Na edição desta semana, a revista IstoÉ, famosa por suas capas sensacionalistas e reportagens difamatórias, aprontou mais uma das suas. No artigo “O lobista de Chávez”, ela desferiu um ataque covarde contra o jornalista Carlos Alberto de Almeida, reconhecido por sua militância internacionalista e por seu compromisso com a ética jornalística. Descaradamente marcarthista, o texto insufla a perseguição política: “Jornalista brasileiro trabalha no Senado, mas faz hora extra para defender os interesses da Venezuela”. Nela, o senador tucano Álvaro Dias aparece pregando a apuração sobre a “dupla militância do funcionário”. Só falta pedir a sua demissão!
Para a revista, que nunca escondeu o seu ódio à revolução bolivariana, Beto Almeida seria um inimigo da “liberdade de expressão” por defender as medidas de Hugo Chávez contra a ditadura midiática. A fonte principal da IstoÉ é Sociedade Interamericana de Prensa (SIP), a máfia dos barões da mídia que não tolera qualquer restrição legal à “libertinagem de imprensa”. O texto também desfere duro ataque à Telesur, “a emissora criada para se contrapor à rede americana CNN na América Latina”. Beto Almeida é membro do seu conselho diretivo, “seguindo à risca a cartilha do caudilho venezuelano”, esbraveja a revista.
Temores da mídia colonizada
Na prática, o rancoroso artigo visa atingir o presidente Hugo Chávez, num momento em que o parlamento brasileiro discute a adesão da Venezuela ao Mercosul. Ele também procura evitar o fortalecimento da Telesur, que já agrega vários países do continente e realiza o contraponto à mídia colonizada pelos EUA. A IstoÉ chega a alertar os reacionários de plantão. “Até agora, a emissora funciona de forma precária, quase na informalidade. Mas, aos poucos, Beto avança no lobby pelos ideais bolivarianos. Já emplacou, por exemplo, a programação da Telesur na grade do Canal Comunitário de Brasil, a ‘TV Cidade Livre’, da qual é presidente. E está costurando um convênio entre a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e a Telesur”.
No seu reacionarismo inconsistente e leviano, a IstoÉ joga farpas para todos os lados. Ataca o governo de Roberto Requião (PMDB), que retransmite a Telesur na TVE do Paraná, e critica a militância de Beto Almeida em defesa do “repasse das verbas públicas para emissoras públicas e comunitárias”. De forma marota, ela aproveita o episódio para se contrapor à 1ª Conferência Nacional de Comunicação. A revista não tolera a diversidade e pluralidade informativas e rejeita qualquer ação que vise enfrentar a concentração e a manipulação midiáticas. Para ela, a militância de Beto Almeida é incompatível “com os princípios da liberdade de expressão”.
“IstoÉ Daniel Dantas”
A publicação semanal da Editora Três já é bem conhecida por seu jornalismo sensacionalista e mercenário, sempre na busca insana por aumento de tiragem e de lucros. Em fevereiro passado, no texto intitulado “Stédile, o intocável”, ela procurou justificar a repressão às 270 famílias de sem-terras acampadas numa fazenda em Eldorado da Carajás (PA), adquirida ilegalmente pelo Grupo Opportunity, controlado pelo mega-especulador Daniel Dantas. A agressão ao líder do MST teve como objetivo criminalizar a luta pela reforma agrária e defender o banqueiro.
Na ocasião, o MST respondeu a altura no texto intitulado “IstoÉ Daniel Dantas”. Lembrou que a revista “atua como títere dos poderosos, ao passo que se distancia do compromisso com a sociedade e a ética jornalística”. Destacou que ela faz o papel de advogado do bandido e que evita noticiar as sujeiras de Daniel Dantas, “preso em julho passado durante a operação da Polícia Federal por prática de crimes financeiros e de desvio de verbas públicas”. E ironizou: “Resta saber se o conteúdo da reportagem é fruto de um trabalho investigativo competente ou se deve ao curioso fato de que a IstoÉ é publicada pela Editora Três, que por sua vez também é controlada pelo banqueiro Daniel Dantas. Desde 2007, ele possui 51% das ações da editora”.
sexta-feira, 28 de agosto de 2009
O poder e as vulnerabilidades da mídia
Reproduzo abaixo a entrevista concedida ao Observatório do Direito à Comunicação, página do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social –, que tem como “objetivo central criar um ambiente de acompanhamento, fiscalização e reflexão sobre as políticas públicas no campo da comunicação”. O indispensável sítio, que acaba de ser reformulado, fornece às organizações da sociedade engajadas na luta contra a ditadura midiática “referências concretas que potencializem sua intervenção política, no Brasil e em fóruns internacionais”. O Intervozes é hoje reconhecido com uma das mais importantes entidades na elaboração sobre este tema estratégico. Agradeço ao editores do sítio pela divulgação do livro “A ditadura da mídia”.
No livro “A ditadura da mídia” (Editora Anita Garibaldi), Altamiro Borges descreve o que chama de paradoxo da mídia hegemônica: nunca teve tanto poder, mas nunca esteve tão desacreditada. Nesta entrevista, explora novamente este paradoxo desde a perspectiva de quem se coloca na “trincheira contra a ditadura midiática” – como aponta o subtítulo de seu Blog do Miro (altamiroborges.blogspot.com). Em suas respostas, o jornalista, membro do comitê central do PCdoB e autor de outras publicações sobre comunicação e sindicalismo, faz um resumo provocador dos dilemas da mídia hegemônica e daqueles movimentos que tentam – ou deveriam tentar – derrubá-la.
No livro “A ditadura da mídia”, você tentou usar uma linguagem mais acessível, menos especializada. Por que esta preocupação?
Um dos problemas da batalha pela democratização dos meios de comunicação no Brasil é que, como tratamos de um tema difícil, que envolve muita tecnologia nova, ela acaba se tornando um debate restrito a alguns setores. Estudiosos já há algum tempo alertaram para o tema como uma questão estratégica, mas o debate geralmente fica entre especialistas. No outro extremo, o movimento social ainda não se deu conta de que a comunicação é uma questão decisiva para as lutas do cotidiano, que é muito difícil realizar um trabalho de conscientização, organização e mobilização da classe se você não enfrenta a manipulação que a mídia desenvolve. E que a mídia é fundamental também para a defesa de direitos – pois dizem que eles são coisa de privilegiados, marajás – e que ela dificulta qualquer luta transformadora.
O movimento social é muito premido pelas urgências. No sindicalismo, por exemplo, a demanda é muito grande. É atraso de salário, pressão da chefia, retirada de direitos... O movimento sindical acaba tendo que correr atrás desse prejuízo, e esse também é o papel dele. Mas isso apenas confirma a tese de Marx: você fica na guerra de guerrilhas cotidiana contra os efeitos e não vê as causas. O movimento fica na luta imediata, econômica, corporativa, mas não vê as causas da exploração. O movimento social, no geral, não se deu conta ainda desta batalha estratégica.
E como foi esse trabalho de “tradução”?
O objetivo do livro foi exatamente tentar fazer uma ponte entre um tema que é meio árido e um público formado por quem nem sempre “caiu a ficha” sobre isso. Este foi o esforço. Participei muito tempo do movimento sindical – fui presidente de uma entidade chamada Centro de Estudos Sindicais, fui assessor de formação em algumas entidades – e conheço um pouco desta realidade. Então, fiz um livro voltado para este público, porque acho que se essa galera dos movimentos sociais – que é extremamente aguerrida e combativa e que, como todo mundo, tem também suas falhas e debilidades – não encara de frente essa batalha, ela não será ganha.
A pauta da comunicação ainda é subestimada pelos movimentos sociais?
