quinta-feira, 10 de junho de 2010

Porque Dilma Rousseff é a favorita

Reproduzo artigo de Maria Inês Nassif, intitulado “Uma situação boa demais para o governo” e publicado no jornal Valor Econômico:

A geração dos brasileiros que eram adultos no final da ditadura militar (1964-1985), nela incluídos o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o ex-governador José Serra (PSDB), a ex-ministra Dilma Rousseff (PT) e a ex-ministra Marina da Silva, não presenciou um momento como esse antes e dificilmente viverá um outro.

Não vai dar tempo de assistir uma reedição desse período, o único da história do país com alta taxa de crescimento econômico e democracia. Daí a dificuldade da oposição de alinhavar um discurso que seja consistente para ganhar o apoio de um eleitorado majoritariamente governista, satisfeito com a vida que tem e que acha que a sua vida vai melhorar com a continuidade, e não com a mudança.

O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre do ano de 2010, comparado com igual período do ano passado, foi de 9%, segundo foi anunciado esta semana. No artigo “Eleições presidenciais 2010: ruptura ou consolidação do pacto social”, publicado pela revista Em Debate, da UFMG, o cientista político Ricardo Guedes Ferreira Pinto, do instituto de pesquisas Sensus, lembra que, de 2002, último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), até agora, as reservas internacionais pularam de US$ 35 bilhões para US$ 240 bilhões; o salário mínimo, de US$ 80 para US$ 280; o índice Gini caiu de 0,58 para 0,52 (quando mais próximo de zero, maior a igualdade); 30 milhões de pessoas das classes mais pobres ascenderam à classe média; 10,6 milhões mudaram de favelas.

O PIB saiu de um patamar de US$ 500 bilhões para US$ 1,5 trilhão. Há uma forte identificação desses dados sociais e econômicos positivos com o governo Lula. Diz Guedes, citando pesquisa Sensus de maio, que 57% dos brasileiros acham que esses benefícios foram gerados pelo governo petista e apenas 17% consideram que eles vêm do governo de Fernando Henrique Cardoso.

Um candidato oposicionista terá grande dificuldade de abalar essa convicção sobre o governo Lula que está tão alicerçada na opinião pública. José Serra (PSDB) poderia tentar isso pelo convencimento de que tem maior capacidade do que a escolhida de Lula para aprofundar as conquistas do atual presidente. Segundo a pesquisa Sensus, essa já é a opinião de 26% dos entrevistados.

A outra alternativa do candidato de oposição seria a desqualificação pura e simples da sua adversária. É um caminho que pode parecer mais fácil do ponto de vista retórico, mas com grandes chances de fracassar, diante dos índices de popularidade do governo.

As pesquisas indicam que 2010 começa sob o signo do governismo. As séries históricas das pesquisas reiteram que esse é um período histórico singular. Segundo a CNT-Sensus, de 1998 até 2002, o governo Fernando Henrique manteve uma avaliação positiva nunca maior do que 32% (em dezembro de 1998). A menor foi de 8%, em setembro de 1999, repetida em outubro daquele ano.

A menor avaliação positiva do governo Lula foi de 31,1%, em novembro de 2005, no auge do chamado escândalo do mensalão. Segundo a pesquisa de maio de 2010, a oposição lida com uma avaliação positiva do governo Lula da ordem de 76,1%.

O CNT-Sensus passou a apurar separadamente o desempenho do presidente da República e o do governo a partir de 2001. FHC alcançou seu maior índice de aprovação em abril de 2001, de 46,1%. O pior desempenho de Lula foi de 46,7%, atingido em novembro de 2005. Em maio de 2010, Lula tinha a aprovação de 83,7% dos entrevistados.

Em 1996, uma pesquisa Ibope encomendada pelo Palácio do Planalto foi noticiada pela revista Veja. Comparava o desempenho de todos os presidentes da República pós-redemocratização no final do primeiro ano de mandato. FHC tinha 43% e era o campeão, segundo a revista: Sarney teve 36%, Collor, 30% e Itamar, 13%, na soma das avaliações ótima e boa.

Sarney chegou a 85% no Plano Cruzado. O plano se foi e Sarney terminou o governo com 9% de popularidade, em 1988. Na matéria, intitulada “O povo está gostando” (3/1/96), o presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, dizia, sobre o Plano Real, que respaldava FHC: “Enquanto os números econômicos forem favoráveis e o brasileiro estiver podendo comer mais, pode botar quarenta pastas rosas, trinta sivans que não haverá queda na popularidade de FHC”. Montenegro se referia aos escândalos políticos, que não teriam o poder de atingir o chefe do governo.

Com uma popularidade — dele próprio, não de seu governo — que atinge os 92% na região Nordeste e junto aos eleitores que ganham até um salário mínimo, o presidente Lula será o grande eleitor das eleições de outubro. Segundo a mesma pesquisa, 27,1% dos entrevistados apenas votariam num candidato indicado por Lula; apenas 3% votariam exclusivamente num candidato de FHC.

Dos ouvidos, 20,7% não votariam num candidato de Lula; 55,4% rejeitam um candidato de FHC. Mais eleitores — 44% — levam em conta prioritariamente os benefícios econômicos e sociais do governo do que a experiência administrativa do candidato (34,9%). A esmagadora maioria dos entrevistados se declara satisfeito com a vida que está levando hoje — 10% estão muito satisfeitos e 73% estão satisfeitos.

É difícil montar uma estratégia oposicionista eficiente num quadro tão favorável ao governo como esse. Por isso ganham relevo dossiês cujo conteúdo não se torna público e denúncias com sentido dúbio. É a tática de firmar sensos comuns por repetição de fatos cujo conteúdo não é claro, mas emergem acompanhados de um julgamento moral que atribui intencionalidade subjetiva e maliciosa aos adversários, mesmo que racionalmente não se identifique razões para isso. Se colar, colou. Se não colar, deixa-se de lado e se prepara um novo ataque.

O que se destaca no momento eleitoral que a ofensiva oposicionista é proporcionalmente mais agressiva do que as próprias pesquisas eleitorais, que ainda registram um equilíbrio nas posições de Dilma e Serra. Sinal que o diagnóstico oposicionista é o de que a situação é boa demais para o governo, para não ser igualmente boa para a candidata do governo.

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Ipea faz estudo sobre telecomunicações

Reproduzo artigo de Renata Mielli, publicado no seu blog “Janela sobre a palavra”:

O Instituto de Pesquisas Aplicadas (Ipea) está produzindo uma série de estudos intitulada de Eixos do Desenvolvimento Nacional: Inserção internacional soberana; Macroeconomia para o pleno emprego; Fortalecimento do Estado, das instituições e da democracia; Infra-estrutura e logística de base; Estrutura produtivo-tecnológica avançada e regionalmente articulada; Proteção social e geração de oportunidades; e Sustentabilidade ambiental.

Pelo nome, percebe-se que o estudo tem como intuito fazer um diagnóstico do atual nível de desenvolvimento em todas essas áreas – que esteja situado internacionalmente; problematizar os principais gargalos para o desenvolvimento que sirvam de subsídios para traçar políticas para o Brasil.

Estes estudos têm sido apresentados na forma de comunicados e, nesta segunda-feira, foi a vez do capítulo sobre os Desafios e oportunidades do setor de Telecomunicações no Brasil, que vale ser estudado na íntegra.

Privatização: modernidade x concentração

De acordo com o levantamento, “a privatização da prestação de serviços de telecomunicações no Brasil trouxe a modernização da sua infra-estrutura e o aumento do acesso da população aos serviços, mas também a alta concentração do mercado em alguns poucos grupos econômicos, a manutenção de disparidades entre classes sociais e regiões do país e diferentes níveis de difusão, até mesmo entre os serviços de telecomunicações analisados neste estudo: telefonia (fixa e móvel), TV por assinatura e acesso à internet. Este último, vislumbrado como a base para a proliferação dos novos serviços e suas aplicações multimídia, ainda é pouco difundido no Brasil. Neste contexto, as oportunidades de desenvolvimento da infra-estrutura de telecomunicações para servir de base para a evolução do setor de TICs e conteúdo de informação são contrapostas a inúmeros desafios, que, por sua vez, devem ser alvo de políticas públicas”.

Ao traçar uma breve trajetória histórica do desenvolvimento das tecnologias que permitiram a convergência tecnológica e de serviços, o documento do Ipea mostra que o ingresso do Brasil nesse segmento foi tardio e pautado por um modelo de competição correspondente ao modelo norte-americano, com a privatização da Telecomunicações Brasileiras S/A (Telebrás), em 1997, com a Lei Geral de Telecomunicações (LGT - Lei no 9.472, de 16 de julho de 1997), e ainda com a permissão para a entrada de novas empresas prestadoras de serviços de telecomunicações, por meio de um regime de competição regulada previsto nesta lei.

Contudo, a última década assistiu a um processo de consolidação do setor, com fusões e aquisições entre os atores, que resultaram em alta concentração do mercado em quatro grupos econômicos, dos quais três predominantemente de capital estrangeiro. Apenas a Oi possui capital de origem nacional. Ou seja, a tal competição foi substituída por oligopólio.

Regulação e gargalos

O estudo descreve o atual perfil regulatório do setor de telecomunicações, mostrando as diferenças de regime entre o serviço de telefonia fixa, móvel, TV por assinatura, internet e gestão dos serviços operados por radiofreqüência. Aponta os gargalos para a massificação dos serviços de telecomunicações e arrisca cenários possíveis de acordo com as escolhas políticas feitas para o setor.

Abrangente e com muitos dados, o estudo é relevante para conhecer o desenho atual do setor de telecomunicações no Brasil, mas é pouco assertivo na sugestão de caminhos a serem perseguidos para a superação dos gargalos no sentido de uma política de desenvolvimento nacional com soberania.

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Quem defende a liberdade de expressão?



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quarta-feira, 9 de junho de 2010

A crise na Grécia e o cinismo neoliberal



A Grécia, bola da vez da crise capitalista internacional – que não acabou, como já bravateiam os apologistas deste sistema –, está passando por uma autêntica convulsão social. A luta de classes, que muitos também achavam que tinha acabado, está cada vez mais acirrada. Em menos de três meses, já ocorreram cinco greves gerais, com elevados índices de adesão. Os protestos são quase diários, com confrontos violentos entre os trabalhadores e as forças de repressão do estado.

Ninguém consegue projetar qual será o futuro deste país, um dos primos pobres da Europa. Mas há consenso, porém, que a crise será prolongada e que o caos econômico deve contaminar outras nações do continente. Diante deste dilema, os neoliberais de plantão, culpados pelo colapso, não vacilam em apresentar receitas ainda mais amargas para os trabalhadores. Amparados pela mídia, eles difundem que a atual crise decorre dos “gastos públicos” e do “inchaço do estado” – é o que se ouve nos comentários globais de Carlos Sardenberg e de outros adoradores do deus-mercado.

País abdicou da sua soberania

A mentira é descarada, mas ainda engana os ingênuos. A crise da Grécia não é culpa do “estado de bem-estar social”, do Welfare State, mas sim da gula capitalista. Com as suas especificidades, o modelo neoliberal foi implantado neste e noutros países europeus com o desmonte do estado, da nação e do trabalho. O acordo que deu origem ao euro engessou os estados nacionais com as metas fiscais e monetárias que beneficiaram exclusivamente os rentistas. A desregulamentação financeira imposta agora cobra o seu preço, mas o ônus é jogado nas costas dos trabalhadores.

Com o ingresso na Comunidade Econômica Européia (CEE), a Grécia foi obrigada a cumprir as rígidas metas neoliberais e, além disso, renunciou a sua capacidade de emitir a própria moeda. O Banco Central Europeu (BCE), entidade supranacional com total autonomia, é quem determina a política econômica destes países, que abdicaram da sua soberania. As principais vítimas são as nações mais frágeis, reunidas no chamado Piige (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha). Os países “avançados”, que não abdicaram das suas moedas, são os menos afetados pela crise.

A morte anunciada do euro?

É o caso da Inglaterra, segundo aponta o economista Emiliano Libman, em entrevista ao Instituto Humanitas Unisimos. “Ao não adotar o euro, ela manteve sua soberania monetária... A diferença entre Inglaterra e Grécia é que, diante da grande instabilidade que as decisões de gastos do setor privado produzem, o seu Estado pode intervir”. A Grécia foi punida por não ter cumprido a meta de 3% do PIB nos gastos públicos; já na Inglaterra, o déficit fiscal chega a 13% do PIB.

