terça-feira, 16 de novembro de 2010

Ricaço preocupado: "agora pobre voa"



* O ator Marcelo Adnet ironiza os eleitores da elite no Comédia MTV. Espero que o Roberto Civita, dono do Grupo Abril e sócio do MTV, não tenha visto o programa. Elitista e rancoroso como é, pode até demitir o bem humorado humorista.

PIG reforça preconceito contra nordestinos

Reproduzo artigo de Paulo Henrique Amorim, publicado no blog Conversa Afiada:

“Depois de uma campanha presidencial violenta e baseada na mistificação, o resultado não podia ser outro: xenofobia. Mas, quem ganha com a divisão do Brasil?”

Esta pergunta assustadora foi extraída da reportagem da Cynara Menezes, na CartaCapital de 10 de novembro de 2010, em que analisa o “legado” da campanha de José Serra.

A obra com que José Serra se despedirá da política brasileira (no plano nacional): o ódio.

Nesta excelente reportagem de Cynara – ela demonstra que, mesmo sem todos os votos do Nordeste, a Dilma se elegeria, fácil – este ordinário blogueiro descobriu o professor Durval Albuquerque Jr, professor de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e autor do livro “Preconceito contra a Origem Geográfica e de Lugar (Editora Cortez).

A entrevista com o professor Albuquerque vai ao ar nesta terça feira, às 21h15, na RecordNews.

O professor Albuquerque também critica a campanha de ódio de José Serra.

Ele fala que a campanha abriu a caixa de Pandora e tirou de lá o preconceito.

A tentativa de dizer que o Brasil é bicolor: azul para os do Sul, limpinhos, cheirosos, com PhD em Harvard; e vermelho para os pobres, desdentados, famintos e analfabetos do Nordeste.

Foi o que tentou fazer a Folha, ao dizer, logo depois da eleição, que o Nordeste elegeu a Dilma.

O professor Albuquerque lembrou que mora numa cidade – Natal – em que Serra venceu.

E nasceu em Campina Grande, na Paraíba, onde Serra venceu.

Mas, a intolerância, como se sabe, não guarda relação com a racionalidade.

Albuquerque lembrou que há sete anos não se ouve falar em assalto a supermercado, nem invasão de feira nas áreas de estiagem do Nordeste.

Por que?

Porque o Bolsa Família gera renda e gera emprego.

O Bolsa Família não é Bolsa Vagabundagem, como disse a Notável Estadista chileno-brasileira, Monica Serra.

O Bolsa Família não aliena; ao contrário, diz Albuquerque.

Conscientizou, fez com que as pessoas se sentissem gente e passassem a querer mais.

A propósito, o professor Albuquerque lembrou de artigo da professora Tânia Bacelar, da Universidade Federal de Pernambuco – “o nordestino não votou por miolo de pão”.

Por que Dilma teve 80% dos votos do Maranhão?

Oitenta por cento dos maranhenses recebem o Bolsa Familia?

Não, porque as políticas do governo Lula beneficiaram todas as classes do Maranhão.

Também no Nordeste, lembra Albuquerque, a classe média e a elite estão chateadas porque não conseguem mais empregada doméstica por salário miserável.

Acabou a escravidão – diria este ordinário blogueiro.

Este ordinário blogueiro perguntou ao professor Albuquerque como se acaba com o preconceito, com essa intolerância.

Ele acusou a mídia, aqui chamada de PiG.

Mais especificamente falou de “comentaristas” e "colonistas" da televisão que, logo após a eleição desqualificaram a eleição da Dilma com o argumento e que eram votos dos pobres ignorantes do Nordeste.

Ou seja, ele se referia – sem dar o nome – à GloboNews, que se tornou um viveiro de intolerantes (para usar uma palavra doce).

A mídia estimula, engrossa o preconceito, segundo o professor Albuquerque.

Nesse ambiente de mídia que toma partido – como é o caso do PiG e da GloboNews – só o voto obrigatório garante a inclusão social.

É por isso que este ordinário blogueiro repete: ou a Dilma faz a Ley de Medios ou o PiG derruba ela .

Depois que o PiG a derrubar, comentaristas da GloboNews farão analises profundas sobre como o Azul superou o Vermelho; ou, como os cheirosos valem mais que os fedorentos.

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Crise econômica global e gasto militar

Reproduzo artigo do economista cubano Osvaldo Martinez, publicado no sítio CubaDebate:

A estrutura do orçamento dos Estados Unidos e a lógica de sua política econômica, com Bush e Obama, é a de uma economia de guerra na qual o gasto militar exacerba o déficit fiscal, mas permite o funcionamento de um “equilíbrio do terror financeiro”, repassa imensos lucros ao complexo militar industrial e mantém uma chantagem global baseada na força militar.

Uma simples olhada no orçamento de 2010 dos Estados Unidos permite examinar a magnitude do gasto militar e o papel que este joga em conjunto com o gasto para os pacotes de resgate dos bancos e entidades financeiras quebradas.

O montante do orçamento é de 3,94 trilhões de dólares e o déficit previsto é de 1,75 trilhão, equivalente a quase 12% do PIB [1].

O gasto militar oficial é de 739,5 bilhões de dólares, embora se forem incluídos outros gastos indiretos ou encobertos, o gasto superaria 1 trilhão de dólares.

O gasto no resgate das entidades financeiras falidas na crise, efetuado pelas administrações de Bush e Obama alcança 1,45 trilhão, enquanto que os juros devidos pela dívida pública são de 164 bilhões de dólares.

Isto significa que quase toda a receita do orçamento (2,38 trilhões) se consome somente pelo gasto militar mais os resgates da oligarquia financeira e uma pequena proporção por juros da dívida pública. Não fica praticamente nada para outros tipos de gastos.

Se considerarmos que o gasto militar ronda o trilhão de dólares e que a parte da receita orçamentária correspondente aos impostos familiares é de 1,06 trilhão, temos que quase todos os impostos pagos pelas famílias nos Estados Unidos mal dão para cobrir o enorme gasto militar.

Os Estados Unidos são o país mais endividado do mundo, embora o significado prático disto seja diferente para este país que para qualquer outro, porque se encontra endividado na moeda nacional que ele mesmo cria e faz circular.

O financiamento da enorme dívida pública federal ascendente a 14 trilhões de dólares, sem incluir dívidas dos estados e municípios é de características surrealistas.

Para o crescimento dessa dívida pública contribuíram os pacotes de resgate aos bancos, mas essa dívida é financiada por uma retorcida operação mediante a qual o governo financia seu próprio endividamento, pois o dinheiro dado como resgate aos bancos é financiado em parte tomando empréstimos aos mesmos bancos.

Por sua vez, os bancos impõem condicionalidades ao governo no manejo da dívida e como o dinheiro deve ser empregado. Depois de terem sido “resgatados” os bancos exigem cortes maciços no gasto público em serviços para a população, a privatização de infraestruturas e serviços como água, rodovias, lazer, mas não se toca no gasto militar.

E não se toca porque “War is Good for Business” (A guerra é boa para os negócios) e a mesma oligarquia que maneja o mercado financeiro obtém elevados lucros procedentes do gasto militar. E esse gasto militar - como parte do déficit público - é financiado por operações de guerra econômica que se aquecem cada vez mais e ameaçam mesclar a guerra econômica com a guerra provavelmente nuclear que os Estados Unidos incubam na complexa meada de seus interesses e contradições econômicas e geoestratégicas.

O equilíbrio do terror financeiro

A peculiar estrutura mediante a qual os Estados Unidos atuam como uma economia parasitária que financia seus déficits e seu gasto militar recebendo injeções financeiras do resto do mundo é parte da “normalidade” da ordem econômica global. Ter reservas monetárias em dólares que se reciclam para comprar bônus ou outros instrumentos do Tesouro que financiam a dívida estadunidense, e com ela a escalada militar, é considerado pelos neoliberais como uma manifestação do equilíbrio de mercados livres.

O poder midiático apresenta esta reciclagem como resultado da confiança na fortaleza econômica dos Estados Unidos porque outros países enviam para lá seus dólares para ser investidos [2].

O real é que os estrangeiros põem seu dinheiro nos Estados Unidos não porque sejam importadores de mercadorias desse país, nem tampouco são investidores privados comprando ações ou bônus. Os maiores aplicadores de dinheiro nos Estados Unidos são os bancos centrais que não fazem outra coisa senão reciclar os dólares que seus exportadores obtiveram e por sua vez cambiaram por moedas nacionais.

Com déficits comercial e fiscal crescentes nos Estados Unidos, se produz uma inundação de dólares para o exterior, que agora são impulsionados pela baixa taxa de juros norte-americana e pela emissão alegre de papéis verdes.

Os países receptores de dólares (a China em especial) se vêem colocados diante de um dilema. Não participam nem têm influência alguma sobre decisões econômicas do governo dos Estados Unidos, que se aproveita do privilégio do dólar. Se aceitam a inundação de dólares, seja por excedentes comerciais ou pela baixa taxa de juros norte-americana ou por ambos os fatores, sofrem a pressão para a elevação da sua taxa de câmbio, a perda de competitividade comercial e o perigo de deixar aninhar perigosos capitais especulativos de curto prazo.

Para evitar essa inundação, a conduta imposta é comprar papéis de dívida emitidos pelo governo norte-americano e acumulá-los nas reservas monetárias, sofrendo o perigo de que qualquer desvalorização do dólar seja uma desvalorização de suas reservas. À China ou a outros países que acumulam grandes volumes de dólares ou de papéis da dívida norte-americana denominados em dólares, não se lhes permite comprar ativos não financeiros nos Estados Unidos. Quando a China tentou (a compra de instalações para a distribuição de combustíveis) o governo dos Estados Unidos o proibiu. Nesse caso não valem o livre fluxo de capitais, o livre comércio e a retórica habitual. Só podem comprar ativos financeiros para financiar os déficits estadunidenses.

Ao comprar os bônus do Tesouro os países entram no “equilíbrio do terror financeiro” e passam a contribuir para financiar um destino não previsto nem desejado: o gasto militar do Pentágono.

Ocorre assim para os países receptores de dólares surgidos dos déficits norte-americanos, uma dupla compreensão. São lesionados ao ver-se estruturalmente empurrados a financiar passivamente a máquina militar norte-americana por meio de um “equilíbrio do terror financeiro” baseado não em sua superioridade econômica, mas no poderio militar. E ao fazê-lo, países como a China e a Rússia estão alimentando o mesmo gasto e poderio militar que aponta armas nucleares para eles.

O maciço gasto militar tem um objetivo geoestratégico hegemônico e sua lógica última é a guerra.

Não poucas pessoas nos Estados Unidos crêem nas virtudes de estímulo econômico que uma guerra pode trazer. Recordam com nostalgia que a guerra hispano-cubano-americana, a primeira guerra da etapa imperialista, serviu em 1898 para que os Estados Unidos escapassem da crise econômica daquela década. O que foi a Segunda Guerra Mundial? Esta finalmente provocou a suficiente destruição de forças produtivas para deixar para trás a Grande Depressão e abrir caminho aos dourados anos 1950. A recessão de finais dos anos 1940 foi superada com a ajuda da guerra da Coréia.

Esta nostalgia, que incrementa o perigo de uma catastrófica guerra nuclear, ignora que aquelas guerras convencionais correspondentes à época pré-nuclear poderiam atuar como estímulos anticrises, mas a guerra atual da era nuclear perdeu essa capacidade.

As guerras com armas convencionais tinham duas virtudes como reanimadoras da economia: mediante a produção maciça de armamento convencional para atender pedidos do Estado em guerra, se gerava emprego nas cadeias produtivas de então, e também a guerra convencional acelerava a destruição de forças produtivas que a crise econômica tinha iniciado, e levava ao nível suficiente para impulsionar a recuperação sobre a base da reconstrução do pós-guerra. A destruição era a suficiente para completar e acelerar o peculiar papel da crise econômica como destruidora de riqueza para iniciar depois outra fase expansiva e não era tanta ao ponto de ameaçar a vida da espécie humana e do planeta. Era possível para o capitalismo não só sobreviver, mas utilizar a guerra como tônico estimulante para a economia.

A guerra nuclear na atual etapa não seria estimulante frente ao principal problema orgânico da crise que é o desemprego, pois agora a tecnologia sofisticada para fabricar armas utiliza muito pouca força de trabalho, mas sua capacidade destrutiva é tão formidável que o destruído não seriam fábricas, capitais financeiros ou algumas cidades, mas o planeta e a espécie humana depois do cataclismo do inverno nuclear.

A guerra atual, se é guerra convencional de desgaste como a do Iraque e do Afeganistão, não pode ser ganha pelos Estados Unidos nem é estimulante para sair da crise econômica, se é guerra nuclear que se estabelece como ameaçadora possibilidade, tampouco serviria para sair da crise porque não eliminaria o grande problema do desemprego, mas serve para fazer grandes negócios a partir do tipo de gasto público que se maneja com total opacidade e falta de critério, o gasto no qual os Bernanke, Geithner, Summers, Strauss Kahn, nada decidem: o gasto militar, o qual é capaz de reunir em si mesmo a ambição hegemônica e o super lucro do grande negócio.