Acho que sim, em vários sentidos. Primeiro, os movimentos e os militantes têm dificuldade de entender o que é a mídia hegemônica. Todos ficam “p da vida” com o tratamento que se dá, por exemplo, a uma greve. Sempre desvirtuam as nossas lutas, colocando a sociedade contra as nossas mobilizações, como se a sociedade não fosse formada também por trabalhadores. Sobre qualquer greve ou manifestação que se faça, o eixo da cobertura é sempre o da criminalização do movimento. O tratamento da Rede Globo para manifestações é sempre “congestionou o trânsito”. São sempre os manifestantes que são os violentos, os baderneiros. O MST, por exemplo, é duramente criminalizado, como se vê no tratamento que a Veja lhe dá.
Então, o movimento social é a principal vítima desses meios de comunicação, mas por enquanto ainda permanece apenas reclamando. Ainda não percebeu que a questão da comunicação é decisiva e deveria ser pauta obrigatória de todos os congressos de trabalhadores. Afinal, são os trabalhadores as vítimas desta mídia hegemônica, pois eles ficam no cotidiano do trabalho e, quando chegam em casa, se sentam na frente da TV e lhes é despejada uma carga imensa de material manipulado, publicidade, individualismo, consumismo e rejeição à ação coletiva. A questão é que não adianta só reclamar: o movimento social precisa encarar essa luta de maneira estratégica, e acho que ainda não encara. No próprio processo de construção da Conferência Nacional de Comunicação, os relatos que chegam são sempre os mesmos: baixa participação dos movimentos sociais mais tradicionais. Além disso, também falta investir em instrumentos próprios de comunicação, fazer a luta de idéias na sua base.
Qual o problema com a comunicação dos movimentos sociais?
Muitas entidades ainda encaram a comunicação como um gasto, não como um investimento da luta de idéias. Veja o caso do movimento sindical: existe até uma tiragem razoável de boletins sindicais no Brasil, mas muito fragmentada, muita voltada para as questões do cotidiano e também com muitos problemas de linguagem. O mundo do trabalho sofreu profundas transformações em razão das mudanças tecnológicas e de técnicas de gerenciamento. Existe uma juventude sem cultura sindical e que está presente nas empresas, e como você se comunica com eles? Os boletins sindicais são, geralmente, aqueles “tijolaços”, aquela coisa mal feita. E quando se discute isso, alega-se que o gasto é muito grande. Ou você investe em materiais de qualidade, em novas linguagens, em novas plataformas, ou você vai perder a batalha de idéias. Hoje, a cabeça do trabalhador é disputada no “macro” e no “micro”, pela mídia e também com as técnicas de gerenciamento, pois o patrão está disputando a cabeça do trabalhador com círculos de controle de qualidade.
O quanto as organizações do movimento social tem conseguido usar as novas plataformas de comunicação e se desapegar dos métodos mais “tradicionais”?
Há uma grande mudança de paradigma e acho que às vezes não nos damos conta destas mudanças. Percebo que ainda há muita resistência. É difícil convencer um sujeito acostumado com a máquina de escrever da potência da internet. Eu mesmo sinto essa dificuldade, pois ainda dou muito valor ao conteúdo e pouco à forma, ao visual. Eu acho que existem algumas organizações que começam a perceber isso, investindo mais em internet, produzindo sites mais vivos, atraentes, sem dogmatismo ou doutrinarismo.
Acho que há um esforço. Eu vejo algumas organizações dos movimentos sociais investindo em outros instrumentos. A experiência do MST com rádio é muito interessante, atingindo 600, 700 rádios. Esta é uma das coisas bonitas que o MST está fazendo, porque é uma comunicação para o interior de São Paulo, onde o rádio tem um papel fundamental. Alguns sindicatos têm investido hoje em TV. O Sinpro [Sindicato dos Professores] de Minas Gerais, por exemplo, investiu em um baita estúdio, fazendo um programa de televisão muito bem feito, que procura ter dinamismo. Ou seja, eles estão fazendo a disputa na sociedade. Existem outros casos, como a Apeoesp [Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo], os metalúrgicos de Caxias do Sul. Mesmo na internet, recebi um relato de que os bancários de Sergipe organizaram uma greve através do Orkut em função das dificuldades de mobilização. Ou seja, já existe na esquerda gente se alertando para isso, mesmo que cometendo erros. Às vezes.
No livro, você fala do “paradoxo da mídia hegemônica”. Qual é o paradoxo?
Nunca a mídia teve tanto poder. Em certo momento, até em uma visão progressista, chegou-se a sugerir que a mídia fosse um quarto poder, como um poder fiscalizador do executivo, legislativo e judiciário, que seria a voz dos sem vozes. Isso acabou. A mídia não é mais hoje um poder de fiscalização da sociedade, se é que algum dia foi, e eu questiono isso. Mas antes ela não era tão forte. Hoje ela é um grande poder. Ela é altamente concentrada. Na França, os dois principais grupos de comunicação estão ligados à indústria de armamentos. Como diz o Ignacio Ramonet, é comunicação e canhão. Você pega nos Estados Unidos, grandes grupos... é um poder econômico violentíssimo, que tem como objetivo o lucro, que faz de tudo um espetáculo, sensacionalismo para ser rentável, no mundo e no Brasil. No nosso caso, ainda há o agravante do tipo de formação dos complexos midiáticos, que é um negócio familiar, propriedade cruzada. A situação do Brasil é dramática, pois o processo de concentração foi pior do que em outros países, já que não existe regra nenhuma. Uma mesma família é dona de rádio, jornal, revista, TV, internet, o diabo! Então, é um grande poder com uma grande capacidade de manipulação.
Quão grande é esta capacidade de manipulação?
Ela consegue convencer que o Saddam Hussein tem armas químicas e bacteriológicas. Se bobear, consegue convencer que o Saddam Hussein estava num daqueles aviões do 11 de setembro. Você vê a manipulação que está se dando agora com o golpe de Honduras. A mídia está relativizando o golpe, está escondendo as manifestações. Ou senão, apresenta as manifestações a favor dos golpistas e as manifestações a favor do presidente deposto como se houvesse esta disputa entre os hondurenhos, tentando negar o golpe.
Tem um episódio recente que achei um absurdo... Sem entrar nos méritos do que representa o governo iraniano – um governo sobre o qual tenho muitas ressalvas, um governo teocrático, conservador, mas é um governo eleito, a mídia fez uma “baita onda” quando o presidente iraniano viria ao Brasil para assinar alguns acordos. Até umas manifestações merrecas foram pra TV Globo. Agora, acabou de sair do país um ministro de Israel [Avigdor Lieberman, ministro das Relações Exteriores israelense] – e sobre este não precisa ter dúvida: o cara fala que tem que jogar bomba, que tem que matar, é um racista assumido, alguém que emporcalha a história dos judeus perseguidos pelo holocausto porque ele propõe um holocausto sionista. E a mídia não fala nada! A Veja ainda publica uma entrevista como se o cara fosse um santo.
Então, essa capacidade de manipulação da opinião pública é muito violenta. É só a gente pegar o que foi a eleição de 2006 no Brasil, a eleição de 2005 na Bolívia, a tentativa de golpe na Venezuela... O Dênis de Moraes, que é um brilhante estudioso da mídia, chega a dizer que ela tem um duplo poder: ela é um poder econômico, no sentido de reprodução capitalista, está atrás de lucro, e é ao mesmo tempo – e ele retém o pensamento deste revolucionário italiano Antonio Gramsci – um aparelho privado de hegemonia. Este é o lado do poder, o lado da ditadura midiática.
Uma ditadura poderosa, pelo visto...
E este poder se agravou muito, a meu ver, por três fatores. Um: as mudanças tecnológicas, muito profundas. Dois: a desregulamentação neoliberal. O desmonte do Estado e o fim de leis deram à mídia este poder. Ela se coloca acima da Constituição, acima do Estado, acima das leis. E um terceiro fator, este totalmente endógeno: o capitalismo tende à concentração. A lógica do sistema é ser concentrador. Então, a monopolização, o desmanche neoliberal e as novas tecnologias aumentaram este poder.