Esta grave distorção é que leva muitos analistas a preverem o fim desta moeda. Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia, já chegou a anunciar que o desfecho da crise será a morte do euro. A opinião é corroborada pelo brasileiro Luiz Carlos Bresser Pereira. “O euro está enfrentando uma crise estrutural que não põe em jogo a União Européia, mas põe em risco sua própria existência. Dependendo do desenrolar da crise, alguns países poderão voltar às suas moedas nacionais”.

Reforma tributária às avessas

A orgia neoliberal também causou outras graves distorções. O desmonte do estado beneficiou os ricaços, agraciados com uma reforma tributária às avessas. Hoje, eles pagam menos impostos ou sonegam, aproveitando-se das brechas da libertinagem financeira. Segundo reportagem da revista CartaCapital, “a sonegação de imposto por gregos ricos é estimada em 23 bilhões de euros anuais – quase 10% do PIB... Nas declarações do Fisco, apenas 324 moradores dos subúrbios de Atenas admitiram ter piscina: o Google Earth mostra 16.974”. Os ricaços até camuflam suas fortunas.

No paraíso dos neoliberais, produção e consumo sofreram violenta retração. A produtividade das empresas cresceu muito com os avanços tecnológicos, mas os frutos deste crescimento não foram socializados. O arrocho salarial e o desmonte dos direitos trabalhistas e previdenciários causaram o encolhimento do mercado interno. Antes da crise, o desemprego já atingia 10,3% dos gregos (25,3% entre os jovens). Vários sindicatos foram forçados a aceitar acordos de redução salarial.

Socorro aos banqueiros e industriais

O que já estava doente entrou em coma com a eclosão da crise mundial. Na fase da bonança, os capitalistas embolsaram os lucros. Já na fase da crise, iniciada em agosto de 2007 nos EUA, eles resolveram socializar os prejuízos. O que elevou o déficit público grego é que o “estado mínimo” virou “estado máximo” para socorrer banqueiros e industriais que abusaram da orgia financeira. Três quartos da dívida grega, pública e privada, estão nas mãos de bancos, seguradoras e fundos europeus, principalmente da França (US$ 67 bilhões de dólares) e Alemanha (US$ 36 bilhões).

Diante da eclosão da crise e do risco de contágio na Europa, os cínicos neoliberais impõem agora maiores dosagens da sua receita destrutiva e regressiva. O pacote de “socorro” dos bancos exige o aumento de 21% para 23% no imposto sobre valor agregado, mas não toca nos tributos sobre a riqueza; adiamento das aposentadorias em pelo menos três anos e cortes drásticos do seu valor; liberalização das tarifas de energia e transporte; congelamento do salário dos servidores públicos até 2014; restrição ou eliminação do 13º e 14º salários; e cortes nos adicionais e licenças.

Radicalização da luta de classes

O objetivo do capital é aproveitar a crise, criada por ele, para destruir de vez o que ainda resta do Welfare State na Grécia e em toda a Europa. “O Estado social deve ser reformado”, afirmam, em uníssono, os neoliberais europeus – repetidos à exaustão pelas marionetes nativas da TV Globo e de outros veículos privados. Como alerta o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, a meta é destruir os direitos, “conquistados a ferro e fogo”, pelas lutas sociais. “Esse estilo de sociedade, de vida e de convivência foi progressivamente sendo deformado pelo avanço do projeto neoliberal”.

Mas esta ofensiva destrutiva e regressiva do capitalismo tende a esbarrar cada vez mais na reação dos trabalhadores. “O tipo de capitalismo que vai surgir [da atual crise] dependerá muito da luta social, da formação do imaginário popular, que, na verdade, não depende muito dos iluminados, mas da capacidade de informação e compreensão do que realmente aconteceu. Isso vai se formar na luta política”, aponta Belluzzo. Também apostando na possibilidade do aumento dos conflitos sociais, o sociólogo estadunidense James Petras prevê intensas e radicalizadas lutas na Europa.

“Há um processo de reversão dos ganhos sociais, um efeito dominó em que as tentativas dos governos para impor o custo da crise na classe trabalhadora causam efeito profundo nos padrões de vida. Não consigo ver como isso não aumentará os conflitos sociais. Na Espanha, há sinais de greve geral. Em Portugal, os sindicatos rejeitaram o plano de Sócrates de cortes nas áreas sociais. Acho que há possibilidade de que, conforme os desdobramentos dos programas como estes, no restante da Europa, as relações de capital de trabalho serão afetadas num futuro não tão distante”.

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Manifesto pela “liberdade de imprensa”

Reproduzo o belo artigo de Idelber Avelar, publicado no sítio Carta Maior:

1. A irrestrita liberdade de imprensa de que se goza hoje no Brasil deve ser defendida por todos os brasileiros, independente de sua posição política. Essa liberdade se caracteriza pela ausência de censura prévia do Poder Executivo sobre o conteúdo daquilo que se diz, escreve ou publica no país. Literalmente qualquer coisa pode ser dita sem impedimento prévio no Brasil, e a mastodôntica coleção de mentiras, injúrias, calúnias, difamações, distorções e manipulações veiculadas regularmente por Veja, Globo, Folha, Estadão, Zero Hora e outros oferece a prova cabal de que vivemos em pleno exercício desta liberdade.

2. Não há democracia em que a ausência de censura prévia sobre o dizer se confunda com a ausência da possibilidade de responsabilização (inclusive penal) posterior ao dito. Muitos brasileiros, ainda escaldados pelas ditaduras, confundem com “censura” qualquer reclamo de responsabilização sobre o dito. Uns poucos brasileiros ligados à grande mídia manipulam de má fé essa confusão em benefício próprio. Na verdade, todas as democracias que asseguram a plena liberdade de expressão (a total ausência de censura prévia) possuem em comum, em seu arcabouço jurídico, alguma forma de penalização sobre o difamar e o caluniar. Essas leis são parte do que garante a plena liberdade de expressão. O problema no Brasil jamais foi a existência delas. O problema no Brasil é que só os poderosos têm podido recorrer à justiça evocando-as, e em geral para silenciar vozes discordantes. As reais vítimas da difamação dos grupos de mídia têm tido acesso quase nulo à reparação juridical.

3. A liberdade de imprensa não está realizada em todo o seu potencial se apenas meia dúzia de famílias dela usufruem de forma massiva. O fato é óbvio, mas, nos debates sobre o assunto, o óbvio com frequência clama por ser reiterado: a liberdade de imprensa estará tanto mais realizada quanto mais numerosos forem os grupos sociais com acesso a veículos que os representem; mais amplo for o leque de discursos acerca de cada tema; mais diversificados forem os pontos de vista em condições de encontrar expressão, entendendo-se que essas condições incluem não só a liberdade de dizer, mas também o acesso aos meios materiais que tornam possível a circulação do dito. Neste sentido, o grande obstáculo para a plena democratização da imprensa no Brasil (que avançou em função das novas tecnologias e algumas políticas do governo Lula) é justamente a mídia monopolista das famiglias, que se agarram aos seus velhos privilégios com enraivado, baboso rancor.

4. Não há liberdade plena de imprensa sem direito de resposta, o direito de expressão mais desrespeitado, historicamente, no Brasil. Tão fundamental é ele para a liberdade de imprensa que não faltariam teóricos do Direito alinhados com a tese de que se trata de direito antropologicamente universal, comparável à legítima defesa. Poucos blogueiros independentes, depois de publicar texto enfocado em outrem, negariam espaço comparável para a resposta do citado. No entanto, vivemos num país cujo maior jornal publica ficha policial falsa, adulterada, com falsa acusação, sobre o passado de uma ministra, e nem mesmo ela consegue exercer seu direito de resposta. Caso ela tivesse cometido o erro político de buscar judicialmente o exercício desse direito, teria sido insuportável a gritaria histérica dos funcionários das famiglias contra uma inexistente “censura”. É preciso que cada vez mais a sociedade civil diga a esses grupos de mídia: vocês não têm autoridade moral para falar em liberdade de imprensa nenhuma, pois apoiaram a instalação dos regimes que mais atentaram contra ela, além de que não a exercem em seu próprio quintal, negando sempre o espaço de resposta a quem atacam. A Folha chegou ao cúmulo de publicar um texto que lançava lama sobre dois de seus próprios jornalistas, qualificando de “delinquência” uma reportagem feita por eles, sem que os profissionais pudessem exercer seu direito de resposta. Pense bem, leitor: essa turminha tem cara de guardiã da liberdade de imprensa?

5. A veiculação de sentença penal condenatória acerca de crime contra a honra cometido pelos grupos de mídia é um direito do público leitor/espectador/ouvinte. Especialmente no caso de sentença já transitada em julgado, é básico o direito do leitor saber que a justiça decidiu que naquele espaço foi cometido um crime contra a imagem de alguém. No entanto, até a data de produção desta coluna (03 de maio), continuam valendo as perguntas: como a Folha de São Paulo tem a cara de pau de não veicular a notícia de que foi condenada em definitivo por crime contra Luis Favre? Como a Zero Hora tem a cara de pau de não avisar ao leitor que se confirmou sua condenação por crime contra uma desembargadora?

6. A discussão democrática sobre a renovação (ou não) das concessões públicas a rádios e TVs não é contraditória com a liberdade de imprensa; pelo contrário, é parte de seu pleno exercício. Há uma razão pela qual a liberdade de que se imprima qualquer coisa é juridicamente distinta da autorização a que se transmita TV ou rádio em sinal emprestado pelo poder público. Só por ignorância ou má fé pode se comparar uma recusa do Estado a renovar uma concessão de TV ao ato de fechar um jornal (recordando que a má fé pode ser ignorante, e com frequência o é nestes casos). No Brasil, a discussão democrática sobre as concessões é de particular importância no caso do único grande império de mídia que sobrevive com inegável capilaridade e poder de fogo, o da famiglia Marinho, de tão nebulosa história.

7. A liberdade de imprensa inclui, como componente essencial e inalienável, a liberdade de exibir, ridicularizar, parodiar e pastichar as gafes, mentiras, barrigas e distorções veiculadas pela própria imprensa. Hoje, no Brasil, nove de cada dez gritinhos histéricos dos patrões e funcionários da grande mídia sobre um suposto cerceamento de sua liberdade de imprensa referem-se única e exclusivamente ao exercício dessa mesma liberdade, só que agora por leitores e ex-leitores, cujo direito à expressão essa mídia jamais defendeu, sequer com um pio.

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terça-feira, 8 de junho de 2010

Celebrando a liberdade (da imprensa)

Reproduzo artigo do professor Venício A. de Lima, publicado no Observatório da Imprensa:

No último dia 3 de maio foi celebrado o "Dia Mundial da Liberdade de Imprensa", criado pelas Nações Unidas em 1993. No dia 16 de maio foi a vez do "Dia Mundial das Comunicações Sociais", este criado em 1967 pela igreja católica, por sugestão do Concílio Vaticano II. E, agora, na segunda-feira (7/6), os jornais trazem anúncio da agência Fisher+Fala para a Associação Nacional de Jornais (ANJ) celebrando o "Dia Nacional da Liberdade de Imprensa". Deve haver ainda outros "dias" de que não tenho conhecimento.

O anúncio de meia página que os jornais membros da ANJ publicam em 7 de junho tem texto curto: Diz ele: "Com Liberdade de Imprensa, fica mais claro o que é intenção e o que é só discurso. Imprensa livre é você livre para ter a sua própria opinião. 7 de junho. Dia Nacional da Liberdade de Imprensa. Associação Nacional de Jornais."

Ao pé da letra, o que o anúncio está dizendo é que sem liberdade de imprensa fica difícil se ter uma opinião livre. É verdade.

O que o anúncio não esclarece é se quando existe a liberdade de imprensa, necessariamente, a opinião também é livre. Em outras palavras: é possível se ter liberdade de imprensa e, mesmo assim, não se ter uma opinião livre, vale dizer, formada a partir da diversidade e da pluralidade de opiniões que existem numa determinada sociedade?

