sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Venezuela, Honduras e o jornalismo de guerra

Por Felipe Bianchi, de Caracas, no site do Centro de Estudos Barão de Itararé:

As ruas de Honduras foram tomadas pelo povo, que exige o respeito às urnas e à democracia após mais um episódio de golpe no país. Enquanto isso, na Venezuela, a população se prepara para votar pela terceira vez em 133 dias. O silêncio dos grandes meios de comunicação latino-americanos em relação ao que ocorre no país centro-americano contrasta com a demonização permanente da Venezuela e de Nicolás Maduro, escancarando o jornalismo de guerra e o papel de partido das classes dominantes jogado pela mídia.

Honduras realizou eleição presidencial no dia 26 de novembro, em um processo maculado por dúvidas, suspeitas e escândalos, como a queda de energia em centros de votação e um revés repentino na contagem dos votos. A população indignada com a iminente fraude foi às ruas. A resposta do presidente Juan Orlando Hernández – supostamente reeleito com 42,98% dos contra 41,38% de Salvador Nasralla, da Alianza de Oposición Contra la Dictadura – foi agressiva: decretou-se toque de recolher das 6h às 18h. A Polícia Nacional, após conflitos violentos com a população, anunciou que não iria mais reprimir as manifestações.

Em Caracas como observador internacional das eleições municipais agendadas para o dia 10 de dezembro, Augusto Aguilar, integrante do Conselho de Especialistas em Eleições da América Latina (Ceela), falou ao Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. Para o hondurenho, que já ocupou o cargo de presidente do Tribunal Supremo Eleitoral de Honduras, o episódio provocou um verdadeiro “colapso” no sistema eleitoral do país centro-americano.

“O mais transcendental e delicado é que, o partido no poder, violentando a Constituição, promove a reeleição ilegal de Hernández”, explica, recordando que a proibição da reeleição é um artigo pétreo da Constituição de 1982. O incidente “gravíssimo” da queda de energia e inversão do resultado parcial na contagem dos votos, segundo ele, “desnaturalizou e desqualificou não só o sistema eleitoral, mas também o Supremo Tribunal Eleitoral”.

Formado por mais de 40 magistrados e presidentes de organismos eleitorais do continente, alguns ainda exercendo funções na área e outros já aposentados, o Ceela já acompanhou, pelo menos, oito processos eleitorais na Venezuela. “O sistema eleitoral venezuelano, tal como afirmou a Fundação Carter [ligada a Jimmy Carter, ex-presidente dos Estados Unidos], é considerado por nós, especialistas em eleições, como um dos mais transparentes e confiáveis do mundo”, defende Aguiar.

“Com nossa ampla experiência na Venezuela, temos dado nossas ideias sobre o país a outros organismos eleitorais para que, se desejam, tomem em conta nossas considerações e as incorporem em seus sistemas”. De acordo com o hondurenho, a Venezuela oferece muitas lições sobre como tornar o modelo eleitoral mais eficiente, confiável e transparente, de forma a “tranquilizar o cidadão quanto o respeito à vontade dos eleitores e fortalecer a democracia”.

E se fosse aqui?

Luis Amagro, Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) famoso por arremeter contra a Venezuela, que classifica como uma ditadura, demorou quase uma semana para falar sobre o golpe eleitoral em Honduras. Tímido, disse que é, sim, possível ter ocorrido fraude, sugerindo a recontagem dos votos.

Manso com a fraude em Honduras, Almagro é feroz na crítica à Venezuela. Até o diálogo entre oficialismo e oposição, iniciado no dia 1° de dezembro, na República Dominicana, foi alvo de sua fúria contra Maduro: segundo Almagro, os opositores dispostos a negociar com o governo saídas para pacificar e estabilizar o país não representam a “verdadeira oposição” e, agora, os grupos que se opõem ao chavismo terão de “separar o joio do trigo”. Cabe ressaltar que o parlamento venezuelano, que tem ampla maioria e é dirigido pela oposição, teve 82 votos a favor e apenas três votos contra a proposta do diálogo.

Na sexta-feira (8), em conversa com a delegação de observadores internacionais que acompanharão as eleições municipais, o ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Jorge Arreaza, comentou o caso. "O que diria a OEA e Luis Almagro, a União Européia e o Departamento de Defesa dos Estados Unidos se o que ocorreu em Honduras acontecesse aqui, na Venezuela?", questiona. Segundo Arreaza, quando a oposição ganha, as condições são boas, mas quando perdem, há fraude. "Por outro lado, se estivessem nos aplaudindo e nos premiando, provavelmente estaríamos do lado errado. Não somos os cães adestrados que querem que sejamos", sentenciou o chanceler.

Venezuela, ‘democracia vibrante’

Apesar do intenso bombardeio midiático internacional, mais de 8 milhões de venezuelanos foram às urnas no dia 30 de julho para votar nos candidatos da Assembleia Nacional Constituinte – saída constitucional encontrada pelo governo para, fortalecendo a participação popular, restabelecer a paz no país. Em 15 de outubro, outra eleição, desta vez para governadores. A esquerda obteve respaldo dos eleitores em 18 dos 23 estados. Os resultados representaram uma derrota contundente para os que apostavam na violência, no terrorismo midiático e na guerra econômica que rifa a cabeça do próprio cidadão venezuelano com a finalidade de derrotar, à força, Maduro e o chavismo.

Agora, a população se prepara para eleger 335 prefeitos, além de um novo governador ou governadora para o estado de Zulia – dos cinco governadores eleitos pela oposição na eleição de 15 de outubro, apenas Juan Pablo Guanipa, do partido opositor Primero Justicia, se recusou a juramentar diante da Assembleia Nacional Constituinte, abrindo mão do cargo. Diversos candidatos de oposição estão inscritos para o novo pleito, marcado para o dia 10 de dezembro.

Em pronunciamento no Conselho Nacional Eleitoral (CNE), na quinta-feira (7) a vice-presidente do órgão, Sandra Oblitas, criticou as constantes acusações, por parte de alguns setores da oposição, contra a lisura das eleições na Venezuela, a despeito de ser considerado um dos mais seguros do planeta por diversos órgãos internacionais e especialistas. “Os processos eleitorais são alvos de ameaças e ataques de quem não acredita no voto, mas na ambição pelo poder a qualquer custo”, denunciou aos observadores eleitorais internacionais.

As agressões, assegura Oblitas, estão sendo freadas pela capacidade organizativa do órgão máximo do Poder Eleitoral venezuelano, o CNE. “Temos eleições livres e soberanas, além de prezarmos pelo pleno respeito ao desejo popular expressado nas urnas”, assinala. Segundo ela, ao promover a sua terceira eleição no ano, a Venezuela apenas cumpre a sua Constituição, que prevê uma democracia “participativa”e “protagônica”. "Uma democracia vibrante”, como ela mesma descreve.

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