E onde está o paradoxo?
Pois é! Se estamos falando de um poder que vem crescendo nos últimos tempos, onde está o paradoxo? É que este poder também está sendo questionado. E onde ele está sendo questionado? No meu entender, pelas próprias mudanças tecnológicas. Elas abriram determinadas brechas – que eu acho que não duram muito, mas são brechas importantes. A internet, hoje, é uma coisa aberta. Isso fragiliza a mídia. Essa mudança de paradigma sobre o qual a gente falava que o movimento social tem dificuldade de compreender, eles [a mídia hegemônica] também estão com dificuldade. É falência de jornalões, é queda de audiência de TV... Acho que estas mudanças tecnológicas criam o paradoxo: é um grande poder, mas que está mais vulnerável.
A outra coisa que eu acho que afeta muito é que a mídia, esta mídia hegemônica, vem perdendo credibilidade. Porque como a manipulação fica muito agressiva, tem hora que a sociedade vai despertando. Os estadunidenses, por exemplo, foram intoxicados e entorpecidos com toda aquela mensagem do Bush. Mas depois eles perceberam que aquela mensagem do Bush, da guerra, da desregulamentação da economia conduziu os Estados Unidos a uma crise enorme, tanto é que se produziu um fenômeno: a eleição de um negro para a Presidência em uma sociedade que tem características racistas muito fortes. Tal foi o descontentamento que se teve com o Bush. Com o Bush e também com a mídia.
No livro, você cita alguns exemplos na América Latina.
Acho que no nosso continente a mídia sofre um forte questionamento da sua credibilidade. O golpe de 2002 na Venezuela foi um golpe todinho organizado pela mídia. Inclusive as reuniões dos golpistas eram feitas na sede da RCTV e na sede do Cisneros. E o povo não aceitou. O povo desligou as televisões, se comunicou através de rádios comunitárias, internet e motoboy, desceu o morro, ocupou o [Palácio] Miraflores e obrigou o retorno do Chávez. Isso é uma derrota da mídia. Você pega a eleição na Bolívia. O Emir Sader fez uma pesquisa interessante: 87% das matérias de rádios, jornais e TVs na Bolívia foram contra o Evo Morales, inclusive com conteúdo racista. E o povo vai lá e elege o Evo Morales. Pega aqui mesmo no Brasil, com todas as limitações do governo Lula, a onda que se fez contra o governo Lula... e o povo reelege.
A gente percebe quando a mídia passa do ponto...
A mídia passou do ponto, sim. E o povo percebe... Mas acho que não tem jeito: a mídia vai exagerar na dose. Voltando ao Gramsci, ele fala o seguinte: quando os partidos das classes dominantes entram em crise, a imprensa assume o papel do partido do capital. Isso que o Gramsci falava na década de 1920 está se confirmando hoje: como as instituições burguesas estão em crise – até porque todas elas apostaram no receituário neoliberal de desmonte do Estado, da nação e do trabalho, e afundaram na crise que elas próprias ajudaram a criar –, cada vez mais a mídia vai ocupar este papel e ser mais agressiva. E com isso ela vai perder credibilidade. Esse menino que organizou o Rebelión, que é um dos grandes portais da internet hoje no mundo – é o Pascoal Serrano –, tem um livro que ele fala: a mídia vai perdendo credibilidade. Ela perde credibilidade porque surgem fontes alternativas, porque exagera na sua autoridade e isso vai corroendo a mídia. E quando ela exagera demais ela se estrepa.
Pega o episódio da Folha de S. Paulo quando qualificou a ditadura militar de ditabranda... ela perdeu assinantes! Por isso está fazendo estas campanhas falsárias, dizendo que é plural, que ouve todo mundo, pela democracia... Quem apoiou o regime militar, deu carro pra levar preso político pra tortura e quer falar de democracia tem que começar fazendo autocrítica do que fez no passado. Então, é por tudo isso que se dá o paradoxo: a mídia nunca teve tanto poder assim, mas as coisas estão se corroendo. E há ainda um terceiro fator que leva a este paradoxo: a mídia reflete a luta de classes no seu país e no mundo e, no caso do nosso continente, esta luta se radicalizou. De laboratório das políticas neoliberais, virou a liderança de oposição. Isso produziu uma radicalização da luta política na América Latina e a eleição de governos anti-neoliberais – uns mais avançados, uns mais recuados, uns mais radicais no sentido pleno da palavra, de ir na raiz dos problemas, outros mais moderados e conciliadores, mas isso começou a produzir mudanças. Mais cedo ou mais tarde estes governos iam ter de enfrentar o problema da mídia. E eles começaram a enfrentar.
Como tem sido este enfrentamento?
Alguns países estão enfrentando de forma ousada. Na Venezuela, o governo bate duro, não brinca com a mídia. A mídia não está acima do Estado, acima da sociedade. Bate duro. Se a RCTV é golpista, se a RCTV não paga os funcionários, se a RCTV transmite programa fora do horário que afeta crianças e adolescentes, programas de prostituição inclusive, se a RCTV pratica evasão de divisa, acabou a concessão pública. Acabou. Pode chorar, mas vocês não têm mais a concessão pública. É bandido! Não tem mais concessão pública, vocês não têm esse direito. O governo venezuelano vai tomando medidas. Agora mesmo fechou um bocado de rádio com concessões irregulares.
O governo boliviano também vem tomando medidas. A Constituição do Equador é impressionante neste sentido. A auditoria das concessões que foi feita no Equador... impressionante. Esses governos vão tomando estas medidas e a mídia vai ficando cada vez mais como bicho acuado... Eu acho que isso tudo vai vulnerabilizar a mídia hegemônica. Por isso o paradoxo: nunca teve tanto poder, mas nunca esteve tão vulnerável.
O senhor vê alguma especificidade no caso brasileiro? Por exemplo, no Brasil não tem definições como: tal jornal é conservador, tal colunista é progressista. A Folha, por exemplo, diz em relação à imprensa norte-americana: o jornal The New York Times é progressista, o colunista tal é conservador, mas não usa essas coisas para si mesma. Por quê? Por que essa especificidade brasileira, onde não é possível nem fazer este tipo de questionamento acerca da filiação dos diferentes veículos a determinadas posições políticas?
Eu acho que isso tem a ver com a própria formação dos monopólios no Brasil. O processo de concentração no Brasil se deu totalmente desregrado. Nos Estados Unidos, com todos os problemas dos Estados Unidos – uma potência imperialista agressiva -, mas lá você teve, até mesmo como fruto da luta contra o nazifascismo, a elaboração de leis que controlavam um pouco a mídia, que proibiam a propriedade cruzada. Você tem uma agência reguladora, tem lei anti-truste – é verdade que o Bush tentou acabar com todas elas ... –, você tem duas redes públicas razoáveis. Na Europa, tem ainda mais cuidado com isso, porque, no processo de derrota do nazifascismo, você teve toda uma construção de redes públicas fortes, com capacidade de audiência. Você pode até ter críticas à BBC, mas ela é uma televisão de alta qualidade pública. Então, houve a experiência da televisão portuguesa no final do salazarismo, teve a Itália no final do fascismo.
No Brasil, não teve nada disso, nunca teve uma rede pública forte. Getúlio Vargas até tentou criar com a Rádio Nacional - que chegou a ser a 4ª maior do mundo – , investiu também em um jornal alternativo que foi o Última Hora, mas exatamente por isso ele é tão detestado pela elite brasileira e principalmente pela elite paulista. Aliás, São Paulo é o único estado do país onde não tem uma rua Getúlio Vargas. É o único lugar onde tem um feriado para comemorar a tentativa de uma revolução oligárquica, dia 9 de julho.
Qual o problema criado pela falta de uma rede pública de comunicação?