O exemplo brasileiro

Vejamos o que acontece no Brasil. Salvo aqueles que consideram que decisões judiciais relativas à imprensa - e não são poucos - constituem uma forma de "censura prévia", parece não haver dúvida de que vivemos tempos da mais completa liberdade de imprensa. Os jornais e revistas - por exemplo, O Globo, a Folha de S.Paulo, o Estado de S.Paulo e a revista Veja - publicam o que querem, sobre quem querem.

A questão é saber se o que publicam os jornais e revistas representa a pluralidade e a diversidade das opiniões existentes na sociedade brasileira. E mais: quando uma determinada opinião é publicada por esses jornais e revistas, as outras opiniões - opostas, diferentes, diversas a ela - também o são?

Pode haver opinião livre sem garantia efetiva do direito de resposta? Ou quando apenas uns poucos grupos empresariais (famílias) controlam, direta ou indiretamente, as informações que circulam na sociedade? Ou quando a imensa maioria da população não tem acesso aos jornais e revistas que tornam públicas as opiniões, isto é, quando a imensa maioria da população não tem como fazer valer sua liberdade individual de expressão?

O anúncio da agência Fisher+Fala sobre o "Dia Nacional da Liberdade de Imprensa" - como todo anúncio - trata apenas de um lado da questão: aquele que serve aos interesses do anunciante, neste caso, a associação que congrega os principais grupos empresarias de jornais do Brasil, a ANJ.

O "dia" que falta

Ainda falta um "dia" para ser comemorado entre nós: o dia do direito à comunicação. Esse significa, além do direito à informação, garantir a circulação da diversidade e da pluralidade de idéias existentes na sociedade, isto é, a universalidade da liberdade individual de expressão. Para isso é necessária não só a regulação do mercado (sem propriedade cruzada e sem oligopólios; com a "máxima dispersão da propriedade", priorizando a complementaridade dos sistemas público, privado e estatal), mas também a imparcialidade e o equilíbrio na cobertura jornalística, a garantia do direito de resposta como interesse difuso, o direito de antena e o acesso universal à internet.

Até que o direito à comunicação de fato exista e seja praticado entre nós, as muitas celebrações de "dias" relativos à liberdade de imprensa continuarão sem fazer o que o próprio anúncio do "Dia Nacional da Liberdade de Imprensa" promete: mostrar a diferença entre a intenção e o discurso dos próprios jornais e revistas.

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Judith Brito (ANJ) para vice de Serra

Já está batendo o desespero nos demotucanos e nos seus porta-vozes da mídia “privada”. Até agora o presidenciável José Serra ainda não definiu quem será o vice na sua chapa. E não foi por falta de empenho. O ex-governador paulista até se humilhou para seduzir o ex-governador mineiro, mas parece que não convenceu. Aécio Neves não engole as rasteiras do seu “amigo” de partido – o que deve causar a perda de um bocado em votos em Minas Gerais.

Ele também tentou atrair outros dois grãos-tucanos, os senadores Tasso Jereissati (CE) e Sérgio Guerra (PE), mas ambos pularam fora do barco aparentemente à deriva. Preferem concorrer em seus estados, evitando maiores riscos. Diante da fuga dos neoliberais do PSDB, os coronéis do DEM logo se assanharam. De imediato, os demos ventilaram o nome da senadora Kátia Abreu, a ruralista que comanda como um jagunço a Confederação Nacional da Agricultura (CNA).

A fuga da “rainha medieval”

Seria ótimo! A chapa da “rainha medieval” e do “gestor moderno”. Mas Kátia Abreu amarelou e fugiu da briga. Em seu twitter, ela até tentou despistar “A imprensa menciona meu nome para vice do Serra. Não tenho intenção. Estou muito bem na CNA. Meu projeto só começou. Voto no Serra”. Mas nos bastidores circula o boato de que ela não sentiu firmeza nos aliados. Ficaria muita explícita a opção de direita, beirando a extrema-direita, de uma dobradinha Serra-Kátia.

Até a colunista de O Globo, Miriam Leitão, inimiga raivosa do governo Lula, andou fustigando a senadora por suas criticas as normas de segurança contrárias ao trabalho escravo no campo. “A melhor defesa dos produtores rurais seria separar a minoria criminosa e lutar contra essas práticas. Em vez disso, a líder ruralista ataca as exigências feitas pela fiscalização. Com ações assim, ela acabará convencendo o país que os empresários rurais são todos iguais”, atacou.

Fragilidade e tibieza

Outros demos infernais, como o deputado Rodrigo Maia e o senador Agripino Maia, também foram sondados, mas preferiram se esquivar. O fantasma do ex-governador do DF, o ex-presidiário José Roberto Arruda, assombra os “éticos” do DEM com suas ameaças de abrir o jogo sobre o envio de milhões para os cofres eleitorais nos estados. Apesar do partido se achar dono da vaga e resistir à pecha de “apêndice de segunda classe” do PSDB, ele está mais sujo do que pau de galinheiro.

Como afirma o blogueiro Josias de Souza, freqüentador do ninho tucano, “a demora na escolha do vice na chapa de José Serra vai ganhando ares de crise... Dissemina-se a tese segundo a qual a procrastinação sugere a impressão de tibieza. Algo que, levado às últimas conseqüências, vai passar a impressão incômoda – e falsa, dizem os tucanos – de que ninguém quer ser o vice de Serra... Mantido esse ritmo, a coisa ainda vai bater, por exclusão, no porteiro do PSDB”.

Dobradinha Serra-Mídia

No próximo sábado, 12 de junho, o PSDB realiza sua convenção nacional. A pressão é para que o vice seja anunciado durante a festança. Mas pela legislação eleitoral isto não é obrigatório. O partido pode formalizar a dobradinha até o final de junho. O clima, porém, é de angústia entre os demotucanos e seus apaixonados cabos eleitorais da mídia “privada”. Para ajudar nesta hora de desespero, faço uma síngela sugestão – já que a proposta de Kátia Abreu infelizmente não vingou.

Que tal bancar como vice a presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e executiva do Grupo Folha, Maria Judith Brito. Ela já mostrou que não foge da briga e que não tem papa na língua. Liderança maior dos decadentes jornalões, ela escancarou recentemente que a mídia é o principal partido da direita no Brasil. “Obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada”, confessou sem qualquer tibieza. Nada mais natural do que a dobradinha Serra-Mídia.

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José Serra e os porões da privataria

Reproduzo sinopse do livro-bomba de Amaury Ribeiro Jr., “Os porões da privataria”, publicada no blog Viomundo:

Quem recebeu e quem pagou propina. Quem enriqueceu na função pública. Quem usou o poder para jogar dinheiro público na ciranda da privataria. Quem obteve perdões escandalosos de bancos públicos. Quem assistiu os parentes movimentarem milhões em paraísos fiscais.

Um livro do jornalista Amaury Ribeiro Jr., que trabalhou nas mais importantes redações do país, tornando-se um especialista na investigação de crimes de lavagem do dinheiro, vai descrever os porões da privatização da era FHC. Seus personagens pensaram ou pilotaram o processo de venda das empresas estatais. Ou se aproveitaram do processo.

Ribeiro Jr. promete mostrar, além disso, como ter parentes ou amigos no alto tucanato ajudou a construir fortunas. Entre as figuras de destaque da narrativa estão o ex-tesoureiro de campanhas de José Serra e Fernando Henrique Cardoso, Ricardo Sérgio de Oliveira, o próprio Serra e três de seus parentes: a filha Verônica Serra, o genro Alexandre Bourgeois e o primo Gregório Marin Preciado. Todos eles, afirma, têm o que explicar ao Brasil.

Ribeiro Jr. vai detalhar, por exemplo, as ligações perigosas de José Serra com seu clã. A começar por seu primo Gregório Marin Preciado, casado com a prima do ex-governador Vicência Talan Marin. Além de primos, os dois foram sócios. O “Espanhol”, como Marin é conhecido, precisa explicar onde obteve US$3,2 milhões para depositar em contas de uma empresa vinculada a Ricardo Sérgio de Oliveira, homem-forte do Banco do Brasil durante as privatizações dos anos de 1990.

E continuará relatando como funcionam as empresas offshores semeadas em paraísos fiscais do Caribe pela filha – e sócia — do ex-governador, Verônica Serra, e por seu genro, Alexandre Bourgeois. Como os dois tiram vantagem das suas operações, como seu dinheiro ingressa no Brasil…

Atrás da máxima “siga o dinheiro!”, Ribeiro Jr perseguiu o caminho de ida e volta dos valores movimentados por políticos e empresários entre o Brasil e os paraísos fiscais do Caribe, mais especificamente as Ilhas Virgens Britânicas, descoberta por Cristóvão Colombo em 1493 e por muitos brasileiros espertos depois disso.

Nestas ilhas, uma empresa equivale a uma caixa postal, as contas bancárias ocultam o nome do titular e a população de pessoas jurídicas é maior do que a de pessoas de carne e osso. Não é por acaso que todo dinheiro de origem suspeita busca refúgio nos paraísos fiscais, onde também são purificados os recursos do narcotráfico, do contrabando, do tráfico de mulheres, do terrorismo e da corrupção.

A trajetória do empresário Gregório Marin Preciado, ex-sócio, doador de campanha e primo do candidato do PSDB à Presidência da República, mescla uma atuação no Brasil e no exterior. Ex-integrante do conselho de administração do Banco do Estado de São Paulo (Banespa), então o banco público paulista, nomeado quando Serra era secretário de Planejamento do governo estadual, Preciado obteve uma redução de sua dívida no Banco do Brasil de R$448 milhões (1) para irrisórios R$4,1 milhões.

Na época, Ricardo Sérgio de Oliveira era diretor da área internacional do BB e o todo-poderoso articulador das privatizações sob FHC. (Ricardo Sérgio é aquele do “estamos no limite da irresponsabilidade. Se der m…”, o momento Péricles de Atenas do Governo do Farol – PHA).

Ricardo Sérgio também ajudaria o primo de Serra, representante da Iberdrola, da Espanha, a montar o consórcio Guaraniana. Sob influência do ex-tesoureiro de Serra e de FHC, mesmo sendo Preciado devedor milionário e relapso do BB, o banco também se juntaria ao Guaraniana para disputar e ganhar o leilão de três estatais do setor elétrico (2).

O que é mais inexplicável, segundo o autor, é que o primo de Serra, imerso em dívidas, tenha depositado US$ 3,2 milhões no exterior por meio da chamada conta Beacon Hill, no banco JP Morgan Chase, em Nova Iorque. É o que revelam documentos inéditos obtidos dos registros da própria Beacon Hill em poder de Ribeiro Jr.

E mais importante ainda é que a bolada tenha beneficiado a Franton Interprises. Coincidentemente, a mesma empresa que recebeu depósitos do ex-tesoureiro de Serra e de FHC, Ricardo Sérgio de Oliveira, de seu sócio Ronaldo de Souza e da empresa de ambos, a Consultatun. A Franton, segundo Ribeiro, pertence a Ricardo Sérgio.

A documentação da Beacon Hill levantada pelo repórter investigativo radiografa uma notável movimentação bancária nos Estados Unidos realizada pelo primo supostamente arruinado do ex-governador. Os comprovantes detalham que a dinheirama depositada pelo parente do candidato tucano à Presidência na Franton oscila de US$17 mil (3 de outubro de 2001) até US$375 mil (10 de outubro de 2002).

Os lançamentos presentes na base de dados da Beacon Hill se referem a três anos. E indicam que Preciado lidou com enormes somas em dois anos eleitorais – 1998 e 2002 – e em outro pré-eleitoral – 2001. Seu período mais prolífico foi 2002, quando o primo disputou a Presidência contra Lula. A soma depositada bateu em US$1,5 milhão.

O maior depósito do endividado primo de Serra na Beacon Hill, porém, ocorreu em 25 de setembro de 2001. Foi quando destinou à offshore Rigler o montante de US$ 404 mil. A Rigler, aberta no Uruguai, outro paraíso fiscal, pertenceria ao doleiro carioca Dario Messer, figurinha fácil desse universo de transações subterrâneas.

Na operação Sexta-Feira 13, da Polícia Federal, desfechada no ano passado, o Ministério Público Federal apontou Messer como um dos autores do ilusionismo financeiro que movimentou, por intermédio de contas no exterior, US$20 milhões derivados de fraudes praticadas por três empresários em licitações do Ministério da Saúde.

