sábado, 24 de abril de 2010

A mídia esconde sua partidarização

Reproduzo a esclarecedora entrevista do professor Laurindo Lalo Leal Filho, concecida à jornalista Ana Cláudia Barros, do Terra Magazine:

Considerada mito sob os olhares mais críticos, a imparcialidade nos meios de comunicação sempre foi objeto de discussões infindáveis, sobretudo, do lado de dentro dos muros acadêmicos. Em tempos de corrida eleitoral, a questão, polêmica por excelência, volta a monopolizar os debates, na maioria das vezes, inflamados pelas paixões partidárias. Estaria a grande imprensa se portando de maneira equilibrada em relação aos candidatos, principalmente, no que diz respeito aos postulantes à cobiçada vaga de “comandante-mor” da nação? Na análise do sociólogo e jornalista Laurindo Leal Filho, professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP), a resposta é não.

“A diferença entre quase todos os meios de comunicação do Brasil e os do exterior é que, no exterior, eles assumem, publicamente, o candidato ou o partido que estão apoiando”, afirma. Categórico, ele diz que a mídia brasileira esconde sua posição política. “É praticamente impossível a isenção total”, dispara.

Leal defende que a mesma postura adotada por outros países seja incorporada pelos veículos impressos daqui, para evitar que gatos e lebres sejam colocados em um balaio comum. “É o caminho mais honesto. Do contrário, você acaba enganando o leitor com a suposta imparcialidade que, na verdade, não existe”.

Terra Magazine: Como o senhor avalia a atual cobertura eleitoral feita pela mídia? Na sua opinião, os candidatos são retratados com equilíbrio?

Laurindo Leal Filho: Não. A mídia, de uma maneira geral, não só no Brasil, mas em todos os países mais desenvolvidos, sempre assume uma posição, principalmente, nos pleitos majoritários, como é o caso de uma eleição para presidente da República. É praticamente impossível a isenção total. Os meios de comunicação, na maioria dos países, não têm nenhuma preocupação com isso. A diferença entre quase todos os meios de comunicação do Brasil e os do exterior é que, no exterior, eles assumem, publicamente, o candidato ou o partido que estão apoiando. Isso não quer dizer que vão fazer uma cobertura distorcida do pleito. Eles não escondem que têm preferência por esse ou aquele candidato. Isso, na França, na Inglaterra, é muito comum. Os jornais acompanham uma determinada tendência política, e o leitor sabe disso.

Estabelece-se uma relação mais franca com o leitor…

Infelizmente, no Brasil, alguns jornais ou a maioria deles anuncia que é independente, equidistante dos candidatos, mas, na verdade, acabam exercendo isso, que é muito ruim. Acabam escondendo do leitor a sua posição política. Acho que duas honrosas exceções no Brasil, na mídia impressa, são o Jornal O Estado de S.Paulo – que, nas duas últimas eleições, tem apoiado os candidatos do PSDB explicitamente – e a revista Carta Capital, que tem apoiado os candidatos do PT.

O senhor acredita que esse deveria ser o caminho adotado pela mídia impressa de maneira geral?

É o caminho mais honesto. Do contrário, você acaba enganando o leitor com a suposta imparcialidade que, na verdade, não existe. Basta ver o que os jornais já estão fazendo hoje nesta eleição, com posições claramente a favor do candidato da oposição. Os três grandes jornais brasileiros, Globo, Folha (de São Paulo) e Estado (de São Paulo) estão nitidamente se colocando a favor do candidato da oposição. E as revistas semanais, com exceção da Carta Capital, também. Especialmente, a Veja. Claramente, estão fazendo uma cobertura da cena política brasileira muito favorável à oposição.

Para o senhor, isso torna a disputa desleal?

Contribui. No Brasil, é pior ainda, porque os jornais impressos têm uma abrangência de cobertura relativamente pequena em relação à população, mas eles acabam pautando o rádio e a televisão. Estes, sim, atingem, praticamente, toda a população brasileira. Acompanham essa tendência não só por serem pautados nas suas linhas editoriais, nas suas coberturas, pelos grandes jornais, mas por também assumirem as candidaturas da oposição. Estou falando das grandes redes, o que é pior, porque se trata de uma ação ilegal. A televisão e o rádio são concessões públicas, diferente da mídia impressa, que são empresas particulares. São concessões públicas que estão usando o espaço público para interesses privados, que são os interesses políticos em relação a determinados candidatos. Então, eu acho que, para responder claramente, há uma distorção do processo eleitoral brasileiro no que diz respeito à cobertura da imprensa. Jornais impressos e revistas deveriam claramente divulgar para o leitor qual é a sua posição, e o rádio e a televisão deveriam se abster de fazer esse tipo de opção. Deveriam buscar o máximo possível a insenção, coisa que não fazem.

Na sua opinião, a imprensa tem o poder de eleger um candidato?

Não tem poder absoluto, porque se defronta com outras variáveis, mas contribui. Em outros momentos, a imprensa já teve mais força. Hoje, no caso específico das últimas eleições, está provado que a ação política do governo tem superado o jogo eleitoral da imprensa, mas não de uma forma absoluta.

Quais seriam essas variáveis?

Por exemplo, ações do governo que atingem diretamente o cidadão e melhoram sua condição de vida.

O Bolsa Família (programa de transferência de renda do governo federal), por exemplo?

Bolsa Família, projetos urbanos de habitação, de transporte. O Bolsa Família talvez seja o principal. Eles atingem de forma tão direta o cidadão que, por mais que a imprensa tome posição contrária, não consegue mudar a tendência de voto. Agora, não que isso seja absoluto. Nas eleições de 2006, a ação da imprensa foi decisiva para levar o candidato Geraldo Alckmin para o segundo turno. No final do primeiro turno, quando se previa uma vitória de Lula, a ação concentrada dos meios de comunicação a favor do candidato Geraldo Alckmin mudou o panorama. Não determinou a vitória dele, mas o levou ao segundo turno. A história do dossiê, que supostamente o PT teria comprado, colocada nas primeiras páginas dos jornais. Mas não foi só. Foi colocada no Jornal Nacional. Em outros momentos mais antigos, como no famoso debate Lula x Collor, foi decisiva a ação da televisão, editando o debate na véspera da eleição, mostrando que um dos candidatos tinha melhores condições e qualidade do que o outro. A ordem da Globo foi editar o debate com todos os momentos ruins de Lula e os minutos bons do Collor. Aquilo foi decisivo. Acho que a imprensa não define 100% um pleito, mas ela influi bastante.

O senhor acha que o eleitor brasileiro está preparado para fazer uma leitura crítica disso tudo?

Infelizmente, não. Temos no Brasil um processo de concentração da mídia que impede ao leitor, ao telespectador, ao ouvinte estabelecer comparações, alternativas. Temos uma mídia praticamente homogênea. Então, isso dificulta muito o que chamamos de leitura crítica da comunicação. Há a possibilidade de estabelecer essa crítica de que você está falando ou nos bancos escolares, o que não existe, ou então através de outro leque de opções de meios de comunicação, que deem a possibilidade de você perceber que um trata a política de um jeito e outro, de outro jeito. Aí, você pode fazer escolha crítica. No Brasil, não existe isso. Há uma situação quase que homogênea dos veículos, então, o telespectador, o leitor, o ouvinte têm dificuldade para fazer a crítica.

Isso, de certa forma, não compromete o processo democrático?

Sem dúvida. Tenho convicção de que, enquanto não tivermos uma redefinição do quadro de comunicação no Brasil, uma legislação, por exemplo, no caso do rádio e da TV, que estabeleça critérios mais rígidos, não para censurar, mas para aumentar a diversidade. No caso dos meios impressos, que se tenha mais atores nesse processo, jornais de outras tendências, enquanto não tivermos isso, nós não teremos completado o processo democrático. A democracia continuará meio capenga.

Para o senhor, a internet pode ser um instrumento nesse processo, uma vez que ela abre espaço para o debate?

Ela já é uma alternativa. Só que é muito restrita no Brasil. Às vezes, as pessoas acham, porque é na classe média onde os formadores de opinião circulam, que toda a população está sendo beneficiada pela internet. A internet só atinge, hoje, 18% da população brasileira. É uma parcela muito pequena. Ainda vai demorar um bom tempo para a democratização dela, 18% é o acesso domiciliar à internet, e não são 100% que têm acesso à banda larga. Acho que, no Brasil, a internet é um instrumento de democratização, mas ainda limitado a uma parcela pequena da sociedade.

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FHC confessa: Serra é um privatista convicto



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A Idade Mendes se encerra. Vade retro!

Reproduzo excelente artigo do jornalista Leandro Fortes, do blog “Brasília, eu vi”:

No fim das contas, a função primordial do ministro Gilmar Mendes à frente do Supremo Tribunal Federal foi a de produzir noticiário e manchetes para a falange conservadora que tomou conta de grande parte dos veículos de comunicação do Brasil. De forma premeditada e com muita astúcia, Mendes conseguiu fazer com que a velha mídia nacional gravitasse em torno dele, apenas com a promessa de intervir, como de fato interveio, nas ações de governo que ameaçavam a rotina, o conforto e as atividades empresariais da nossa elite colonial.

Nesse aspecto, os dois habeas corpus concedidos ao banqueiro Daniel Dantas, flagrado no mesmo crime que manteve o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda no cárcere por 60 dias, foram nada mais que um cartão de visitas. Mais relevante do que tudo foi a capacidade de Gilmar Mendes fixar na pauta e nos editoriais da velha mídia a tese quase infantil da existência de um Estado policialesco levado a cabo pela Polícia Federal e, com isso, justificar, dali para frente, a mais temerária das gestões da Suprema Corte do País desde sua criação, há mais cem anos.

