domingo, 4 de agosto de 2019

Bolsonaro agride cientistas como a ditadura

Os 10 cientistas cassados à época de sua reintegração
à Fiocruz, em 1986. Foto: divulgação
Por Cynara Menezes, no blog Socialista Morena:

Em apenas sete meses de governo, o presidente de extrema direita Jair Bolsonaro já coleciona diversos ataques à ciência brasileira. Em abril, duvidou dos números do IBGE em relação ao desemprego; em maio, censurou a divulgação de uma pesquisa nacional sobre drogas elaborada pela Fiocruz; e agora demitiu o diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Ricardo Galvão, simplesmente porque não aceita que o desmatamento, em sua gestão, disparou.

O instituto apontou que o desmatamento na Amazônia, em quilômetros quadrados, aumentou 34% em maio, 91% em junho e 125% em julho em relação aos mesmos meses em 2018. Quer dizer, em vez de trabalhar para impedir que o desmatamento avance, como fizeram os governos petistas, o presidente optou por esconder os dados, demitindo o responsável por eles. Detalhe: o monitoramento é feito por satélite. Bolsonaro duvida de imagens feitas por satélite.

Ao atacar cientistas, o governo dá sinais de que irá repetir a perseguição a cientistas empreendida pela ditadura militar. Após o golpe, em 1º de abril de 1964, os militares se insurgiram contra o Instituto Oswaldo Cruz (IOC), antigo nome da Fiocruz, interrompendo pesquisas, impondo um diretor fiel ao regime, controlando as atividades dos pesquisadores com a presença ostensiva de militares no campus e cortando verbas. Muitos cientistas foram arrolados em inquéritos, sob o pretexto de se apurar atos de “subversão” e “corrupção”. A instituição foi sucateada: na década de 1960, contava com aproximadamente 140 pesquisadores; em 1974, esse número caiu para a metade.

No dia 1º de abril de 1970, sem que nenhuma acusação tivesse sido provado contra eles, dez cientistas do Instituto Oswaldo Cruz foram cassados pela ditadura com base no AI-5. Tiveram seus direitos políticos suspensos e foram impedidos de trabalhar no instituto e em outras instituições federais. O episódio é conhecido como O Massacre de Manguinhos, referência ao bairro onde está localizado o instituto e título do livro de Herman Lent publicado pela primeira vez em 1978, às vésperas da anistia, relançado em maio pela Fiocruz também em versão digital, que pode ser baixada gratuitamente.

A Fundação também restaurou o vídeo O Massacre de Manguinhos, de Lauro Escorel Filho, que reproduz trechos da cerimônia de reintegração dos cientistas cassados, em agosto de 1986. “Por que esse ódio do pensamento autoritário ao pensamento livre?”, indagava o sanitarista Sergio Arouca, então presidente da Fiocruz, à plateia. “Uma das vítimas prediletas, um dos alvos escolhidos, teria que ser a inteligência”, disse Ulysses Guimarães.

“O que me dói, a lágrima que eu choro é pelas pesquisas que foram interrompidas e que nunca mais se farão. É pelos jovens cientistas que teríamos formado e que não se formarão nunca. A ciência é o último artesanato do mundo, é a última profissão que não se aprende nos livros, é um cientista que cria outro à sua sombra, aprendendo ali como fazer as coisas, como indagar, como obrigar a natureza a se desvendar. E vocês, os mais preparados para fazer frutificar novas gerações foram proibidos de se multiplicar aqui”, lamentou Darcy Ribeiro.

A capa da primeira edição do livro, criada pelo arquiteto Oscar Niemeyer, exibe a ilustração do Castelo Mourisco, prédio-símbolo da Fiocruz, com uma de suas torres desmoronando. O parasitologista Lent, autor da obra, é referência mundial no estudo dos triatomíneos (barbeiros), insetos transmissores da doença de Chagas, e foi um dos cientistas cassados pela ditadura que Bolsonaro tanto admira.

Impedido de trabalhar no Brasil, Lent viveu na Venezuela, onde deu aulas na Universidad de los Andes, no Paraguai, onde lecionou na Universidade de Assunção, e nos EUA, onde foi pesquisador associado do Museu de História Natural de Nova York, antes de retornar a seu país, em 1976, ainda durante o regime militar. Foi o único dos cassados no Massacre de Manguinhos a recusar a reintegração ao Oswaldo Cruz, mas continuou colaborando com o instituto.

Os outros cientistas perseguidos e cassados pelos militares, todos com reconhecimento internacional em suas áreas, foram: Augusto Perissé, Tito Cavalcanti, Haity Moussaché, Fernando Ubatuba, Moacyr Andrade, Hugo de Souza Lopes, Masao Goto, Sebastião de Oliveira e Domingos Machado. Para saber mais sobre eles, clique aqui.
O diretor do Inpe foi mandado embora por ousar discordar dos ataques de Bolsonaro à instituição que dirige. Em entrevista ao Jornal Nacional, no dia 20 de julho, Ricardo Galvão disse que os comentários do presidente são dignos de “botequim”. “Ele fez acusações indevidas a pessoas do mais alto nível da ciência brasileira, não estou dizendo só eu, mas muitas outras pessoas. É uma piada de um garoto de 14 anos que não cabe a um presidente da República fazer”, criticou. No dia anterior, Bolsonaro chamara de “mentirosos” os dados do Inpe e sugeriu que o diretor, doutor pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology), estava a “serviço de alguma ONG.”

Na sexta-feira, 30 de julho, o Inpe reproduziu em seu site uma reportagem da agência Fapesp em que Carlos Nobre, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP, durante palestra na 71ª reunião anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), em Campo Grande (MS), defendia os dados sobre desmatamento, segundo ele incontestáveis.

“Esses percentuais de aumento estão muito além da margem de incerteza. A probabilidade de que o desmatamento da Amazônia está aumentando está acima de 99%”, disse Nobre. “Não divulgar os dados do desmatamento do Inpe não faria o problema desaparecer, porque hoje há muitos grupos em todo o mundo que fazem esse tipo de mapeamento. Mas o Inpe, que desenvolveu o melhor sistema de monitoramento de florestas tropicais do mundo ao longo dos últimos 30 anos, perderia sua liderança.”

A reportagem já sumiu do site do Inpe.

* Com informações da Agência Fapesp e da Fiocruz.

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