Num ato inimaginável no passado, a Polícia Federal deteve nesta terça-feira o megaespeculador Daniel Dantas, dono do banco OPP (ex-Opportunity) e uma das figuras mais sinistras da onda de privatizações que varreu o país a partir dos anos 1990. Na mesma operação, batizada de Satiagraha, a PF ainda prendeu o ex-prefeito da capital paulista Celso Pitta, o banqueiro Naji Nahas e outros envolvidos “num universo dantesco pela prática dos seguintes crimes: formação de quadrilha, gestão fraudulenta, evasão de divisas, lavagem de dinheiro e sonegação fiscal”, segundo relato do jornalista Bob Fernandes. Dantas também foi acusado de tentar subornar um delegado da PF.
A prisão ocorre apenas três meses após o mafioso fechar um dos maiores negócios do mercado de telecomunicações do mundo: a venda de suas ações na Brasil Telecom e na Telemar (OI) por quase 1 bilhão de dólares. Além disso, ele obteve estranho acordo com os fundos de pensão pelo qual se livrou de todas as suas demandas judiciais. Durante dois anos, o megaespeculador sofreu investigação da PF, numa ação conjunta com técnicos do Banco Central e da Receita Federal. A conclusão final é de que ele e Naji Nahas, rotulados pelo relatório de capos, são chefes de uma poderosa organização criminosa no Brasil, com ramificações em vários paraísos fiscais.
ACM, FHC e a meteórica ascensão
A Operação Satiagraha, nome que relembra o método da não-violência idealizado por Mahatma Gandhi na resistência indiana ao domínio britânico, consegue finalmente levar à prisão o chefão das privatizações. Antes dela, a Operação Chacal já havia indiciado o banqueiro pela contratação da multinacional de espionagem Kroll, que bisbilhotou ilegalmente integrantes do governo Lula. Já na apuração das denúncias do chamado “mensalão”, envolvendo ministros e dirigentes do PT, o nome de Daniel Dantas ressurgiu com desenvoltura em negociatas ilícitas, o que evidenciou a contínua e impressionante influência deste megaespeculador, que ultrapassa distintos governos.
O engenheiro e economista Daniel Dantas iniciou sua meteórica trajetória capitalista na Bahia, ligado ao grupo do ex-senador ACM. Ele foi conselheiro do PFL e chegou a ser cogitado para o Ministério da Fazenda por Collor de Mello. Também foi sócio de Nizan Guanaes na agência de publicidade preferida dos tucanos. Após fazer doutorado nos EUA, trabalhou no Bradesco. Seu banco, Opportunity, começou a operar em 1996, exatamente quando ganhou impulso a onda de privatizações desencadeada por FHC. Sua fortuna desabrocha com a criminosa privataria e com suas obscuras ligações com o poder. Pérsio Arida, ex-presidente do Banco Central, foi seu sócio.
Influente nos corredores de Brasília
Em 1988, Daniel Dantas foi acusado por favorecimento na privatização das empresas do Sistema Telebrás. As denúncias surgiram devido aos conflitos entre os fundos públicos de pensão e várias corporações estrangeiras, como a italiana Telecom e a canadense TIM, com quem o especulador mantinha íntimas relações. Em 2000, os fundos de pensão acionaram a Justiça contra o Opportunity por manobras societárias. Ele também foi acusado por um ex-sócio, Luis Demarco, por desvio de dinheiro do fundo que geria no Caribe com capital do Citibank destinado à privatização. Através deste fundo, Dantas arrematou o controle da Tele Centro Sul, da Telemig e da Amazônia Celular.
Apesar de toda sujeira na construção do seu império, Dantas continuou influente nos corredores de Brasília. Além do setor de telecomunicações, tem investimento em mineração e agropecuária. Ele é sócio da GME4, empresa especializada em pesquisar reservas minerais. Em sete meses de operação, ele adquiriu alvarás de pesquisa em 4 milhões de hectares de terra. Na agropecuária, participa através da poderosa empresa Santa Bárbara. Como afirma uma reportagem bajuladora da revista IstoÉ Dinheiro – Dantas tem ações na Editora 3 que administra o semanário –, “poucos empresários brasileiros conseguiram amealhar tanto dinheiro em tão pouco tempo. Seu banco de investimentos, criado há cerca de 20 anos, administra ativos de US$ 8 bilhões”.
Durante a CPI do Mensalão, a senadora petista Ideli Salvatti foi taxativa. “O senhor é diabólico. Se 10% do que dizem a seu respeito for verdade, o senhor já deveria estar preso”. Agora, ele está na cadeia. Mas até quando? O protagonista da privataria das telecomunicações é um homem com fortes vínculos nos bastidores do poder. Foi amigo de Luis Carlos Mendonça de Barros, ministro das Comunicações de FHC que acionou os fundos de pensão na venda da estatal do setor. Levou para o seu banco Pérsio Arida, Elena Landau, ex-diretora do BNDES responsável pela área de privatizações, Luis Octavio Motta Veiga, que presidiu a Petrobras no governo Collor de Mello, entre outros nomes já conhecidos. Quem mais fará parte deste conluio patrimonialista?