Num prazo de pouco menos de dois anos, Mendes politizou as ações do Judiciário pelo viés da extrema direita, coisa que não se viu nem durante a ditadura militar (1964-1985), época em que a Justiça andava de joelhos, mas dela não se exigia protagonismo algum. Assim, alinhou-se o ministro tanto aos interesses dos latifundiários, aos quais defende sem pudor algum, como aos dos torturadores do regime dos generais, ao se posicionar publicamente contra a revisão da Lei da Anistia, de cuja à apreciação no STF ele se esquivou, herança deixada a céu aberto para o novo presidente do tribunal, ministro Cezar Peluso. Para Mendes, tal revisão poderá levar o País a uma convulsão social. É uma tese tão sólida como o conto da escuta telefônica, fábula jornalística que teve o presidente do STF como personagem principal a dialogar canduras com o senador Demóstenes Torres, do DEM de Goiás.

A farsa do grampo, publicada pela revista Veja e repercutida, em série, por veículos co-irmãos, serviu para derrubar o delegado Paulo Lacerda do comando da PF, com o auxílio luxuoso do ministro da Defesa, Nelson Jobim, que se valeu de uma mentira para tal. E essa, não se enganem, foi a verdadeira missão a ser cumprida. Na aposentadoria, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá tempo para refletir e registrar essa história amarga em suas memórias: o dia em que, chamado “às falas” por Gilmar Mendes, não só se submeteu como aceitou mandar para o degredo, em Portugal, o melhor e mais importante diretor geral que a Polícia Federal brasileira já teve. O fez para fugir de um enfrentamento necessário e, por isso mesmo, aceitou ser derrotado. Aliás, creio, a única verdadeira derrota do governo Lula foi exatamente a de abrir mão da política de combate permanente à corrupção desencadeada por Lacerda na PF para satisfazer os interesses de grupos vinculados às vontades de Gilmar Mendes.

O presidente do STF deu centenas de entrevistas sobre os mais diversos assuntos, sobretudo aqueles sobre os quais não poderia, como juiz, jamais se pronunciar fora dos autos. Essa é, inclusive, a mais grave distorção do sistema de escolha dos nomes ao STF, a de colocar não-juízes, como Mendes, na Suprema Corte, para julgar as grandes questões constitucionais da nação. Alheio ao cargo que ocupava (ou ciente até demais), o ministro versou sobre tudo e sobre todos. Deu força e fé pública a teses as mais conservadoras. Foi um arauto dos fazendeiros, dos banqueiros, da guarda pretoriana da ditadura militar e da velha mídia. Em troca, colheu farto material favorável a ele no noticiário, um relicário de elogios e textos laudatórios sobre sua luta contra o Estado policial, os juízes de primeira instância, o Ministério Público e os movimentos sociais, entre outros moinhos de vento vendidos nos jornais como inimigos da democracia.

Na imprensa nacional, apenas CartaCapital, por meio de duas reportagens (“O empresário Gilmar” e “Nos rincões de Mendes”), teve coragem de se contrapor ao culto à personalidade de Mendes instalado nas redações brasileiras como regra de jornalismo. Por essa razão, somos, eu e a revista, processados pelo ministro. Acusa-nos, o magistrado, de má fé ao divulgar os dados contábeis do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), uma academia de cursinhos jurídicos da qual Mendes é sócio. Trata-se de instituição construída com dinheiro do Banco do Brasil, sobre terreno público praticamente doado pelo ex-governador do DF Joaquim Roriz e mantido às custas de contratos milionários fechados, sem licitação, com órgãos da União.

Assim, a figura de Gilmar Mendes, além de tudo, está inserida eternamente em um dos piores momentos do jornalismo brasileiro. E não apenas por ter sido o algoz do fim da obrigatoriedade do diploma para se exercer a profissão, mas, antes de tudo, por ter dado enorme visibilidade a maus jornalistas e, pior ainda, fazer deles, em algum momento, um exemplo servil de comportamento a ser seguido como condição primordial de crescimento na carreira. Foi dessa simbiose fatal que nasceu não apenas a farsa do grampo, mas toda a estrutura de comunicação e de relação com a imprensa do STF, no sombrio período da Idade Mendes.

Emblemática sobre essa relação foi uma nota do informe digital “Jornalistas & Companhia”, de abril de 2009, sobre o aniversário do publicitário Renato Parente, assessor de imprensa de Gilmar Mendes no STF (os grifos são originais):

“A festa de aniversário de 45 anos de Renato Parente, chefe do Serviço de Imprensa do STF (e que teve um papel importante na construção da TV Justiça, apontada como paradigma na área da tevê pública), realizada na tarde do último domingo (19/4), em Brasília, mostrou a importância que o Judiciário tem hoje no cenário nacional. Estiveram presentes, entre outros, a diretora da Globo, Sílvia Faria, a colunista Mônica Bergamo, e o próprio presidente do STF, Gilmar Mendes, entre outros”.

Olha, quando festa de aniversário de assessor de imprensa serve para mostrar a importância do Poder Judiciário, é sinal de que há algo muito errado com a instituição. Essa relação de Renato Parente com celebridades da mídia é, em todos os sentidos, o pior sintoma da doença incestuosa que obriga jornalistas de boa e má reputação a se misturarem, em Brasília, em cerimônias de beija-mão de caráter duvidoso. Foi, como se sabe, um convescote de sintonia editorial. Renato Parente é o chefe da assessoria que, em março de 2009, em nome de Gilmar Mendes, chamou o presidente da Câmara, deputado Michel Temer (PMDB-SP), às falas, para que um debate da TV Câmara fosse retirado do ar e da internet. Motivo: eu critiquei o posicionamento do presidente do STF sobre a Operação Satiagraha e fiz justiça ao trabalho do delegado federal Protógenes Queiroz, além de citar a coragem do juiz Fausto De Sanctis ao mandar prender, por duas vezes, o banqueiro Daniel Dantas.

Certamente em consonância com o “paradigma na área de tevê pública” da TV Justiça tocada por Renato Parente, a censura na Câmara foi feita com a conivência de um jornalista, Beto Seabra, diretor da TV Câmara, que ainda foi mais além: anunciou que as pautas do programa “Comitê de Imprensa”, a partir dali, seriam monitoradas. Um vexame total. Denunciei em carta aberta aos jornalistas e em todas as instâncias corporativas (sindicatos, Fenaj e ABI) o ato de censura e, com a ajuda de diversos blogs, consegui expor aquela infâmia, até que, cobrada publicamente, a TV Câmara foi obrigada a capitular e recolocar o programa no ar, ao menos na internet. Foi uma das grandes vitórias da blogosfera, até então, haja vista nem um único jornal, rádio ou emissora de tevê, mesmo diante de um gravíssimo caso de censura e restrição de liberdade de expressão e imprensa, ter tido coragem de tratar do assunto. No particular, no entanto, recebi centenas de e-mails e telefonemas de solidariedade de jornalistas de todo o país.

Não deixa de ser irônico que, às vésperas de deixar a presidência do STF, Gilmar Mendes tenha sido obrigado, na certa, inadvertidamente, a se submeter ao constrangimento de ver sua gestão resumida ao caso Daniel Dantas, durante entrevista no youtube. Como foi administrada pelo Google, e não pelo paradigma da TV Justiça, a sabatina acabou por destruir o resto de estratégia ainda imaginada por Mendes para tentar passar à história como o salvador da pátria ameaçada pelo Estado policial da PF. Ninguém sequer tocou nesse assunto, diga-se de passagem. As pessoas só queriam saber dos HCs a Daniel Dantas, do descrédito do Judiciário e da atuação dele e da família na política de Diamantino, terra natal dos Mendes, em Mato Grosso. Como último recurso, a assessoria do ministro ainda tentou tirar o vídeo de circulação, ao menos no site do STF, dentro do sofisticado e democrático paradigma de tevê pública bolado por Renato Parente.

Como derradeiro esforço, nos últimos dias de reinado, Mendes dedicou-se a dar entrevistas para tentar, ainda como estratégia, vincular o próprio nome aos bons resultados obtidos por ações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), embora o mérito sequer tenha sido dele, mas de um juiz de carreira, Gilson Dipp. Ministro do Superior Tribunal de Justiça e corregedor do órgão, Dipp foi nomeado para o cargo pelo presidente Lula, longe da vontade de Gilmar Mendes. Graças ao ministro do STJ, foi feita a maior e mais importante devassa nos tribunais de Justiça do Brasil, até então antros estaduais intocáveis comandados, em muitos casos, por verdadeiras quadrilhas de toga.

É de Gilson Dipp, portanto, e não de Gilmar Mendes, o verdadeiro registro moralizador do Judiciário desse período, a Idade Mendes, de resto, de triste memória nacional.

Mas que, felizmente, se encerra hoje.

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sexta-feira, 23 de abril de 2010

Gilmar Mendes (ou Dantas?) já vai tarde



Nesta sexta-feira, o sinistro Gilmar Mendes finalmente deixou a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF). As reações diante da sua despedida foram distintas. A mídia privada chorou a saída. Editorial da Folha bajulou o ministro. O Estadão também choramingou. Já a TV Globo despeja diariamente confetes e até poderia, dramatizando a troca de comando, acionar o repórter Heraldo Pereira para chorar na telinha. Afinal, ele é serviçal da Gilmar Mendes – nas horas vagas, ele dá aulas no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), a escola privada do ex-presidente do STF.

Já os movimentos sociais e os democratas festejaram a sua saída. Para estes, Gilmar Mendes já vai tarde! Ou melhor: ele nunca deveria ter assumido o comando da mais alta corte do Brasil. Afinal, ele jamais teve a isenção necessária para exercer a função. Sempre foi um tucano de carteirinha – ou um “juristucano”, segunda a corrosiva ironia do jornalista Elio Gaspari. De 1996 a 2000, ele foi subchefe de assuntos jurídicos da Casa Civil no governo FHC. Depois, o protegido do grão-tucano galgou o posto de advogado-geral da União, que exerceu com reconhecida mediocridade.