Para os Estados Unidos, debilitado economicamente e com uma cultura produtiva declinante, o recurso de última instância é a ameaça constante de guerra sustentada no gasto militar crescente. Mas, a ameaça constante de guerra e o gasto militar possuem uma dinâmica diabólica que tende a realizar-se na guerra real, quando convergem a mentalidade belicista, os conflitos pela hegemonia em petróleo, gás, água etc., disfarçados de razões humanitárias ou religiosas e a crença de que na guerra nuclear pode haver vencedores.

O declínio da economia da maior potência militar apresenta fortes tensões entre um poderio militar muito superior a qualquer outro e, pela mesma razão, ambicioso de hegemonia, e uma economia em retrocesso, que exportou boa parte de sua capacidade industrial, mergulhou no parasitismo financeiro, se acomodou no consumismo do produzido por outros e perdeu a cultura produtiva que alguma vez foi relevante. Alguns assinalam que seguindo essas tendências, o país que ao terminar a Segunda Guerra Mundial dominava a economia mundial com sua capacidade produtiva, se encaminha a consumir os produtos do exterior e a exportar somente filmes, espetáculos musicais, imagens glamorosas de um consumismo insustentável e armas.

O atraso econômico frente aos ritmos de crescimento da China e não só dela, mas do chamado BRIC+3 (Indonésia, Coréia do Sul, Malásia) é também uma fonte de tensões. Ao ritmo que crescem estes países chamados emergentes, seu PIB chegará em 2020 ao que agora tem o G-7.

As tendências apontam para o retrocesso econômico dos Estados Unidos e a previsível utilização da força militar para manter a posição dominante da segunda metade do século 20.

Essas tensões se manifestam nas guerras no Iraque, Afeganistão, Paquistão, na ameaça de guerra nuclear contra o Irã e a Coréia do Norte e também nos golpes e intentos de golpes de estado na América Latina (Honduras, Venezuela, Equador, Bolívia); adicionalmente, na crescente militarização na forma de instalação de bases militares norte-americanas em escala global e na conformação de uma doutrina de guerra que inclui, entre outras coisas, a perigosa redefinição das bombas nucleares “pequenas” - podem oscilar entre a metade e até 6 vezes a capacidade da bomba de Hiroshima - como armas que fazem parte de um menu de opções cuja utilização pode em teoria, ser decidida pelo comando no teatro de operações. Significa que um general no teatro de operações dispõe de uma “caixa de ferramentas” para escolher, na qual tem disponíveis mini bombas nucleares que poderia utilizar como o faria com os blindados, a artilharia etc.

Rumo à guerra econômica?

Nas últimas semanas a economia mundial está fervilhando com as noticias sobre a guerra das divisas. Esta guerra foi preocupação central da reunião de ministros das Finanças do FMI em 23 de outubro e de novo, assim como em todas as Cúpulas do G-20 realizadas depois do início desta crise global, foram reiteradas as solenes declarações de compromisso com o “livre comércio” e a não aplicação de barreiras ao funcionamento dos mercados.

Nestas primeiras escaramuças de uma possível guerra se vêem com clareza os contendores. Por um lado, os Estados Unidos tratando de reanimar sua economia a todo custo, aproveitando-se do fato de contar com a moeda de reserva internacional que é também sua moeda nacional. Ademais, lança uma torrente de dólares para o exterior a fim de desvalorizar o dólar, melhorar sua posição competitiva e ao fazê-lo, elevar as taxas de câmbio dos demais, prejudicá-los no comércio, fazê-los reciclar os dólares comprando instrumentos da dívida norte-americana. Por outro, o restante das economias do mundo, em especial os exportadores de matérias primas do Sul, os que além do que foi dito acima, sofrem a afluência de capitais especulativos voláteis impulsionados pela baixa taxa de juros que os Estados Unidos mantêm como instrumento sem êxito para reanimar o investimento.

A transformação destas escaramuças em uma verdadeira guerra ao estilo da ocorrida nos anos da Grande Depressão dependerá da profundidade e duração que alcance a crise global. Se ela se agravar, poderá ocorrer que a guerra das divisas venha a ser o prelúdio de uma guerra comercial com a aplicação de políticas nacionais de “empobrecer o vizinho” e o desaparecimento da retórica livre-cambista e os juramentos de fé no multilateralismo.

Para todos se tornou evidente que o governo dos Estados Unidos não faz outra coisa que aplicar o nacionalismo para resolver seus problemas internos, valendo-se do privilegio do dólar e encurralando os demais. Não seria estranho que esta conduta encontrasse a reciprocidade de outros e, no contexto de longa crise agravada, poderia explodir o sistema de regras e instituições que nasceu no pós-guerra prometendo não repetir jamais uma guerra comercial.

Crise econômica e tendências políticas

A crise global tem estado mais ligada com um giro para a direita do que com um fortalecimento das forças anticapitalistas.

A relação entre crise econômica e tendências políticas foi variada no século passado. Considerando somente as maiores crises econômicas e sua tradução em resultados políticos, estas incluíram um movimento de pêndulo para a esquerda nos anos da Primeira Guerra Mundial e para a direita nos anos da Grande Depressão.

A economia russa de 1917 sofria os estragos dos anos de guerra, mas também o impacto da crise econômica européia. O triunfo da Revolução de Outubro de 1917 foi associado à crise, ainda que, obviamente, somente ela não podia gerar esse triunfo histórico anticapitalista. Muitos outros fatores interagiram com a crise econômica, mas o resultado final foi que a situação extrema a que a guerra, a autocracia czarista e a crise tinham levado a população russa, foi captada, interpretada e dirigida por uma organização política que se propunha terminar com o capitalismo e construir o socialismo.

Nos anos 1930 do século passado a Grande Depressão foi a maior crise econômica até então ocorrida, mas o que predominou associado a ela foi o fortalecimento do fascismo. Na Alemanha a combinação de indenizações pagas aos vencedores na guerra anterior, a inflação galopante, eliminada por uma condução centralizada e fortemente controlada pelo Estado fascista, a eliminação do desemprego através de grandes obras públicas e a liderança de um fanático de direita, deu como resultado o fascismo no poder e a Segunda Guerra Mundial.

Nos Estados Unidos, na Europa e na América Latina houve nesses anos movimentos de esquerda e para a esquerda, mas não alcançaram vitórias estratégicas. Não existe uma determinação mecânica pelo qual o desemprego, a pobreza, a insegurança que uma crise econômica provoca, conduza o pêndulo para a esquerda.

A insegurança e inclusive o desespero que uma crise gera pode ser apropriada e conduzida para objetivos políticos pela esquerda ou pela direita, na dependência da leitura correta ou incorreta que façam as forças em disputa, das ações concretas e da capacidade da liderança.

Na crise atual não tem sido relevante até o momento a resistência aos efeitos e políticas associadas a elas, apesar do forte impacto no emprego e do custo social que alcançou.

A greve geral na Espanha em 29 de setembro e as manifestações francesas contra a política do FMI de ajuste fiscal, são noticias a acompanhar, mas simultaneamente se fortalece a direita nos Estados Unidos e na Europa, enquanto que na América Latina se desenvolve uma contra-ofensiva imperialista contra os governos da Alba.

Nos Estados Unidos o Tea Party avança no controle do Partido Republicano, e Obama sofre um forte voto de castigo, como expressão eleitoral do giro à direita de massas norte-americanas as quais estão se deslocando à direita pelo desemprego, a extensão da pobreza e a perda da habitação.

O Tea Party é um perigoso conglomerado em que se misturam a ignorância, e o primitivismo político com a intolerância, os preconceitos e a crença cega em ser o povo eleito para conduzir o mundo.

Sua ideologia é uma mixórdia fascistóide que inclui unir a Igreja e o Estado, eliminar os subsídios para o desemprego, expulsar os imigrantes, eliminar as ajudas para pessoas deficientes, considerar que a masturbação é equivalente ao adultério e, claro, reduzir os impostos, desmantelar o “grande governo” e destruir pela força a conspiração islâmico-russo-chinesa que obstaculiza o domínio mundial.

A Europa mostra tendências em similar direção. É de registrar que na Alemanha um partido racista e xenófobo poderia alcançar 15% dos votos. Na Itália a Liga Norte possui força. Na Holanda e na Suécia apesar de suas tradições de tolerância, partidos racistas têm chegado ao parlamento. Na França foram expulsos milhares de ciganos para a Romênia e a Bulgária, países membros da União Européia.

O movimento por um outro mundo, do Foro Social Mundial, perdeu força e se encontra atravessado por pugnas entre ONG’s de países do Norte financiadas por interesses políticos nada interessados em conquistar um mundo melhor, e movimentos sociais com posições de luta anticapitalista, em especial na América Latina.

A luta na França e na Espanha contra o ajuste fiscal neoliberal na época do neoliberalismo desprestigiado, pode marcar o início de um movimento de ascensão na resistência popular.

Parece mediar certo período entre a eclosão da crise e o aparecimento da mobilização social frente a elas, como se fosse necessário que o desemprego, a insegurança e a desesperança se aprofundassem suficientemente para lançar as pessoas ao protesto e à mobilização social. Assim ocorreu nos anos da Grande Depressão, pois somente em 1932-33, três anos depois da eclosão da crise, apareceu a pressão dos “de baixo”.

Para lutar por um mundo melhor e deixar para trás o capitalismo, a espécie humana tem que sobreviver e o planeta deve ser salvo. Para que os humanos sobrevivam é preciso deter a ameaça de guerra nuclear e para salvar o planeta deve cessar a agressão do mercado contra a natureza.

Frear a ameaça de guerra nuclear significa em termos imediatos desativar o plano de agressão ao Irã com a participação de Israel e no médio prazo, cortar o gasto militar que se combina de modo perverso com o declínio da economia norte-americana, para sustentar dois equilíbrios de terror: o financeiro e o militar. E para desperdiçar imensos recursos em máquinas, tecnologias e bombas para matar.

NOTAS

1- Michel Chossudovsky e Andrew Gavin Marchall. The Global Economic Crisis. (A Crise Econômica Global), em Global Research. 2010. Pág. 47-48.

2- Michael Hudson: The “Dollar Glut”. Finances America’s Global Military Build Up. (O “Excesso de Dólar”. As Finanças do Crescimento Militar Global da América), em The Global Economic Crisis. Capítulo 10.

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Comunicação: quatro anos de ilegalidade

Reproduzo artigo de Venício A. de Lima, publicado no Observatório da Imprensa:

No sábado, dia 20 de novembro, serão quatro anos que o Conselho de Comunicação Social, órgão auxiliar do Congresso Nacional, criado pela Constituição de 1988, se reuniu pela última vez. Um ano atrás, neste Observatório, publiquei artigo intitulado "CCS: Três anos de ilegalidade".

Matéria da Folha de S.Paulo sob o título "Congresso vai reativar conselho de comunicação", publicada no último dia 31 de outubro, informa que "no recesso de julho, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), despachou cartas a dezenas de entidades anunciando a medida [reativação do CCS], e 21 delas já indicaram nomes para compor o órgão".

A se confirmar a informação, o senador do Amapá, exemplo emblemático do coronel eletrônico, terá esperado os últimos dias de seu terceiro mandato como presidente do Congresso Nacional para cumprir a lei. Todavia, até este momento, apesar da ilegalidade flagrante, a situação não se alterou.

Desta forma, tomo a liberdade de repetir aqui praticamente os mesmos argumentos do artigo publicado um ano atrás na expectativa de que, em novembro de 2011, talvez a Constituição e a lei estejam sendo cumpridas.

Responsabilidade do Congresso Nacional

Criado pela Constituição de 1988 (artigo 224) e regulamentado pela Lei 8.389 de 1991, os integrantes do CCS são eleitos em sessão conjunta do Congresso Nacional. Acontece que a Mesa Diretora, vencidos os mandatos dos conselheiros ao final de 2006, jamais promoveu a eleição dos novos membros. O § 2º do artigo 4º da Lei é claro:

Art. 4° O Conselho de Comunicação Social compõe-se de:

(...)

§ 2° Os membros do conselho e seus respectivos suplentes serão eleitos em sessão conjunta do Congresso Nacional, podendo as entidades representativas dos setores mencionados nos incisos I a IX deste artigo sugerir nomes à mesa do Congresso Nacional.


Trata-se, portanto, de evidente descumprimento de uma lei exatamente por parte do poder que tem o dever constitucional maior de criá-las e, espera-se, deveria cumpri-las.

A situação chegou a tal ponto, que um integrante do próprio Congresso Nacional, a deputada Luiza Erundina (PSB-SP), em agosto de 2009, entrou com uma representação na Procuradoria Geral da República para que o Ministério Público investigue os motivos pelos quais não se promove a eleição dos novos membros do Conselho de Comunicação Social.

