quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Os "humoristas" da extrema-direita

Por Guilherme Coutinho, no blog Socialista Morena:

Em agosto desse ano, a cidade norte-americana de Charlottesville, na Virgínia, ganhou as manchetes do mundo todo por sediar um protesto de supremacistas brancos que acabou em tragédia, com o atropelamento e morte de três ativistas antirracistas e dezenas de feridos. O evento ficou marcado por imagens chocantes, como saudações nazistas, tochas (em alusão à Ku Klux Klan) e a presença de manifestantes armados. Entre os organizadores estava Richard Spencer, um dos maiores expoentes da denominada Alt Right, o grupo de extrema-direita que apoiou a campanha de Donald Trump e possui, atualmente, representantes em seu governo.

A Alt Right, um eufemismo para “neonazista”, se apoia em princípios radicais: são antifeministas, anti-imigrantes, antissemitas , islamofóbicos e supremacistas. “Sou nazista, sim”, afirmou, sem papas na língua, um dos participantes à reportagem da BBC que cobria a manifestação em Charlottesville.

Este grupo teve seu embrião em um site de humor politicamente incorreto há cerca de uma década: o 4chan. O 4chan é um site onde os usuários fazem postagens e comentários sempre de forma anônima, em formato de fórum. Com o tempo, as postagens, sempre encobertas pelo anonimato, começaram a tomar contornos anárquicos e um novo tipo de humor nasceu por ali. Os memes de internet como os conhecemos e até o influente grupo “Anonymous” são fenômenos surgidos no submundo dos fóruns do 4chan.

Aos poucos, os usuários do 4chan foram se organizando e realizando encontros presenciais cada vez mais frequentes. O fórum começava a se tornar um movimento. Em fevereiro, o quadrinista e escritor Dale Beran revelou em um artigo como o grupo de nerds anônimos se tornou uma importante força política nos EUA. Seu primeiro protesto foi contra a Cientologia. Mas o protesto não era contra a religião em si e sim contra o fato de a seita ter retirado da rede um vídeo de Tom Cruise que havia viralizado. Ou seja, a igreja tinha impedido o grupo de “zoar” da forma como eles bem entendessem.

Depois da Cientologia, o grupo atuaria severamente contra qualquer movimento que eles considerassem politicamente correto e que tentasse restringir alguma piada (por serem machistas, racistas ou até mesmo nazistas). “O 4chan queria o direito de fazer o que bem entendesse. Sempre que grandes sistemas organizados atrapalhavam esse seu ‘direito’, o grupo se opunha a eles”, escreveu Beran.

Hoje, a Alt Right possui como símbolo o mesmo meme que representa o 4chan: o bizarro Pepe the Frog, originalmente um sapinho engraçado do qual os ativistas do ódio se apropriaram. O próprio Trump, ainda pré-candidato, tuitou a si mesmo retratado como Pepe.

Indignado, o criador do sapinho, Matt Furie, renega a criatura e foi à Justiça para impedir o uso que foi dado ao desenho. Em maio, Furie “matou” Pepe em um cartum para ver se a direita esquecia o personagem, mas não adiantou.

No Brasil, também temos uma nova –e radical– direita em plena ascensão. E não há dúvidas que o humor possui uma influência direta na moldagem desse novo grupo. Alguns humoristas reacionários, ao reivindicarem o direito de fazer piada com tudo, atacam grupos feministas, negros, homossexuais e todo tipo de minoria, e se eles reclamam, são acusados de fazerem “mimimi” (um dos piores neologismos desses tempos digitais).

Danilo Gentili parece ser o maior expoente desse suposto humor “anárquico”. Exemplos bizarros não faltam: ironicamente, ofereceu bananas a Thiago Ribeiro, jornalista negro que o criticava; afirmou ter confundido a senadora Regina Sousa –também negra– com a “tia do café”; em uma postagem no twitter, reforçou a cultura do estupro: “um cara esperou uma gostosa ficar bêbada para transar com ela. Todos sabemos o nome que se dá a um cara desses: gênio”. Vejam como é possível disseminar preconceito sob a tênue máscara do humor.Ainda não podemos comparar Gentili com a Alt Right.

Gentili poderia ter enterrado sua carreira depois desses “deslizes”. Mas, como mencionamos, uma nova direita está em ascensão no país. O humorista tem quase 16 milhões de seguidores no twitter e incríveis 13 milhões de seguidores no facebook. A Folha demitiu recentemente um repórter que entrevistou o apresentador após ele se queixar da “ideologia” do jornalista nas redes sociais, embora o jornal negue ter havido pressão. No SBT, o “humorista” tem carta branca para maldizer tudo e todos em seu programa de entrevistas. Não é fácil bater de frente com quem fala para tantas pessoas, mesmo se aquilo que tenha sido falado seja recoberto de preconceito, bullying e intolerância.

Ainda não podemos comparar os efeitos das “piadas” de Gentili com as manifestações organizadas pelo Alt Right nos EUA. Entretanto, não custa lembrar que, há muito pouco tempo, os membros desse grupo apenas reivindicavam o direito de fazer piadas politicamente incorretas na internet. E que o “comediante” já tem seu braço direito na política, com quem sempre se junta na defesa da “liberdade de expressão” sem limites: o MBL.

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