Habeas corpus para especuladores

Seu ingresso no STF foi a fórceps. FHC interveio ativamente para bancar o seu nome no Senado. Dos 11 ministros da casa, ele teve o maior número de votos contrários (15) da história recente. Na véspera da sessão que aprovou sua indicação, em junho de 2002, Dalmo de Abreu Dallari, um dos mais renomados juristas do país, até alertou: “Se essa indicação vier a ser aprovada no Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sérios riscos a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional”. Proféticas palavras!

Durante a sua presidência, o STF colecionou os piores momentos da sua história. Gilmar Mendes virou estrela por conceder dois habeas corpus ao rentista Daniel Dantas, retirando-o da prisão em tempo recorde. Tanto que o jornalista Paulo Henrique Amorim o apelidou de Gilmar Dantas! A revista CartaCapital, que nunca deu tréguas aos crimes do agiota “orelhudo”, também criticou as atitudes do ex-presidente do STF. Na prática, ele ficou conhecido como o advogado de defesa do especulador-mor do país, expressão maior da impunidade dos bandidos de colarinho branco.

“Que Deus nos livre de Mendes”

Ao mesmo em que socorria banqueiros e ricaços, Gilmar Mendes ficou famoso por criminalizar os movimentos sociais. Em várias ocasiões, ele atacou os que lutam por justiça no país. Rotulou o MST de “movimento de bandidos”, exigindo atuação mais implacável da Justiça na punição aos “invasores de terras”. Também criticou o governo Lula por dar subsídios para as entidades da reforma agrária, afirmando que o dinheiro seria desviado para “práticas ilegais”. Diante destes abusos de poder, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) “excomungou” o ex-presidente do STF.

“O ministro Gilmar Mendes não esconde sua parcialidade e de que lado está. Como proprietário de terra no Mato Grosso, ele é um representante das elites brasileiras, ciosas dos seus privilégios. Para ele e para elas, os que valem são os que impulsionam o ‘progresso’, embora ao preço do desvio de recursos, da grilagem de terra, da destruição do meio-ambiente e da exploração da mão-de-obra em condições análogas às do trabalho escravo... Que o Deus da Justiça ilumine o nosso país e o livre de juízes como Gilmar Mendes”, afirmou uma dura nota da CPT.

Ícone da direita, o “Berlusconi brasileiro”

O ex-presidente da STF também não poupou o movimento sindical brasileiro, investindo contra suas formas de sustentação financeira. Já entre os jornalistas, Gilmar Mendes foi eleito inimigo jurado. Ele foi o mentor do fim do diploma da categoria e da extinção da Lei de Imprensa, duas exigências antigas dos barões da mídia para precarizar o trabalho e gozar de total libertinagem. Tanto que os jornalistas aproveitaram a sexta-feira para fazer o bota-fora do carrasco, realizando protestos em vários estados com o slogan “Ele já vai tarde”.

Gilmar Mendes virou o ícone da direita, o “Berlusconi brasileiro”, sendo bajulado pela oposição demotucano. Em vários momentos, ele foi o principal porta-voz dos ataques preconceituosos ao governo Lula. Sem provas e num gesto irresponsável, chegou a acusar o Executivo de promover escutas telefônicas e atirou: “Não há mais como descer na escala da degradação institucional... Gravar clandestinamente os telefonemas do presidente do STF é coisa de regime totalitário”. Ele extrapolou nas suas funções e colocou em risco o próprio equilíbrio entre os poderes.

Gilmar Mendes sai da presidência do STF sem deixar saudade. No próprio Supremo, ele foi alvo de ásperas críticas. Num dos momentos mais tensos do Judiciário, o ministro Joaquim Barbosa lavou a alma dos brasileiros ao espinafrar, em público, a sua postura autoritária e elitista. “Vossa excelência está destruindo a Justiça deste país... Saia à rua, saia à rua. Vossa excelência não está na rua, não. Vossa excelência está na mídia, destruindo a credibilidade do judiciário brasileiro... Vossa excelência, quando se dirige a mim não está falando com seus capangas do Mato Grosso”. Barbosa falou por todos nós. Gilmar Mendes (ou Dantas, ou Mentes?) já vai tarde!

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quinta-feira, 22 de abril de 2010

Serra tira os sapatinhos para os EUA

O presidenciável demotucano José Serra vai aos poucos soltando suas asinhas. Quando sua pré-candidatura foi oficializada, no início de abril, ele se fingiu de bonzinho. Evitando se confrontar com a alta popularidade do presidente Lula, afirmou que manteria o que há de positivo no atual governo e lançou o bordão adocicado “O Brasil pode mais” – que logo foi encampado pela TV Globo numa desastrada propaganda subliminar. Mas o “Serrinha paz e amor” não se sustenta. É pura estratégia eleitoral, coisa de marqueteiro esperto para embalar um produto falsificado.

Na semana passada, num evento com empresários de Minas Gerais, José Serra começou a fazer a demarcação dos projetos em disputa da eleição de outubro. Ele criticou o Plano de Aceleração do Crescimento, o que reforça a confissão à revista Veja do presidente do PSDB, Sérgio Guerra, de que o PAC será extinto. Também afirmou que irá “rever o papel” do BNDES. O que chamou a atenção no seu discurso, porém, foi o ataque ao Mercosul. Para ele, o bloco regional “atrapalha as relações comerciais do Brasil”. O discurso deve ter agradado aos seus amos dos EUA.

“Alinhamento automático” com o império

De há muito que a política externa do presidente Lula, mais altiva e ativa na defesa da soberania nacional, é motivo de duras críticas da oposição neoliberal-conservadora. Os demotucanos nunca engoliram a prioridade dada ao Mercosul e à integração regional; tentaram sabotar o ingresso da Venezuela no bloco regional e são inimigos declarados dos governos progressistas da região; não se pronunciaram contra o golpe militar em Honduras, mas condenaram o governo por dar abrigo ao presidente deposto. Para eles, como revela José Serra, a integração latino-americana atrapalha.

Presença nauseante nos telejornais da Globo e nas páginas dos jornalões e revistonas direitistas, os embaixadores tucanos Celso Lafer, Rubens Barbosa e Luiz Felipe Lampreia sempre pregaram o retorno à política de FHC do “alinhamento automático” com os EUA. No episódio recente da ameaça do governo Lula de retaliar produtos ianques em oposição ao seu protecionismo, alguns deles saíram em defesa dos EUA. Eles temem qualquer postura mais soberana diante do império. São contra a política de diversificação comercial do Brasil, contra a ênfase nas relações Sul-Sul.

Complexo de vira-lata dos demotucanos

Este é o time do candidato José Serra. Essa é a sua orientação para a política externa. Na prática, a oposição neoliberal-conservadora sonha com o retorno ao “alinhamento automático”. Mercosul e outras iniciativas visando quebrar o unilateralismo imperial seriam enterradas com a eleição do demotucano. O Brasil regrediria para o triste período de FHC, de total subserviência às potências capitalistas – do complexo de “vira-lata”. Serra tenta se afastar da imagem desgastada de FHC, mas sua política externa seria idêntica – não como farsa, mas como tragédia no mundo atual.

Para entender o que representaria este retrocesso vale a pena ler o livro “As relações perigosas: Brasil-Estados Unidos (de Collor a Lula, 1990-2004)”, do renomado historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira. Ele comprova, como farta documentação, como a política externa regrediu nos oito anos de reinado de FHC. Neste período nefasto, o país só não aderiu ao tratado neocolonial dos EUA, a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), devido à reação da sociedade. Esta resistência também evitou que Alcântara, no Maranhão, virasse uma base militar ianque.

Tratamento humilhante para o Brasil

Entre outros casos vexatórios da política de FHC, Moniz Bandeira relata a sumária exoneração do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI) do Itamaraty, por este ter alertado o governo para os graves riscos da Alca. Cita a atitude acovardada do ex-ministro Celso Lafer diante das pressões dos EUA para afastar o embaixador brasileiro José Maurício Bustani da direção da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ), ligada à ONU, por este ter tentado evitar a guerra genocida no Iraque. Lembra ainda os discursos do ex-ministro de FHC propondo a participação do Brasil no genocídio no Iraque com base no draconiano Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR).

O ápice dessa postura subserviente se deu quando o diplomata aceitou tirar seus sapatinhos nos aeroportos dos EUA. “Em 31 de janeiro de 2002, Celso Lafer, ministro das Relações Exteriores do Brasil, sujeitou-se a tirar os sapatos e ficar descalço, a fim de ser revistado por seguranças do aeroporto, ao desembarcar em Miami. Esse desaire, ele novamente aceitou antes de tomar o avião para Washington, e mais uma vez desrespeitou a si próprio e desonrou não apenas o cargo de ministro, como também o governo ao qual servia. E, ao desembarcar em Nova York, voltou a tirar os sapatos, submetendo-se, pela terceira vez, ao mesmo tratamento humilhante”.

Subserviência ou soberania nacional?

Com base nas suas pesquisas, Moniz Bandeira garante que a eleição de Lula deu início a uma guinada na política externa, retomando a trajetória seguida por Vargas e outros nacionalistas. Ele lembra os discursos do então candidato contra a Alca, a indicação de Celso Amorim e de Samuel Pinheiro para o seu Ministério de Relações Exteriores, a prioridade às negociações do Mercosul, os esforços para a construção de um bloco regional sul-americano e a frenética investida na diversificação das relações com outros países em desenvolvimento – como China, Índia e Rússia. Cita ainda os duros discursos contra a ocupação do Iraque e o veto à base ianque em Alcântara.