O esquema Beacon Hill enredou vários famosos, dentre eles o banqueiro Daniel Dantas. Investigada no Brasil e nos Estados Unidos, a Beacon Hill foi condenada pela justiça norte-americana, em 2004, por operar contra a lei.

Percorrendo os caminhos e descaminhos dos milhões extraídos do País para passear nos paraísos fiscais, Ribeiro Jr. constatou a prodigalidade com que o círculo mais íntimo dos cardeais tucanos abre empresas nestes édens financeiros sob as palmeiras e o sol do Caribe.

Foi assim com Verônica Serra. Sócia do pai na ACP Análise da Conjuntura, firma que funcionava em São Paulo em imóvel de Gregório Preciado, Verônica começou instalando, na Flórida, a empresa Decidir.com.br, em sociedade com Verônica Dantas, irmã e sócia do banqueiro Daniel Dantas, que arrematou várias empresas nos leilões de privatização realizados na era FHC.

Financiada pelo Banco Opportunity, de Dantas, a empresa possui capital de US$ 5 milhões. Logo se transfere com o nome Decidir International Limited para o escritório do Ctco Building, em Road Town, ilha de Tortola, nas Ilhas Virgens Britânicas. A Decidir do Caribe consegue trazer todo o ervanário para o Brasil ao comprar R$10 milhões em ações da Decidir do Brasil.com.br, que funciona no escritório da própria Verônica Serra, vice-presidente da empresa. Como se percebe, todas as empresas têm o mesmo nome.

É o que Ribeiro Jr. apelida de “empresas-camaleão”. No jogo de gato e rato com quem estiver interessado em saber, de fato, o que as empresas representam e praticam é preciso apagar as pegadas. É uma das dissimulações mais corriqueiras detectada na investigação.

Não é outro o estratagema seguido pelo marido de Verônica, o empresário Alexandre Bourgeois. O genro de Serra abre a Iconexa Inc no mesmo escritório do Ctco Building, nas Ilhas Virgens Britânicas, que interna dinheiro no Brasil ao investir R$ 7,5 milhões em ações da Superbird.com.br, que depois muda de nome para Iconexa S.A. Cria também a Vex capital no Ctco Building, enquanto Verônica passa a movimentar a Oltec Management no mesmo paraíso fiscal. “São empresas-ônibus”, na expressão de Ribeiro Jr., ou seja, levam dinheiro de um lado para o outro.

De modo geral, as offshores cumprem o papel de justificar perante ao Banco Central e à Receita Federal a entrada de capital estrangeiro por meio da aquisição de cotas de outras empresas, geralmente de capital fechado, abertas no País. Muitas vezes, as offshores compram ações de empresas brasileiras em operações casadas na Bolsa de Valores. São frequentemente operações simuladas tendo como finalidade única internar dinheiro nas quais os procuradores dessas offshores acabam comprando ações de suas próprias empresas… Em outras ocasiões, a entrada de capital acontecia pelos sucessivos aumentos de capital da empresa brasileira pela sócia cotista no Caribe, maneira de obter do BC a autorização de aporte do capital no Brasil. Um emprego alternativo das offshores é usá-las para adquirir imóveis no País.

Depois de manusear centenas de documentos, Ribeiro Jr. observa que Ricardo Sérgio, o pivô das privatizações – que articulou os consórcios usando o dinheiro do BB e do fundo de previdência dos funcionários do banco, a Previ, “no limite da irresponsabilidade”, conforme foi gravado no famoso “Grampo do BNDES” –, foi o pioneiro nas aventuras caribenhas entre o alto tucanato. Abriu a trilha rumo às offshores e às contas sigilosas da América Central ainda nos anos de 1980. Fundou a offshore Andover, que depositaria dinheiro na Westchester, em São Paulo, que também lhe pertencia.

Ribeiro Jr. promete outras revelações. Uma delas diz respeito a um dos maiores empresários brasileiros, suspeito de pagar propina durante o leilão das estatais, o que sempre desmentiu. Agora, porém, existe evidência, também obtida na conta Beacon Hill, do pagamento da US$ 410 mil por parte da empresa offshore Infinity Trading, pertencente ao empresário, à Franton Interprises, ligada a Ricardo Sérgio.

NOTAS

1- A dívida de Preciado com o Banco do Brasil foi estimada em US$ 140 milhões, segundo declarou o próprio devedor. Esta quantia foi convertida em reais tendo-se como base a cotação cambial do período de aproximadamente R$ 3,2 por um dólar.

2- As empresas arrematadas foram a Coelba, da Bahia, a Cosern, do Rio Grande do Norte, e a Celpe, de Pernambuco.

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segunda-feira, 7 de junho de 2010

Liberdade de imprensa ou de empresa?



No dia 21 de junho, às 19 horas, no auditório do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo (Rua Genebra, 22, próximo à Câmara Municipal da capital paulista), será lançado o novo livro do professor Venício A. de Lima, “Liberdade de expressão X liberdade de imprensa – direito à comunicação e democracia”, publicado pela Editora Publisher.

Na ocasião ocorrerá um debate sobre o tema com as presenças do autor da obra, considerado um dos maiores especialistas em mídia no país, do jurista Fabio Konder Comparato e dos jornalistas Luis Nassif e Mino Carta. O evento é uma promoção conjunta do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e da Publisher. Reproduzo abaixo a resenha do livro enviada pela editora:


As expressões liberdade de imprensa e liberdade de expressão têm sido utilizadas como sinônimos, principalmente pelos meios de comunicação de massa, nos últimos anos. Defende- se o direito de informar qualquer coisa como se esse assegurasse o direito à liberdade de expressão da sociedade como um todo.

Mas mesmo no marco do pensamento liberal essa tese não se sustenta. E este novo livro do sociólogo e doutor em comunicação Venício A. de Lima investiga exatamente essa questão.

“Trata-se, na verdade, de sugerir questões – ainda que de maneira simplificada e breve – que ajudem a compreender se a minha ou a sua, leitor (a), liberdade de expressão pode ser considerada igual, equivalente ou simétrica à liberdade de imprensa de um grande grupo empresarial de mídia. A diferença entre liberdade de expressão e liberdade de imprensa realmente existe?”, questiona Venício.

O prefácio da obra é do professor e jurista Fabio Konder Comparato, que destaca num dado momento do seu texto que “no sistema capitalista a liberdade de imprensa foi transformada em liberdade de empresa”.

Baseado em 23 artigos que abordam aspectos diferentes da relação entre liberdade de expressão e liberdade de imprensa, o livro tem cinco capítulos que foram organizados em torno de subtemas específicos: “O ensinamento dos clássicos”, “O ponto de vista dos empresários”, “A posição das ONGs”, “Questões em debate”, e “As decisões judiciais”.

Além das reflexões do autor, o livro ainda traz como anexos a Declaração de Virginia, a Primeira Emenda da Constituição dos EUA, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o capítulo da Comunicação da Constituição de 1988, a Declaração de Chapultepec e a Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão.

Liberdade de Expressão x Liberdade de Imprensa é uma obra obrigatória para se fazer com consistência o debate da comunicação.

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O encontro dos blogueiros progressistas

Reproduzo importante convite de Luiz Carlos Azenha, publicado no blog Viomundo. Participe, dê sua opinião:

Estivemos reunidos em um restaurante de São Paulo: eu, Altamiro Borges, Rodrigo Vianna, Eduardo Guimarães e Conceição Lemes. Mais um pouco não seria um jantar, mas uma conspiração.

Tratamos de uma ideia que não é necessariamente nova, nem original: da convocação de um Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas.

Pode não ser nova, nem original, mas acho que a hora é essa.

A blogosfera brasileira já atingiu a massa crítica de leitores que justifica o encontro.

Nossa inspiração é, mais ou menos, o Netroots dos Estados Unidos, que nasceu com outro nome.

Hoje trata-se do maior e mais importante (politicamente) encontro nacional de blogueiros do planeta.

Nossa pretensão é muito mais modesta, mas o objetivo é mais ou menos o mesmo.

São dois, na verdade.

Um: agora que temos leitores, do mesmo jeito que aconteceu nos Estados Unidos, um país de dimensões continentais, acreditamos na necessidade de um encontro presencial entre blogueiros. Para que as pessoas se encontrem e se conheçam. Para que troquem informações e telefones. Para que se agreguem ou desagreguem. Uma coisa é trocar informações, como fazemos, via e-mail. Outra coisa é você conhecer pessoalmente alguém com o qual tem ao menos algumas ideias em comum.

Por isso a definição suficientemente vaga: blogueiros progressistas, que tenham compromisso com a ampla democratização da sociedade brasileira, em todos os sentidos.

Não será um encontro político-partidário, mas pretendemos incluir nele debates sobre políticas públicas que digam respeito diretamente à blogosfera, como o Plano Nacional de Banda Larga.

Paralelamente a isso — ao fortalecimento dos laços entre blogueiros e ao debate de políticas públicas –, pretendemos aproveitar o encontro para promover oficinas em que os blogueiros troquem informações sobre todas as ferramentas da era digital. Como usar o twitter? Como usar o facebook? Como aumentar a audiência de seu blog? Como produzir vídeos para o seu blog (eu, como repórter de TV, me candidato a participar dessa oficina)? Como medir a audiência de seu blog?

Em resumo, em um encontro de dois dias teríamos essas atividades. Ou seja, se você está começando agora na blogosfera, terá contato com os “veteranos” do ramo (Paulo Henrique Amorim já se comprometeu a dar uma das palestras), se engajará em um movimento que pode ajudar a mudar os rumos da mídia brasileira e ainda aprenderá com gente experiente a respeito das últimas novidades do setor.

O encontro também será aberto a internautas, já que um de nossos objetivos é transformar todos vocês em blogueiros.

Por isso, antes de avançar na organização, estamos publicando esse texto à espera de sugestões de todos os leitores em relação a, entre outros, programaçao, convidados, local, data e forma de viabilização financeira do encontro.

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Porque a mídia tem raiva das lutas sociais



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FHC sofre do “surto de ego colonizado”

Em artigo publicado no jornal Zero Hora deste domingo (6), o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso confirmou que padece da grave doença do “ego colonizado”. Recalcado, ele voltou à carga contra a política externa do atual governo e – para desgraça do candidato tucano José Serra – insistiu em fazer comparações entre as duas administrações. Atirando em Lula, FHC afirmou que a sua “demagogia presidencial não passa de surto de ego deslumbrado”. A cara está doente!

O motivo de mais esta recaída é a recente negociação entre Brasil-Turquia-Irã. O invejoso critica a “celeuma causada pela tentativa de acordo entre Irã e a comunidade internacional empreendida pelo governo brasileiro”. Ele não entende “porquê de tanto barulho”. Citando algumas vitórias da diplomacia no passado, que o seu triste reinado procurou enterrar junto com a “era Vargas”, FHC tenta se apresentar como um intransigente defensor dos “interesses nacionais e da “paz mundial”.

“Alinhamento automático” com os EUA

O ex-presidente só não explica porque o Itamaraty, durante a sua gestão, acelerou as negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), tratado que tornaria o país uma colônia ianque. Nem porque os embaixadores críticos da sua política de “alinhamento automático com os EUA”, como o atual ministro Samuel Pinheiro Guimarães, foram afastados de seus cargos no Itamaraty. Ou porque seu ministro de Relações Exteriores, Celso Lafer, tirava os sapatinhos nos aeroportos estadunidenses. Ou porque aceitou entregar a base de Alcântara (MA) para o “império do mal”.

Como mostra o historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira, no premiado e indispensável livro “As relações perigosas: Brasil-Estados Unidos”, o triste reinado de FHC foi um dos piores da história da diplomacia nacional. O autor relata casos grotescos de subserviência, como o da assinatura do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), que colocava o Brasil como apêndice dos EUA em casos de guerra; o da demissão do embaixador José Maurício Bustani da OPAQ; e até o caso dos “sapatos de Celso Lafer”, como detalhes humilhantes para o Itamaraty.

Repetição da retórica imperial

FHC não tolera o enorme prestigio da política externa do governo Lula. Mas como a mentalidade colonizada é pegajosa, ele repete sempre a mesma retórica imperial dos EUA. Até o blogueiro Josias de Souza, da FSP (Folha Serra Presidente), constatou que FHC reproduziu os argumentos centrais de Hillary Clinton para atacar o acordo Brasil-Turquia-Irã. Para o ex-presidente capacho dos EUA, o acordo não teria qualquer credibilidade. “É isso que o governo americano alega para recusar a intermediação obtida”, afirma servilmente. Ele ainda vai cortar o pulso de inveja!