Triste história

Ao longo de 2009, em pelo menos duas ocasiões, tratei da questão neste Observatório ("Por que o CCS não será reinstalado" e "CCS: o Senado descumpre a lei"). O tema, paradoxalmente, não merece a atenção da grande imprensa, apesar de os donos da mídia terem, pelo menos, a metade dos membros do CCS.

Como se sabe, o CCS, apesar de regulamentado em 1991, só logrou ser instalado onze anos depois como parte de um polêmico acordo para aprovação de Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que, naquele momento, constituía interesse prioritário dos empresários de comunicação. A Emenda Constitucional nº 36 (Artigo 222), de maio de 2002, permitiu a propriedade de empresas jornalísticas e de radiodifusão por pessoas jurídicas e a participação de capital estrangeiro em até 30% do seu capital.

O fato é que, mesmo sendo apenas um órgão auxiliar, o CCS instalado demonstrou ser um espaço relativamente plural de debate de questões importantes do setor - concentração da propriedade, outorga e renovação de concessões, regionalização da programação, TV digital, radiodifusão comunitária, entre outros.

Vencidos os mandatos de seus primeiros integrantes, houve um atraso na confirmação dos membros para o novo período de dois anos, o que ocorreu apenas em fevereiro de 2005. Ao final de 2006, no entanto, totalmente esvaziado, o CCS fez sua última reunião e os novos membros nunca mais foram eleitos.

Atribuições

Nunca será demais relembrar quais são as atribuições que o CCS deveria estar exercendo se o Congresso Nacional cumprisse a Constituição e a Lei. O artigo 2º da Lei 8.389/91 reza:

O Conselho de Comunicação Social terá como atribuição a realização de estudos, pareceres, recomendações e outras solicitações que lhe forem encaminhadas pelo Congresso Nacional a respeito do Título VIII, Capítulo V, da Constituição Federal, em especial sobre:

a) liberdade de manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação;

b) propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias nos meios de comunicação social;

c) diversões e espetáculos públicos;

d) produção e programação das emissoras de rádio e televisão;

e) monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação social;

f) finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas da programação das emissoras de rádio e televisão;

g) promoção da cultura nacional e regional, e estímulo à produção independente e à regionalização da produção cultural, artística e jornalística;

h) complementaridade dos sistemas privado, público e estatal de radiodifusão;

i) defesa da pessoa e da família de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto na Constituição Federal;

j) propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens;

l) outorga e renovação de concessão, permissão e autorização de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens;

m) legislação complementar quanto aos dispositivos constitucionais que se referem à comunicação social.


Além disso, dois outros diplomas legais atribuem competências específicas ao CCS:

1. A Lei 8.977 de 6 de janeiro de 1995 (Lei do Cabo) diz em seu artigo 44 que ele deve ser ouvido em relação a todos os atos, regulamentos e normas necessários à sua implementação; e

2. A Lei 11.652 de 7 de abril de 2008 (Lei da EBC) diz em seu artigo 17 que o Conselho Curador da empresa de radiodifusão pública deve encaminhar a ele as deliberações tomadas em cada reunião.

Por que o CCS não funciona?

O Congresso Nacional e, sobretudo, o Senado Federal, abriga um grande número de parlamentares com vínculos diretos com as concessões de rádio e televisão. O CCS é um órgão que - insisto, mesmo sendo apenas auxiliar - discute questões que ameaçam os interesses particulares desses parlamentares e dos empresários de comunicação, seus aliados. Essa é a razão - de fato - pela qual o Congresso Nacional descumpre a Constituição e a lei.

Indefensável é a cumplicidade gritantemente silenciosa da grande mídia e daqueles que nos lembram quase diariamente dos supostos riscos e ameaças que a liberdade de expressão enfrenta no Brasil e em países vizinhos da América Latina.

O funcionamento regular de um órgão auxiliar do Congresso Nacional, composto por representantes dos empresários, de categorias profissionais de comunicação e da sociedade civil, com a atribuição de debater normas constitucionais e questões centrais do setor, não interessaria à democracia?

Por que, afinal, o Conselho de Comunicação Social não funciona?

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Preconceito da afiliada da TV Globo em SC



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“Eu quero a banda larga”

Por Altamiro Borges

As eleições presidenciais mostraram mais uma vez, para quem ainda nutria ilusões, que a mídia oligárquica é uma grande inimiga do povo brasileiro. Ela fez de tudo para garantir a vitória de José Serra, o candidato da direita neoliberal. Produziu factóides, difamou reputações, estimulou os piores preconceitos religiosos e morais – em síntese, realizou uma das campanhas mais sujas da história do país. Apesar das manipulações, o povo derrotou o demotucano e sua mídia venal.

Agora, é preciso extrair as lições desta contenda. A direita perdeu a batalha, mas não desistiu da guerra. Ela continuará tentando manipular corações e mentes. Para evitar futuras derrotas, o povo precisará avançar na sua politização, mobilização e organização. Uma frente decisiva neste rumo é exatamente o da luta pela democratização dos meios de comunicação. Enquanto persistir o latifúndio da mídia, controlado por de meia dúzia de famílias, a nossa luta será bem mais difícil.

O direito universal à internet

Nesse processo de acumulação de forças, ganha destaque a batalha pela imediata implantação do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) para garantir a universalização do direito à internet de alta velocidade para toda a sociedade. Fruto da pressão social, o governo Lula anunciou recentemente investimentos de R$ 13,2 bilhões num plano com a meta de atingir 40 milhões de casas conectadas com banda larga até 2014 – com um custo unitário que varia de R$ 15 a R$ 35.

O plano tem suas limitações, mas representa um enorme passo para democratizar a informação e a cultura. O acesso à banda larga estimulará meios alternativos de comunicação, garantirá maior interatividade entre as pessoas e pode ajudar a despertar o senso crítico na sociedade. Na batalha eleitoral, a internet já serviu como contraponto à manipulação dos barões da mídia. No mundo atual, quem não tiver acesso à internet será um novo tipo de marginalizado – o excluído digital.

A violenta resistência dos poderosos

As corporações que dominam a mídia já perceberam o perigo do PNBL. Por razões econômicas e políticas, as multinacionais da telefonia (Claro, OI, Vivo, Telefônica) e os feudos da radiodifusão (TV Globo e outras) já declararam guerra ao plano do governo. Eles não aceitam a Telebrás, uma estatal recriada para garantir o acesso às fibras óticas da internet. Temem perder seus lucros, sua audiência e seu poder político de manipulação da sociedade.

As empresas capitalistas não têm qualquer compromisso com o povo, com a real democratização da informação e da cultura. A internet no Brasil é uma das piores do mundo – cara, lenta e de má qualidade. Até o final de 2009, somente 21% das residências possuíam acesso à internet no país. As operadoras enganam o consumidor, anunciando velocidades que não entregam. O custo é dos mais elevados. Na Rússia, ele corresponde a 1,68% da renda per capita; no Japão, a 0,5%; já no Brasil, o seu custo suga o equivalente a 4,5% da renda mensal. Um verdadeiro roubo!

A urgência da pressão social

Apesar das evidências do atraso do Brasil no acesso à internet, as poderosas empresas não estão dispostas a perder seus privilégios. Elas não têm qualquer compromisso com a inclusão digital, com a garantia da universalização deste direito. Farão de tudo para barrar o PNBL, para sabotar a Telebrás e para manter o serviço como fonte de lucro, destinado às elites. Para os capitalistas, a internet é mercadoria e só terá acesso a ela quem tiver grana para pagar. O povo que se dane!

Para os movimentos sociais, a luta pelo PNBL ganha relevo. Ele permite democratizar os meios de comunicação, possibilita estimular o desenvolvimento cultural e impulsiona a luta contra a exclusão social - e digital. A exemplo de outras batalhas estratégicas, como a da reforma agrária, a luta pela banda larga se encaixa na mobilização pela ampliação da democracia. Ela é decisiva no processo de acumulação de forças dos movimentos sociais contra a exploração e opressão.

* Artigo publicado no Jornal do MST.

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CSA da França zela pelo pluralismo

Reproduzo matéria publicada no Portal Convergência de Mídias da Secom:

Zelar para o pluralismo das expressões. Esta é uma das mais importantes funções do Conselho Superior para o Audiovisual (CSA) na França. O órgão é especializado no acompanhamento do conteúdo das emissões televisivas e radiofônicas, mesmo as que se utilizam de plataformas digitais. A informação foi enfatizada nesta quarta-feira (10), pelo diretor adjunto da instituição reguladora, Emmanuel Gabla, durante o Seminário Internacional das Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias.

O evento está promovendo, desde a última terça-feira (9), ampla troca de experiências sobre sistemas reguladores das comunicações e informações no mundo.
“Uma das missões suplementares e mais importantes da CSA é zelar para que haja sempre uma pluralidade de discursos presentes no audiovisual francês”, afirmou Gabla. Para isso, a CSA conta com uma equipe de cerca de 300 pessoas, com diversos perfis, para acompanhar, analisar e propor ações, quando constatada alguma irregularidade.

Na cabeça desse grupo trabalham nove executivos com mandato de seis anos cada, indicados em números iguais pela presidência da república, câmara de deputados e senado.

“Nós acompanhamos cada um dos canais de televisão e rádio para ver se existe um equilíbrio de posições entre diferentes partidos políticos”. Um dos princípios dessa ação, segundo Gabla, é observar se há igualdade de oportunidades de exposição de posições tanto por parte do grupo político majoritário quanto por parte da oposição.
A CSA é responsável também pelo cumprimento das leis que tornam obrigatórias a difusão de, pelo menos, 40% de filmes de origem francesa e 50% de origem européia; zelar pela proteção da infância e quantidade máxima de inserção de publicidade e distribuição de concessões para emissoras de rádio e TV.

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Rica experiência em regulação de Portugal

Reproduzo matéria publicada no Portal Convergência de Mídias da Secom:

A regulação das comunicações em Portugal conta com duas agências: a Entidade Reguladora para Comunicação Social (ERC) – cuida da qualidade do conteúdo – e a Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom), que distribui o espectro de rádio entre as emissoras de radiodifussão e as empresas de telecomunicações. “A Anacom defende os interesses das pessoas como consumidoras e nós, como cidadãos”, diz o presidente da ERC, José Alberto de Azeredo Lopes, que participou nesta terça-feira (9), em Brasília, do seminário internacional Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias.

O presidente da Anacom, José Amado da Silva, que também apresentou a experiência portuguesa durante o seminário, concorda com Lopes: “As questões comerciais se sobrepõem às de cidadania se forem tratadas por um mesmo órgão”, alerta o jurista.
Segundo Lopes, todos os países europeus têm alguma entidade para cuidar da qualidade do conteúdo. “Para nós é uma coisa banal, que faz parte do conceito de democracia”. Para ele, as ações da agência são importantes na defesa da liberdade de expressão porque a luta comercial durante essa fase de convergência de mídias dificulta a independência editorial por meios apenas de mercado.

A ERC foi formada após o fracasso de entidades feitas a partir de representantes do setor, tanto de trabalhadores como de empregados. Isso porque o fato de representar interesses coorporativos dificultava a liberdade de tomada de decisão independente da agência. O modelo atual parte da escolha de quatro membros por parlamentares e um quinto, como primeira decisão do próprio colegiado recém formado. Todos têm mandato e não podem ser retirados do cargo, como juízes de cortes superiores.

Uma das funções da ERC é fazer regulamentos e diretivas, por meio de consultas públicas com a sociedade e o setor. Medidas impositivas, como obrigar que 25% das canções nas rádios sejam portuguesas, só podem ser tomadas por lei. Outra função é servir de ouvidoria da imprensa, a partir da queixa gratuita apresentada por meio de um formulário no sítio da ERC. As reclamações podem ser feitas por pessoas ou por meio de representações coletivas.

Segundo Lopes, as punições por medidas não comerciais, por meio de direito de resposta, são mais efetivas do que multas. Em primeiro lugar, porque a multa pode sufocar uma pequena rádio e nem ser sentida pela grande empresa. Além disso, o cidadão não é beneficiado por ela, pois o dinheiro vai para o órgão regulador. “Sem contar que obrigar um telejornal a se retratar tem um efeito na reputação dos jornalistas, que devem preservar o seu contrato de confiança com o público”, diz Lopes.

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A FCC e a regulação da mídia nos EUA

Reproduzo matéria publicada no Portal Convergência de Mídias da Secom:

A pesquisadora da Universidade John Hopkins, Susan Ness, defendeu, nesta quarta-feira (10), em Brasília, que os governos busquem ampliar ao máximo a competição entre operadores de telefonia e de fornecedores de canais de TV paga. Além da transparência na distribuição do espectro de rádio, para ela, os reguladores devem também perseguir a meta de ser tecnologicamente neutros, sempre que possível, para que definições técnicas não restrinjam a competição.

As afirmações foram feitas no último dia do seminário internacional sobre Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias, promovido pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República.