Para o autor, após a longa fase de subserviência ao império, as relações do Brasil com os EUA voltaram a ficar tensas. Ele registra os vários discursos hidrófobos da direita estadunidense e não descarta manobras ardilosas e violentas para sabotar o atual projeto de autonomia nacional. Mas se mostra confiante na habilidade e ousadia da atual equipe do Itamaraty. Reproduzindo artigo do jornal O Globo, ele afirma que “há tempos (Celso Amorim) avisou a embaixadora dos EUA que não há força no mundo capaz de fazê-lo tirar os sapatos durante a revista de segurança dos aeroportos americanos. ‘Vou preso, mas não tiro o sapato’”. Conforme indica Moniz Bandeira, este é o dilema do Brasil na atualidade: subserviência ou soberania nacional?

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Como perder uma eleição ganha

Reproduzo artigo de Eduardo Guimarães, do blog Cidadania.com:

Este texto já foi escrito um bilhão de vezes por mim e por muitos outros, se me permitem o exagero. Trata da forma mais eficiente (sic) para um bom governante, extremamente popular e com seu povo vibrando de satisfação, conseguir perder uma eleição ganha simplesmente não fazendo a menor força para vencer.

Aliás, trata-se de um método de autofagia eleitoral que a ex-prefeita Marta Suplicy usou com enorme “competência” em sua campanha à prefeitura paulistana em 2008, dando minha cidade de presente para o boneco inflável do Serra enchê-la de água com excrementos até a tampa, entre outros danos que vem causando a São Paulo. Aliás, a obra kassabiana é o que tem feito sua popularidade mergulhar em queda livre.

A sorte da direita, porém, é a de que o paulista é o povo mais alienado da América Latina. Viajo por este país e por este continente há 30 anos e não conheço um povo mais inexplicável do que o do Estado e da cidade nos quais eu e minhas quatro ou cinco gerações de ascendentes vivemos. Só um povo assim para não se lembrar que quem lhe deu Kassab foi Serra.

Mas tudo isso seria contornável simplesmente porque São Paulo não é o Brasil e porque, além disso, um terço dessa enorme população tem miolos, de forma que a unidade federativa mais reacionária da América Latina pode conseguir eleger seus prefeitos e governadores reacionários o quanto quiser, mas está provado que não pode impedir o Brasil de ir para lado diametralmente oposto.

Só que, para usar essa brecha para impedir que o país caia de novo nas mãos dos vampiros tucanos e pefelês, seria preciso travar o debate político em todas as frentes, não aceitando que a parte da imprensa aliada do PSDB infrinja a lei eleitoral ao não abrir mão de denunciá-la no amplo espaço que o PT teve e que terá na TV, que é onde acontece a eleição.

No segundo turno de 2008, em vez de Marta Suplicy permitir que sua campanha desandasse para a baixaria ao atacar a vida privada de Kassab da mesma forma suja com que a ex-prefeita sempre foi atacada, ela poderia ter usado o horário eleitoral para pelo menos perder bonito, fazendo uma denúncia que o PT nunca ousou fazer na TV em campanhas eleitorais, de que este, aquele e aquele jornal, tevê, revista, rádio têm lado devido a motivos escusos.

Mas o PT tem medo. A Globo faz uma vinheta para Serra e põe no seu espaço comercial mais caro (o intervalo do Fantástico, no domingo) e fica por isso mesmo. Ou seja: apesar de ter recuado depois que, como relatou o blogueiro Ricardo Noblat, um de seus advogados recebeu um aviso do próximo presidente do TSE, ministro Ricardo Lewandovsky, a emissora de Serra fez seu trabalhinho sujo.

Dezenas de milhões de Homers Simpsons assistiram, no domingo passado à noite, a uma propaganda de Serra dizendo que o Brasil quer mais em resposta ao seu bordão de que o Brasil pode mais. Está feito, minha gente. Propaganda para um lado só. Foi uma só e foi só o que bastou.

O PT deveria ir à Justiça Eleitoral e pedir espaço no intervalo do Fantástico para pregar que concessões públicas não sejam usadas com fim eleitoral para um só dos candidatos. Deveria explicar que o espectro eletromagnético pertence a todos os brasileiros e não apenas aos eleitores de Serra, mesmo sendo eles os concessionários públicos.

Mas o mundo caiu sobre a cabeça do coordenador da campanha de Dilma na internet, Marcelo Branco, só por ele fazer uma observação no Twitter sobre o partidarismo descarado de uma vinheta televisiva em que até o logo da desculpa para ser feita, o dos 45 anos da Globo, usou fonte praticamente idêntica ao do logo do PSDB, e que aludiu sem parar ao bordão do Serra dizendo que o Brasil quer mais quando o tucano diz que ele pode mais – repetirei isso sem parar, também.

Em seguida, a mídia diz que Branco levou uma carraspana do PT por ter dito o que era preciso, por ter se contraposto a uma propaganda eleitoral absolutamente ilegal em favor de um dos pré-candidatos a presidente. É verdade? Dizem que não, que Branco foi, na verdade, efusivamente cumprimentado pelo PT. Que é mentira essa versão da mídia.

Só que quem cala, consente. Se é mentira que Branco foi advertido pelo PT por criticar a vinheta da Globo, advertência que a nota da coluna Painel da Folha desta quarta-feira diz que o publicitário recebeu, por que o partido não emite uma nota dizendo que o publicitário tem todo seu apoio pela crítica que fez?

Aliás, uma curiosidade: o PT pretendia aceitar aquele absurdo? Se Branco não tivesse chiado, o partido assistiria impassível àquela propaganda explícita de Serra, com logo igual ao do partido dele e dizendo que o Brasil quer mais depois de o pré-candidato do PSDB dizer que o Brasil pode mais? Será possível que os petistas não tiraram uma só lição de 2008?

Daí, alguns aloprados, desesperados pela falta de competência das lideranças petistas, inventam de jogar sujo questionando a sexualidade de uma pessoa ou comprando dossiês tentando vencer eleições perdidas. E quem é que paga o pato? Lula, Dilma, Marta... Ainda que, no caso da última, apesar de ser uma política com P maiúsculo, a ex-prefeita teve culpa no cartório em 2008, sim. Não vou tapar o sol com a peneira.

A militância petista está a um passo da desmobilização. O jornalista Mauro Carrara captou bem a situação em artigo amplamente reproduzido em blogs e sites pela internet e em listas de emails. Ele bem captou que estão transformando Dilma em Marta. É isso o que a direita faz com as mulheres na política, o que explica elas serem só dez por cento da classe política apesar de serem mais da metade da população brasileira.

Dilma tem tudo para ser eleita. O governo Lula é um sucesso. O povo quer sua continuidade. Contudo, começo a achar que o PT me subsidiará novo artigo igual a este que talvez eu tenha que escrever depois da eleição deste ano, um artigo que teria como título a frase “Como perder uma eleição ganha”.

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PT subestima a força da velha imprensa



Reproduzo abaixo o importante alerta do jornalista Rodrigo Vianna, do blog Escrevinhador:

A mídia conservadora deita e rola. E o PT segue calado, quase amortecido. À sombra de Lula.

Trata-se de um erro.

Lula uma vez disse: "que ninguém, nunca mais, ouse duvidar da capacidade de luta da classe trabalhadora".

Mas é preciso lembrar: "que ninguém, jamais, ouse subestimar a capacidade de manipulação da elite brasileira e de sua imprensa oligárquica".

Por que lembro disso?

Semana passada, participei de um debate no Sindicato dos Bancários de São Paulo, sobre internet e eleições.

Minha avaliação, que expus aos sindicalistas, é a seguinte:

1) devemos comemorar o papel dos blogs e redes sociais, como contraponto à velha imprensa;

2) mas não podemos superestimar o papel da chamada blogosfera.

Ainda falamos para um público limitado. Incomodamos, é verdade. Tanto que a Globo teve que suspender o comercial serrista dos 45 anos da emissora.

Mas não dá pra comparar nosso poder de fogo com a artilharia pesada de Globo, Veja e - em menor escala - de Folha, Estadão, Zero Hora, Correio Braziliense, RBS...

Fazemos guerrilha. Eles têm o exército convencional.

O poder da velha imprensa diminuiu bastante, é verdade. Mas é preciso lembrar que em 2006, por exemplo, a eleição só foi ao segundo turno graças ao bombardeio contra Lula nas duas últimas semanas de campanha.

Quem fez a diferença em 2006? A Globo, sobretudo.

A Globo tem chance de ganhar a eleição para Serra em 2010? Sozinha, não.

2010 não é 1989, quando a Globo "fez" de Collor o presidente.

Mas a Globo e seus aliados do café Millenium podem - sim - garantir 5% ou 6% dos votos, percentual suficiente para decidir um pleito que deve ser tão disputado.

Há outro detalhe a ressaltar. A Globo precisa agir de forma um pouco mais dissimulada do que seus aliados Milenares. Veja, Folha e Estadão falam para guetos conservadores. A Globo fala para todo Brasil.

Tudo que a TV carioca não quer é ter Lula por aí a dizer: "a Globo é inimiga do povo". Tudo que a Globo não quer é ganhar o rótulo de antipopular.

Pois é o que Lula deveria fazer...

Sei que no começo do ano o presidente recebeu os Marinho para um conversa. Em tese, uma tentativa de aplainar terreno em ano eleitoral. Os Marinho fingem que ficaram "bonzinhos". Mas Ali Kamel segue na coleira, pronto para ser lançado contra a candidata de Lula.

Depois do recuo da Globo no episódio do clip serrista, imaginem que a a emissora dos Marinho pode se fingir de "neutra" nos próximos 4 ou 5 meses. Afinal vem aí Copa do Mundo, depois o horário político ganha peso...

Mas, na reta final, o povão volta a acompanhar o noticiário, pra decidir. Se a Globo farejar que pode dar o empurrão final para garantir a vitória a Serra, Ali Kamel vai sair da coleira para agir.

Em 2006, foi exatamente assim.

Subestimar o papel do Jornal Nacional numa reta final de eleição é desconhecer o que ainda é o Brasil. O Brasil não é a blogosfera!