O ódio da oposição neoliberal-conservadora a atual política externa contamina da cria ao criador. Não é para menos que o candidato José Serra atira no Mercosul e na Bolívia. Ele quer ficar bem na foto com a direita ianque e nativa. Numa entrevista pouco antes do acordo Brasil-Irã, o tucano afirmou que nunca se reuniria com o presidente iraniano. Deve ter mordido a língua na sequência como a repercussão do acordo. Os tucanos realmente padecem do “surto do ego colonizado”.

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domingo, 6 de junho de 2010

Dilma e as armas da crítica

Reproduzo artigo de Beto Almeida, publicado no sítio Carta Maior:

Muito antes que Lula anunciasse Dilma como sua possível candidata a sucessora, no ano passado, a mídia brasileira em seu conjunto já nutria e estampava uma notável antipatia pela figura da ex-ministra. Com o anúncio, a antipatia subiu de tom e tornou-se pauta obrigatória. Muitos adjetivos negativos já foram atirados sobre ela. Provavelmente, a tentativa mais grave de demolição da imagem da candidata foi aquela em que era acusada de terrorismo por ter pertencido a um dos movimentos que levantou-se em armas contra a ditadura militar.

A Folha de São Paulo chegou mesmo a publicar ficha falsificada da ex-presa política. Seus autores deverão responder perante a lei pela grosseira e criminosa adulteração. Pelas pesquisas disponíveis, a desqualificação editorializada de pouco adiantou já que Dilma é o nome que mais cresceu entre os presidenciáveis. É quando cabe sugerir longa e profunda reflexão sobre a força da razão e das idéias necessárias historicamente. É quando cabe comprovar se estamos diante de um momento da história de nosso país em que as armas da crítica encontram condições concretas para aprofundar um processo de transformação social que está em curso.

Quando a Folha de São Paulo tentou escandalizar a sociedade “denunciando” que Dilma Roussef havia pego em armas contra a ditadura, o que, na sua visão, a inabilitaria para concorrer ao cargo de presidente da república, talvez não imaginasse que a resposta viria com a forma simples e objetiva do raciocínio de Lula sobre a história. O presidente comparou Dilma a Nelson Mandela, libertador da África do Sul do regime cruel e desumano do apartheid. Ambos pertenceram a movimentos que, nas condições históricas adversas e sem quaisquer possibilidades para atuar politicamente, lançaram mão de ações armadas para derrubar regimes despóticos, ditatoriais, tirânicos, violadores dos direitos humanos, praticantes de execuções e torturas físicas contra os adversários políticos.

Acuados, perseguidos, verificando o assassinato de companheiros patriotas que aspiravam a libertação de seus países, muitos então jovens, como Mandela e Dilma, lançaram-se à luta política mais radical. Proibidos de exercerem as armas da crítica, lançaram-se à critica das armas, para tomar a frase inapagável de Karl Marx. E pagaram caro por isso, sendo ambos presos e torturados.

Não se sabe quantas milhares ou milhões de vezes a tal acusação - lastreada numa montagem desinformativa publicada pelo jornal paulista - circulou e ainda circula pela internet. Sabe-se apenas que a ausência de critérios éticos que levaram os seus autores a tal ponto não os impedirá de novas e talvez mais absurdas iniciativas para demolir a candidatura que tanto prejudica poderosos interesses.

Essa desconstrução da imagem da ex-ministra conduz a uma analogia com a senha golpista que Lacerda lançou contra Vargas. Desconcertado e desesperado diante da popularidade do gaúcho de São Borja, Lacerda sentenciou o que ouvia nos porões mais fétidos da conspiração oligárquica: “Vargas não pode ser candidato. Se o for, não pode vencer as eleições. Se as vencer, não pode tomar posse no cargo. Se tomar, não pode governar!”

A senha golpista foi levada ao pé da letra pouco tempo após Vargas ter sancionado a criação da Petrobrás e a lei para criar a Eletrobrás. Se Vargas saiu da vida para entrar na história, é nela que devemos buscar aprender de suas preciosas lições. Para ter elementos que fortaleçam a argumentação dos que querem fazer andar adiante a roda da História. Para nos dar mais condições de usar as poderosas armas da crítica, de modo a assegurar que este país siga seu curso de transformação social progressista e democrática.

Dilma, Mandela e Vargas

Mas, que poderá haver de comum entre Vargas, Mandela e Dilma? Lula já indicou as similaridades entre os dois últimos, que não havia ocorrido aos mais diplomados sociólogos. Vargas entra na equação porque também pegou em armas, levantou o povo brasileiro contra a oligarquia e a dependência ao capital estrangeiro. Historiadores contam que em apenas um dia mais de 30 mil brasileiros apresentaram-se como voluntários, em Porto Alegre, para receber armas e marchar sob a liderança de Vargas rumo ao Rio de Janeiro!

Vargas pegou em armas, mais do que isto, armou o povo brasileiro! E como resultado da Revolução de 30 surgem os direitos sociais, as leis trabalhistas, o direito de voto feminino, a licença maternidade, a reforma educacional, a universidade brasileira, além das medidas estratégicas como a nacionalização do sub-solo, preparando o terreno para a nacionalização do petróleo, a criação da Rádio Nacional, a nacionalização dos seguros, a previdência social etc. Estes são alguns dos resultados históricos concretos do gesto de Vargas de pegar em armas e de armar o povo brasileiro. Por isso ele ainda é, e para todo o sempre, tão odiado pelas oligarquias.

Vargas havia passado das armas da crítica para a crítica das armas. Havia até mesmo convidado Luis Carlos Prestes que já havia liderado uma épica rebelião também configurada como crítica das armas, a inapagável Coluna Prestes. O stalinismo frustrou a aliança de Vargas e Prestes. Talvez os prazos históricos tivessem sido outros no Brasil. Talvez...

Assim como talvez, se os clamorosos apelos de Tancredo Neves naquela dramática madrugada de 24 de agosto de 1954, no Palácio do Catete, para que Vargas lhe desse poderes para organizar a resistência armada contra o golpismo, inclusive organizando a resistência popular armada, o que já era uma experiência concreta na relação de Vargas com as forças populares, talvez, voltamos a dizer, o tiro que explodiu o coração do presidente da república tivesse encontrado pontaria histórica mais precisa e mais necessária.

Tancredo também apelara para que o presidente alvo de conspiração golpista armada pelo capital estrangeiro passasse das armas da crítica - a legítima defesa democrática - para a crítica das armas, com o pleno respaldo popular e da história. Aquele agosto de 54 apenas adiou a tragédia de 64, quando as oligarquias, como sempre ocorre na história, passam das armas da crítica anti-democrática - inclusive a manipulação mais grosseira da imprensa que implorava o golpe militar, e muitos editorialistas do golpismo ainda estão em atividade hoje - para a crítica das armas. Instala-se a ditadura armada contra um povo desarmado.

Quantas vezes na história povos pacíficos, esmagados, oprimidos, não tiveram outra alternativa a não ser, pela coragem de seus filhos mais prenhes de liderança, a de organizar a rebelião em nome das causas mais sagradas de uma Nação? Ignoram os que querem colar o rótulo de terrorismo sobre os lutadores do povo brasileiro, que a nossa história é rica em preciosas páginas de insubordinação contra situações tirânicas? Não, eles não ignoram, o que querem é que nós não nos lembremos da nossa própria história, de nossos heróis, de nossos mártires! Impossível.

Comecemos por recordar o alferes Tiradentes que lá nas Minas alterosas de dignidade e de amor à liberdade organizou a rebelião republicana contra a decrépita Coroa Portuguesa. “Por aqui passava um homem e como o povo se ria, liberdade e igualdade, a todos dizia”. Talvez naquela madrugada de 24 de agosto de 1954 o mineiro Tancredo Neves também se encorajasse da lembrança de Tiradentes, o herói ensandecido de amor pela liberdade, que já havia organizado uma das mais marcantes tentativas de passagem das armas críticas à critica das armas. Zumbi havia tentado antes. Em Guararapes também “aprendeu-se a liberdade, entre flechas e tacapes, facas, fuzis e canhões, brasileiros irmanados”, relembra o monumental samba de Martinho da Vila. Versão poética da crítica das armas...

O Padre Roma, organizou as crítica das armas configurada na Revolução Pernambucana de 1817. Pagou com a vida. Seu filho, o General Abreu e Lima, foi obrigado à tortura mais cruel: assistir o fuzilamento de seu próprio pai, ordenado pelo bárbaro Conde D’Arcos. Imbuiu-se de uma indignação tão infinita e inesgotável que tornou-se herói da Gran-Colômbia, lutando ao lado de Simom Bolíviar, derrotando o colonialismo espanhol. Quando volta ao Brasil, incorpora-se novamente na tarefa de exercer as armas da crítica e sua passagem à crítica das armas, quando novamente é punido pela participação na Revolução Praieira.

Na sua ausência, o Frei Caneca já tinha também pago com a própria vida pela legítima rebeldia republicana contra o colonialismo português. Brizola também, na célebre Campanha da Legalidade, também foi obrigado a passar das armas da crítica à crítica das armas, para impedir a volta do voto de bico de pena ou de ponta de baineta. Ou seja, temos tanta história! Pobre do país ou de povo que não produza rebeldes dispostos a entregar sua própria vida pelas causas mais nobres de uma nação. Acerta Lula quando afirma que Dilma é criticada pelas suas qualidades...

Na nossa irmã Angola, o poeta e médico Agostinho Neto, mesmo preservando a delicadeza de seus versos, pegou em armas e liderou a luta de seu povo armado contra o cruel colonialismo português. Tão cruel que ensina nos livros de história que os angolanos tinham rabos... Em Moçambique, outro poeta, o enfermeiro Samora Machel, também incorporou armas à sua dignidade e poesia, e organizou a luta armada de seu povo, por meio da Frelimo, para conquistar a independência do país.

Outras célebres personalidades do mundo também foram conduzidas, por implacáveis condições da história, a realizar esta dialética passagem das armas da crítica à crítica das armas. Miterrand, presidente da França, e sua Danielle, também pegaram em armas contra a ocupação nazista. Sandro Pertini também lutou com armas nas mãos contra os nazistas que ocuparam e esmagaram a Itália. Depois, lastreado por sua dignidade, tornou-se presidente da república. Nem é preciso lembrar do poeta vietnamita Ho Chi Min, do professor Mao Tsé Tung, do auto-didata León Trotsky, este organizador do Exército Vermelho, capaz de resistir ao cerco de onze exércitos estrangeiros simultaneamente.

Desarmamento unilateral

Quando Serra agride o presidente boliviano Evo Morales, que já tem na sua biografia o reconhecimento da Unesco por ter erradicado o analfabetismo na pobre Bolívia, soma-se ao coro dos desesperados barões da mídia naquele país que chamam o mandatário de “narco-presidente”. O curioso é que o governo da dupla FHC-Serra promoveu o mais perigoso processo de desarmamento da capacidade de defesa do Brasil de que se tem notícia. Mais que isso, a lei que instituía, após advertência, o tiro de interceptação, a chamada lei do abate, para ser usada contra aeronaves que adentravam ilegalmente o território brasileiro, não foi sancionada. A argumentação do governo de então era de que poder-se-ia atentar contra a vida de inocentes. Assim, aviões do tráfico de armas e de drogas podiam entrar com facilidade pelas nossas fronteiras sem que os militares brasileiros tivessem autorização legal para atuar. Sabendo disso, o tráfico atuava com ampla liberdade.... Duvidava-se, nos círculos governamentais tucanos, que os aviões trouxessem drogas ou armas. Será que traziam jujubas?