Segundo Susan Ness, uma das polêmicas mais importantes nas telecomunicações norte-americanas atualmente é com relação às empresas que fornecem acesso à internet por banda larga. Para ela, o ideal é ter o máximo de concorrência, de modo a baixar os preços ao consumidor e gerar mais oferta de serviços. Mas, acrescentou, ainda não há consenso no debate no Congresso e na Federal Communications Commition (FCC), órgão regulador ligado à presidência da República dos EUA, do qual ela fez parte durante a administração Clinton.

Enquanto uma corrente de juristas defende usar princípios da legislação antitruste, já aplicada em outros setores, como o conceito de monopólio natural empregado em linhas de transmissão de energia ou ferrovias, há quem busque um lei completamente nova para a internet.

Neste contexto, porém, Susan Ness vê com bons olhos a iniciativa de técnicos ligados às empresas que se reunem em busca de uma alternativa técnica para resolver essa questão. “No caso de uma tecnologia tão nova, o ideal talvez seja mesmo reunir engenheiros ao invés de advogados, pois não existe ainda um limite muito claro do que pode ser oferecido”, disse.

A norte-americana relatou que, nos últimos 20 anos, houve muitas transformações que multiplicaram as possibilidades de oferta de acesso à internet e à distribuição de conteúdo. “Quando eu estava na FCC, há tão pouco tempo, a telefonia móvel praticamente não existia. Os aparelhos pesavam dois quilos e eram usados apenas em carros”, lembra. Susan, acrescentando que o atual governo investe em pesquisas para ampliar o uso do atual espectro, por meio de compressão de dados e outras soluções de computação.

“Como não estou mais no governo, posso falar livremente: achei muito interessante que o governo britânico levou o seu ministério da Defesa a repassar à iniciativa privada o espectro que estava sob sua jurisdição”, comentou.

Segundo ela, o mesmo pode ser feito nos Estados Unidos e outros países, pois há áreas geográficas de pouco interesse comercial e onde há uma grande demanda de uso civil.

Do ponto de vista de Susan, investir no aumento da oferta é chave para a democratização das comunicações, pois permite surgir uma ampla gama de produtores de conteúdo, inclusive de minorias e colônias de imigrantes recentes para os Estados Unidos.

Para garantir a pluralidade, o regulador deve estar atento a oferecer espaço no espectro de radiodifusão a minorias, grupos étnicos e de opinião. “Meu país tem uma tradição forte na defesa da liberdade de expressão, independentemente da ação do governo”, opina Susan. No entanto, o regulador pode compensar [falhas], dando emissoras para que pessoas que hoje não têm capacidade de agendar a mídia ter voz.

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Lei argentina desmonta monopólio midiático

Reproduzo matéria publicada no Portal Convergência de Mídias da Secom:

A Argentina tem, desde o ano passado, uma nova legislação na área de audiovisual, que substituiu um decreto da época do regime militar de 1980, que excluía a participação de organizações sociais sem fins lucrativos e praticamente determinou que não houvesse mais emissoras públicas dos anos 80 ate os dias de hoje. A nova regra tem como normas adotadas em outros países, como Estados Unidos, Espanha, Inglaterra, França e Canadá.

O relato do processo de regulamentação audiovisual na Argentina encerrou, na tarde desta quarta-feira (10), o Seminário Internacional de Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias, em Brasília. O diretor nacional de Supervisão da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (AFSCA), Gustavo Bulla, apresentou um quadro comparativo entre os cenários anterior e posterior à promulgação da Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual, em 2009.

Bulla afirmou que a lei “é o primeiro instrumento legal feito na Argentina de baixo para cima”. O esqueleto da nova legislação foi elaborado em 2004 e partiu de um manifesto com 21 pontos para uma radiodifusão democrática. O documento foi elaborado por uma entidade que representou 300 organizações sociais argentinas.

Em 2008, foi elaborado um pré-projeto, levado para discussão em 24 Fóruns de Participação, com mais de 10 mil participantes. Destes encontros foram colhidas 1.300 propostas de modificação do pré-projeto, que resultou em 200 alterações.

Uma vez obtida a redação final, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, enviou o projeto ao Congreso de la Nación – Câmara dos Deputados e Senado. Depois de discussão em comissões, a lei foi aprovada nas duas estâncias. A norma, imediatamente promulgada, enfrenta uma série de obstáculos, vindos principalmente da oposição, de parte do setor jurídico e dos grandes grupos de comunicação.

No quadro comparativo, Bulla mostrou que a nova lei argentina tem como referência leis de outros países: Estados Unidos, Espanha, Inglaterra, França e Canadá. Da legislação deste último foram retirados critérios para a renovação de licenças de radiodifusão aberta e por cabo.

De acordo com a antiga lei argentina, as licenças eram concedidas pelo Estado por 25 anos, e renovadas praticamente de forma automática por outros 25. Agora, as licenças serão entregues aos operadores por um período de dez anos, com prorrogação de outros dez, mas sujeitas à algumas condições.

Para renovar a licença, o operador deverá se submeter a uma audiência pública de avaliação, que funcionará como subsídio para a decisão das autoridades do setor no momento de decidirem ou não pela prorrogação. “Isso faz com que os usuários tenham participação em um processo ativo, de tomada de decisões sobre o setor” lembra Bulla.

Setores representativos da sociedade argentina, como sindicatos, cooperativas e outros, têm na nova Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual a garantia de espaço representativo. Ela obriga que um terço do espectro seja dedicado às organizações civis. “A legislação anterior, que na verdade era um decreto da época do regime militar de 1980, excluía a participação de organizações sociais sem fins lucrativos e praticamente determinou que não houvesse mais emissoras públicas dos anos 80 ate os dias de hoje”, pontuou Bulla.

No setor de distribuição por cabo, o esforço em desmontar a concentração dos poucos grupos midiáticos está refletido nos artigos que tratam desta questão. A Argentina é o terceiro país em volume de assinantes. Com 65% dos lares conectados ao cabo, o terceiro no ranking americano, e fica atrás apenas dos Estados Unidos e Canadá. Por isso é importante garantir a diversificação da oferta de conteúdo, lembrou o diretor.

As operadoras, que até então não esbarravam com nenhuma restrição em relação ao número de canais, passam a ter 24 licenças. Cada licença tem de abrangência a dimensão geográfica de uma cidade média argentina, com raio de ação de 50 km.
Baseado na legislação americana, a nova regra argentina prevê que nenhum operador de TV aberta ou por cabo pode ter mais de 35% da audiência do mercado global. Se um grupo opera em Buenos Aires, cidade com a maior população do país, dificilmente poderá operar em outro lugar, porque a margem permitida por lei já estará ocupada pelos usuário da capital.

Futebol

De acordo com Gustavo Bulla, “os direitos exclusivos de transmissão das partidas de futebol foram o “cavalo de Tróia” dos grandes conglomerados midiáticos”. Segundo ele, foram as estratégias para assegurar o monopólio sobre os direitos de transmissão do futebol que ditaram a ampliação do monopólio do setor audiovisual na Argentina.

Hoje, o Estado argentino é detentor do direito de transmissão de futebol. A partir daí foi possível levar este conteúdo para todos os argentinos, principalmente para as classes de menor renda, que não tinham acesso aos serviços por cabo.

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O melô do José Serra derrotado




Vídeo postado no Blog da Dilma - uma sátira à terceira derrota dos demotucanos.

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segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Os 10 anos da Rede 3-Setor

Reproduzo entrevista de Carlos R. S. Moreira concedida à jornalista Rita Alonso, do sítio do Instituto Virtual do Turismo. Aproveito para dar os parabéns ao Beto pelo incansável trabalho militante:

Carlos R. S. Moreira, engenheiro de formação, 49 anos, conhecido como Beto, fundou em 2000 e modera (levemente) a lista 3setor - Lista de Informação e Discussão do Terceiro Setor, um fenômeno no yahoo groups. Em maio de 2009, quando da formulação das perguntas desta entrevista, a lista contava com 14.186 inscritos. Nesta entrevista Beto nos fala sobre esta experiência.

Beto, qual é o objetivo da lista 3setor?

Promover conhecimentos, debates, divulgar eventos e compartilhar experiências, entre pessoas e instituições que tenham interesse em questões sociais, tais como: cidadania, projetos sociais e sócio-culturais e ambientais, responsabilidade social, comunicação e marketing na área social.

São os mesmos objetivos desde a fundação?

Sim.

Como surgiu a idéia de organizá-la? O que o motivou?

No ano 2000, fiz uma Pós-Graduação (MBA) em Marketing na Fundação Getúlio Vargas (FGV), neste curso foi montada uma rede para articular a turma, foi a minha primeira experiência com redes virtuais. Terminei a pós e fui fazer o curso "Desenvolvimento de Competências Gerenciais", no Centro de Educação para o Trabalho e a Cidadania do Senac Rio, as matérias eram: Marketing no Terceiro Setor, Processo Participativo na Gestão de Pessoas, Previsão e Acompanhamento orçamentário de Projetos Sociais e Elaboração de Projetos Sociais e Identificação de Fontes de Recursos. Para articular a turma montei a Rede 3setor. A Rede contribuiu para que a turma trocasse informações e ao termino do curso ficou um gosto de quero mais e as seguintes perguntas: Por que parar? É possível ampliar a Rede? Como fazer?

A primeira tentativa de ampliar a Rede 3setor foi feita no "I Seminário Terceiro Setor, a construção da rede social", promovido pela TECNOART, em 21 de novembro de 2000, no auditório da FIRJAN, Av Graça Aranha, 112 - Centro Rio de Janeiro - RJ. Fiz um panfleto explicando o que era a rede que circulou no seminário que tinha em torno de 700 participantes, ao término foram feitas mais de 200 inscrições na Rede 3setor, nascia ali a ampliação da Rede.

Como é o seu funcionamento e que tipo de moderação faz na rede?

O grupo é moderado, nem tudo que é enviado é liberado. Não são liberadas mensagens fora do foco (puramente pessoais, agressões), repetidas, com HTML e assuntos relacionados a administração do grupo.

A rede não tem HTML e anexos, as mensagens são leves e sem vírus, no formato texto, para diminuir o peso e eliminar a possibilidade de vírus, que são distribuídos nos anexos e no HTML.

Que outras atividades a lista proporcionou ou proporciona aos seus usuários?

A rede promoveu 10 encontros presenciais, alguns dos temas debatidos foram: Elaboração de Projetos Sociais e Culturais; Construção de Indicadores para Elaboração de Projetos Sociais; Leis de Incentivo à Cultura e Marketing Cultural; O Projeto Social nas Perspectivas do Gerenciamento, do Marketing e da Captação de Recursos; Mídia, Marketing Social, Construção de Imagem - O que está na cabeça, escrito, no projeto e como o outro entende; Empregabilidade no Setor Público e Privado; Microcrédito e Cooperativas; Responsabilidade Social e Desenvolvimento Sustentável; Economia Solidária e Geração de Renda; Mobilização, Captação de Recursos e Sustentabilidade; Idosos e Exclusão Urbana; Educação e Voluntariado.

Qual é a estratégia de divulgação da rede?

A rede é divulgada em eventos que tenham como foco as questões sociais, destaco a divulgação em quatro Fóruns Sociais Mundiais e em centenas de outros eventos regionais, municipais ou nacionais, onde as questões sociais estavam presentes. Outro local de divulgação são os eventos de comunicação para aumentar a capilarização da rede.

A rede por si só já se auto divulga pela internet, muitas mensagens que circulam pela rede são replicadas para muitos lugares, no final de cada mensagem tem um rodapé que explica o que é a rede e como chegar até ela, o repasse de mensagens na rede é grande, devido à qualidade, diversidade, quantidade de mensagens e número de participantes.

Qual o perfil de usuário da rede?

Um perfil diversificado. A rede foi divulgada em periferias e em lugares mais centrais, no BNDES, na FIRJAN, em universidade, seminários e fóruns diversos. Um tema comum entre os participantes da rede é o interesse nas questões sociais, quem não de identifica com este tema, dificilmente permanece na rede.

Moderando a lista em todos estes anos, qual (is) o(s) tipo(s) de mensagem(ns) mais freqüente(s)?

Divulgação de eventos, livros e debates sobre cidadania, projetos sociais e sócio-culturais e ambientais, responsabilidade social, comunicação e marketing na área social.

Na sua visão, esta é a mesma rede de 2000? O que mudou?

A rede começou com 14 participantes, de um curso de Desenvolvimento de Competências Gerenciais no Terceiro Setor, para troca de informações, em outubro a rede completa 9 anos, tem hoje mais de 14.000 assinantes, um crescimento de 1000%. O foco é o mesmo, o que mudou foi a qualidade, profundidade e diversidade das informações, a ampliação de participantes deu mais capilaridade e musculatura a rede, pois suas mensagens são divulgadas, replicadas em todo o Brasil.

Em sua opinião qual a contribuição da rede para o desenvolvimento do terceiro setor, ou que outras contribuições a lista proporciona?