O PT, estranhamente, segue calado. À sombra de Lula.

Foi preciso um rapaz (Marcelo Branco) - que nem tem mandato político - vir a público botar a Globo contra a parede no episódio do clip serista.

No caso DataSerra, foi preciso um deputado do PDT subir à tribuna para cobrar providências.

O partido do presidente e de Dilma não se manifesta.

Salto alto? Talvez...

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quarta-feira, 21 de abril de 2010

José Serra e o sumiço do Paulinho

Reproduzo uma piadinha que está circulando pela internet. Ela é ótima:

Serra foi a uma escola conversar com as criancinhas, acompanhado de uma comitiva do Jornal Nacional, da Veja e da Folha de São Paulo. Depois de apresentar todas as maravilhosas propostas para seu governo (se eleito), disse às criancinhas que iria responder perguntas.

Uma das crianças levantou a mão e Serra perguntou:

- Qual é o seu nome, meu filho?

- Paulinho.

- E qual é a sua pergunta?

- Eu tenho duas perguntas.

A primeira é "Quanto tempo o senhor vai esperar para sujar a barra da Dilma como fez com a Roseana Sarney??"

A segunda é "Onde sua filha Verônica conseguiu grana para ser dona de 10% do Ebay/Mercado Livre, estudar na Harvard Business School pagando R$ 60.000,00 por mês e ainda por cima "comprar" uma mansão em Trancoso onde o senhor passou o Reveillon???

Serra fica desnorteado, mas neste momento a campainha para o recreio toca e ele aproveita e diz que continuará a responder depois do recreio.

Após o recreio, Serra diz:

-OK, onde estávamos? Acho que eu ia responder perguntas. Quem tem perguntas?

Um outro garotinho levanta a mão e Serra aponta para ele, sorrindo para as câmeras da Globo.

-Pode perguntar, meu filho.

-Como é seu nome?

-Joãozinho, e tenho 4 perguntas:

A primeira é "Quanto tempo o senhor vai esperar para sujar a barra da Dilma como fez com a Roseana Sarney??"

A segunda é "Onde sua filha Verônica conseguiu grana para ser dona de 10% do Ebay/Mercado Livre, estudar na Harvard Business School pagando R$ 60.000,00 por mês e ainda por cima "comprar" uma mansão em Trancoso onde o senhor passou o Reveillon???

E a terceira é "Por que o sino do recreio tocou meia hora mais cedo?".

A quarta é... "Cadê o Paulinho??"

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Veja tem lado e não é o do bom jornalismo



Reproduzo artigo enviado pelo amigo Sylvio Micelli:

Deixei de ler a revista Veja há mais de uma década. Acredito que, mais ou menos, desde quando obtive o, já em desuso, diploma de jornalista. São mais de 13 anos. Não faço sua leitura, exceto por educação ou algo muito específico, nem mesmo para saber, como diria meu grande amigo jornalista Gaspar Bissolotti Neto, “o que pensa o lado negro da força”.

Os motivos são vários, mas podem ser facilmente resumidos. O que a Veja fazia no final dos anos 90 não era jornalismo. Ao menos, não era aquele jornalismo ético e imparcial que havíamos aprendido na faculdade. Os mais críticos certamente dirão que a Veja nunca fez um jornalismo isento até porque, dentro do contexto histórico, a publicação foi, digamos, uma concessão do regime militar que em 1968, um dos anos mais violentos da ditadura e da edição do Ato Institucional nº 5, precisava “combater” outras publicações extremamente inteligentes e por isso mesmo, prejudiciais ao regime, em especial a revista Realidade.

À época da faculdade cheguei a assinar a revista. Muito mais por obrigação. Os professores acreditavam que a Veja era importante no processo de redemocratização do país e, afinal, era formadora da opinião da classe média a que todos nós pertencíamos. Uma grande bobagem. A publicação sempre defendeu um lado. Lado que nunca pertenci.

Passo longe dos discursos político-partidários. E muitos hão de achar que não leio a revista porque não comungo da campanha em prol do PSDB que a Veja encampa. Outra grande bobagem. Não sou partidário de José Serra. Nem de Dilma Roussef. E, para ser bem sincero, vejo com desdém esse maniqueísmo eleitoral ou campanha plebiscitária a envolver os dois partidos mais representativos do país – PT e PSDB – tendo o PMDB ora a servir este ou aquele cliente. Consigo ver, pessoalmente, outras opções melhores dentre os pré-candidatos apresentados.

A capa da revista Veja desta semana é risível. E seria cômico se não fosse trágico. Traz um José Serra clicado como um dândi, embalado a vácuo pronto para consumo. Tive a oportunidade de conhecer o ex-governador pessoalmente. Ele não é dócil. Muito pelo contrário. Tem um estilo firme e, aparentemente, está de eterno mau humor. Questão de estilo, apenas. E nem entro no mérito de sua administração que para mim foi péssima. A capa ainda fica mais ridícula ao ler uma chamada no alto para um artigo da “principal” oponente de Serra, Dilma Roussef. Certamente, a revista tentou camuflar dizendo que abre espaço para todos.

Enfim, a revista Veja é isso. Pseudo-jornalismo destinado à classe dominante. E pobre do país que tem uma publicação como esta, entre as mais lidas pela população. Isso explica muita coisa. Em especial nosso eterno atraso para questões muito mais importantes do que decidir, meramente, quem será o próximo presidente do Brasil.

Passou da hora da grande mídia repensar muitas de suas práticas. Com a Internet, blogs e redes sociais toda manipulação será questionada.

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Chico Buarque e os 45 anos da TV Globo



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A mídia e a inversão de papéis

Reproduzo artigo do escritor Washington Araújo, publicado no Observatório da Imprensa:

Esperei baixar a poeira. Em vão, porque a poeira existiu apenas na internet. E tudo porque me causou estranheza ler no diário carioca O Globo (18/3/2010) a seguinte declaração de Maria Judith Brito, presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e executiva do grupo Folha de S.Paulo:

“A liberdade de imprensa é um bem maior que não deve ser limitado. A esse direito geral, o contraponto é sempre a questão da responsabilidade dos meios de comunicação e, obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada. E esse papel de oposição, de investigação, sem dúvida nenhuma incomoda sobremaneira o governo”.

E como a poeira não baixou resolvi colocar no papel as questões que foram se multiplicando, igual praga de gafanhotos, plantação de cogumelos, irrupção de brotoejas. Ei-las:

1- É função da Associação Nacional de Jornais, além de representar legalmente os jornais, fazer o papel de oposição política no Brasil?

2- É de sua expertise mensurar o grau de força ou de fraqueza dos partidos de oposição ao governo?

3- Expirou aquela visão antiquada que tínhamos do jornalismo como sendo o de buscar a verdade, a informação legítima, para depois reportar com a maior fidelidade possível todos os assuntos que interessam à sociedade?

4- Como conciliar aquela função antiquada, própria dos que desejam fazer o bom jornalismo no Brasil, como tentei descrever na questão anterior, com a atuação político-partidária, servindo como porta-voz dos partidos de oposição?

5- Sendo o Datafolha propriedade de um dos grandes jornais do Brasil e este um dos afiliados da ANJ, como deveríamos fazer a leitura correta das pesquisas de opinião por ele trabalhadas? O Datafolha estaria também a serviço de uma oposição “que no Brasil se encontra fragilizada”?

6- Na condição de presidente da Associação Nacional dos Jornais (ANJ) será que Maria Judith Brito não se excedeu para muito além de suas responsabilidades institucionais?

7- Ou será próprio de quem brande o estatuto da liberdade de imprensa que entidade de classe de veículos de comunicação assuma o papel de oposição política no saudável debate entre governo e oposição?

8- Historicamente, sempre que um dirigente ou líder de partido político de oposição desanca o governo, seja justa ou injustamente, é natural que o governo responda à altura e na mesma intensidade com que o ataque foi desferido. Mas, no caso atual, em que a ANJ toma si para a missão de atuar como partido político de oposição, não seria de todo natural esperar que o governo reaja à altura do ataque recebido?

9- E, neste caso, como deveria ser encarada a reação do governo? Seria vista como ataque à liberdade de expressão? Ou seria considerado como legítima defesa de da liberdade de expressão ou de ideologia?

Claro e transparente

10- Durante o período de 1989 a 2002, em que a oposição política no Brasil esteve realmente fragilizada, e ao extremo, não teria sido o caso de a ANJ ter tomado para si as dores daquela oposição, muitas vezes, capenga?

11- E, no caso acima, como a ANJ acha que teriam reagido os governos Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso?

12- Com o histórico de nossos veículos de comunicação, muitos deles escorados em sua antiguidade, como aferir se há pureza de intenções por parte da ANJ em sua decisão de tomar para si responsabilidade que só lhe poderia ser concedida pelo voto dos brasileiros depositados nas urnas periodicamente? Não seria uma usurpação de responsabilidade?

13- Afinal, não é através de eleições democráticas e por sufrágio universal e secreto que a população demonstra sua aprovação ou desaprovação a partidos políticos?

14- Será legítimo que, assinantes de jornais e revistas representados pela associação presidida por Maria Judith Brito passem, doravante, a esmiuçar a cobertura política desses veículos, tentando descobrir qual a motivação dessa ou daquela reportagem, dessa ou daquela nota, dessa ou daquela capa?

15- E quanto ao direito dos eleitores de serem livremente informados… que garantias estes terão de que serão informados, de forma justa e o mais imparcial possível, das ações e idéias do governo a que declaradamente se opõe a ANJ?

16- Para aqueles autoproclamados guardiães da liberdade de expressão e do Estado democrático de direito: será papel dos meios de comunicação substituir a ação dos partidos políticos no Brasil, seja de situação ou de oposição?

17- Em isso acontecendo… não estaremos às voltas com clássica usurpação de função típica de partido político? E não seria esta uma gigantesca deformação do rito democrático?

