tempo de viagem de 15%; queda de 63% dos feridos na modalidade condutores e passageiros; e redução de 35% feridos na modalidade pedestre. Com o sucesso das medidas, em 2014, a proposta foi ampliada para toda a cidade, reduzindo o limite “padrão de velocidade urbana em 30 milhas/h (48 km/h) para 25 milhas/h, o equivalente a 40 km/h”.

No Brasil, o custo estimado, considerando custos médicos/hospitalares, danos materiais e prejuízo de produtividade devido ao acidente, alcançou R$ 39 bilhões em 2012, sendo os jovens entre 15 e 29 os mais atingidos. Em outras palavras, o trânsito mata parte não desprezível da nossa população, capacidade produtiva e geração de riqueza.

Em São Paulo, em média, após o acidente, 94% das vítimas necessitam de ajuda de terceiros para realizar suas atividades diárias e 18% param de trabalhar em decorrência das lesões, além daqueles que buscam indenizações por invalidez (WRI, 2015).

Hoje, é mais do que nítido que o limite de velocidade tem forte associação com os custos em saúde, pois um acidente de trânsito provocado a uma velocidade entre 60 e 90 km/h exige cuidados em Pronto Socorro (PS) com custo mais elevado, enquanto a ocorrência na faixa dos 10 a 50 km/h tende a acarretar atendimento mais básico por Unidade Básica de Saúde (UBS) e custos/danos menores. Nesse sentido, o perfil da demanda hospitalar dos acidentados no trânsito irá depender do padrão do limite de velocidade viário adotado.


Em 2015, o advento da política de redução da velocidade nas vias arteriais foi o fator que mais contribuiu para segurança do trânsito em São Paulo. Ao se analisar a série histórica da gestão, verifica-se que é a partir daquele ano que as tendências básicas dos números mudam significativamente. O que resultou ao longo do período na diminuição de 257 mortes, 8.980 feridos e uma economia de aproximadamente R$ 143 milhões. Ademais, em termos operacionais, teve efeito direto no nível de utilização da capacidade instalada hospitalar, com 147 leitos hospitalares liberados por dia, reduzindo a demanda pelo SUS e os seus custos.

Nesse contexto, é temerário o regresso aos limites anteriores de velocidade da cidade, ainda mais sob o slogan “Acelera São Paulo”. Além dos efeitos sociais (segurança social no trânsito) e econômicos (custos trabalhistas e de saúde), a mudança de trajetória tem fortes impactos no padrão educacional e político da gestão das cidades. As contradições da democracia permitem a vitória de agendas diversas no campo político, todavia, todo cidadão espera do novo gestor avanços em relação à gestão precedente, alcançar níveis melhores em políticas exitosas e desenvolver áreas as quais não se obteve resultado satisfatório. Independentemente do partido, existe uma expectativa da gestão municipal focada na cidade e, principalmente, para as pessoas que vivam nela, dela e para ela.

Referências

- PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. Com menos feridos em acidentes, redução dos limites de velocidade libera 147 leitos hospitalares por dia. São Paulo: Notícias, 01 out 2016. Acesso em: 26 jan 2017. Disponível em: .

- WRI.BRASIL. Impactos da redução dos limites de velocidade em áreas urbanas. São Paulo: Embarq.Brasil, maio 2015. Acesso em: 26 jan 2017. Disponível em: .

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