Devido a diversidade da rede, tanto de temas como de pessoas e de lugares, a rede é uma grande ponte entre quem sabe e quem busca, entre quem busca e quem não buscava um determinado assunto, mas através de um mensagem fica sabendo que aquilo existe e talvez passe a buscar também e repassa a dúvida e descobertas para muitos outros.

O que é possível acessar quando se faz parte desta rede?

As mensagens diárias;

- Banco de dados (é um tabela de contatos, contendo nome, formação, instituição, atividade, e-mail, telefone, site, estado, cidade, área de interesse);

- Mensagens (todas as mensagens enviadas para o grupo, mais de 78.000), que podem ser consultadas uma a uma, ou através da ferramenta de busca existente na página;

- Arquivos (vários materiais interessantes, em Word, PowerPoint, Excel e etc), fornecidos por diversos participantes do grupo, que podem ser consultados e copiados;

- Links (sites referentes ao tema do grupo. Qualquer um pode colaborar com novos links);

- Fotos (existem fotos de alguns encontros que a rede fez);

- Sala de Bate-papo;

- Enquetes.

O número de inscritos da rede é impressionante. Dos 14.000 usuários, quantos, de fato, são ativos na rede?

São mais de 14.000 inscritos em junho de 2009. Em torno de 9.000 recebem diariamente as mensagens. Em torno de 5.000 recebem eventualmente as mensagens, estes e-mails estão com algum problema eventual ou não existem mais.

Qual o tipo de comportamento esperado de um usuário da lista 3 setor? E o que foge deste comportamento?

Os participantes são leitores, correspondentes, comentaristas, divulgadores, debatedores e etc. São bem-vindos: dicas de livros, textos, sites, cursos, palestras, seminários e etc, referentes ao tema questões sociais. Não são bem-vindas e podem ocasionar a exclusão do emitente, o envio de mensagens que não correspondam ao objetivo da Rede, assim como termos ofensivos. Assuntos relacionados a administração da Rede devem ser enviados para a moderação.

Com tantos temas (gerados a partir de tantos inscritos) você nunca pensou em mudar o foco, como por exemplo, subdividindo-a em temas mais específicos?

Sim, mas não sei se subdividir a rede em temas mais específicos seria o melhor para a rede, pois já existem muitas redes subdivididas e uma das riquezas da Rede 3setor é a diversidade temas, pessoas e lugares. Uma subdivisão exigiria uma outra estrutura que não existe hoje, mas poderia vir a ser criada e seria interessante, para isto seria necessário montar um site com várias ferramentas de integração de Rede e buscar patrocínios e/ou financiamentos.

A rede tem novidades para um futuro próximo?

As novidades da Rede 3setor são o Twitter ( http://twitter.com/3setor ) e, em breve, um Blog. Outra novidade é que, agora, as mensagens diárias e as anteriores enviadas para a Rede 3setor estão em: http://br.groups.yahoo.com/group/3setor/messages, com livre acesso mesmo para quem não está inscrito na Rede.

Alguns dados da Rede 3setor:

- Média de e-mails gerados pela Rede 3setor em 2008

No ano - Em torno de 118 milhões

Por mês - Em torno de 10 milhões

Por dia - Em torno de 330 mil

- Mensagens enviados em 2008

13.929

- Receberam diariamente as mensagens

8.500 e-mails

- E-mails enviados para a Rede 3setor

1º ano - 3.499 e-mails

2º ano - 8.503 e-mails

3º ano - 9.735 e-mails

4º ano - 6.855 e-mails

5º ano - 9.708 e-mails

6º ano - 9.807 e-mails

7º ano - 11.248 e-mails

8º ano - 13.223 e-mails

9º ano - Mais de 10.400 (em curso)

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Tânia Bacelar e os desafios de Dilma

Reproduzo entrevista da brilhante Tânia Bacelar de Araújo ao sítio do IHU:

A eleição de Dilma suscitou duas questões importantes que precisam de reflexão e discussão no Brasil: o movimento conservador que levantou bandeiras preconceituosas durante as eleições movendo votos consideráveis e, também, o crescimento da discussão política que envolve a atuação do nordeste, antes esquecido e renegado no ‘canto do país’. “O nordeste tem 28% da população total do Brasil, mas tem metade dos que ganham salário mínimo no país. Nesse sentido, o nordeste foi bastante beneficiado por essa política. Aumento de renda significa aumento de consumo e o aumento de consumo destacou a economia do Brasil, mas, particularmente, do nordeste”, relatou a professora e economist Tânia Bacelar de Araújo durante a entrevista que concedeu à IHU On-Line, por telefone.

A economista analisou as principais transformações que o nordeste viveu nos oito anos de governo Lula e refletiu sobre o protagonismo que a região vem explorando e o preconceito que cresce contra os nordestinos no país. Além disso, ela também falou sobre suas expectativas em relação ao governo Dilma. “Para as mulheres, a chegada de Dilma é simbólica. As mulheres, até 1930, sequer votavam. A taxa de analfabetismo feminina até metade de século XX era o dobro da masculina. Então, as mulheres, no século XX, fizeram um esforço grande de se qualificar porque foi o canal de entrada na vida pública que nós escolhemos”, manifestou.

Tânia Bacelar de Araújo é graduada em Ciências Sociais pela Faculdade Frassinetti do Recife e em Ciências Sociais pela Universidade Católica de Pernambuco. Especializou-se em Análise Regional e Organização do Espaço pela Université de Paris I – Pantheon Sorbonne (França), onde também realizou o doutorado na mesma área. Desde 1978 é professora na Universidade Federal de Pernambuco. Confira a entrevista:

A senhora aponta que o crescimento do emprego formal é um dos aspectos que atestam a aprovação do Governo Lula em todos os Estados e nas diversas camadas da sociedade nordestina. Quais as principais transformações que o nordeste viveu nos oito anos de governo Lula?

Essa questão do emprego foi percebida pelo Brasil todo. Foram milhões de empregos formais criados no governo Lula. A tendência anterior era de criar pouco emprego e a maior parte era informal. Nesse período, essa ideia se inverteu. O nordeste acompanhou o Brasil neste segmento. Este crescimento está voltado para o mercado de consumo de massa que demanda bens. A construção civil foi uma das áreas que mais criou empregos, dinamizou o consumo do comércio, que também criou muito emprego. Foram, portanto, tendências nacionais que chegaram ao nordeste.

Na minha leitura, o governo atuou primeiro com políticas que dinamizaram a renda. Ele atuou mais pelo lado da demanda do que da oferta, como era antes comum na área de políticas públicas. O governo adotou políticas que mexeram com a demanda porque mexeram com a renda. As políticas sociais, por exemplo, melhoraram a vida das pessoas. O Bolsa Família é uma delas. Aí o Nordeste foi beneficiado porque 55% das pessoas que ganham até um quarto do salário mínimo, que é o público alvo deste programa , estão nesta região. Já 25% estão no Sudeste. A pobreza extrema do Brasil está mais presente nestas regiões. Ou ela é a pobreza rural do Nordeste, principalmente, ou ela é uma pobreza das periferias das grandes cidades do nordeste, sudeste, sul... Então, quando observamos o Bolsa Família, percebemos que duas regiões se beneficiaram mais: o Nordeste e o Sudeste.

A melhoria no salário mínimo foi outra política que mexeu com a renda das pessoas. O governo Lula aumentou consideravelmente o salário mínimo em termos reais. O nordeste tem 28% da população total do Brasil, mas tem metade dos que ganham salário mínimo no país. Nesse sentido, o nordeste foi bastante beneficiado por essa política. Aumento de renda significa aumento de consumo e o aumento de consumo destacou a economia do Brasil, mas, particularmente, do Nordeste.

Por que o nordeste, quando se torna um sujeito de destaque, reacende o preconceito de parte de nossas elites e da grande mídia brasileira?

Porque no século XX o Nordeste perdeu o trem da industrialização brasileira e empobreceu. O Brasil virou um grande país industrial, com mais de 80% das indústrias no sudeste. No entanto, o nordeste tem quase 30% da população brasileira e no século XX deixou de ser uma região com forte dinamismo econômico e, assim, deixou de receber investimentos importantes. Por isso, o preconceito contra o nordestino é um preconceito contra os pobres, é um preconceito de parte da elite.

Como não havia investimentos no nordeste e esta é uma região altamente povoada, os nordestinos, sem oportunidades de sobrevivência na sua região, migraram para outras regiões do país. Como os níveis educacionais do nordeste são mais baixos em comparação com o nível nacional, quando eles chegam às outras regiões, se inserem no mercado de trabalho de pouca qualificação. Então, o preconceito é de classes.

Quais são suas perspectivas em relação ao novo governo que terá Dilma Rousseff como presidente?

Com relação ao Brasil, ela pode avançar em relação ao que foi feito no último período. Ela vai receber o Brasil melhor do que Lula recebeu. Ela vai receber um Congresso mais favorável e, por isso, vai ter uma condição inicial bastante favorável em comparação ao que o Lula teve.

Tem uma condição desfavorável que é o ambiente mundial. O presidente Lula recebeu o país pior, mas o contexto internacional era melhor. No entanto, Dilma pode dar continuidade a mudanças importantes que o Brasil está precisando e pode fazer escolhas importantes. O Brasil é um país que ainda tem a possibilidade de fazer escolhas estratégicas importantes e espero que ela faça as boas.

Cerca 80% da dívida pública brasileira estão em mãos de algo como 20 mil pessoas. O que isso significa para a economia brasileira?

A dívida pública é muito bem remunerada porque o Brasil tem uma taxa de juros muito elevada. Significa que os muito ricos, que são os aplicadores na dívida pública, são tratados “a pão de ló”, o que estimula a concentração de renda. Ou seja, estamos distribuindo renda com uma mão e concentrando com a outra.

Dilma tem condições de diminuir a desigualdade e erradicar a miséria no Brasil como assinala em seus discursos?

Esse foi o primeiro compromisso dela. Depois que ela falou das mulheres no primeiro discurso, em sua segunda frase ela já falou que ia extinguir a miséria extrema no Brasil. Nós reduzimos à metade a miséria extrema no Brasil nos últimos anos, por isso ela tem condições de reduzir a outra metade. Não é um objetivo inalcançável para um país com as condições atuais e com o potencial que o Brasil tem. Inaceitável é manter a miséria extrema num país com o perfil do nosso. Ela está prometendo o que pode cumprir, portanto.

Para as mulheres, a chegada de Dilma é simbólica. As mulheres, até 1930, sequer votavam. A taxa de analfabetismo feminina até metade de século XX era o dobro da masculina. Então, as mulheres, no século XX, fizeram um esforço grande de se qualificar porque foi o canal de entrada na vida pública que nós escolhemos. Nós queríamos chegar à vida pública, porque as mulheres estavam segregadas à vida privada, e construímos essa trajetória de chegar lá através da qualificação.

Hoje, a taxa de analfabetismo entre mulheres e homens é igual. O número médio de anos de estudo da população feminina é superior à masculina. Há mais meninas do que rapazes nas universidades e tem mais doutoras do que doutores no país. Então, você pode ver o esforço que a população feminina fez para se qualificar. Até 1930 nós sequer tínhamos direito ao voto. Então, num país como o nosso, ter uma mulher presidente é um fato positivo. Eu espero o mesmo que Dilma espera: que isso se torne um fato tão comum que nós não precisemos comemorar.

Agora, se vai ser diferente... Veja, todo mundo sabe que a mulher tem um jeito diferente de ver o mundo em relação ao homem. Então, certamente ela vai marcar essa diferença ao comandar o país. Nosso olhar para o mundo não é o olhar masculino. Ainda bem, o mundo fica mais bonito assim.

Como a senhora entende a ideia de lulismo?

Eu não compreendi bem esse conceito, o que é ou deixa de ser o lulismo. Existe, para mim, um presidente com uma trajetória e características próprias, que pegou o país num determinado momento e conduziu bem em relação às condições em que ele encontrou o Brasil e com as condições que vai deixar. Tanto que ele tem uma aprovação recorde. Lulismo, para mim, portanto, acaba com o fim do mandato de Lula. Existe, então, Lula, um presidente com características peculiares, que veio do povo, teve uma vida difícil e conseguiu se tornar um grande líder. Nesse sentido, isso é positivo para o país. A Dilma tem outra trajetória e espero, ainda assim, que ela conduza o país bem assim como Lula fez.

Um movimento bastante conservador se apresentou nessas eleições colocando temas em debate de forma, às vezes, muito reacionárias. Como a senhora avalia o surgimento desse movimento?

Tem um Brasil arcaico, inegavelmente. O Brasil se transformou muito rápido e, ainda assim, sua elite arcaica continua existindo e de forma latente. Este movimento está, gradualmente, diminuindo, o que é positivo para o país, mas ainda existe. O que aconteceu nesta eleição? Serra, para crescer, se agarrou com esse Brasil arcaico. O espaço que ele teve para crescer foi entre os conservadores. Infelizmente, ele fez essa escolha estratégia de defender temas conservadores. Ele, assim, prestou um desserviço para o país. Até cresceu no número de votos, mas saiu menor do que entrou na campanha. Esse Brasil, portanto, é real, por exemplo, ainda existe escravidão no país. O Brasil não é só maravilha.