18- Repudiam-se as relações deterioradas entre governo e mídia na Venezuela, mas ao que tudo indica nada se faz para impedir sua ocorrência no Brasil. Ironicamente, os maiores veículos de comunicação do país demonizam o país de Hugo Chávez. A origem do conflito político na Venezuela não está umbilicalmente ligado ao fato que na Venezuela os meios de comunicação funcionam como partido político de oposição, abrindo mão da atividade jornalística?

19- Esta declaração da presidente da ANJ, publicada no insuspeito O Globo, traduz fielmente o objetivo de a ANJ estabelecer a ruptura com o governo, afetar a credibilidade da imprensa e trazer insegurança a todos os governantes, uma vez que serve também aos governos estaduais e dos municípios onde a oposição estiver fragilizada?

20- Considerando esta declaração um divisor de águas quanto ao sempre intuído partidarismo e protagonismo político dos grandes veículos de comunicação do país, será que não seria mais que oportuno e inadiável a ANJ vir a público esclarecer tão formidável mudança de atitude e de missão institucional? Por que não abordar o assunto de forma clara e transparente nas páginas amarelas da revista Veja? Por que não convidar a Maria Judith Brito para ser entrevistada no programa Roda Vida da TV Cultura? Por que não convidá-la para o Programa do Jô? E para ser entrevistada pelo Heródoto Barbeiro na rádio CBN? Por que não solicitar a leitura de “Nota da ANJ” sobre o assunto no Jornal Nacional? Por que não submeter texto para publicação na seção “Tendências/Debates” do jornal Folha de S.Paulo, onde a presidente trabalha? De tão interessante não seria o momento de a revista Época traçar o perfil de Maria Judith Brito? E que tal ser sabatinada pela bancada do Canal Livre, da Band?

Prudente e sábio

Já que comecei falando de estranheza, estranhamento etc., achei esquisito a não-repercussão ostensiva da fala da presidente da ANJ junto aos veículos de seus principais afiliados. Estratégia política? Opção editorial? Ou as duas coisas?

Finalmente, resta uma questão de foro íntimo: que critério deverei usar, doravante, para separar o que é análise crítica própria de um partido político, para consumo interno de seus filiados, daquilo que é matéria propriamente jornalística, de interesse da sociedade como um todo?

Todos nós, certamente, já ouvimos centenas de vezes o ditado “cada macaco no seu galho”. E todos nós o utilizamos nas mais diversas situações. O ditado é um dos mais festejados da sabedoria popular, é expressão de conhecimento, nascido da observação de fatos; um aprendizado empírico. Vem de longa data e se estabelece porque pode ser comprovado através da vivência e mais recentemente foi citado por Michel Foucault e Jurgen Habermas. No caso aqui abordado, o ditado popular cai como luva assim como as palavras de Judith Brito ficarão por muito tempo gravadas no bronze incorruptível da nossa memória.

Mesmo assim sinto ser oportuno aclarar que entendo como papel da mídia atividades como registrar, noticiar os fatos, documentar, fiscalizar os poderes, denunciar abusos e permitir à população uma compreensão mais ampla da realidade que nos abarca. Neste rol de funções não contemplo o de ser porta-voz de partido político, seja este qual for. Ora, o governo tem limites de ação: operacionais, constitucionais, políticos. A mídia, quando não investida de poderes supraconstitucionais, também tem seus limites que não são tão flexíveis a ponto de atender as conveniências dos seus proprietários ou concessionários. É prudente e sábio reconhecer que em uma sociedade democrática todos os setores precisam de regulação – e a mídia não é diferente. E é bom que não seja. Afinal, a lei é soberana e a ela todos devem se submeter, já escrevia o pensador Shoghi Effendi (1897-1957) na segunda metade de 1950. Nada mais atual que isto.

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O desastre argentino e o projeto de Serra



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terça-feira, 20 de abril de 2010

Lula, FHC e a política externa



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“Dicionário de Politiquês” é lançado no RJ



Reproduzo convite para o lançamento do livro de Vito Giannotti e Sérgio Domingues:

O novo livro de Vito Giannotti e Sérgio Domingues será lançado no dia 28 de abril, às 19h, no Sindicato dos Metroviários, Centro do Rio. A publicação é um manual prático com cerca de 3500 verbetes incompreensíveis traduzidos para a língua dos “normais”, ou seja, para a grande maioria da população que não passou mais do que oito anos nos bancos escolares.

Para Gaudêncio Frigotto, professor da Faculdade de Educação da Uerj, a ideia chave é que o intelectual, como o artista, para cumprir seu papel tem que estar onde o povo trabalhador está e efetivamente comunicar-se com ele. “A questão é como traduzir numa linguagem acessível para a grande massa de trabalhadores, num país de brutais desigualdades sociais e educacionais, pouco letrado e de cultura oral, as descobertas e resultados de estudos e pesquisas científicas em todas as áreas para que as mesmas sejam entendidas e ganhem sentido de transformação política”, diz ele na apresentação do livro.

Dicionário de Politiquês é o primeiro título da Editora NPC, que inicia suas atividades com um nome já consagrado no mercado editorial. Vito Giannotti é autor de mais de 20 livros publicados por editoras como a Mauad, Vozes e Brasiliense.

Para o lançamento, uma grande festa está sendo preparada. A apresentação do livro será feita por Gaudêncio Frigotto, pela editora do jornal comunitário O Cidadão, Gizele Martins, pelos artistas Gas-PA e Mc Leonardo, além dos autores. Após, uma confraternização bem brasileira, com caipirinha e caldo de feijão.

O Sindicato dos Metroviários fica na Av. Rio Branco, 277, 401, Centro do Rio.

Serviço

Dicionário de Politiquês
Editora: NPC – 285 páginas
Preço: R$30,00
Autores: Vito Giannotti e Sérgio Domingues

Lançamento:

Dia: 28 de abril de 2010
Horário: 19h
Local: Sindicato dos Metroviários - Av. Rio Branco, 277, 401, Centro do Rio

Informações:

Jéssica Santos – jessicasantos4@gmail.com
(21) 2220-5618 / (21) 8196-2015

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TV Globo, o clip do Serra e os ingênuos

O clima é de velório na TV Globo! Em menos de 24 horas, a poderosa emissora foi obrigada a retirar do ar um comercial comemorativo dos seus 45 anos que custou uma fortuna – envolvendo vários artistas e milionária produção. O clip parecia uma peça publicitária do presidenciável demotucano José Serra. Utilizava um bordão semelhante ao da sua campanha, “O Brasil pode mais”, com as estrelas globais em coro implorando “todos queremos mais”, e trazia em destaque o número 45, o mesmo da legenda do PSDB – inclusive com uma fonte de letra bastante similar.

O ousado e descarado comercial gerou uma imediata onda de indignação na globosfera. Marcelo Branco, um dos responsáveis pela campanha de Dilma Rousseff na internet, acusou a TV Globo de fazer propaganda subliminar do adversário. “Eu e toda a rede vimos essa alusão”, disparou em seu twitter. Já o jornalista Paulo Henrique Amorim, do acessado blog Conversa Afiada, exigiu que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) averiguasse a possibilidade de crime eleitoral promovido pela emissora. O “clip pró Serra” foi exibido com críticas em centenas de sítios e blogs.

Desculpa esfarrapada e risível

Diante do levante dos internautas, a emissora colocou o rabinho entre as pernas e retirou o vídeo das telinhas e do seu próprio sitio. Quem clica na página recebe a curta mensagem: “página não encontrada”. Numa nota lacônica, a Central Globo de Comunicação ainda tentou justificar a feia pisada na bola. Afirmou que o filme foi criado em novembro de 2009, quando “não existiam nem candidaturas muito menos slogans”, e informou: “Mas a Rede Globo não pretende dar pretexto para ser acusada de ser tendenciosa e está suspendendo a veiculação do filme”.

A desculpa é das mais esfarrapadas e risíveis. Será que o candidato tucano, após reunião secreta no Jardim Botânico, roubou o mote do comercial comemorativo de TV Globo? Seria mais um crime de plágio, tão comum a Serra. Ou foi a emissora que aproveitou o lema de campanha da oposição para fazer propaganda antecipada? Seria um nítido crime eleitoral. Ou as duas hipóteses? Os vínculos políticos entre Serra e a famíglia Marinho são antigos e notórios. A TV Globo teria todo o tempo hábil para cancelar o clip e evitar o vexame, mas preferiu apostar no seu prestígio.

Uma emissora “tendenciosa” e cínica

Quanto a ser tachada de “tendenciosa”, como afirma a risível nota, isto não é uma acusação, mas sim um fato – comprovado pela história. A TV Globo tentou fraudar a vitória de Leonel Brizola nas eleições para o governo do Rio de Janeiro em 1982. A TV Globo escondeu as manifestações das Diretas-já, tratando um gigantesco ato em São Paulo como “uma festa de aniversário” da cidade. A TV Globo forjou a imagem do “caçador de marajás” para garantir a vitória de Collor de Mello em 1989. A TV Globo criminaliza os movimentos sociais, tratando-os como “caso de polícia”, e faz de tudo para desestabilizar o governo Lula – inclusive apostando no seu impeachment.

Mais recentemente, a TV Globo foi a principal patrocinadora do seminário da Casa Millenium, que reuniu os barões da mídia com o objetivo explícito de traçar uma tática unitária para derrotar Dilma Rousseff. Os astros globais, como Arnaldo Jabor, Willian Waack e outros, foram os mais hidrófobos nos ataques à candidata que representa a continuidade do projeto do governo Lula. O clip pró Serra talvez tenha sido uma das peças da TV Globo para a batalha sucessória. Mas a poderosa emissora, que se acha um semideus, acabou se dando mal e pagou um baita mico.