Sem uma rede pública forte, o que sempre se teve foi um setor privado que nunca teve regras de controle. Nunca houve regulamentação para essa área. Então, nós não pegamos a experiência européia de público e ainda pioramos o que pegamos dos Estados Unidos, que minimamente tem lei que controla a concentração e o trabalho da mídia. Então, esses caras aqui se sentem os donos da cocada preta, sempre com muita capacidade de interferir. Com exceção do Última Hora e jornais de esquerda, todas essas grandes empresas de comunicação apoiaram o golpe de 64. Todas entraram na campanha do Collor. Até os colunistas progressistas estas empresas foram limpando. Para vozes que destoem, que problematizem, que polemizem, o espaço é reduzidíssimo nestes meios. Eu acho que estes fatores é que geram esta degeneração.
Qual é a correlação de forças no Brasil, hoje, entre os movimentos progressistas que questionam o modelo midiático e estes grandes grupos de mídia? Como você acha que vai ser a Conferência Nacional de Comunicação?
Primeiro, a Conferência é uma grande conquista dos movimentos sociais brasileiros, destas entidades que há muito tempo levantam a importância de se lutar pela democratização dos meios de comunicação: Intervozes [- Coletivo Brasil de Comunicação Social], FNDC [Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação], Abraço [Associação Brasileira de Rádios Comunitárias], entidades que levantam este tema. Uma vitória que foi difícil, pois há sete anos estamos tentando esta Conferência. Ela estava implícita no programa do Lula de 2003, estava explícita no de 2006 e só saiu agora, no final de 2009. E isso tem a ver com correlação de força e com vacilações do governo Lula.
Por que “vacilações”?
O governo Lula fez pacto com o capital financeiro, pacto com o agronegócio e pacto com os barões da mídia. Apanhou muito em 2006, e no segundo mandato começou a romper com esse pacto com os barões, mas foi muito cauteloso. Dos governos progressistas da América Latina, talvez tenha sido o que menos avançou neste processo de democratização dos meios de comunicação. Isso tem a ver com a correlação de forças no Brasil e com a complexidade do Brasil e o próprio problema de convicção do governo. Então, já foi tão duro conquistar a Conferência, não ia ser fácil realizá-la.
Você se refere aos impasses criados pelos empresários...
A conquista da Conferência teve a ver também com um racha no setor empresarial, um racha nas classes dominantes, que, por sua vez, teve a ver com essas mudanças tecnológicas, com essa digitalização e com a entrada dos operadores de telefonia na produção de conteúdos. Então, os radiodifusores brasileiros estão muito preocupados com isso. Inclusive são muito manhosos. Eles que pregaram a desnacionalização da economia, entrega tudo, privatiza tudo e agora estão falando em defesa da cultura nacional. É uma hipocrisia razoável, apesar de que parte de um problema real, porque se as operadoras de telefonia entram, elas têm um poder financeiro... A Telefônica é 60 bi [R$ 60 bilhões] e a Globo que é a Globo é 5 bi. Então se não tiver nenhum mecanismo de controle, daqui a pouco você não tem nenhuma produção de conteúdo nacional, só vai ver porcaria estrangeira. Vai ter que agüentar Bob Esponja de manhã, à tarde e à noite. Enfim: este racha empresarial também facilitou a Conferência. É uma vitória do povo, dos movimentos sociais brasileiros e principalmente destas entidades que entenderam a importância estratégica deste tema. Mas nada vem fácil. Eles perderam por conta do racha deles, mas eles vão tentar interferir no processo da Conferência. Eu acho que se eles sentirem que eles vão levar uma surra na Conferência a tendência é eles não irem para Conferência.
Eles já tem sinalizado esta saída...
É uma postura truculenta, arrogante. O Evandro [Guimarães] representante da Abert [Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV] vem com exigências. E eu pergunto: quem é você para falar pela sociedade? Eles dizem: não pode discutir o passado, só pode discutir o futuro. Discutir “o passado” é discutir o que está na Constituição, nos artigos 220, 221, 222 e 223? Eles dizem: não pode discutir conteúdo. E vem com uma imposição de que tem que reduzir a interferência estatal.. Não existe rede pública no Brasil e está querendo reduzir ainda mais? Vem com imposição de critérios: “temos que ter 40% de cadeira cativa para os empresários”. Mas quem são vocês para ter 40% de cadeira cativa? Se os empresários dos meios de comunicação representassem 40% da sociedade brasileira, nós não teríamos o problema de concentração da mídia no Brasil. Eu acho que eles estão medindo, estão tentando enquadrar a Conferência, chantagear o governo e ameaçar sair para tentar enquadrar a Conferência na questão de conteúdo, de critérios para participação. Então é uma batalha difícil, não é fácil. O governo tem manifestado que faz a Conferência com ou sem empresários, vamos ver se peita este tipo de atitude. [O anúncio da saída dos empresários foi feito duas semanas após a entrevista.]
Ocorrendo a Conferência, o que pode acontecer? Qual pode ser o saldo da Conferência?
A realização da Conferência, o seu processo com as etapas estaduais, municipais e a nacional é um processo muito interessante, porque ela se volta para aquela pergunta inicial sobre quem entendeu a importância da comunicação, da luta nesta área estar restrita a um setor ainda pequeno, formado de “especialistas”. Não caiu a ficha para os movimentos sociais e ampla parcela da sociedade acha que a televisão que está aí é ótima. O processo de Conferência eu acho que permite duas coisas: primeira e grande coisa, ela é um esforço pedagógico porque permite envolver mais gente nesse debate, sair da coisa de especialistas, cutucar o movimento social para que ele entre com força e fazer o debate com o amplo setor da sociedade. Se este debate, hoje, está reduzido a mil, dois mil ativistas, no processo da Conferência você pode envolver, sei lá, cem mil pessoas debatendo mídia enquanto direito humano, enquanto requisito da democracia, debatendo mídia enquanto respeito à diversidade. Por si só, mesmo que não tivesse conquista nenhuma na Conferência só isso já seria extremamente positivo. Além disso, eu acho que é possível ter algumas vitórias na Conferência.
Quais seriam estas possíveis vitórias?
Eu acho que se o movimento social brasileiro conseguir elencar propostas concretas, centrar em algumas – não tentar abarcar tudo -, não achar que a Conferência vai acabar com a ditadura midiática, porque não vai acabar... Nem o Chávez que é o Chávez, em um processo mais radicalizado, acabou com o latifúndio midiático na Venezuela! Nós ainda vamos ter que acumular muita força. Mas eu acho que se a gente consegue eleger alguns temas e propostas concretas, não ficar só no diagnóstico, mas ir para a proposição, eu acho que a gente pode conseguir algumas vitórias como: medidas para inclusão digital, medidas para não criminalizar a radiodifusão comunitária, medidas para rediscutir critérios de publicidade oficial, medidas para redefinir atualizar e garantir a discussão dos critérios de concessão publica, medidas de fortalecimento da rede pública – e a gente não está falando só sobre a EBC [Empresa Brasil de Comunicação], mas também os canais comunitários, canais educativos, universitários. Então, eu acho que a Conferência é vitória, os patrões estão fazendo chantagem, mas se ela se realiza, só o processo já é pedagógico. E mais do que isso: acho que conseguimos obter vitórias pontuais, parciais, mas vitórias. Não vai ser uma revolução, mas é um processo acumulativo de ganhar forças.
No livro “A ditadura da mídia” (Editora Anita Garibaldi), Altamiro Borges descreve o que chama de paradoxo da mídia hegemônica: nunca teve tanto poder, mas nunca esteve tão desacreditada. Nesta entrevista, explora novamente este paradoxo desde a perspectiva de quem se coloca na “trincheira contra a ditadura midiática” – como aponta o subtítulo de seu Blog do Miro (altamiroborges.blogspot.com). Em suas respostas, o jornalista, membro do comitê central do PCdoB e autor de outras publicações sobre comunicação e sindicalismo, faz um resumo provocador dos dilemas da mídia hegemônica e daqueles movimentos que tentam – ou deveriam tentar – derrubá-la.