Eu li um artigo muito interessante mostrando que os marqueteiros também tiveram uma hegemonia muito grande na construção do processo eleitoral. O marqueteiro de Serra, por exemplo, copiou o que tinha de pior na campanha estadunidense e trouxe para o Brasil, despertando sentimentos que não são nossos e são amplamente minoritários na sociedade brasileira. Um exemplo disso é o preconceito contra os nordestinos.

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Revolução cubana se move criticamente

Reproduzo artigo do teólogo Frei Betto, publicado no sítio CubaDebate:

Em 2011 se completarão 30 anos da minha primeira visita a Cuba. Eu trabalhava no Brasil com o método de Paulo Freire. Queria trazer a Cuba essa contribuição, estava convencido da importância política da metodologia da educação popular. Quando cheguei, havia preconceitos não só para com esta metodologia, mas também em relação à figura de Freire. Seu primeiro livro tinha causado certo receio entre os companheiros do Partido Comunista de Cuba.

Um marxista cristão, soava então contraditório: o marxismo era considerado uma fé e não se podia ter duas. Então propus em Havana um Encontro Latino-Americano de Educação Popular. Os cubanos prepararam tudo; mas no encontro não havia nem um cubano. Dois anos depois, consegui que a Casa das Américas organizasse um segundo encontro. Vários cubanos compareceram como meros assistentes, diziam que em Cuba tudo era educação popular e não havia necessidade de ter uma equipe para isso. No terceiro encontro, a participação cubana já foi ativa. Assim surgiu a equipe do Centro Martin Luther King.

Mas Paulo Freire não é o primeiro latino-americano a falar dessa metodologia. Para fazer justiça com a história, o primeiro que praticou educação popular foi José Martí. Martí dizia que era necessário levar os professores aos campos. E com eles, a ternura que faz falta aos homens. Seguramente o Che tinha lido essa frase quando disse que havia que endurecer, mas sem perder a ternura. Para Martí, “popular” não o era no sentido de pobre, mas de povo. A distinção rígida que se aplicava na Europa entre classe operária e burguesia, não se aplicava à América Latina. A luta aqui era entre aqueles que lutavam pela justiça e aqueles que tentavam manter a injustiça. Tudo não se explica por origem de classe. Se todos os pobres fossem revolucionários, não haveria capitalismo na América Latina.

Talvez vocês não saibam que é um fato biológico que as águias podem viver 70 anos no máximo. Mas quando chegam aos 30 ou 40, propendem à morte porque suas garras e seu bico já não são fortes para destruir as carnes com que se alimentam. E quando sentem que podem morrer, voam para o alto de uma montanha e arrancam as próprias garras e o bico. Esperam meses ali, até que voltem a nascer. Assim vivem outros 30 ou 40 anos mais. Hoje, a águia é Cuba. Digo-o porque acabo de ler os Lineamentos para o 6º Congresso do Partido Comunista: a Revolução Cubana tem a capacidade de mover-se criticamente sobre si mesma para sair adiante. Suas redes de educação popular têm muita importância nisso.

Assisti muito de perto a queda do Muro (de Berlim) e hoje muitos se perguntam: como é possível que depois de 70 anos de socialismo, a Rússia seja um país conhecido pela extrema corrupção? Algo não funcionou: o socialismo cometeu ali o erro de construir uma casa nova sem saber fazer novos habitantes. Não se fazem homens e mulheres automaticamente. Os que nascem numa sociedade socialista, não nascem necessariamente socialistas. Todo bebê é um capitalista exemplar: só pensa en si mesmo. O socialismo é o homem político do amor. E o amor é uma produção cultural. Seu objetivo final é criar uma comunidade amorosa entre si e o mundo. Às vezes olvidamos um princípio marxista. Eu, frade, fui professor de marxismo e não é a única contradição de minha vida. O ser humano não é mecânico. Há duas coisas que não podem ser previstas matematicamente: o movimento dos átomos e o comportamento humano.

O trabalho político deve ir para cada um dos homens. Por isso a Revolução Cubana resiste, porque não é uma peruca que vai de cima para baixo, mas um cabelo que cresce de baixo para cima. Aqui houve uma revolução de caráter eminentemente popular. A vitória estratégica, de Fidel, não fala de educação popular; mas se fez.

Termino com uma parábola: havia um homem muito formado ideologicamente, poderoso em seu sistema; mas muito infeliz. Saiu pelo mundo na busca da felicidade. Chegou a um país árabe – onde se dão sempre as boas lendas – e quis comprá-la em seus mercados. Disseram-lhe que essa mercadoria não existia, mas por um jovem soube de uma tenda no deserto onde podia encontrá-la. Saiu em sua caravana de camelos, atravessou o deserto e viu a tenda com um cartaz que dizia: “aqui se encontra a felicidade”. Disse à vendedora: “diga-me quanto custa”. E ela respondeu: “não, senhor, aqui não vendemos felicidade, aqui a damos gratuitamente”. E lhe trouxe uma pequena caixa de fósforos com três pequenas sementes: a semente da solidariedade, a da generosidade e a do companheirismo. “Cultive-as – disse – e será feliz”. Muito obrigado.

* Versão das palavras pronunciadas por Frei Betto no contexto do 4º Encontro Nacional de Educadoras e Educadores Populares, em Havana, em 10 de novembro de 2010.

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Celso Amorim escanteia Eliane Cantanhêde

Eliane Cantanhêde, a colunista da "massa cheirosa" do PSDB, bem que provocou, mas o ministro Celso Amorim deu um baile na entrevista concedida à Folha. Confira:

"Não lamento nada." Com essa frase, dita em francês e emprestada de Edith Piaf, o ministro Celso Amorim, 68, termina oito anos à frente do Itamaraty defendendo de forma enfática sua política, que batizou de "altiva e ativa".

Mantém as críticas aos EUA, carrega nas tintas ao pintar o protagonismo do Brasil no comércio e na política externos e defende a posição que o país teve em casos polêmicos, como mediar o acordo nuclear do Irã.

Ele diz que cumpriu sua missão e que seria "incapaz" de se candidatar a permanecer no governo Dilma Rousseff. Compara o presidente a Pelé e vaticina: "Igual a Lula não vai ter, mas não quer dizer que Dilma não vá fazer um governo extraordinário".

Segue a íntegra a entrevista, cujos principais trechos são publicados na Folha de hoje.

O sr. é candidato a continuar no cargo?

Fiquei muito contente com a vitória da ministra Dilma, com quem sempre tive relações da melhor qualidade. Isso não significa que eu vá, ou possa, criar algum tipo de constrangimento. Eu seria incapaz de me colocar como candidato a alguma coisa, ou cobrando alguma coisa. Isso não existe.

E, se você olhar sob o ponto de vista da vaidade pessoal, eu passei o Barão do Rio Branco em número de dias no ministério. Sou o ministro mais longo da história do Itamaraty e o segundo mais longevo de todos. Só o Gustavo Capanema ficou mais tempo do que eu.

O "Foreign Affairs" me colocou como o melhor chanceler do mundo. Honestamente, o que mais eu posso querer? É melhor sair no ápice do que esperar acontecer alguma coisa.

O que é o ápice?

Você lê qualquer jornal internacional, mesmo os que são contra a algum aspecto da política externa brasileira, e todos dizem que a importância do Brasil no mundo cresceu.

Claro que atribuem ao crescimento econômico, aos avanços sociais, mas também à ousadia da política externa. Que é do presidente, diga-se, mas eu ajudei.

Se o sr. fosse convidado, ficaria?

Qualquer coisa que eu diga soará mal. Não tenho como responder. Eu me sinto bem, considero minha missão cumprida.

Agora, se alguém me pedir um conselho, estou disposto a dar.

Por exemplo...

Acho que o próximo ministro deva ser um profissional e a gente deve continuar trabalhando na linha da renovação. Precisamos de gente mais nova.

Eu já estou velho, tenho 68 anos, vivi muito.

O sr. apoia o embaixador Antônio Patriota?

Acho que ele tem plenas condições, mas não é o único. Mas não quero discutir nome a nome.

Mas, quando fala em solução profissional, exclui o ministro Nelson Jobim?

Isso não cabe a mim. Mas acho que o Itamaraty se engrandeceu por ter profissionais não apenas na chefia da Casa, mas em todos os cargos diplomáticos, e isso é a primeira vez que acontece na história deste país. As pessoas trabalham com vontade redobrada.

Mas San Thiago Dantas, por exemplo, não era diplomata de carreira e foi um grande ministro, que marcou a história. Nada é absoluto.

Por que o sr. participou tão assiduamente na campanha de Lula em 2006, mas sumiu na de Dilma?

Eu fui três vezes, mas a situação é um pouco diferente, porque eu era ministro do Lula. Minha participação mais direta era mais natural.

E, em 2010, coincidiu que tive uma agenda de viagens mais carregada.

Por que a política externa, diferentemente das expectativas, não foi tema de campanha?

Ora, porque a oposição não tinha nada a ganhar com isso, porque o povo brasileiro, em sua esmagadora maioria, só tem palavras de apreço à política externa. Eu vejo isso claramente na rua.

Se é assim, por que o governo não se aproveitou disso na campanha?

Porque não precisava, era um ponto pacífico.

E falava-se, sim, no prestígio internacional do Brasil, ao lado do Bolsa Família, crescimento, salário mínimo.

A que se deve esse prestígio internacional? À força de Lula, ao crescimento econômico ou a uma estratégia de política externa?

A personalidade do Lula foi um fator indispensável, obviamente, mas isso foi acompanhado desde o primeiro momento de uma visão de política externa inovadora. E houve uma sucessão de acertos que deu no que deu.

Até a "The Economist", que criticou várias vezes a política externa, agora chama o Brasil de "gigante diplomático". A "Foreign Affairs", o "Le Monde", a "Foreign Policy", "El Pais", todos elogiam.

Mas o Lula e os assessores dele dizem que essas avaliações estrangeiras sobre o Brasil não têm a menor importância. Afinal, têm ou não têm? Ou só têm quando é a favor?

Infelizmente, só sai notícia mais positiva quando a imprensa lá fora publica. É o que a gente chama de "complexo de vira-lata" que o presidente tanto critica. Tem de se trabalhar com ele para vencê-lo, como na psicanálise.

Como o sr. virou chanceler?

Eu nunca soube porque o Lula optou por mim, nunca perguntei a ele. Ele costumava dizer que eu tinha um pouquinho de caspa, então, devia ser um pouco mais popular.

Adivinha qual a primeira pessoa para quem eu liguei quando o Lula foi eleito em 2002? Dá um palpite. Eu nem conhecia o Lula. Foi para o Fernando Henrique Cardoso, com quem eu me dava muito bem. Eu disse que a chegada de Lula ao poder, depois dele, era a consolidação da democracia. E foi, de fato. A estabilidade foi mantida, a inclusão social aprofundada, avançamos na área de clima.

Com o governo acabando, posso falar tranquilamente que o Lula é uma figura excepcional, você vai contar três ou quatro líderes políticos como ele no século. É quase da dimensão do Nelson Mandela, e só não é igual porque a situação lá era mais dramática.

E como vai ser agora, sem Lula?

Sempre me perguntam isso, e eu respondo: Olha, Pelé só teve um, mas o Brasil foi cinco vezes campeão do mundo, algumas vezes sem Pelé. Igual a Lula não vai ter, ele é uma personalidade única na história recente do Brasil.

Mas não quer dizer que a Dilma não vá fazer um governo extraordinário e uma política externa muito boa. É uma mulher presidente do Brasil, e uma mulher que sabe o que quer e sabe comandar. Há quem compare a Dilma com a Margareth Tatcher, mas eu discordo.

A Dilma tem uma sensibilidade social, uma capacidade de ver as necessidades do povo que me dá confiança de que será muito bom para o país.

Qual foi o grande acerto da política externa no governo Lula?

Quando o presidente Lula me indicou publicamente, eu tinha de dizer umas palavras rápidas ali. Eu tinha falado umas duas vezes com Lula, não tinha combinado nada, não tinha estudado o programa do PT, e, aí, eu disse que a política externa seria altiva e ativa.

E essas palavras, que eu disse quase por acaso, acabaram entrando para o programa do PT e da presidente [Dilma]. Era uma questão de atitude. Hoje, eu até trocaria por política externa desassombrada e solidária, sobretudo porque não tem medo da própria sombra.

A política externa antes não era altiva e ativa?

Tenho 50 anos de Itamaraty e vi muita gente muito boa, muito competente, mas com aquela atitude que um secretário-geral de muito tempo atrás traduzia assim: "Política externa dá bolo".

Então, é melhor cuidar da burocracia, fazer uma coisinha ou outra e evitar bolo.

Exemplo do que poderia dar bolo?

Quando nós fizemos o G-20 comercial em Cancún, quando começamos a brigar contra a Alca e todos os vizinhos pareciam muito atraídos pela Alca, inclusive a Argentina.