O sucateamento da capacidade de defesa organizado pela devastação neoliberal era pura e simplesmente desarmamento unilateral em favor de países que seguem ocupando posições estratégicas no planeta, com base em prioridade orçamentária inequívoca às suas respectivas indústrias bélicas. Fica claro aqui o lamentável sentido histórico dos que querem criticar a rebeldia que a ex-ministra teve na juventude diante de uma tirania implacável. Onde estavam estes “patriotas” que calaram-se diante do desmonte da indústria bélica nacional? Quem cala consente. Onde esconderam sua vergonhosa omissão quando um país com esta enormidade de costa e este potencial hidroviário teve sua indústria naval demolida? E a omissão conivente destes patrioteiros ante a demolição do sistema ferroviário? E o que dizer da magnitude do crime histórico de lesa pátria que significou a privatização da Embraer, sem contar o que a medida representou em redução unilateral e subordinada da capacidade nacional de defesa? Desarme que tem alcance de crime de lesa-pátria e que corresponde oferecer vantagens excepcionais ao'poder externo imperial, que, a cada dia, demonstra pretender novas e mais expansiva intervencoes militares...

Em jogo, a reconstrução

É certo que as políticas do governo da dupla FHC-Serra que ampliaram perigosamente as vulnerabilidades externas do Brasil, começaram a ser revertidas firmemente no governo da dupla Lula-Dilma, a começar pela instituição de uma Estratégia Nacional de Defesa, que vai mais além do que algumas medidas militares. Avança na coordenação entre uma concepção de desenvolvimento coordenada com defesa, industrialização e soberania, sem descuidar do reposicionamento das forças militares seja fisicamente, no território brasileiro, seja no conteúdo doutrinário pelo o que passa ser estudado nas academias militares, onde também são estudados textos dos vietnamitas Ho Chi Min e Giap, entre outros.

Além disso, vale citar a reconstrução da indústria naval brasileira e novo impulso para o programa nuclear iniciado na Era Vargas, destacando sua respectiva importância para a soberania nacional. E, também, o apoio determinante do Brasil para a criação do Conselho Sul-Americano de Defesa, em sintonia lógica e coerente com o processo de integração da região, hoje em curso. Em contrapartida, o governo da dupla FHC-Serra apoiou a anexação das economias latino-americanas aos EUA que se tentava implantar pela Alca, devidamente enterrado pelo governo da dupla Lula-Dilma. Para os que insistem em buscar meios de afirmar que não há grandes diferenças entre os dois principais candidatos, creio que aqui temos algumas diferenças abissais.

Certamente, tempos eleitorais são períodos em que as oligarquias mais revelam sua inépcia para o convívio com as práticas democráticas. Elas preferem a imposição e o esmagamento das forças populares. Normalmente, em termos históricos, isto ocorre recorrendo à crítica das armas, por meios reiteradamente ilegais. Ditaduras e mais ditaduras andaram pelas páginas da história.

Hoje, temos uma quadra do tempo em que, apesar da brutal desigualdade no acesso aos meios de comunicação, as forças populares encontram certas condições para exercer as armas da crítica. Seja pela voz de um presidente que usa legitimamente de sua popularidade para demolir mitos e falsificações midiáticas, seja pelo acúmulo da luta que as forças progressistas alcançaram, dando início a um processo de transformação que deve e pode ser aprofundado em favor dos mais empobrecidos.

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Folha, drogas, mentiras & dossiês

Reproduzo esclarecedor artigo de Saul Leblon, publicado no sítio Carta Maior:

Numa versão dissimulada da manipulação que Veja e Globo fizeram de forma escancarada na última semana, a Folha de S.Paulo resolveu contar ao seu leitor na edição de sábado, dia 5 de junho, um pedaço - ínfimo - da verdadeira história por trás do suposto dossiê contra José Serra que abala a campanha demotucana e ressuscita velhas torpezas presentes nas disputas presidenciais desde o fim da ditadura.

O resumo-malabarista dos acontecimentos não é assinado, o que desde já sugere um produto distinto da reportagem e mais próximo de uma alta "costura" política destinada a salvar as aparências perante leitores e eleitores depois do fiasco da operação-dossiê, que consistia em desqualificar denúncias graves – alucinadamente sempre omitidas - com o carimbo antecipado de conspiração petista. O que parece ter dado errado nesse exercício tantas vezes bem sucedido é que, primeiro, as informações negadas pelos jornalões vazaram e circulam livremente na Internet ; segundo, e mais complicado, a origem guarda credibilidade distinta dos dossiês eleitorais na medida em que se apóia em investigação minuciosa, ancorada em documentações muitas vezes chanceladas pela Justiça.

Na corrida contra o prejuízo, o produto oferecido aos leitores da Folha mantém a marca registrada de um certo padrão de jornalismo dissimulador, feito para confundir quando a missão de informar se revela inconveniente. É isso que está em marcha nesse momento em relação ao episódio do suposto dossiê. De forma coordenada, veículos diferentes armam um vertiginoso quebra-cabeças feitos de peças conflitantes que não se completam nunca. Dilui-se assim o que é central numa conveniente trama de sub-enredos reais ou imaginários. Valores em dinheiro totalmente contraditórios são jogados sem explicação. Declarações desencontradas diluem o principal em uma miríade de especulações laterais. Um mesmo personagem faz declarações diametralmente opostas em veículos diferentes, às vezes no mesmo dia. Sobre essa calda pegajosa que aos poucos satura e repugna mantém-se o guarda-chuva que interessa fixar. O vírus permanente da suspeição em relação ao governo, seu partido, sua candidata, seus métodos, a origem dos seus recursos, as relações internas entre seus membros enfim, tudo e todos que gravitam ao seu redor.

A chamada da primeira página da Folha segue a regra - "Jornalista e delegado são pivôs do caso do dossiê". Não há, a rigor, qualquer respaldo para essa manchete nas informações contidas na matéria interna que na verdade a desmente, ao admitir:

a) ao contrário do que Serra afirma e a Folha endossou obsequiosamente no noticiário generosos dos dias anteriores, e continua a insinuar na manchete, o comando da campanha de Dilma em Brasília não contratou nem produziu dossiê algum contra o candidato do conservadorismo brasileiro;

b) os personagens que a manchete arrola como ‘pivôs’ do caso do dossiê teriam participado, diz a matéria, de uma conversa com um publicitário indiretamente ligado à campanha do PT;

c) sempre segundo o padrão Folha de jornalismo, em meados de abril, cogitou-se criar um sistema de inteligência no comitê de Dilma, em Brasília, para detectar a presença de eventuais espiões de Serra –suspeita ancorada em sucessivos vazamentos de informações confidenciais sobre custos e recursos envolvidos na campanha;

d) a criação do ‘serviço’ relatado pela Folha – com as ressalvas anteriores sobre a qualidade da informação prestada por esse jornalismo - teria sido abortada por uma divergência de preço. Ponto. Mas e o dossiê que a Veja denunciou, o Globo repercutiu e a Folha escorou dando destaque às declarações de Serra que afirma ser de responsabilidade “exclusive” de Dilma? Aspas para o texto da Folha, novamente: a) “em 2 de maio”, diz o relato apócrifo, integrantes do PSDB souberam que a campanha de Dilma estaria montando [a mencionada] equipe de "inteligência" com o objetivo, deduziram, de espionar Serra. Fecha aspas. Quem “deduziram”?

A matéria não esclarece, nem questiona. A Folha não revela sequer curiosidade em relação a esse núcleo central da trama que ao deduzir erroneamente – pelo que diz o próprio jornal - criou o factóide surrado do “dossiê petista”, no qual embarcaram todos os veículos, bem como o candidato demotucano, que o PT ameaça levar à justiça para provar a acusação criminosa contra Dilma Rousseff. Por fim, mas não por último, resta a embaraçosa omissão da matéria da Folha sobre o mais importante: o conteúdo efetivo dessas informações cuja divulgação – “circula na Internet”, diz o texto - estremeceria a campanha demotucana, a ponto de se montar um coro despistador na tentativa de desqualificá-las por antecipação.

A dificuldade em tratar o principal é um sintoma da gravidade do que se tenta esconder. Um primeiro ponto remete ao autor das informações em litígio. Sobre esse personagem que a Folha conhece porque admite que já trabalhou na sua redação, bem como na de outros veículos de igual calibre, o texto faz menção curta sem abrir aspas para a entrevista óbvia que o assunto merece. Diz o jornal: “Amaury Ribeiro Júnior ... investigou por anos o processo de privatização brasileiro iniciado nos anos do governo FHC (1995-2002)”.

Omitiu a Folha aquilo que ela e todo o meio jornalístico sabem: o jornalista Amaury Ribeiro Júnior é dono de três prêmios Esso; venceu quatro prêmios Vladimir Herzog, é membro do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, apenas para citar alguns dados sobre a credibilidade do profissional que investigou e reuniu as informações escondidas pelo sistema midiático ao qual ele pertencia até recentemente. Não estamos falando portanto de uma Eliane Cantanhede. Em frente.

Segundo a Folha: a) “os dados começaram a ser coletados [por Ribeiro Jr] em sua passagem pelo ‘Estado de Minas’, principal diário mineiro, próximo politicamente do ex-governador Aécio Neves (PSDB-MG)”; b) “a apuração começou em 2009, depois que Aécio, então ainda um potencial presidenciável, foi alvo de reportagens críticas...” Alvo de quem? Curioso, no parágrafo anterior, a Folha desqualifica o trabalho investigativo do jornalista ao espetar no "Estado de Minas" o epíteto: “próximo politicamente do ex-governador Aécio Neves (PSDB-MG)”, mas nada relaciona sobre a “proximidade política” dos veículos responsáveis pelas “reportagens críticas” citadas em seguida apenas de raspão. A reportagem-malabarista não assinada da Folha passa olimpicamente por indagações obrigatórias de qualquer pauta cuidadosa. Que tipo de “reportagens críticas”; em benefício de quem foram feitas; um trecho, um exemplo?

Nada. Na verdade, a abordagem isenta exigiria quase que uma auto-imolação do diário da família Frias, uma auto-investigação das perdas e danos causados à informação por seu esférico engajamento na candidatura José Serra, indissociável do anti-lulismo praticado disciplinadamente por quase toda a sua redação.

É inescapável recordar uma passagem que condensa a radicalização inscrita em todo esse episódio, traduzido por um jornalismo de campanha – nunca assumido abertamente - praticado pelo conjunto da mídia conservadora, sobretudo a de São Paulo. Em 4 de março de 2009, o jornal "O Estado de São Paulo", por exemplo publicou – numa seqüência de disparos da mesma cepa deflagrados pela Folha, Globo etc - um artigo criticando de forma agressiva a pressão do governador mineiro Aécio Neves pela realização de prévias democráticas no PSDB para a escolha do postulante à Presidência da República. Àquela altura, a sempre oportuna prontidão do Datafolha dava a Serra 45% das intenções de voto, contra apenas 17% de Aécio Neves, que mal disfarçava o propósito de implodir a blindagem erguida em torno do rival paulista levando a disputa para fora do jogo de cartas marcadas arbitrado pela endogamia entre a cúpula do seu partido e a mídia do eixo São Paulo-Rio.

Os xiliques de Serra e a agressividade dos recados emitidos pelos jornais serristas demonstravam que nem um, nem outro, confiavam de fato nos confortáveis índices oferecidos à opinião pública interna e externa pelo instituto de pesquisas da família Frias. É nessa linha de tensão que surge o artigo “Pó pará, governador?” cujo título trazia uma insinuação de represálias sem limite, caso Aécio Neves insistisse em se colocar na disputa contra o tucano paulista.

A sombra da represália, por certo em munição letal, tanto que Aécio desistiu da candidatura - ficava explícita no parágrafo final do recado assinado pelo versátil porta-voz de interesses inconfundíveis, o jornalista, advogado, escritor, administrador de empresas, pintor e etc, Mauro Chaves. Depois de denunciar o controle do mineiro sobre a imprensa do Estado ["em Minas, imprensa e governo são irmãos xifópagos"], o texto concluía: "Aécio devia refletir sobre o que disse seu grande conterrâneo João Guimarães Rosa: "Deus é paciência. O diabo é o contrário. E hoje talvez ele advertisse: Pó pará, governador?".

Era uma chamada enigmática para alguns, mas inteligível para os círculos que já ouviram insinuações recorrentes sobre hábitos pessoais do governador.