No livro “A ditadura da mídia”, você tentou usar uma linguagem mais acessível, menos especializada. Por que esta preocupação?
Um dos problemas da batalha pela democratização dos meios de comunicação no Brasil é que, como tratamos de um tema difícil, que envolve muita tecnologia nova, ela acaba se tornando um debate restrito a alguns setores. Estudiosos já há algum tempo alertaram para o tema como uma questão estratégica, mas o debate geralmente fica entre especialistas. No outro extremo, o movimento social ainda não se deu conta de que a comunicação é uma questão decisiva para as lutas do cotidiano, que é muito difícil realizar um trabalho de conscientização, organização e mobilização da classe se você não enfrenta a manipulação que a mídia desenvolve. E que a mídia é fundamental também para a defesa de direitos – pois dizem que eles são coisa de privilegiados, marajás – e que ela dificulta qualquer luta transformadora.
O movimento social é muito premido pelas urgências. No sindicalismo, por exemplo, a demanda é muito grande. É atraso de salário, pressão da chefia, retirada de direitos... O movimento sindical acaba tendo que correr atrás desse prejuízo, e esse também é o papel dele. Mas isso apenas confirma a tese de Marx: você fica na guerra de guerrilhas cotidiana contra os efeitos e não vê as causas. O movimento fica na luta imediata, econômica, corporativa, mas não vê as causas da exploração. O movimento social, no geral, não se deu conta ainda desta batalha estratégica.
E como foi esse trabalho de “tradução”?
O objetivo do livro foi exatamente tentar fazer uma ponte entre um tema que é meio árido e um público formado por quem nem sempre “caiu a ficha” sobre isso. Este foi o esforço. Participei muito tempo do movimento sindical – fui presidente de uma entidade chamada Centro de Estudos Sindicais, fui assessor de formação em algumas entidades – e conheço um pouco desta realidade. Então, fiz um livro voltado para este público, porque acho que se essa galera dos movimentos sociais – que é extremamente aguerrida e combativa e que, como todo mundo, tem também suas falhas e debilidades – não encara de frente essa batalha, ela não será ganha.
A pauta da comunicação ainda é subestimada pelos movimentos sociais?
Acho que sim, em vários sentidos. Primeiro, os movimentos e os militantes têm dificuldade de entender o que é a mídia hegemônica. Todos ficam “p da vida” com o tratamento que se dá, por exemplo, a uma greve. Sempre desvirtuam as nossas lutas, colocando a sociedade contra as nossas mobilizações, como se a sociedade não fosse formada também por trabalhadores. Sobre qualquer greve ou manifestação que se faça, o eixo da cobertura é sempre o da criminalização do movimento. O tratamento da Rede Globo para manifestações é sempre “congestionou o trânsito”. São sempre os manifestantes que são os violentos, os baderneiros. O MST, por exemplo, é duramente criminalizado, como se vê no tratamento que a Veja lhe dá.
Então, o movimento social é a principal vítima desses meios de comunicação, mas por enquanto ainda permanece apenas reclamando. Ainda não percebeu que a questão da comunicação é decisiva e deveria ser pauta obrigatória de todos os congressos de trabalhadores. Afinal, são os trabalhadores as vítimas desta mídia hegemônica, pois eles ficam no cotidiano do trabalho e, quando chegam em casa, se sentam na frente da TV e lhes é despejada uma carga imensa de material manipulado, publicidade, individualismo, consumismo e rejeição à ação coletiva. A questão é que não adianta só reclamar: o movimento social precisa encarar essa luta de maneira estratégica, e acho que ainda não encara. No próprio processo de construção da Conferência Nacional de Comunicação, os relatos que chegam são sempre os mesmos: baixa participação dos movimentos sociais mais tradicionais. Além disso, também falta investir em instrumentos próprios de comunicação, fazer a luta de idéias na sua base.
Qual o problema com a comunicação dos movimentos sociais?
Muitas entidades ainda encaram a comunicação como um gasto, não como um investimento da luta de idéias. Veja o caso do movimento sindical: existe até uma tiragem razoável de boletins sindicais no Brasil, mas muito fragmentada, muita voltada para as questões do cotidiano e também com muitos problemas de linguagem. O mundo do trabalho sofreu profundas transformações em razão das mudanças tecnológicas e de técnicas de gerenciamento. Existe uma juventude sem cultura sindical e que está presente nas empresas, e como você se comunica com eles? Os boletins sindicais são, geralmente, aqueles “tijolaços”, aquela coisa mal feita. E quando se discute isso, alega-se que o gasto é muito grande. Ou você investe em materiais de qualidade, em novas linguagens, em novas plataformas, ou você vai perder a batalha de idéias. Hoje, a cabeça do trabalhador é disputada no “macro” e no “micro”, pela mídia e também com as técnicas de gerenciamento, pois o patrão está disputando a cabeça do trabalhador com círculos de controle de qualidade.
O quanto as organizações do movimento social tem conseguido usar as novas plataformas de comunicação e se desapegar dos métodos mais “tradicionais”?
Há uma grande mudança de paradigma e acho que às vezes não nos damos conta destas mudanças. Percebo que ainda há muita resistência. É difícil convencer um sujeito acostumado com a máquina de escrever da potência da internet. Eu mesmo sinto essa dificuldade, pois ainda dou muito valor ao conteúdo e pouco à forma, ao visual. Eu acho que existem algumas organizações que começam a perceber isso, investindo mais em internet, produzindo sites mais vivos, atraentes, sem dogmatismo ou doutrinarismo.
Acho que há um esforço. Eu vejo algumas organizações dos movimentos sociais investindo em outros instrumentos. A experiência do MST com rádio é muito interessante, atingindo 600, 700 rádios. Esta é uma das coisas bonitas que o MST está fazendo, porque é uma comunicação para o interior de São Paulo, onde o rádio tem um papel fundamental. Alguns sindicatos têm investido hoje em TV. O Sinpro [Sindicato dos Professores] de Minas Gerais, por exemplo, investiu em um baita estúdio, fazendo um programa de televisão muito bem feito, que procura ter dinamismo. Ou seja, eles estão fazendo a disputa na sociedade. Existem outros casos, como a Apeoesp [Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo], os metalúrgicos de Caxias do Sul. Mesmo na internet, recebi um relato de que os bancários de Sergipe organizaram uma greve através do Orkut em função das dificuldades de mobilização. Ou seja, já existe na esquerda gente se alertando para isso, mesmo que cometendo erros. Às vezes.
No livro, você fala do “paradoxo da mídia hegemônica”. Qual é o paradoxo?
Nunca a mídia teve tanto poder. Em certo momento, até em uma visão progressista, chegou-se a sugerir que a mídia fosse um quarto poder, como um poder fiscalizador do executivo, legislativo e judiciário, que seria a voz dos sem vozes. Isso acabou. A mídia não é mais hoje um poder de fiscalização da sociedade, se é que algum dia foi, e eu questiono isso. Mas antes ela não era tão forte. Hoje ela é um grande poder. Ela é altamente concentrada. Na França, os dois principais grupos de comunicação estão ligados à indústria de armamentos. Como diz o Ignacio Ramonet, é comunicação e canhão. Você pega nos Estados Unidos, grandes grupos... é um poder econômico violentíssimo, que tem como objetivo o lucro, que faz de tudo um espetáculo, sensacionalismo para ser rentável, no mundo e no Brasil. No nosso caso, ainda há o agravante do tipo de formação dos complexos midiáticos, que é um negócio familiar, propriedade cruzada. A situação do Brasil é dramática, pois o processo de concentração foi pior do que em outros países, já que não existe regra nenhuma. Uma mesma família é dona de rádio, jornal, revista, TV, internet, o diabo! Então, é um grande poder com uma grande capacidade de manipulação.