Mas, veja bem, eu não decidi brigar com a Alca, eu disse: vamos ver, vamos conversar, vamos discutir. E ela morreu em Miami, sabe por quê? Porque foi quando conseguimos chegar a uma Alca que serviria ao Brasil, que não cerceasse a nossa capacidade de escolha de um modelo de desenvolvimento, e aí não interessava mais para os outros.

Era uma Alca que não nos sujeitava a um modelo neoliberal em compras governamentais, em investimento, em proteção à propriedade intelectual, e em agricultura. Os fundamentalistas de lá não quiseram. Então, matamos a Alca sem dar um tiro.

Isso tudo não foi um pouco de teatro? A intenção não era matar a Alca desde o início, por uma questão ideológica?

Olhando em retrospectiva, foi melhor talvez mesmo não ter tido a Alca. A crise nos EUA demonstrou isso. Nós ficamos mais protegidos, tivemos mais liberdade. E pudemos investir numa política Sul-Sul. E nada foi mais importante do que o processo de integração da América do Sul. Os presidentes se falam o tempo todo. Isso é muito importante.

Mas o Brasil ficou sem a Alca, não concluiu a Rodada Doha de comércio e se recusou a fazer acordos bilaterais. O país tirou a Alca e não botou nada no lugar?

Tenho certeza de que a Rodada Doha da OMC será concluída, mais cedo ou mais tarde. E, quando for, as pessoas vão olhar que o germe da conclusão correta foi a criação do G-20 comercial em Cancún, e aí foi o Brasil.

O nosso comércio cresceu com o mundo inteiro. Vão dizer que foi por causa disso, por causa daquilo outro, mas a verdade é que cresceu e o Brasil já é a oitava economia do mundo e já está entre os dez maiores cotistas do FMI.

Não há nenhuma, nenhuma mesmo, negociação comercial para a qual o Brasil não seja chamado. Como a China, a Índia, e isso é tudo resultado de Cancún, em agosto de 2003. Tinha um acordo todo prontinho entre EUA e União Europeia, para nos enganar de novo, como sempre. Só sobravam umas migalhinhas para os outros. Quem disse "não" foi o G-20, e não há quem não reconheça que quem liderou o G-20 foi o Brasil.

Ou Celso Amorim?

Quem liderou foi o presidente Lula, mas quem estava lá na linha de frente fui eu. Eu não escrevi livros, nunca formulei uma filosofia própria, mas o que, sim, eu fiz uma boa parte da minha vida foi ser negociador.

Até por isso é um bom momento para trocar de ministro, porque não tem nenhuma grande negociação em andamento.

E a contaminação ideológica, as picuinhas contra os EUA?

Falar em política externa independente é quase pleonasmo. Eu diria que tivemos uma política externa que não teve medo de tomar as atitudes internacionalmente.

Logo no início, o presidente Lula condenou claramente a invasão do Iraque, mas sem confrontacionismos inúteis, tanto que ele teve uma boa relação com o presidente [George W. Bush].

Como foi aquele início em que o sr. mandava de um jeito, o Marco Aurélio Garcia, de outro, e o Samuel Pinheiro Guimarães, de um terceiro? Como foi afinal definido o rumo?

Foi uma conversa contínua. Foi tudo empírico, intuitivo. O presidente Lula muitas vezes tinha uma intuição do que devia fazer, mas foi preciso formular aquilo em termos diplomáticos, e isso exige alguma experiência. É como fazer uma casa.

Você tem a ideia do que quer, mas precisa de um técnico que desenvolva essa ideia. E o presidente Lula já disse que a gente se comunica até por telepatia.

Falando assim, não houve um risco grande de improvisação, de risco?

As coisas centrais foram objeto de discussões amplas com ministros de outras áreas, como no caso da Alca e da OMC. Eu definia a tática, mas o presidente Lula é que aprovava. Às vezes, dizia: "Não, isso aqui eu prefiro não fazer". Quando nós estávamos voltando da segunda viagem presidencial, a Davos, ele disse: "Celso, nós agora vamos fazer uma nova geografia econômica e comercial do mundo". Foi inspiração dele. Não fui eu quem inventou, foi ideia dele.

E, aos poucos, fomos fazendo a aproximação com os países árabes, com a África. Veja a África hoje: se você considera como um país só, é o quarto parceiro comercial nosso, maior do que Alemanha e do que Japão. Fizemos muito com a África, mas eu acho que ainda é pouco, teríamos que fazer ainda mais. Corremos o risco de perder terreno para a China ou para a Índia.

Hoje, vou a Moçambique e vejo nossos empresários de peso sentados lá. Antes, ia para lá o representante do representante do representante, quando ia. Só do presidente foram 12 viagens à África.

A sensação de sucesso não gerou uma certa megalomania? O Brasil não começou a se meter onde não devia?

A função de um diplomata, quando está tudo escuro, é vislumbrar aquela réstia de luz ali na porta e ir lá, tentar aumentar. É isso que a gente tem de fazer e a política externa do presidente Lula fez.

Já que não é possível ter uma democracia perfeita no mundo, você tem de ter um pouco mais de equilíbrio, para que ninguém possa impor apenas sua vontade, para que várias visões de mundo estejam presentes em relação ao comércio, às finanças, ao clima, à paz e à segurança internacionais. A multipolaridade é um instrumento que a gente tem obrigação de usar.

A aproximação com a África, com os países árabes, com a Ásia, entra nisso. É assim que a gente alarga aquela réstia. Não posso dizer: Ah. Isso é muito difícil para mim, vou deixar só os EUA cuidarem disso, ou só a Rússia, ou só a China. Eu tenho obrigação de cuidar disso também.

Quando o presidente visitou a Síria e a Líbia, por exemplo, houve uma avalanche de críticas. Quando pouco depois o Blair e o Aznar foram lá, aí todo mundo achou bacana. Então, nós apenas estávamos à frente.

Hoje, está claro que não é possível falar em paz no Oriente Médio sem Síria participando. Não é questão de achar que é boa ou ruim, é de reconhecer que é um ator indispensável.

E a questão de princípios, de democracia, de direitos humanos?

A repercussão que pode ter tido aqui um ou outro fato, uma coincidência infeliz...

O sr. considera uma coincidência infeliz o presidente e seus ministros às gargalhadas com os irmãos Castro justamente no dia em que morre de fome um dissidente que esperava ajuda do Brasil?

O fato de ele ter morrido quando o presidente Lula estava lá era imprevisível, você chame como quiser chamar.

Não é equivalente a Lula comparar a resistência iraniana a chororô de time derrotado, quando se sabe que lá os dissidentes são mortos?

Não me cabe comentar declarações do presidente Lula. Mas digo que não é correta a percepção de que o Brasil procurou fazer certas coisas porque é amigo do Irã e quer fazer certas coisas porque é amigo. O Brasil procura ter relações de amizades com todos os povos.

O que o Brasil ganha em se meter a intermediar o acordo nuclear do Irã?

Na questão nuclear, o que o Brasil fez foi o que os países ocidentais queriam. Nós viabilizamos a aceitação pelo Irã de uma proposta feita, na verdade, pelo ocidente. E por que não devíamos tentar? É como a gente se trancar dentro de casa e dizer: "nós somos pequenininhos, não podemos sair na rua..."

Tem uma hora que a gente precisa olhar para fora e ver se todo mundo está achando que você é pequenininho mesmo. E vai ver que não. Agora mesmo, quando o Obama fala na inclusão da Índia no Conselho de Segurança [da ONU] todos captaram que não é possível fazer uma reforma do conselho sem o Brasil.

Quando se discute clima, você chama o Brasil. Quando se fala de finança, você chama o Brasil. Quando se fala de comércio, você chama o Brasil, como a Índia e a China. O único terreno em que havia ainda uma certa reserva de mercado, digamos assim, era a questão da paz e da segurança. E foi por isso que a ação do Brasil e da Turquia incomodou.

Os dois ficaram isolados.

A verdade é que os países ocidentais diziam: "Vai lá, vai lá". Nós fomos em boa fé, mas a verdade é que ninguém acreditava que o Irã aceitasse três pontos da carta do Obama, e o Irã aceitou, a verdade é essa.

Os EUA então puxaram o tapete do Brasil?

Quem disse foi o El Baradei, da Agência de Energia Atômica. Ele disse claramente que os proponentes não podiam aceitar "sim" como resposta. Acho que eles se desentenderam internamente. Não esperavam obter, obtiveram e não souberam o que fazer com isso.

A história, você não pode contar em seis ou oito meses. Eu não sei o que vai acontecer, mas certamente tudo isso diz respeito à paz mundial, porque se houver uma guerra no Irã não vai afetar só o Irã, vai ter efeitos muitos graves para todo o Oriente Médio.

Nós vimos na proposta, veja bem, elaborada pelo próprio Ocidente, era uma possibilidade de solução. E contemplava uma hipótese da qual o Irã não vai abrir mão: a de ter energia nuclear, inclusive enriquecimento, para fins pacíficos. E isso é permitido pelo TNP [Tratado de Não Proliferação Nuclear].

Por que o Brasil se omite na condenação de países que desrespeitam os direitos humanos?

Eu lidei 8 anos com a ONU e já participei diretamente disso, sei o quanto essas coisas são manipuladas. No ano em que os EUA estavam fazendo acordos comerciais com a China, a China desaparecia das resoluções de direitos humanos. No ano seguinte, não tinha mais acordo comercial com a China, e a China voltava para as resoluções. E agora não entra mais. Isso é sabidíssimo.

E você pode reparar que há sete países que convivem com situações crudelíssimas, inclusive contra mulheres, e que jamais são mencionados. Por quê? Porque têm bases americanas ou têm outros interesses.

Nosso objetivo não é fazer diploma, é promover mudanças reais nas condições. Mas, no caso da Coreia do Norte, por exemplo, que fez ouvidos moucos a todas as recomendações, aí sim, nós votamos a favor da resolução que condenava.

Nem acho que ela vá funcionar, porque é tão hostil que cria uma barreira, quando o objetivo deve ser o diálogo. Condenar só não adianta nada.

O Brasil está exercitando o "soft power" ao gastar rios de dinheiro em países de todos os continentes, alguns muito distantes de nossa realidade? Trata-se de compra de votos?

Em geral, está financiando empresas brasileiras. Então, você dá por um lado e recebe pelo outro. E o que o Brasil gasta, na verdade, é ínfimo.

Nossa cooperação técnica é comparável talvez à de um pequeno país europeu, tipo Áustria. Você não pode estar entre as dez maiores economias do mundo, querer uma política ativa na OMC e querer que esses países de apoiem sem nada em troca.

É também querer que esses países assumam um risco na hora de você brigar com os Estados Unidos, brigar com a União Europeia. Você cria vínculos, cria alianças.

A diferença é que a Áustria não tem os milhões de miseráveis que o Brasil ainda tem.

Mas uma coisa não pode eliminar a outra. Você vai resolver o problema dos mais pobres com um bom mercado interno, mas também com uma boa inserção internacional, com apoio internacional.

É muito mais complexo do que ser bonzinho daqui, interesseiro dali. Diz respeito à própria imagem brasileira. Eu não vi, por exemplo, nenhuma crítica à ajuda que o Brasil dá ao Haiti.

Abrir tantas embaixadas, até em países minúsculos, está dentro desse contexto?

Vai ver quantas embaixadas tem a Rússia, tem a Índia, tem a China... Influir na realidade internacional é do interesse do Brasil. Uma das maneiras é ter contato direto com os países, ter um embaixador lá para falar com um ministro, até com o presidente. As próprias empresas nos procuram, pedindo, estimulando.

E quando, afinal, o Brasil vai nomear um embaixador para Honduras?

Há um passo a ser dado que nós consideramos muito simples, que é permitir ao menos a volta do [ex-presidente deposto Manuel] Zelaya ao país. Ele foi expulso por um golpe militar com uma arma na cabeça.

Com a consolidação da Unasul, qual o futuro da OEA?

Cada uma vai ter o seu papel. A OEA inclui países muito heterogêneos. São dois países muito desenvolvidos e um bando enorme de países em desenvolvimento.

Então, até para que haja um diálogo produtivo, é importante que os países em desenvolvimento na região se integrem. Integrados, nós teremos mais força, não só para brigar, não, mas para dialogar mesmo com os EUA e o Canadá.

A OEA tem sobrevida, mas muita coisa pode ser resolvida ou bem encaminhada no âmbito da Unasul antes de chegar lá.

O mundo está centrado em duas incógnitas, EUA e China. É uma nova bipolaridade?

Não acho que nós saímos de uma bipolaridade para cair em outra, porque o mundo hoje é muito mais complexo. Por mais que a China seja importante, precisa do Brasil para discutir clima.

Por mais que os EUA sejam importantes, precisam do Brasil para discutir comércio e finanças. Do Brasil e de vários outros.

Eles têm de ouvir os outros, porque não há mais como haver políticas impositivas, nem um mundo dividido em dois campos, com cada um dominando o seu campo a seu modo. Isso, com certeza, não há nem haverá.