É sobre esse campo minado por uma luta que dificilmente fará de Aécio um cabo eleitoral mais que formal de José Serra, que explodiu o resultado de anos de trabalho de um premiado jornalistas investigativo do país. A coleção de dados e cifras envolvendo a família, os amigos, assessores de confiança de José Serra, seus laços societários e eleitorais com a família de Daniel Dantas e as ligações do conjunto com privatizações e movimentos milionários de dólares, dentro e fora do país, formam um latejante paiol em forma livro prestes a explodir no colo da coalizão demotucana. Desdobrado em 14 capítulos, com lançamento previsto para depois da Copa do Mundo, o artefato deixa o insone assumido, José Serra, cada vez mais distante de uma noite de sono dos justos. Pior que isso: torna mais improvável ainda que ela ocorra um dia na cama do Palácio do Planalto.

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O dossiê do simulacro de imprensa

Reproduzo artigo enviado pelo amigo Gilson Caroni:

Pena que a ficção tenha durado tão pouco. Mas a trama era tão frágil que foi desconstruída com um simples artigo de Luiz Nassif. Trabalhando com a lógica dos fatos, o blogueiro mostrou que o anunciado “novo escorregão petista" era, na verdade, um livro do jornalista Amaury Ribeiro Jr. Uma obra tão reveladora dos bastidores tucanos que, antes mesmo de existir editorialmente, já virou leitura obrigatória.

Quem acompanha a história da imprensa brasileira sabe de suas conexões com interesses dominantes na sociedade fracionada. Conhece, e bem, como são editados fatos e discursos. Tem noção aguda de que a autonomia relativa de uma redação encontra seus limites nos interesses do patronato. Franklin Martins, Helena Chagas e Rodrigo Viana, demitidos em 2006, estão aí como “respaldo de provas robustas”, “evidências empíricas", sempre solicitadas pelos defensores da grande mídia corporativa quando acusados de trabalhar para partidos da direita, com doses descomunais de panfletarismo.

É de autoria de Paulo Francis a máxima segundo a qual “a história é monótona, a cada minuto nasce um leitor idiota”. Parece que, pelo que temos visto nos últimos oito anos, a suposta idiotia do leitor é algo datado, sem sinalização concreta nos dias atuais. Ainda assim, convém confrontar supostas espertezas que podem custar caro ao campo democrático-popular. Quando isso ocorre, a direita comemora com blocos editorializados no Jornal Nacional. E, claro, a nau dos insensatos ainda chama de bom jornalismo o que não passa de desabrida propaganda ideológica.

Na verdade, os jornalões produzem noticiário somente para leitores alinhados com sua política editorial e os colunistas, do alto de sua insignificância, escrevem para prestar conta apenas a seus patrões. Laurindo Leal Lalo Filho foi preciso ao definir o papel que sobrou o jornalismo impresso protofascista: ser fonte de munição para os veículos eletrônicos (rádio, TV e internet).

Faltou pouco para que a última edição do JN (sábado, 6/6) tivesse fundo musical. Afinal, era comemorativa e o regozijo com um suposto gol contra do adversário é conhecido do torcedor brasileiro. Se servir para ocultar as conquistas do atual governo, e o crescimento da candidatura de Dilma Roussef, tanto melhor. Saímos do campo futebolístico e adentramos a arena da luta de classes, sempre com a elegância da boa diagramação e o capricho nos títulos fortes.

O "dossiê", supostamente produzido pelo núcleo de campanha da ex-ministra, envolvendo Serra e pessoas próximas a ele, foi um presente “inesperado” para aqueles 5% que não se conformam com a reedição de um fenômeno inédito até 2006: uma vitória política, já consolidada no imaginário do eleitorado, não se desdobrar em vitória eleitoral.

Sejamos francos, só mesmo sendo muito ingênuo para cair no “conto do dossiê”. Qualquer pessoa, com um mínimo de bom senso, farejaria de longe a óbvia “trampa”. Um mínimo de pragmatismo saberia que vídeos e papéis, ainda que bombásticos, não teriam qualquer efeito prático à essa altura do campeonato em que, para o PT, a terceira eleição para a presidência da República é um fato altamente provável.

Tentou-se, sem o menor cuidado investigativo, reeditar a aventura midiática de 2006. Qual foi a construção que se procurou vender à época, no chamado “escândalo dos aloprados”? Um pouco de tática de luta sindical misturada ao desespero da facção paulista do partido, ávida por assegurar uma hegemonia em risco, poderia explicar o tiro eleitoral que quase acertou o pé. Ainda mais quando se farejavam as intenções de tucanos lacerdistas e os seguidos pronunciamentos do presidente do TSE (Marco Aurélio Mello) a lhes prometer sustentação legal em sua aventura. Os desmentidos não tardaram a aparecer e o "escândalo", tal como o do “mensalão”, passou a ter valor tão somente como provisão para efetiva perda de estoque informativo.

Para piorar, nas eleições passadas, ainda haveria outro “dossiê” a ser escondido no noticiário global. E ele veio do Pnad (Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio). Para desespero dos expoentes da Teoria da Dependência, que agora elegeram a UDN como modelo, o nível de pobreza caiu 19,18% nos três primeiros anos do governo Lula, o maior recuo em dez anos. Somemos a isso a retomada do emprego, estagnada há uma década, segundo Marcelo Néri, coordenador da pesquisa.

Mas, há quatro anos, o que mais impressionava no “dossiê” a ser ocultado viria a seguir: Os pobres e ricos tiveram obtiveram ganhos. Porém, segundo Néri, "50% dos mais pobres aumentaram sua renda em 8,5%, enquanto os 10% mais ricos, depois de cinco anos de perdas, tiveram ganhos de cerca 6%. A classe média teve um crescimento um pouco menor, de 5,5% da renda.”

Era esse o governo que tinha privilegiado banqueiros? Os editores se calaram. Aqueles que deveriam sempre se pautar por evidências empíricas que valem o sal de todo mês ficaram calados. Desde então, a grande imprensa se condenou a não cobrir questões programáticas, fugir da grande política, chafurdando no sistema de valências, da desqualificação pessoal e de histórias fantasiosas.

Se a grande mídia acreditasse em suas próprias representações, seria desnecessário reiterar que, se existem indícios, por mais tênues que sejam, de possível envolvimento de José Serra com os irregularidades da privataria, por ação ou omissão, tal possibilidade deveria ser investigada. Para um jornalismo correto denúncias não são liminarmente desqualificadas.

Para gáudio dos golpistas, seu colosso midiático produzirá edições inesquecíveis de Vejas e Épocas nas próximas semanas. Muito embora a população já tenha sinalizado que a direita pode estar gastando tinta e papel em vão, a dobradinha TSE-TV Globo estará no ar “orientando” os eleitores a não votar em candidatos envolvidos em “escândalos”. Claro que não relembra que a maioria deles é peça de ficção produzida nas melhores redações. Nunca, desde 1964, o empenho em derrotar uma liderança foi tão evidente a ponto de pôr no chão o marketing editorial de várias publicações.

Com tudo isso, creio que é bom lembrar que sobressaltos no período eleitoral já eram esperados. Mas alguns, convenhamos, são evitáveis. A direita não se deu sequer ao trabalho de atualizar métodos. A “venezuelização” do monopólio global já lançou sua palavra de ordem: a eleição não será televisionada. Este é o mote que assusta. E, que me desculpem os observadores mais apaixonados pelo ofício, as generalizações não incorrem em risco de erro. Lanzettas e Onésimos frequentarão páginas e telas por um bom tempo ainda. São os personagens à procura de um autor. Pobre Pirandello.

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Em tempo: Nunca as evidências estiveram tão à mostra e custaram tão barato. O pesquisador deve ir à banca e procurar pelos seguintes títulos: O Globo, O Estado de S.Paulo e Zero Hora. Uma olhada nas manchetes e títulos das dobras superiores já será de grande valia. Se quiser uma amostragem repleta de cores e luzes, deve procurar por publicações semanais. São um pouco mais caras, mas são muito piores.

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Na disputa por espaços de expressão

Reproduzo artigo do professor Venício A. de Lima, publicado no sítio Carta Maior:

O início das transmissões do canal internacional da TV Brasil da EBC – Empresa Brasil de Comunicação, na segunda feira (24/4), coloca o Brasil na velha e renovada disputa por um lugar não subalterno no cenário mundial.

Por razões de afinidade histórica, o canal internacional escolheu começar levando seu sinal ao continente africano onde estará disponível, inicialmente, para 49 dos 53 países. Na solenidade realizada no Itamaraty, em Brasília, o presidente de Moçambique, Armando Guebuza, fez uma saudação, gravada e levada ao ar pela TV Brasil Internacional, no início de suas transmissões.

Com esta iniciativa o Brasil se equipara a países como a Inglaterra (BBC), Espanha (TVE), França (France Television), Portugal (RTP), Japão (NHK), Alemanha (Deutsche Welle), Venezuela (Telesur) e outros que têm canais internacionais transmitindo continuamente, em língua nacional.

Os Estados Unidos, por óbvio, são culturalmente dominantes no Ocidente e a programação das emissoras de televisão comercial já mantêm índices elevados de conteúdo de origem norte-americana.

O que significa o canal internacional da TV Brasil?

Discursando na solenidade, a diretora-presidente da EBC Teresa Cruvinel afirmou que "tal como os canais internacionais das TVs públicas de outros países, a TV Brasil Internacional será um canal da nacionalidade brasileira, um instrumento de divulgação de país, do povo brasileiro, da cultura, da riqueza e da diversidade do Brasil".

Na verdade, o canal internacional da TV Brasil responde à necessidade – que vem sendo sentida também por outros países (emergentes?) – de terem seu próprio meio de expressão internacional, fora da unidirecionalidade dos fluxos de informação e entretenimento Norte-Sul, largamente dominante. Reafirma também a possibilidade de uma comunicação internacional alternativa à mídia privada comercial, prisioneira da lógica do mercado, homogênea cultural e ideologicamente.

É mais do que necessário mostrar o que somos e o que temos, e também aprender mais sobre os nossos vizinhos e parceiros que nunca ou raramente são mostrados na mídia comercial privada.

Acima de tudo, um canal internacional brasileiro, é o reconhecimento de que nossa política externa tem que disputar palmo a palmo o seu espaço, não só com os outros Estados nacionais, mas também com as grandes corporações multinacionais, inclusive – ou, sobretudo – com as grandes corporações de mídia – brasileiras e/ou globais – que além de serem poderosos conglomerados industriais, são responsáveis diretas pela construção, nos níveis local e internacional, de pensamento resistente às mudanças e, quase sempre, alinhado à política externa dos países hegemônicos.

Resta a esperança de que a EBC se consolide, nos termos do artigo 223 da Constituição, como empresa pública – nem estatal, nem privada comercial – e siga seu caminho de constituir-se numa alternativa complementar de qualidade para seus telespectadores. Não apenas no Brasil.

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A nova Folha: jornal do futuro?

Reproduzo artigo do escritor Washington Araújo, publicado no Observatório da Imprensa:

A intenção é sempre boa. Ninguém leva adiante reforma em jornal sem estar bem intencionado. Muitas vezes parte da constatação de que a fonte secou e, acima de qualquer outra prioridade, o ribeirão precisa ressuscitar. De imediato surgem logo duas correntes. Uma defende que o jornal precisa acompanhar os novos tempos, os avanços da tecnologia, o advento de novas formas de comunicação; outra defende que a história do jornal deve ser preservada, suas conquistas, lutas em tempos de maior ou menos respeito à liberdade de expressão. Entre as duas, ganha uma terceira, aquela que diz que podemos mudar para continuar sendo o que sempre fomos.

É quando a faxina assume ares de reforma. Posicionam-se os móveis da casa de outra maneira, manda-se forrar aquele velho conjunto de estofados, troca-se a luminária da direita e descobre-se que não é mais importante ter o setor de chapelaria porque as pessoas que visitam o jornal dificilmente usarão chapéus. Fecha-se a seção chapelaria e ordena-se o sumiço de seu peculiar mobiliário, aqueles vários ganchos (espetos para uns) sem qualquer outra utilidade.

Como em toda faxina, descobre-se na ativa objetos inúteis, mas com evidente valor afetivo. Estes precisam ser mantidos. Mas em outro lugar, não assim tão à vista. Faxina não exige desprendimento de quem a executa e sim gosto pela limpeza e senso de organização. Reforma exige boa dose de coragem para decretar expirado o prazo de validade de certas coisas e ousadia na escolha de outras.