Quão grande é esta capacidade de manipulação?
Ela consegue convencer que o Saddam Hussein tem armas químicas e bacteriológicas. Se bobear, consegue convencer que o Saddam Hussein estava num daqueles aviões do 11 de setembro. Você vê a manipulação que está se dando agora com o golpe de Honduras. A mídia está relativizando o golpe, está escondendo as manifestações. Ou senão, apresenta as manifestações a favor dos golpistas e as manifestações a favor do presidente deposto como se houvesse esta disputa entre os hondurenhos, tentando negar o golpe.
Tem um episódio recente que achei um absurdo... Sem entrar nos méritos do que representa o governo iraniano – um governo sobre o qual tenho muitas ressalvas, um governo teocrático, conservador, mas é um governo eleito, a mídia fez uma “baita onda” quando o presidente iraniano viria ao Brasil para assinar alguns acordos. Até umas manifestações merrecas foram pra TV Globo. Agora, acabou de sair do país um ministro de Israel [Avigdor Lieberman, ministro das Relações Exteriores israelense] – e sobre este não precisa ter dúvida: o cara fala que tem que jogar bomba, que tem que matar, é um racista assumido, alguém que emporcalha a história dos judeus perseguidos pelo holocausto porque ele propõe um holocausto sionista. E a mídia não fala nada! A Veja ainda publica uma entrevista como se o cara fosse um santo.
Então, essa capacidade de manipulação da opinião pública é muito violenta. É só a gente pegar o que foi a eleição de 2006 no Brasil, a eleição de 2005 na Bolívia, a tentativa de golpe na Venezuela... O Dênis de Moraes, que é um brilhante estudioso da mídia, chega a dizer que ela tem um duplo poder: ela é um poder econômico, no sentido de reprodução capitalista, está atrás de lucro, e é ao mesmo tempo – e ele retém o pensamento deste revolucionário italiano Antonio Gramsci – um aparelho privado de hegemonia. Este é o lado do poder, o lado da ditadura midiática.
Uma ditadura poderosa, pelo visto...
E este poder se agravou muito, a meu ver, por três fatores. Um: as mudanças tecnológicas, muito profundas. Dois: a desregulamentação neoliberal. O desmonte do Estado e o fim de leis deram à mídia este poder. Ela se coloca acima da Constituição, acima do Estado, acima das leis. E um terceiro fator, este totalmente endógeno: o capitalismo tende à concentração. A lógica do sistema é ser concentrador. Então, a monopolização, o desmanche neoliberal e as novas tecnologias aumentaram este poder.
E onde está o paradoxo?
Pois é! Se estamos falando de um poder que vem crescendo nos últimos tempos, onde está o paradoxo? É que este poder também está sendo questionado. E onde ele está sendo questionado? No meu entender, pelas próprias mudanças tecnológicas. Elas abriram determinadas brechas – que eu acho que não duram muito, mas são brechas importantes. A internet, hoje, é uma coisa aberta. Isso fragiliza a mídia. Essa mudança de paradigma sobre o qual a gente falava que o movimento social tem dificuldade de compreender, eles [a mídia hegemônica] também estão com dificuldade. É falência de jornalões, é queda de audiência de TV... Acho que estas mudanças tecnológicas criam o paradoxo: é um grande poder, mas que está mais vulnerável.
A outra coisa que eu acho que afeta muito é que a mídia, esta mídia hegemônica, vem perdendo credibilidade. Porque como a manipulação fica muito agressiva, tem hora que a sociedade vai despertando. Os estadunidenses, por exemplo, foram intoxicados e entorpecidos com toda aquela mensagem do Bush. Mas depois eles perceberam que aquela mensagem do Bush, da guerra, da desregulamentação da economia conduziu os Estados Unidos a uma crise enorme, tanto é que se produziu um fenômeno: a eleição de um negro para a Presidência em uma sociedade que tem características racistas muito fortes. Tal foi o descontentamento que se teve com o Bush. Com o Bush e também com a mídia.
No livro, você cita alguns exemplos na América Latina.
Acho que no nosso continente a mídia sofre um forte questionamento da sua credibilidade. O golpe de 2002 na Venezuela foi um golpe todinho organizado pela mídia. Inclusive as reuniões dos golpistas eram feitas na sede da RCTV e na sede do Cisneros. E o povo não aceitou. O povo desligou as televisões, se comunicou através de rádios comunitárias, internet e motoboy, desceu o morro, ocupou o [Palácio] Miraflores e obrigou o retorno do Chávez. Isso é uma derrota da mídia. Você pega a eleição na Bolívia. O Emir Sader fez uma pesquisa interessante: 87% das matérias de rádios, jornais e TVs na Bolívia foram contra o Evo Morales, inclusive com conteúdo racista. E o povo vai lá e elege o Evo Morales. Pega aqui mesmo no Brasil, com todas as limitações do governo Lula, a onda que se fez contra o governo Lula... e o povo reelege.
A gente percebe quando a mídia passa do ponto...
A mídia passou do ponto, sim. E o povo percebe... Mas acho que não tem jeito: a mídia vai exagerar na dose. Voltando ao Gramsci, ele fala o seguinte: quando os partidos das classes dominantes entram em crise, a imprensa assume o papel do partido do capital. Isso que o Gramsci falava na década de 1920 está se confirmando hoje: como as instituições burguesas estão em crise – até porque todas elas apostaram no receituário neoliberal de desmonte do Estado, da nação e do trabalho, e afundaram na crise que elas próprias ajudaram a criar –, cada vez mais a mídia vai ocupar este papel e ser mais agressiva. E com isso ela vai perder credibilidade. Esse menino que organizou o Rebelión, que é um dos grandes portais da internet hoje no mundo – é o Pascoal Serrano –, tem um livro que ele fala: a mídia vai perdendo credibilidade. Ela perde credibilidade porque surgem fontes alternativas, porque exagera na sua autoridade e isso vai corroendo a mídia. E quando ela exagera demais ela se estrepa.
Pega o episódio da Folha de S. Paulo quando qualificou a ditadura militar de ditabranda... ela perdeu assinantes! Por isso está fazendo estas campanhas falsárias, dizendo que é plural, que ouve todo mundo, pela democracia... Quem apoiou o regime militar, deu carro pra levar preso político pra tortura e quer falar de democracia tem que começar fazendo autocrítica do que fez no passado. Então, é por tudo isso que se dá o paradoxo: a mídia nunca teve tanto poder assim, mas as coisas estão se corroendo. E há ainda um terceiro fator que leva a este paradoxo: a mídia reflete a luta de classes no seu país e no mundo e, no caso do nosso continente, esta luta se radicalizou. De laboratório das políticas neoliberais, virou a liderança de oposição. Isso produziu uma radicalização da luta política na América Latina e a eleição de governos anti-neoliberais – uns mais avançados, uns mais recuados, uns mais radicais no sentido pleno da palavra, de ir na raiz dos problemas, outros mais moderados e conciliadores, mas isso começou a produzir mudanças. Mais cedo ou mais tarde estes governos iam ter de enfrentar o problema da mídia. E eles começaram a enfrentar.
Como tem sido este enfrentamento?
Alguns países estão enfrentando de forma ousada. Na Venezuela, o governo bate duro, não brinca com a mídia. A mídia não está acima do Estado, acima da sociedade. Bate duro. Se a RCTV é golpista, se a RCTV não paga os funcionários, se a RCTV transmite programa fora do horário que afeta crianças e adolescentes, programas de prostituição inclusive, se a RCTV pratica evasão de divisa, acabou a concessão pública. Acabou. Pode chorar, mas vocês não têm mais a concessão pública. É bandido! Não tem mais concessão pública, vocês não têm esse direito. O governo venezuelano vai tomando medidas. Agora mesmo fechou um bocado de rádio com concessões irregulares.
