sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Lei Kandir: pacto ou pânico federativo?

Por Waldeck Carneiro, no blog Cafezinho:

Em vigor desde 1996, a Lei Kandir desonerou o ICMS incidente sobre exportações de produtos primários e industrializados semielaborados, prejudicando as contas de estados e seus municípios. É mais um exemplo de desequilíbrio na relação entre a União e os entes subnacionais, que desmonta a ideia de “pacto federativo”. A rigor, tem-se, no Brasil, forte submissão dos estados e municípios à União, que concentra a maior parte da arrecadação de tributos e ainda pode emitir moeda.

O Rio de Janeiro, que se encontra em situação falimentar ou calamitosa, segundo seu próprio governador, acumulou, nos 20 anos de vigência da Lei Kandir, perdas da ordem de R$ 60 bilhões. Aliás, não apenas o Estado, mas seus 92 municípios também perderam, pois têm direito a 25% do ICMS recolhido no RJ. Assim, nos últimos 20 anos, nossas municipalidades perderam R$ 15 bilhões, enquanto acumulavam mais responsabilidades em áreas como educação, saúde e assistência social: flagrante caso de injustiça tributária.

Por decisão do STF, o Congresso Nacional tem até 30/11/17 para aprovar matéria que regulamente as chamadas compensações da Lei Kandir para estados e municípios. No Congresso, foi instituída Comissão Mista Especial para estudar o tema e aprovar texto compatível com o desafio. Preocupa o fato de que o RJ, um dos estados mais prejudicados, tenha apenas dois membros na Comissão (Lindbergh Farias e Hugo Leal), contra oito do Mato Grosso e sete do Pará, por exemplo.

Duas questões fundamentais devem ser enfrentadas pela Comissão: a compensação das perdas acumuladas nos últimos 20 anos e a interrupção da sangria, com a transferência periódica, por parte da União, a estados e municípios, dos recursos equivalentes às perdas estimadas em suas receitas, decorrentes da aplicação da Lei Kandir, a partir da vigência do novo texto legal.

A segunda questão depende apenas de alteração na Lei atual, fixando-se a periodicidade e os critérios para a efetivação, doravante, das aludidas transferências. A segunda questão é mais complicada, pois depende de cálculos verossímeis das perdas acumuladas em 20 anos, estado por estado. O Tribunal de Contas da União alega dificuldades por não dispor de informações detalhadas sobre o comportamento da receita dos estados desde 1997. Mas isso pode ser resolvido, se forem envolvidos, no cálculo das perdas, Tribunais de Contas e Secretarias de Fazenda dos próprios estados.

O Congresso não pode faltar aos estados e municípios brasileiros, que vêm sendo prejudicados há dois decênios. As mudanças na Lei Kandir devem fixar a transferência semestral ou anual das compensações daqui pra frente. Disso não se pode abrir mão! E mesmo que o novo texto legal não preveja, de imediato, o detalhamento das compensações pelas perdas dos últimos 20 anos, que ao menos estabeleça, em disposição transitória, prazo para que o Congresso, com auxílio de órgãos especializados, calcule as perdas e proponha uma fórmula para a compensação gradual aos estados e municípios, ainda nesta legislatura.

No RJ, que vive profunda crise de receita, o governo estadual, em vez de se endividar mais, vender a CEDAE, arrochar o servidor público e destruir o parque científico estadual, deveria, isto sim, lutar por receitas novas duradouras, como é o caso das compensações da Lei Kandir.

* Waldeck Carneiro é Deputado Estadual (PT-RJ) e Professor da UFF.

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