Para repor as energias

Há poucos dias, tratei neste Observatório da reforma fartamente propalada pelo jornal Folha de S.Paulo. Emiti considerações sobre o que o próprio jornal estava divulgando em seu habitual afã de ser visto como dono do futuro. A Folha demonstra muito maior interesse em anunciar a reforma do que em realizá-la. É como se estivesse subjugada pelo marketing fácil, esse que faz da propaganda autorreferente um fim em si mesmo. Se não houvesse uma operação de guerra para publicizar a reforma, será que seus leitores notariam alguma diferença entre o jornal antes e o jornal depois, como fazem anúncios de remédios para emagrecer?

Nada de errado nisso. Mas tem algo que me incomoda. Essa história de que agora, com a reforma, o jornal passa a ser do futuro. O viés da arrogância e da pretensão enfim encontrou meio de se manifestar em toda sua estúpida inteireza. Quem disse que podemos tomar posse do futuro se mal damos conta do presente e nem sabemos como lidar com o passado? Futuro não é matéria do presente. Futuro, com cara de futuro, conteúdo de futuro e jeito de futuro é o que está sempre por vir, à espreita, emitindo sinais que nem sempre se confirmam, nem sempre se unem à matéria da realidade.

Futuro é também como criança trabalhosa, aquela que não fica quieta, que parece ter o tal bicho carpinteiro e cuja missão na vida é desarrumar nosso pensamento e nossa vontade. E, qual criança trabalhosa, dessas que dão trabalho extenuante, imenso, sem paradas nem claudicações, sem pit-stop para repor as energias, o futuro adora escapulir como areia vazando dos dedos. Ao alcance da mão e distante dos olhos e ao alcance dos olhos, mas distante das mãos. Então, não me venham me vender o presente como se futuro fosse. Enquanto meus três neurônios estiverem aptos ao trabalho, saberei distinguir passado, presente e futuro.

Meios de discernimento

Ora, essa! Ainda mais jornal avançando, se esparramando futuro afora. Fosse descoberta no campo da biologia molecular ainda passava, sim, estaríamos na ante-sala do futuro. Fosse especialista em nanotecnologia, com sua mania de reducionismo exacerbado, ainda poderia sucumbir ao canto do futuro hoje. Mas… jornal? Justamente o que perde a validade em duas dúzias de horas, que diz a que veio em não mais que 1.440 minutos, e começa a expirar no momento mesmo em que começou a inspirar, coisa que chega no máximo a 86.400 segundos? Para ser jornal do futuro teria que abandonar de vez as âncoras do presente, se libertar das circunstâncias, ousar no limite, fazer a viagem para dentro em busca de mundos novos e com certeza “nunca dantes navegados”. Agora, como o paciente leitor deve ter percebido, o assunto me pegou de jeito. E sigo adiante. O que seria, então, um jornal do futuro?

Seria o jornal apreciado pelo leitor do futuro. Nesta breve frase imagino existir um mundo de reflexões latentes, matéria viva germinando. Como seria o leitor do futuro? Para começar, teria que ter olhos posicionados na ponta dos dedos. E não apenas no rosto. Teria que manejar novos códigos de comunicação e manter atualizados filtros aptos a separar cultura e conhecimento úteis de seus similares inúteis. Não poderia ser o leitor de hoje: sempre com o pé atrás, em atitude de crescente desconfiança, achando que está sendo engrupido, manipulado descaradamente pelos cartéis da grande imprensa.

O leitor do futuro teria meios de discernimento eficientes para detectar as reais intenções do editorialista, do articulista, do analista econômico, do resenhador de livros, discos e filmes. E teria também um chip no olho esquerdo. Sempre que estivesse lendo uma matéria plantada, a defesa de algum interesse escuso, as letras do texto ficariam irremediavelmente desfocadas e a imagem, como por encanto, desapareceria dando lugar a outra.

País de triste passado

O leitor do futuro teria expertise em uma porção de coisas. Por exemplo, em não deixar as entrelinhas esmagadas pelas linhas. E, ainda no desjejum matinal, tomaria dois comprimidos que trariam de forma condensada a informação que mais lhe apetece: se amasse música clássica seria rapidamente informado dos principais lançamentos na área, ouviria pequenos trechos, saberia do processo criativo da obra em formação e lhe seriam identificadas, de par em par, críticas favoráveis e desfavoráveis por quem entendo do riscado; se fosse aficionado de política internacional, logo estaria inteirado das contagens regressivas em andamento, quais guerras estavam no nascedouro e quais estivessem em andamento mesmo que uma das partes ainda não estivesse consciente disso; se fosse apaixonado pelo texto dotado da clara claridade de Clarice Lispector, logo estaria equipado para viver dia com tudo a que tivesse direito, com sensibilidade tal que poderia pegar em asas de borboleta sem machucar.

O leitor do futuro acessaria notícias por seu sentido mais apurado: se fosse a audição, tudo chegaria por esse meio, se fosse a visão, o som e a imagem estariam sempre entrelaçados produzindo a informação na medida. O leitor do futuro não seria o leitor do futuro e sim o destinatário da informação, o beneficiário final da notícia. Ler seria o de menos, até porque as notícias não chegam apenas pela antiquada forma da leitura. Novamente, acho que puxei demais o novelo e agora vejo fios espalhados por todos os lados.

Acelerei muito o pensamento e sou obrigado agora a dar um cavalo-de-pau. Puxo, então, o freio de mão da razão. Preciso retornar ao tema desse texto: a Folha de S.Paulo que se apresentou domingo (23/5/2010) como sendo o jornal do futuro. Menos de uma semana depois do grandiloqüente anúncio, feito para nublar qualquer conquista sobre a ignorância que invade nosso código genético, leio com desalento sua manchete de sexta-feira (28/5): “Hillary vê risco para o mundo no acordo Brasil/Irã”.

Será que, no futuro alardeado pelo jornal, é esperado que seus leitores captem o futuro com um misto de medo e impotência? O jornal do futuro preza em demasia o teor de cataclismo, de desgraça grande que parece carregar a visão de Hillary Clinton sobre o Brasil. Pobres de nós, brasileiros, não bastasse Hillary e esta sua visão estampada com ênfase aterrorizadora, ainda temos o jornal do futuro para repercuti-la. No caso específico entendo que esta primeira página da Folha nos remete a um país de triste passado, aquele que gripava ante o espirro ocasional da potência do Norte. Nos restos das entrelinhas sufocadas ainda consigo ler algo como: “Tremei brasileiros: Hillary nos escala para a bola da vez, depois do Irã”. Recuso-me, desde logo, a participar do futuro antecipado pelo jornal.

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O papel da Telebrás na banda larga

Reproduzo trechos da entrevista de Rogério Santanna, novo presidente da Telebrás, publicada no jornal Correio Braziliense:

Por que o Plano Nacional de Banda Larga é tão criticado, sobretudo pelo setor privado?

Os fabricantes de equipamentos no Brasil consideram o plano uma ótima oportunidade de ver essa indústria revitalizada. O Brasil tinha mais de 60 empresas nessa área e hoje há pouco mais que 13, que sobreviveram porque têm boa tecnologia. Quem não gostou foram os que estavam em uma situação de monopólio na maior parte das cidades onde atuam. É estranho que se chame de mercado aquilo que é monopólio. Segundo a própria Net, só há concorrência em 184 cidades.

Evidentemente, estão reagindo à entrada onde os pequenos provedores vão poder concorrer. Dizer que as regras mudaram não é correto. As regras que o ex-ministro (das Comunicações) Sérgio Motta estabeleceu na época das privatizações, que eram de estimular a competição, pouco a pouco foram esquecidas e nós voltamos para um ambiente de concentração e de controle por uma única empresa em mais de 2 mil municípios. Em 3 mil, não há nada.

Então, houve falhas no processo de privatização?

Eu sempre gosto muito de usar uma frase de um escritor gaúcho que respeito muito, que é o Luiz Fernando Veríssimo. Ele disse: "Nada envelhece tão depressa quanto os futuros de antigamente". Os futuros de 10 anos atrás já envelheceram. Aquilo que nós pensávamos que ia ser o futuro das telecomunicações não se realizou. Ninguém sonhou que a internet ia ter essa dimensão que tem, que a telefonia celular ia ocupar esse espaço. São duas inovações que ninguém previu. Isso afeta muito o negócio e as operadoras estão envolvidas nesse processo. Elas têm que repensar. Nós temos que sair da posição de 60, onde nós estamos (no acesso à banda larga), para ter uma posição de 10º, de 5º, que é o nosso lugar na economia. Temos a telefonia mais cara do mundo.

Mesmo sem o imposto?

Sim. De 70 economias emergentes, temos a mais cara, disparado: US$ 28 de conta média. Na Índia, custa US$ 5. Na China, não chega a esse preço. Nossa situação não é boa. Isso inibe o desenvolvimento.

Estudos mostram que, a cada 10% de aumento de penetração do acesso à internet, há 1,4% de aumento do PIB. Se nós queremos ser um país com inserção na sociedade do conhecimento, temos de mudar radicalmente a forma com que lidamos com a banda larga. Se ela for uma commoditty barata, as empresas brasileiras estarão na ponta da inovação.

Os empreendedores brasileiros são muito criativos e, certamente, se nós instituirmos um ambiente que promova a concorrência, os custos do país vão baixar. Até do governo, que poderá prestar uma série de serviços que permitirão levar conhecimento para o interior do Brasil e aplicações como telemedicina, a nota fiscal eletrônica. Temos oportunidades na área de serviços, na área de novas aplicações, hardware. Não é possível ser ingênuo a ponto de dizer que o país não possa ter uma infraestrutura própria, com competência, no seu próprio país.

Então a banda larga é questão de segurança para o país?

Sim. Senão, o submarino nuclear que vai patrulhar as costas brasileiras não vai conseguir falar com um avião do último modelo que estamos comprando. Não sabemos qual vai ser a empresa vencedora, mas, com certeza, terá tecnologia de ponta. E como que esses caras falam? Falam por um satélite comercial, por exemplo?

O senhor está se referindo ao pré-sal?

Sim. No reforço da Marinha brasileira, em função das riquezas nos campos de pré-sal, os submarinos vão precisar conversar com a Aeronáutica. Como é que eles vão se falar? Por satélites comerciais ou eles vão usar redes que nós controlamos? Não dá para ser ingênuo ao ponto de o país não ter autonomia.

Hoje, então, há risco de vazamento de informação sigilosa porque o governo não tem rede própria de telecomunicações?

Isso já aconteceu. Não é um fato novo. Na época da Brasil Telecom, vários e-mails de ministros foram interceptados pela empresa operadora interessada na questão. No governo Fernando Henrique, na contratação do Sivam-Sipam (programas de monitoramento da Amazônia), comunicações dos militares foram interceptadas por fornecedores interessados e acabaram interferindo em um acordo que ia ser feito com a França. Não é possível que a gente não tenha uma estrutura. É uma questão de segurança de Estado. Como é que vamos trabalhar com informação reservada, combatendo tráfego de drogas, com uma rede frágil, que pode ser escutada a qualquer momento?

A crítica mais recente à reativação da Telebrás é um possível conflito de interesse pelo uso de informações privilegiadas por funcionários da estatal que estão cedidos para a Anatel. Existe esse risco?

Deveríamos fazer uma discussão mais ampla sobre o tempo em que os conselheiros das agências ficam em quarentena quando saem. No caso da privatização, houve vários conflitos. O Fernando Xavier terminou de privatizar a Embratel, tirou umas férias prolongadas e foi ser presidente da Telefonica no Brasil. Não se fez um escândalo sobre isso ser uso de informação privilegiada, nem de conflito de interesse. O próprio Antonio Carlos Valente, atual presidente da empresa, saiu do conselho da Anatel, fez um estágio no Peru, ficou quatro meses de férias e foi trabalhar para a Telefonica, uma empresa regulada por ele como conselheiro. E ninguém achou que tinha conflito de interesse. O que é estranho é que agora, quando se trata de funcionários mais baixos que retornam à sua empresa de origem, haja esse conflito.

Em outros países, as regras são mais rígidas para esse tipo de situação?

Nos Estados Unidos, a quarentena de um conselheiro é de cinco anos para falar do assunto. Do 5º ano ao 10º, ele pode dar aula, mas não trabalhar numa empresa. Aqui, são quatro meses. Isso são férias prolongadas. O problema não é a saída do pequeninho, mas sim a do Xavier e a do Valente para trabalhar na Telefonica. É ridículo.

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