O governo boliviano também vem tomando medidas. A Constituição do Equador é impressionante neste sentido. A auditoria das concessões que foi feita no Equador... impressionante. Esses governos vão tomando estas medidas e a mídia vai ficando cada vez mais como bicho acuado... Eu acho que isso tudo vai vulnerabilizar a mídia hegemônica. Por isso o paradoxo: nunca teve tanto poder, mas nunca esteve tão vulnerável.
O senhor vê alguma especificidade no caso brasileiro? Por exemplo, no Brasil não tem definições como: tal jornal é conservador, tal colunista é progressista. A Folha, por exemplo, diz em relação à imprensa norte-americana: o jornal The New York Times é progressista, o colunista tal é conservador, mas não usa essas coisas para si mesma. Por quê? Por que essa especificidade brasileira, onde não é possível nem fazer este tipo de questionamento acerca da filiação dos diferentes veículos a determinadas posições políticas?
Eu acho que isso tem a ver com a própria formação dos monopólios no Brasil. O processo de concentração no Brasil se deu totalmente desregrado. Nos Estados Unidos, com todos os problemas dos Estados Unidos – uma potência imperialista agressiva -, mas lá você teve, até mesmo como fruto da luta contra o nazifascismo, a elaboração de leis que controlavam um pouco a mídia, que proibiam a propriedade cruzada. Você tem uma agência reguladora, tem lei anti-truste – é verdade que o Bush tentou acabar com todas elas ... –, você tem duas redes públicas razoáveis. Na Europa, tem ainda mais cuidado com isso, porque, no processo de derrota do nazifascismo, você teve toda uma construção de redes públicas fortes, com capacidade de audiência. Você pode até ter críticas à BBC, mas ela é uma televisão de alta qualidade pública. Então, houve a experiência da televisão portuguesa no final do salazarismo, teve a Itália no final do fascismo.
No Brasil, não teve nada disso, nunca teve uma rede pública forte. Getúlio Vargas até tentou criar com a Rádio Nacional - que chegou a ser a 4ª maior do mundo – , investiu também em um jornal alternativo que foi o Última Hora, mas exatamente por isso ele é tão detestado pela elite brasileira e principalmente pela elite paulista. Aliás, São Paulo é o único estado do país onde não tem uma rua Getúlio Vargas. É o único lugar onde tem um feriado para comemorar a tentativa de uma revolução oligárquica, dia 9 de julho.
Qual o problema criado pela falta de uma rede pública de comunicação?
Sem uma rede pública forte, o que sempre se teve foi um setor privado que nunca teve regras de controle. Nunca houve regulamentação para essa área. Então, nós não pegamos a experiência européia de público e ainda pioramos o que pegamos dos Estados Unidos, que minimamente tem lei que controla a concentração e o trabalho da mídia. Então, esses caras aqui se sentem os donos da cocada preta, sempre com muita capacidade de interferir. Com exceção do Última Hora e jornais de esquerda, todas essas grandes empresas de comunicação apoiaram o golpe de 64. Todas entraram na campanha do Collor. Até os colunistas progressistas estas empresas foram limpando. Para vozes que destoem, que problematizem, que polemizem, o espaço é reduzidíssimo nestes meios. Eu acho que estes fatores é que geram esta degeneração.
Qual é a correlação de forças no Brasil, hoje, entre os movimentos progressistas que questionam o modelo midiático e estes grandes grupos de mídia? Como você acha que vai ser a Conferência Nacional de Comunicação?
Primeiro, a Conferência é uma grande conquista dos movimentos sociais brasileiros, destas entidades que há muito tempo levantam a importância de se lutar pela democratização dos meios de comunicação: Intervozes [- Coletivo Brasil de Comunicação Social], FNDC [Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação], Abraço [Associação Brasileira de Rádios Comunitárias], entidades que levantam este tema. Uma vitória que foi difícil, pois há sete anos estamos tentando esta Conferência. Ela estava implícita no programa do Lula de 2003, estava explícita no de 2006 e só saiu agora, no final de 2009. E isso tem a ver com correlação de força e com vacilações do governo Lula.
Por que “vacilações”?
O governo Lula fez pacto com o capital financeiro, pacto com o agronegócio e pacto com os barões da mídia. Apanhou muito em 2006, e no segundo mandato começou a romper com esse pacto com os barões, mas foi muito cauteloso. Dos governos progressistas da América Latina, talvez tenha sido o que menos avançou neste processo de democratização dos meios de comunicação. Isso tem a ver com a correlação de forças no Brasil e com a complexidade do Brasil e o próprio problema de convicção do governo. Então, já foi tão duro conquistar a Conferência, não ia ser fácil realizá-la.
Você se refere aos impasses criados pelos empresários...
A conquista da Conferência teve a ver também com um racha no setor empresarial, um racha nas classes dominantes, que, por sua vez, teve a ver com essas mudanças tecnológicas, com essa digitalização e com a entrada dos operadores de telefonia na produção de conteúdos. Então, os radiodifusores brasileiros estão muito preocupados com isso. Inclusive são muito manhosos. Eles que pregaram a desnacionalização da economia, entrega tudo, privatiza tudo e agora estão falando em defesa da cultura nacional. É uma hipocrisia razoável, apesar de que parte de um problema real, porque se as operadoras de telefonia entram, elas têm um poder financeiro... A Telefônica é 60 bi [R$ 60 bilhões] e a Globo que é a Globo é 5 bi. Então se não tiver nenhum mecanismo de controle, daqui a pouco você não tem nenhuma produção de conteúdo nacional, só vai ver porcaria estrangeira. Vai ter que agüentar Bob Esponja de manhã, à tarde e à noite. Enfim: este racha empresarial também facilitou a Conferência. É uma vitória do povo, dos movimentos sociais brasileiros e principalmente destas entidades que entenderam a importância estratégica deste tema. Mas nada vem fácil. Eles perderam por conta do racha deles, mas eles vão tentar interferir no processo da Conferência. Eu acho que se eles sentirem que eles vão levar uma surra na Conferência a tendência é eles não irem para Conferência.
Eles já tem sinalizado esta saída...
É uma postura truculenta, arrogante. O Evandro [Guimarães] representante da Abert [Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV] vem com exigências. E eu pergunto: quem é você para falar pela sociedade? Eles dizem: não pode discutir o passado, só pode discutir o futuro. Discutir “o passado” é discutir o que está na Constituição, nos artigos 220, 221, 222 e 223? Eles dizem: não pode discutir conteúdo. E vem com uma imposição de que tem que reduzir a interferência estatal.. Não existe rede pública no Brasil e está querendo reduzir ainda mais? Vem com imposição de critérios: “temos que ter 40% de cadeira cativa para os empresários”. Mas quem são vocês para ter 40% de cadeira cativa? Se os empresários dos meios de comunicação representassem 40% da sociedade brasileira, nós não teríamos o problema de concentração da mídia no Brasil. Eu acho que eles estão medindo, estão tentando enquadrar a Conferência, chantagear o governo e ameaçar sair para tentar enquadrar a Conferência na questão de conteúdo, de critérios para participação. Então é uma batalha difícil, não é fácil. O governo tem manifestado que faz a Conferência com ou sem empresários, vamos ver se peita este tipo de atitude. [O anúncio da saída dos empresários foi feito duas semanas após a entrevista.]
Ocorrendo a Conferência, o que pode acontecer? Qual pode ser o saldo da Conferência?
