terça-feira, 26 de setembro de 2017

21 pontos para entender a crise militar

Por Renato Rovai, em seu blog:

O blogueiro passou o final de semana conversando com pessoas que têm ou tiveram relações muito próximas com as Forças Armadas nos últimos anos, em especial nos governos Lula e Dilma. Desde parlamentares que atuam ou atuaram em comissões da Câmara e do Senado, onde é necessário negociar com militares, passando por ex-ministros que estiveram em áreas de interesse direto ou indireto do setor.

Todos, por motivos diferentes, aceitaram falar apenas em off. Em geral, o argumento era de que precisavam manter as pontes que tinham para ajudar na solução da crise.

A partir dessas entrevistas, o blogueiro listou 21 pontos que considera importantes para entender o que se passou na semana passada e o que ainda pode vir.

1) Todos os entrevistados concordam que o governo Temer perdeu o respeito dos militares e que há um imenso constrangimento de ter um presidente tão corrupto e impopular como chefe das Forças Armadas.

2) Que em boa medida essa insatisfação se ampliou por conta dos cortes orçamentários que teriam afetado projetos estratégicos tanto no Exército, como na Marinha e na Aeronáutica. Esses projetos são considerados muito importantes para a soberania nacional.

3) Os cortes da política fiscal de Temer também impactaram sobre bonificações e gratificações dos militares, além de também ter diminuído recursos para o básico, como compra de fardas e munições.

4) Que há uma diferença entre a insatisfação no Exército e nas outras forças. E que a situação no Exército é mais tensa.

5) Que no Exército há uma disputa antiga entre uma linha mais dura e outra mais profissional. E que a primeira deve ter ganhado força tanto por conta da crise como por conta da debilidade física do comandante Villas Bôas, que tem uma doença degenerativa. A sucessão para o seu cargo já está aberta.

6) De alguma forma, todos entrevistados também concordam que o nacionalismo nas Forças Armadas tem sutilezas. Ele não deve ser entendido como um espaço de resistência, por exemplo, contra as reformas neoliberais e a entrega do patrimônio nacional. Isso não está no centro das preocupações dos militares. Ao contrário, a entrevista à Revista Exame do general Sérgio Westphalen Etchegoyen, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, é clara. Ele defende as privatizações inclusive do setor elétrico.

7) Em relação a Etchegoyen, que é hoje uma das pessoas mais fortes do Exército atualmente, ele tem uma mágoa pessoal da esquerda e em especial de Dilma e do PT. Isso de deve ao fato do nome do seu pai ter sido incluído na lista da Comissão da Verdade.

8) Com exceção de um dos entrevistados, que se mostrou mais preocupado, a ampla maioria acha que o sinal amarelo de fato acendeu com as declarações do general Mourão, mas que ainda há muito espaço para o diálogo antes de uma crise mais aguda.

9) A despeito de no episódio terem aparecido com destaque os generais Mourão e Heleno, que já está na reserva, além do Comandante Vllas Bôas, uma das fontes alerta para que se fique atento com os movimentos do Chefe do Estado Maior do Exército, o general Fernando Azevedo e Silva. Ele tem grande poder sobre a tropa.

10) Outra coisa que é consenso é que a despeito de Mourão ser uma pessoa especialmente dura e já ter expressado opiniões polêmicas em outros momentos, tendo sido inclusive punido, dessa vez ele não falou apenas por ele.

11) Uma das fontes chama atenção para esta entrevista do General Villas Bôas, concedida ao jornal Valor, onde ele, entre outras coisas, diz: “Somos um país que está à deriva, que não sabe o que pretender ser, o que quer ser e o que deve ser”.

12) Uma outra fonte diz que a preocupação com as declarações de Mourão e Heleno não são exageradas “porque os militares são como um time de futebol que só treina e não joga, porque felizmente o Brasil não tem se envolvido em guerras. E uma situação como a atual pode levá-los a achar que é hora de jogarem sim”.

13) Uma das pessoas entrevistadas diz que a linha mais dura tem crescido porque há um entendimento prevalente nas Forças Armadas de que não tem se dado ao Ministério da Defesa, desde a redemocratização, a importância que os militares consideram razoável.

14 – Um dos entrevistados diz que conversou com dois militares de alta patente e que eles disseram que as declarações do general Mourão mais atrapalham do que ajudam

15 – Um dos entrevistados considera que Mourão fala por um setor minoritário e que até ousaria uma intervenção militar, mas que isso não teria respaldo do alto escalão.

16 – De qualquer forma, todos concordam que o alto comando das Forças Armadas querem sim que os civis construam uma solução que passaria pelo fim do governo Temer.