“Foi sem querer, querendo”

Este episódio grotesco traz várias lições. Por um lado, comprova que a batalha eleitoral deste ano será das mais sujas e ardilosas e confirma que os principais meios de comunicação já escolheram o seu lado e não vacilarão na campanha. Não dá para ser ingênuo ou alimentar qualquer ilusão na pretensa neutralidade da mídia. Por outro, ele mostra que a sociedade está mais atenta diante das manipulações e indica que a internet terá maior influência e será uma arma poderosa neste pleito, ajudando a fiscalizar as sujeiras e manobras dos barões da mídia.

Para Rodrigo Vianna, do blog Escrevinhador, “o interessante é que o recuo da Globo mostra que eles temem a internet. Foi pela internet que se deu o alarme contra a propaganda descarada para o Serra. A Veja pode se dar ao luxo de cair no gueto da extrema-direita... A Folha e o Estadão também podem cair no gueto. Já caíram. Mas a TV Globo, não. Ela fala para milhões. Se ficar colada à imagem dela o rótulo de antipopular, o estrago será enorme. A Globo – a essa altura do século 21 – precisa agir com um pouco mais de cautela. Vai fazer campanha para o Serra, não resta dúvida. Mas sempre que isso ficar escancarado, ela vai recuar e dizer: ‘foi sem querer, querendo’”.

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Eleição na Bolívia e distorções da mídia

Reproduzo artigo enviado pelo amigo Max Altman, um internacionalista militante:

Assim que saíram os primeiros resultados de boca de urna das eleições para governadores de departamento e prefeitos levadas a efeito no início de abril na Bolívia, a nossa açodada e interessada mídia estampou que Evo Morales perdia terreno. Ganhava na maioria dos nove departamentos, mas perdia em sete das 10 principais cidades. E o mais grave, segunda a nossa grande imprensa, o MAS (Movimiento Al Socialismo) de Evo recebia menos votos que Evo Morales havia recebido nas eleições presidenciais de dezembro de 2009.

Em defesa de sua tese, a grande mídia, maliciosamente, tentou comparar o que não pode ser comparado: uma coisa é a eleição presidencial, outra, eleição para governador e mais ainda, para prefeito. Fatores díspares entram em jogo nessas distintas eleições, como todos, inclusive os jornalões, rádios e televisões, estamos cansados de saber. Ainda assim, Evo e seu partido ganharam em seis dos nove departamentos – avançando proporcionalmente em todos eles, especialmente nos três da ‘media luna’, onde perdeu - e 229 das 337 prefeituras.

No entanto, para o escrutínio e as devidas conclusões dos leitores, vamos comparar abaixo alho com alho e não com bugalho. A comparação correta é: eleições ‘prefecturales’ (chamavam-se prefeitos os governadores dos departamentos pela anterior constituição) de 2005 com as eleições ‘gubernamentales’ (chamam-se agora governadores pela atual Constituição) de 2010.

Antes cabe ressaltar que o pleito de 4 de abril foi a quinta consulta popular desde que Evo Morales foi eleito presidente em 2005. Sob a égide da Constituição Plunacional Política do Estado é a segunda. Foi mais uma grande vitória da democracia. Comparecimento maciço, cerca de 5% de abstenção, sede de votar e participar, tranqüilidade e lisura do processo – salvo exceções vindas exatamente de gente do passado.

O modelo democrático que começou a ser aplicado no país e que está expresso na atual Constituição, aprovada em referendo popular por esmagadora maioria, garante o direito civil e político a seus homens e mulheres, brancos, mestiços e indígenas, de expressar livremente seus pensamentos e opiniões. Ficou para trás a era de golpes militares e conchavos das oligarquias, de costas e contra os interesses do povo. A democracia na Bolívia se consolida visivelmente e, sob a liderança de Evo e Garcia Liñera, avança para conquistas no campo econômico e social

Vamos agora aos números. Observem que as cifras do MAS estão em negrito e que incluí outros partidos melhor colocados em 2005 e os dois primeiros em 2010. Peço que se centrem mais nas porcentagens visto que, a par de um notável avanço tecnológico na constituição do registro eleitoral, houve um extraordinário crescimento do eleitorado de 2005 a 2010. Os dados são da Corte Nacional Eleitoral de Bolívia.


Estado 2005 2010


Chuquisaca MAS 66.999 (42,30 %) MAS 109.270 (53,6 %)

Podemos 57.552 (36,34 %) CST 72.314 (35,5 %)


La Paz MAS 321.385 (33,81 %) MAS 534.402 (50,0 %)

UM 361.055 (37,98 %) MSM 248.006 (23,2 %)


Cochabamba MAS 222.895 (43,09 %) MAS 415.245 (61,9 %)
AUN 246.417 (47,64 %) UM 174,175 (26,0 %)


Oruro MAS 63.630 (40,95 %) MAS 107,470 (59,6 %)
Podemos 43,912 (28,26 %) MSM 53.104 (29,5 %)


Potosi MAS 79.710 (40,69 %) MAS 163.989 (66,8 %)
Podemos 58.392 (29,80 %) AS 31.564 (12,9 %)


Tarija (media luna) MAS 28,690 (20,43 %) MAS 88.014 (44,1 %)
Encuentro 64.098 (45,64 %) CC 97.726 (48,9%) CR 47.637 33,92 %


Santa Cruz (media luna) MAS 151.306 (24,16 %) MAS 372.672 (38,3 %)
APB 299.730 (47,87 %) Verdes 511.684 (52,6 %) MNR 175.010 (27,95 %)


Beni (media luna) MAS 7.954 (6,72 %) MAS 60.477 (40,1 %)
Podemos 46.842 (44,63 %) Primero 64.055 (42,5 %)
MNR 31.290 (29,81 %) AUE 19.755 (18,82 %)


Pando (media luna) MAS 1.244 (6,00 %) MAS 17.003 (49,7 %)
Podemos 9.958 (48,03 %) CP 16.579 48,4 %
UM-MAR 9.530 (45,96 %)

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Datafalha é questionado na Câmara Federal

A sinistra pesquisa do Datafolha, que mostrou aumento da diferença entre José Serra e Dilma Rousseff – enquanto todos os outros institutos apontam maior aproximação – finalmente gerou questionamentos na Câmara Federal. O deputado Brizola Neto, numa atitude corajosa e coerente, colocou em dúvida a legitimidade da pesquisa. “Eu acho que são necessárias explicações até porque a legislação brasileira é muito clara e a publicação e divulgação de pesquisas fraudulentas é crime, que deve ser apurado pelas instituições e pelos órgãos competentes. Veja a integra do pronunciamento:

O Sr. presidente (Michel Temer): Concedo a palavra ao deputado Brizola Neto.

O Sr. Brizola Neto (PDT-RJ): Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, não sou muito de contestar números, mas — como não fui eu que iniciei esse debate, tivemos esse debate iniciado na semana passada, com a contestação que o PSDB fez da pesquisa feita pelo Instituto Sensus, justamente por ela ter sido feita por um sindicato de trabalhadores — eu quero trazer alguns questionamentos e cobrar aqui algumas explicações das penúltima e última pesquisas do mês de março do Instituto Datafolha, até porque eu nunca vi questionamentos serem feitos por pesquisas realizadas por instituições patronais, como é o caso da CNI, CNT, que diversas vezes apresentam e dão publicidade às pesquisas que realizam.

Agora, desta vez, fomos verificar — eu não gosto de brigar com os números, mas de estudá-los — justamente a amostra do Datafolha e vimos que existe uma inexplicável alteração da base dos entrevistados, que o Instituto tem obrigação de explicar para a sociedade brasileira.

O peso de determinadas regiões do País foi aumentado ou diminuído conforme a conveniência e a preferência desse Instituto de pesquisa. A pesquisa do Datafalha, digo, Datafolha tem que explicar por que, no mês de março, que é quando o candidato José Serra abre uma margem de mais de nove pontos em relação à candidata Dilma Rousseff, caiu, nessa pesquisa, o peso real da Região Nordeste para menos de 18%, quando o seu peso real é de 27% da população brasileira. E por que, nessa mesma pesquisa, o Datafolha aumenta em mais de 40% o peso da Região Sudeste, notadamente uma região onde o candidato José Serra — pela presença do Estado de São Paulo, em que há a máquina tucana — reforça a sua candidatura.

Eu acho, para concluir, Sr. Presidente, que são necessárias explicações, até porque a legislação brasileira é muito clara e a publicação e divulgação de pesquisas fraudulentas é crime, que deve ser apurado pelas instituições e pelos órgãos competentes."

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segunda-feira, 19 de abril de 2010

Vídeo da CPT sobre os conflitos no campo



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TV Globo adota lema de José Serra



Por ser uma concessão pública, a TV Globo deveria ter a sua outorga reavaliada imediatamente. Ousada e descarada, ela assumiu de vez o papel de comitê de campanha de José Serra. Para comemorar os seus 45 anos de existência, ela adotou como mote o mesmo slogan da campanha do demotucano – “O Brasil pode mais”. Durante 30 segundos, artistas e jornalistas da emissora repetem “todos queremos mais”, “Brasil muito mais”, “saúde, educação, queremos mais”. Outra referência à campanha de Serra é o destaque ao número 45, o mesmo do PSDB nas eleições.

Para o jornalista Paulo Henrique Amorim, do blog Conversa Afiada, "deve ter sido uma retribuição ao agasalhamento do terreno que a Globo invadiu por 11 anos e o Serra transformou numa escola técnica para formar profissionais para a Globo. Uma mão lava a outra. E cada vez ‘mais’". O vídeo comemorativo é um típico crime eleitoral. Veja acima e fique esperto. Não se deixe enganar pelas técnicas de manipulação da Globo.