A China é aliado do Brasil nos Bric, mas não é ao mesmo tempo competidor comercial direto?

Nosso saldo comercial com a China deve chegar a US$ 7 bilhões neste ano, enquanto temos um deficit de US$ 5 bilhões com os EUA, que é o maior superavit dos EUA no mundo. Então, vamos convir que a China não é o nosso grande problema.

Se o sr. pudesse voltar atrás, o que faria diferente?

Vou falar como a Edith Piaf: "Je ne regrette rien".

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Desafios e ameaças para gigantes

Reproduzo artigo de Beto Almeida, membro da junta diretiva da Telesur:

Num curtíssimo espaço de tempo, dois membros do governo Lula atacaram firmemente dois esteios do sistema capitalista global, em sua fase imperialista: a OTAN e o dólar como padrão internacional. Nelson Jobim, Ministro da Defesa, criticou a pretensão da OTAN de arvorar-se a intervir também no Atlântico Sul desconhecendo o status jurídico de países como o Brasil que tem 350 milhas de sua plataforma continental sob sua soberania. Já Meirelles, presidente do Banco Central, seguindo o Ministro Guido Mantega , atacou a permanência do dólar como moeda padrão internacional, defendendo a idéia de uma nova moeda de referência.

O curioso é que os dois ministros – Meirelles também tem status de ministro - são membros do PMDB e tidos como da cota conservadora do governo Lula. Seriam sinais do novo curso que o Brasil terá que enfrentar na Era Dilma ou da profundidade da crise do capitalismo global, expressa agora com a super emissão de 600 bilhões de dólares pelos EUA o que se constitui em verdadeira guerra de demolição e rapina da das economias da periferia? Ou ambas hipóteses?

Para se ter uma idéia da importância de ambos os posicionamentos, vale dizer, começando pelo lado monetário, que idéia semelhante é defendida hoje pelo Presidente do Iran, Mahmud Armadinejad, que durante anos vem denunciando a ditatorial emissão de dólar sem lastro pelos EUA como verdadeiros atos de delinqüência e banditismo internacionais. No mesmo discurso, perante a ONU, ele também defendeu que entidade adotasse para o próximo ano o slogan “Energia Nuclear pra Todos, Armas Nucleares para Ninguém”. Evidentemente, poucos deram ouvidos e a mídia, controladíssima pelo capital, sequer registrou.

Já o agudo enfrentamento de Nelson Jobim às pretensões intervencionistas dos EUA e da OTAN nos mares do Atlântico Sul foi acompanhado da defesa de que o Brasil e o subcontinente construam “uma aparato dissuasório voltado para as ameaças extraregionais que lhes permitam dizer não quando for preciso dizer não”. Claro está, com a Marinha brasileira desarmada como está hoje - embora em fase de recuperação e reequipamento, reconheça-se - de nada adiantaria dizer não se não se pode assegurar com os meios concretos a defesa política da soberania.

Como no tópico monetário, outro dirigente que também defendeu a constituição de uma Organização do Tratado do Atlântico Sul, foi o líder líbio Muamar Kadafi, ao participar da Reunião de Cúpula América Latina – África, realizada na Venezuela no início deste ano. A defesa da criação de uma OTAS pelo dirigente líbio foi acompanhada de argumentação realista baseada no crescente intervencionismo dos países imperiais pelo mundo afora em busca dos recursos naturais que lhes permitam superar a crise que se agrava, evidentemente se agrava. Ele mesmo teve sua filha de um ano e meio morta em bombardeio ordenado desde Washington por Bill Clinton.

Fortalecimento da aliança do sul

De fato, as duas situações configuram um processo mundial que tende ao tensionamento e recomenda o fortalecimento das alianças dos povos e países que buscam assegurar sua soberania, sua independência e o direito escolher seus próprios destinos. A super emissão de dólar - papel pintado na expressão do cientista brasileiro Bautista Vidal - tem efeitos devastadores para a produção e o trabalho das nações. Na visão do ministro da economia da Argentina, cuja presidenta Cristina anunciou que reagirá à tentativa de destruição de sua moeda e de sua economia, a super emissão de dólares “é como se o trabalho dos argentinos, a sua produção, não valessem nada”.

Buscar caminhos independentes

As duas iniciativas do campo do império, uma monetária outra na esfera da doutrina militar, ambas com desdobramentos que relativizam e enfraquecem a soberania dos países e dos povos, indicam, por outra parte, o acerto de algumas das medidas adotadas pelo governo Lula buscando, de vários modos, um curso de distanciamento do dólar. Já está em prática, por exemplo, o comércio bilateral Brasil-Argentina aposentando o dólar como mediação e referência, o que representa concretamente economia na operação de troca.

Da mesma forma, o apoio brasileiro à formação do Banco Sul, que, em razão da persistência da crise econômica nos EUA, necessita de uma vigorosa aceleração em suas operações, também é uma decisão que o panorama internacional permite registrar como acertada. Além disso, a projetada criação de uma nova moeda no âmbito da UNASUR deveria ser fortemente priorizada, assim como estão fazendo os países da ALBA, que fundaram a moeda Sucre e já acumulam um expressivo volume de suas operações de troca nesta nova base monetária, sem qualquer intermediação da declinante e questionada moeda norte-americana.

Não seria prudente imaginar que o campo monetário esteja totalmente distanciado do aspecto militar. São duas operações de alto valor estratégico para os países imperiais, que não distinguem economia da guerra. Talvez reconhecendo a razão dos que qualificam a economia dos EUA diretamente como uma economia de guerra, o colunista do jornal Washington Post, David Brooker, sustentou, provavelmente ecoando sinistros murmúrios dos gabinetes do Pentágono, que “uma guerra contra o Irã dinamizaria a economia dos EUA”. Disse que esta seria a solução para os problemas políticos de Barak Obama. E nem se ruborizou...

Entre o conselho deste jornalista e a discussão de uma nova doutrina para a OTAN abarcar também o Atlântico Sul e a super emissão de 600 dólares, há toda uma linha de reorganização para uma nova fase em que o cenário mundial registra o despontar de um conjunto de países emergentes buscando uma articulação em novas bases, rediscutindo os pilares do sistema mundial.

Compartilhar com quem?

Neste cenário, soa bastante realista o discurso do Ministro Jobim que questionou o posicionamento de uma alta autoridade americana que defendeu “soberanias compartilhadas” no Atlântico, ao que o brasileiro contestou em conferência pública: “Qual é a soberania que os EUA querem compartilhar, a deles ou a nossa?”, reagiu.

É interessante como o cenário mundial duro e sombrio vai colocando questões e posicionamentos antes tidos como do âmbito da esquerda na agenda dos governos e mesmo na mesa de segmentos tidos como da cota conservadora do governo Lula. Certamente, Jobim ecoa um pensamento militar brasileiro que vem configurando uma nova doutrina de defesa. Mudanças sempre implementadas em razão do processo histórico, das experiências práticas em que os militares tiveram que analisar estrategicamente da defesa e os interesses nacionais.

Foi provavelmente o que teria levado o Brasil, durante a ditadura militar, a constituir uma indústria bélica, a desenvolver a área estatal de telecomunicações e satélites (Telebrás e Embratel), e, até mesmo, a defender a expansão do mar territorial para 200 milhas, medida esta que recebeu apoio da Presidenta Dilma quando estava na prisão Tiradentes, na década de setenta, que também comemorava as vitórias da seleção canarinho na Copa do México. Mais tarde, o curso político internacional também teria levado o Brasil a medidas como quebrar o bloqueio internacional que os países imperiais impuseram contra o Iraque na década de 70 e, também, a reconhecer o novo Governo de Agostinho Neto que, pela força das armas, chegava ao poder em Luanda.

Anos depois, o Brasil, ainda sob o governo Figueiredo, ofereceu apoio logístico e operacional à Argentina quando da Guerra das Malvinas, colocando-se, uma vez mais, em posição de distanciamento e conflito com os países do campo imperial. Nesta oportunidade, vale lembrar, Fidel Castro chegou a oferecer tropas cubanas para lutar ao lado da Argentina, ainda sob o governo do general Galtieri. Há uma evolução no pensamento militar brasileiro, mais recentemente indicado pelo acordo de cooperação firmado entre o Exército Brasileiro e o Exército do Vietnã para técnicas de luta na selva e pelo esforço na constituição de um Conselho de Defesa da América do Sul.

Muitos que rememoram o passado não muito distante do Ministro Jobim antes do governo Lula, certamente se espantam a vê-lo defendendo o direito da Venezuela desenvolver a energia nuclear para fins pacíficos e criticando o bloqueio dos EUA contra Cuba, oportunidade em que também afirmou que “a política internacional não pode ser definida a partir da perspectiva do que convém aos EUA”.

Construção de uma nova agenda progressista

O que surpreende é que estas temáticas nem sempre são tratadas sistematicamente nos fóruns progressistas e da esquerda em geral, muito embora sejam parte integrante da agenda do governo Lula. São posições de governo. Mas, ainda assim, é com alguma dificuldade que movimentos sociais, os sindicatos e a esquerda em geral tratam destas questões, muito embora sua importância histórica seja inequívoca. Creio que era Darcy Ribeiro que dizia “falta nacionalismo na esquerda brasileira”, buscando enquadrar as questões do enfrentamento com o império como algo que deveria ter presença central na agenda das forças progressistas.

Assim como Gandhi, em luta contra o colonialismo inglês, vislumbrou em certo momento a necessidade de defender a nacionalização estratégica do sal, provavelmente seria o caso aqui também dos movimentos sociais - mantendo sua independência - incorporarem em sua agenda, por exemplo, a nacionalização do etanol e da álcool-química, que certamente terá importância ampla em futuro próximo no cenário produtivo mundial, com mencionou recentemente Dilma em entrevista ao lado de Lula.

O PT chegou a aprovar em sua Conferência Nacional a constituição de uma Empresa Pública de Energia Renovável, decisão importante, ainda que, não tenha tido a continuidade esperada, até o momento. Mas, assim como um amplo movimento cívico-militar foi decisivo para a criação da Petrobras, agora também, com os sinais sombrios que os pólos imperiais nos enviam, seria hora decisiva para constituir uma aliança governo e sociedade, os sindicatos, o clero progressista, o movimento estudantil, os movimentos sociais, para configurar uma consistência ainda mais profunda no programa de ação do governo Lula e em sua continuidade com a Presidenta Dilma. Já há uma recuperação da Telebrás, faltando agora a da Embratel, sem o que não se pode falar em soberania em plenitude neste mundo de idade mídia, pois mesmo as comunicações militares satelitais hoje estão sujeitas a interferências de empresa de propriedade norte-americana. Os militares devem ser incoporados neste amplo debate nacional.

Voto indicou um caminho

A agenda em parte já foi construída pelo voto democrático dos brasileiros posicionando-se pela continuidade das políticas do governo Lula. Mas, a persistência da crise mundial, os sinais imperiais de inadmissíveis desejos intervencionistas na soberana plataforma brasileira, onde está o pré-sal, indicam que a agenda política do governo Dilma possivelmente necessitará de um aprofundamento programático, ampliando os vínculos com a sociedade organizada, já que os olhares de cobiça que se lançam sobre o Brasil não são nada amistosos, nem muito menos complacentes com a aplicação de políticas públicas independentes e soberanas de nossa parte, aliás como já fez o governo Lula por meio de sua política externa.

Desnecessário desenvolver longamente, mas importante relembrar sempre, uma política estratégica para o Brasil, que abarque desde a necessidade de uma renacionalização do setor de fertilizantes - esta sim uma medida de segurança nacional - ou de soberania energética (um problema é que se estima uma desnacionalização de 40 por cento do setor etanol, apesar da Petrobrás ter entrado em campo), todo este debate fundamental para o destino do povo brasileiro e do Brasil como nação, exige um novo modelo de comunicação.

Não há qualquer sombra de dúvida que questões tão cruciais, tão decisivas, estejam sendo tão deformadas e vulgarizadas pelo modelo midiático atual, no qual predominam os interesses vinculados e dependentes dos anunciantes controlados pelo capital externo ou de seus sócios nativos, o que impede o nosso povo compreender plenamente sua relevância.

Não são nada simples o tamanho das tarefas e a magnitude dos desafios que o Brasil enfrentará na Era Dilma. Mas, tal como ela que já suportou, resistiu e venceu as mais duras provas, assim é o povo brasileiro em seu dia a dia, capaz de identificar sob um dilúvio brutal de mentiras e desinformações onde está o caminho do progresso, da transformação e da justiça social.

Ele será capaz de dar o apoio necessário para que o Brasil tenha todos os instrumentos necessários para garantir sua soberania, desde uma defesa à altura de suas potencialidades, uma política monetária que assegure nossa independência e a aplicação das políticas sociais que retirem com urgência milhões e milhões de brasileiros do poço da miséria e da pobreza em que ainda se encontram. Um desafio para gigantes.

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