17 – Uma observação de um dos entrevistados é bem interessante. A pessoa considera que Villas Bôas não puniu Mourão para não vitimizá-lo e criar um movimento de solidariedade e ele, que poderia ampliar sua liderança nas Forças.

18 – Aldo Rebelo de fato é um civil muito respeitado entre os militares. Sua relação com eles é antiga, desde que presidiu a Comissão das Relações Exteriores da Câmara. Mas Nelson Jobim é ainda mais. Ele é uma peça chave para participar de uma solução para esta crise atual.

19 – O fato de a base, principalmente do Exército, estar muito alinhada com Bolsonaro, não significa que no alto comando este pensamento tenha força. Pelo contrário, Bolsonaro é considerado uma caricatura pelo alto escalão das Forças e muitos deles, inclusive, acham que sua candidatura pode tirar parte da credibilidade recuperada nos últimos anos.

20 – Quase todos os entrevistados acham que é preciso manter o alerta ligado. Um deles foi mais incisivo, quando sai fumaça dos quartéis em geral não é de cigarro. Por isso, não é hora de relaxar e achar que está tudo bem.

21 – Um outro entrevistado acha que até a votação da segunda denúncia do impeachment de Temer, que deve acontecer nos próximos 30 dias, devem surgir novas declarações de militares com o objetivo de pressionar o Congresso. Ou seja, os sinais de fumaça, na opinião deste, ainda estariam apenas começando.

3 comentários:

Anônimo disse...

O que pensa o Exército brasileiro, o que ele representa como permanente ameaça à democracia, e, principalmente, como organização especial de homens armados, força de repressão pronta a se opor a qualquer tentativa de instituição de um sistema social a serviço dos trabalhadores e do povo, somente um estudo científico profundo poderia esclarecer à esquerda.

Sou primo de um general, hoje na reserva, bastante admirado pelos seus pares devido aos resultados que obteve profissionalmente, a começar pelo ingresso na Academia Militar do Exército em primeiro lugar. Entretanto, não tomaria o seu pensamento como o que hegemoniza o Exército.

Vejo com preocupação a crença de determinados indivíduos da esquerda em um Exército patriótico, nacionalista (aliás, como poderia existir um nacionalismo que, entretanto, não se opõe ao neoliberalismo?). Essa crença é mais uma vertente da fé, não menos enganosa, no Estado Democrático de Direito, que passou a ser uma cantilena recorrente nos discursos de muitos militantes, dirigentes e partidos de esquerda. No fim das contas, tal ilusão representa uma revisão do conceito marxista-leninista de Estado enquanto instrumento de dominação de uma classe sobre as demais. Uma cessão a tentações reformistas, que projetam uma realidade fantasiosa que termina por levar a esquerda a ser apanhada de surpresa por golpes como os que se deram em 1964 e 2016, no Brasil, ou em 1973, no Chile.

O Estado Democrático de Direito é apenas uma designação para uma determinada correlação de forças favorável à esquerda no contexto da luta de classes, não sendo jamais uma nova forma de Estado negador daquele descrito por Marx e Lênin. Se essa correlação de forças se altera, o caráter de classe do Estado transparece, como podemos assistir atualmente na Europa, onde, para surpresa dos adoradores do Estado de Bem Estar Social, o Estado a serviço da oligarquia financeira passou a agir para impor o programa de interesse desta oligarquia.

Não existe, no Brasil, nenhum Exército nacionalista, pronto a defender os interesses nacionais, a defender-nos da rapinagem imperialista. Para que tal instituição existisse, o Estado teria que ter tido o seu sinal de classe invertido, com interferência interna na ideologia que hegemoniza as casernas, e que jamais deixou de ser aquela que conduziu ao golpe de 1964. Os militares com perfil mais democrático, mais progressista, sempre existiram, mesmo durante a ditadura, assim como existem juízes e promotores que não se alinham com o pensamento hegemônico no Judiciário brasileiro. Porém, tanto em um caso como no outro, eles jamais se converterão em força dominante. Um Judiciário e um Exército democráticos não surgirão espontaneamente, como a borboleta surge da pupa. Não se transforma o caráter de classe do Estado. A única possibilidade é a substituição, como fruto da luta de classes, do Estado a serviço da plutocracia por outro Estado a soldo do proletariado. DARCY BRASIL RODRIGUES DA SILVA

Waldomiro Pereira da Silva disse...

Quanto a parte especifica sobre a PRIVATARIA, sou favorável a uma consulta popular. Não é porque é um general que a sua opinião deva ter mais peso que qualquer outro brasileiro.
Afinal, a pátria é de todos ou de alguns?

Já tivemos nacionalistas no Brasil, hoje avoluma os ENTEGUISTAS.

WALQUER CARNEIRO disse...

Muito bom esse artigo...