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Os jornalões e os interesses de fora

Reproduzo artigo de Argemiro Ferreira, publicado em seu blog:

O primeira reação de muitos leitores que viram as manchetes idênticas, dia 14, na “Folha de S.Paulo” e no Estadão (a primeira página de “O Globo”, mesmo sem a manchete, coincidiu no enfoque e na foto) foi recordar a peça de propaganda do tucano Geraldo Alckmin na campanha eleitoral de 2006 - o pacote de dinheiro nas primeiras páginas, exposto de norte a sul do Brasil.

Daquela vez o truque sujo adiou a decisão do eleitorado para o 2˚ turno - no qual Alckmin acabaria com menos votos do que no 1˚. Agora a “coincidência” funciona como alerta para truques futuros. Mas a aliança dos jornalões não é só com os tucanos. É também contra o país: no debate nuclear, como em outros, o governo Lula defende nossos interesses e a mídia fica com os de fora.

Jornalões, revistonas e penduricalhos (Rede Globo à frente) apoiam-se no estereótipo iraniano fabricado por eles próprios. O presidente Ahmadinejad é baixo, magrelo e feio. Não está em questão a aparência dele e nem o holocausto - que reconheceu ter ocorrido, mesmo lembrando que os mortos na II Guerra foram 60 milhões e não apenas os 6 milhões de judeus.

O expediente de produzir o vilão e a partir dele demonizar um país inteiro para invadi-lo e tomar-lhe o petróleo - como foi em 1953 no próprio Irã (de Mossadegh) e em 2003 no Iraque (de Saddam) - começa com difamação e sanções. Armas de destruição em massa foram o pretexto dos EUA para invadir o Iraque. Armas que sequer existiam, como não existe a bomba-A do Irã.

Ao invés de sanções a política externa do Brasil prefere o apelo sensato à negociação. Afinal, o Iraque foi arrasado pelas bombas dos EUA e viu um milhão de civis (segundo estimativas) serem mortos. E lá as sanções, que puniram mais as crianças do que o governo, foram o capítulo inicial. Hoje a acusação dos EUA é que o Irã pode vir a ter uma bomba - em cinco anos.

Seria situação menos ameaçadora do que o arsenal nuclear de 100 bombas que o estado de Israel já tem, sem nunca ter assinado o TNP (Tratado de Não Proliferação Nuclear). A exemplo dos israelenses, Índia e Paquistão negaram-se a aderir ao TNP e já têm armas nucleares - não tantas como Israel, mas prontas para serem usadas numa guerra entre os dois.

E onde entra o Brasil nesse quadro? Assinou e cumpre o TNP, não tenta desenvolver a bomba (mesmo tendo condições para isso), proclama em sua Constituição que não o fará e ainda assinou pactos (um bilateral, com a Argentina; e outro regional, com a América Latina) nesse sentido. Mas sofre cobrança dos EUA, que descumprem o TNP e se arvoram em xerife nuclear.

O TNP não lhe confere tal autoridade. Ao contrário: manda os detentores de armas atômicas reduzirem os arsenais até sua eliminação completa. Os acordos EUA-Rússia só aposentam armas obsoletas, logo substituídas pelas modernas, sofisticadas e portáteis, que tornam mais provável o uso. (Até hoje um único país usou a bomba-A - duas, em Hiroshima e Nagasaki, contra populações civis e não instalações militares).

Nas primeiras páginas da “Folha”, Estadão e “O Globo” a foto de ministro brasileiro presenteando o vilão Ahmadinejad com a camisa da seleção encantou os editorialistas. Como desprezam os interesses nacionais, eles festejam as leis extraterritoriais criadas nos EUA para intimidar e punir países que divergem de suas posições, seja em Cuba ou no Irã.

Em janeiro do ano passado a mídia corporativa já criticava o destaque dado na Estratégia Nacional de Defesa, anunciada então pelo governo Lula, ao desenvolvimento da energia nuclear. Os jornalões prestavam-se claramente ao papel de veículo da pressão do governo Bush em fim de mandato - um “pato manco” agonizante, golpeado ainda pela derrota eleitoral humilhante.

Os mesmos veículos ansiosos para anistiar os crimes da ditadura (de que foram cúmplices e beneficiários) viam - e ainda vêem - com suspeita o compromisso dos militares brasileiros com a democracia e a defesa dos interesses nacionais. O faroeste midiático na época ainda buscava legitimar a superpotência invasora do Iraque no papel insólito de guardiã da paz e do desarmamento.

Essa mídia não costuma ter dúvidas, só certezas. Condena a resistência do Brasil em aderir ao protocolo adicional ao Acordo de Salvaguardas do TNP e atribui a culpa a militares obcecados em ter a bomba-A. Não leva em conta que a questão do desenvolvimento nuclear está longe de ser simplista como sugere o cacoete de um jornalismo aliado aos interesses externos.

Países sem armas nucleares sofrem restrições nas pesquisas - punidos por assinar o TNP. Índia, Paquistão e Israel, por ignorarem o TNP, têm suas bombas-A e são paparicados e privilegiados com acordos especiais. Em 1997-98 essa mesma mídia aplaudiu FHC por sujeitar-se à pressão dos EUA e aderir ao TNP, enquanto o Iraque sob sanções era acusado de ter a bomba - sem tê-la.

Depois do TNP os EUA passaram ainda a exigir que nós, os “sem bomba-A” (ou “have nots”, em oposição aos “haves”) assinássemos o tal protocolo adicional, que amplia as restrições, os controles e as inspeções. Inexistente antes, o protocolo teria de ser negociado com cada signatário do TNP, nunca imposto pelos EUA.

Os “sem bomba” sofrem limitações nas pesquisas, que a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) faz cumprir com inspeções. O compromisso do Brasil é com o uso pacífico da energia atômica. Defende o desarmamento nuclear e é reconhecida sua tradição pacífica. Mas não pode abrir mão da tecnologia nuclear e da necessidade estratégica de desenvolvê-la e dominá-la.

Em 2004 a “Folha” não hesitou em propor rendição singular, a pretexto de ser “transitória” a existência de países com e sem a bomba: o Brasil devia aderir ao protocolo adicional, “como uma decisão soberana”, e ao mesmo tempo “pedir” avanços pelo desarmamento. Ora, os que apóiam o protocolo são pouco mais de 80 dos 190 que assinaram o TNP. A maioria, assim, percebe a ameaça dos EUA de eternizar seu arsenal “transitório”.

Há ainda os interesses comerciais: em 2001 o crescente mercado mundial de urânio enriquecido já movimentava US$18 bilhões. Dono da 5ª maior reserva natural de urânio, o Brasil tem tecnologia própria de centrifugação, desenvolvida por seus cientistas ao longo de 30 anos. Para preservá-la protege com painéis, nas inspeções da AIEA, a sala das centrífugas na Fábrica de Combustível Nuclear da INB, em Resende.

Os interesses dos detentores de arsenais nucleares, claro, são diferentes daqueles dos “sem bomba”. A hipótese de espionagem industrial nas inspeções da AIEA não pode ser subestimada mas a proteção da tecnologia inovadora do Brasil foi descartada pela “Folha” com a alegação de que os EUA não precisam disso porque dispõem de sua espionagem “clássica”.

Antes da invasão do Iraque, no entanto, a CIA usava a equipe de inspeção da ONU (UNSCOM) - chefiada pelo sueco Rolf Ekeus até 1997 e depois pelo australiano Richard Butler (1998) - para espionar. O inspetor Scott Ritter, ex-fuzileiro dos EUA e veterano da guerra do Golfo, acusou os dois de tolerarem o jogo da CIA, permitindo a espionagem nas inspeções.

Na mesma linha do editorial da “Folha”, o do Estadão, dias depois, negou haver razão que justifique a não adesão ao protocolo adicional. Alegou ser do interesse do Brasil ratificar o compromisso com o desenvolvimento pacífico da energia atômica e “evitar atritos” com as potências empenhadas em impedir a proliferação nuclear. (E a FCN? E o mercado de urânio?)

Meses depois dos editoriais, o secretário de Estado de Bush, Colin Powell, ouviu no Brasil a explicação do ministro Celso Amorim sobre a proteção da tecnologia desenvolvida por nossos cientistas. E minimizou, ao falar à “Veja”, o que “Folha” e Estadão maximizaram: o Brasil não preocupava os EUA e nem devia ser comparado a Irã e Coréia, apesar dos “desacordos momentâneos” na AIEA.

Ao voltar ao ataque a 9 de janeiro de 2009, a “Folha” publicou matéria do chefe da surcusal de Brasília, Igor Gielow. “Os EUA cobraram ontem a adesão do Brasil ao chamado protocolo adicional”, dizia o texto. Não ficou claro se a “cobrança” era iniciativa americana, usando a “Folha”, ou se viera por acaso, premiando alguma solicitação de entrevista do jornal.

O entrevistado era o embaixador Gregory Schulte, que representava os EUA não no Brasil mas na AIEA e outros organismos sediados em Viena. Gielow omitiu (de propósito?) se o diplomata respondera a perguntas, se falara em Brasília (estaria ali por alguma razão?), se a entrevista fora por telefone ou se mandara respostas por email a perguntas enviadas a Viena.

Como o próprio jornalista caracterizara a entrevista como “cobrança” dos EUA, seria oportuno informar como tinha ocorrido - por telefone, cara-a-cara, troca de emails ou qualquer que tenha sido a situação. Teria sido uma tentativa de intimidação? Afinal, a dupla Bush-Cheney, derrotada, vivia seus últimos momentos – a apenas 12 dias do final do mandato.

No relato insólito da “Folha” Schulte cobrava a adesão do Brasil a pretexto de que “os EUA aderiram”. Mas o protocolo adicional ao Acordo de Salvaguardas (artigo III do TNP) só é aplicável (e impõe obrigações) aos “sem bomba”. Para os EUA a adesão não prevê inspeções - que são compulsórias para os "sem bomba". Estes têm de aceitá-las. Cabe à AIEA decidir o que inspecionar, como e onde.

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