A realização da Conferência, o seu processo com as etapas estaduais, municipais e a nacional é um processo muito interessante, porque ela se volta para aquela pergunta inicial sobre quem entendeu a importância da comunicação, da luta nesta área estar restrita a um setor ainda pequeno, formado de “especialistas”. Não caiu a ficha para os movimentos sociais e ampla parcela da sociedade acha que a televisão que está aí é ótima. O processo de Conferência eu acho que permite duas coisas: primeira e grande coisa, ela é um esforço pedagógico porque permite envolver mais gente nesse debate, sair da coisa de especialistas, cutucar o movimento social para que ele entre com força e fazer o debate com o amplo setor da sociedade. Se este debate, hoje, está reduzido a mil, dois mil ativistas, no processo da Conferência você pode envolver, sei lá, cem mil pessoas debatendo mídia enquanto direito humano, enquanto requisito da democracia, debatendo mídia enquanto respeito à diversidade. Por si só, mesmo que não tivesse conquista nenhuma na Conferência só isso já seria extremamente positivo. Além disso, eu acho que é possível ter algumas vitórias na Conferência.
Quais seriam estas possíveis vitórias?
Eu acho que se o movimento social brasileiro conseguir elencar propostas concretas, centrar em algumas – não tentar abarcar tudo -, não achar que a Conferência vai acabar com a ditadura midiática, porque não vai acabar... Nem o Chávez que é o Chávez, em um processo mais radicalizado, acabou com o latifúndio midiático na Venezuela! Nós ainda vamos ter que acumular muita força. Mas eu acho que se a gente consegue eleger alguns temas e propostas concretas, não ficar só no diagnóstico, mas ir para a proposição, eu acho que a gente pode conseguir algumas vitórias como: medidas para inclusão digital, medidas para não criminalizar a radiodifusão comunitária, medidas para rediscutir critérios de publicidade oficial, medidas para redefinir atualizar e garantir a discussão dos critérios de concessão publica, medidas de fortalecimento da rede pública – e a gente não está falando só sobre a EBC [Empresa Brasil de Comunicação], mas também os canais comunitários, canais educativos, universitários. Então, eu acho que a Conferência é vitória, os patrões estão fazendo chantagem, mas se ela se realiza, só o processo já é pedagógico. E mais do que isso: acho que conseguimos obter vitórias pontuais, parciais, mas vitórias. Não vai ser uma revolução, mas é um processo acumulativo de ganhar forças.
quinta-feira, 27 de agosto de 2009
“Chega de ingenuidade diante da mídia”
A Revista do Brasil é uma importante iniciativa do sindicalismo vinculado à CUT. O projeto teve início em 2006 com a participação de 19 entidades e hoje conta com cerca de 50 sindicatos de vários estados. Ela é distribuída mensalmente para 360 mil trabalhadores, chegando à residência dos sindicalizados, e também é vendida nas bancas das capitais brasileiras. Na edição de agosto, número 38, o jornalista Osvaldo Colibri Vitta fez uma longa entrevista sobre o livro “A ditadura da mídia”. Reproduzo abaixo a matéria e agradeço o apoio dos editores da Revista do Brasil.
“Uma referência de consulta”
O jornalista Altamiro Borges, o Miro, acaba de lançar o livro “A ditadura da mídia” (Editora Anita Garibaldi). O trabalho explica a origem da concentração da mídia brasileira nas mãos de poucas famílias e sua relação umbilical com o poder econômico dominante. E torna-se referência de consulta em perfeita sintonia com o ambiente de preparação para a Conferência Nacional de Comunicação, em dezembro – na qual os movimentos preocupados com a construção de uma comunicação de massas mais decente e democrática esperam emplacar propostas que pautem ações futuras do poder público.
O autor começou a vida de jornalista cobrindo as greves do ABC, no final dos anos 1970, quando morava na Vila Califórnia, divisa de São Paulo com Santo André. Trabalhou no jornal da Arquidiocese de São Paulo, com dom Paulo Evaristo Arns – “uma experiência riquíssima” – e participou do jornal Tribuna da Luta Operária (1980-1988). Entre 1988 e 1994 foi assessor de imprensa e de formação no Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente de SP (Sintaema). Depois assumiu a área de formação do PCdoB. Há três anos tem um blog (altamiroborges.blogspot.com) e dirige o Portal Vermelho. No último dia 16 de julho, Miro conversou longamente com o apresentador do Jornal Brasil Atual, Osvaldo Colibri Vitta, no programa que vai ao ar diariamente das 7h às 8h (98,1 FM), na Grande São Paulo. Leia a seguir os principais trechos:
De onde vem essa ditadura da mídia no Brasil?
O pensador italiano Antonio Gramsci escreveu que, quando os partidos das classes dominantes estivessem em crise, quem ocuparia o papel desses partidos seria a imprensa. Isso ele escreveu na década de 1920 e hoje está mais atual do que nunca. Existem 40 grupos, no máximo, que dominam a mídia mundial. É grande a capacidade de manipulação: 80% do que a gente recebe de informações provém dos Estados Unidos, com CNN, Fox, agências, os grandes jornais. Deu no NYT virou verdade! E há mentiras grossas. No episódio da invasão do Iraque, por exemplo, foram várias as mentiras – do governo Bush – reproduzidas sem nenhum senso crítico pela imprensa nos EUA, e também aqui no Brasil.
Mas isso acontece também com as notícias de economia, não?
As grandes empresas de comunicação do mundo têm relação umbilical com o capital financeiro. Nos EUA grandes órgãos de imprensa estão vinculados a esse capital, disputam ações, na Europa idem, há um casamento. E no Brasil com um agravante. Vários países no mundo proíbem o que se chama de propriedade cruzada – que é uma mesma empresa ter vários veículos em diferentes áreas. No Brasil isso não é proibido. Então, se no mundo são 40 grupos, aqui são nove famílias que dominam 80% dos meios de comunicação, embora dessas nove algumas já estejam meio capengas.
E na história tem o caso do Assis Chateaubriand, que foi pioneiro – antes da chegada da televisão já tinha jornais e rádios.
É. Começou com jornais, depois monopolizou nas rádios e na TV e já vai ser substituído pelo (Roberto) Marinho. A Globo é – sem nenhum demérito para a qualidade de suas produções – uma rede que cresceu no regime militar, porque interessava ao regime ter uma rede nacional com muita influência. Ela nasce com a ditadura, em 1964, e cresce, nesse sentido de propriedade cruzada, jornal, rádio e TV, até dominar toda a produção de comunicação.
É evidente que há exceções, jornalistas que se portam muito bem, com dignidade, mas esses nove grupos, no geral, difundem as idéias das classes que pagam, que dominam. A manipulação é antiga. A atuação da mídia é um dos fatores de desestabilização do governo Vargas, que levam àquela crise e ao seu suicídio.
Já existia o Partido da Mídia?
Pois é, já existia. Essa mesma mídia vai ter um papel ativo em 1964. E é interessante como hoje o Estadão está repetindo essa história de que o governo Lula é uma “república sindical”. Isso é um bordão de 1964, da Folha de S.Paulo, do Estadão, que colocavam que o João Goulart queria instaurar a república sindicalista no Brasil, e essa foi uma das razões de terem defendido o golpe contra o Estado de Direito. Durante a ditadura, a Globo teve um papel muito ativo, de dourar aquela pílula, falar que o regime militar era uma beleza. O regime militar vai bancar todo esse sistema de telecomunicações, investir em rede de satélites, que é o que permite a expansão da Globo.
Às vezes me dói ouvir umas figuras falando em democracia no Brasil... Com todo o respeito ao Otávio Frias, como empresário; como jornalista, a família Frias apoiou o golpe. Mino Carta diz que algumas Kombis que transportavam jornais da empresa foram cedidas para levar presos políticos para tortura no DOI-Codi. Nos anos 1970 a Folha da Tarde, jornal do grupo, era porta-voz dos militares. Como diz outro grande jornalista, o Mauro Santayana, era o jornal com a maior “tiragem” do Brasil: o que tinha de “tiras” lá dentro... (risos).
Depois, na época das Diretas Já, teve o caso da TV Globo?
Eles tiveram a capacidade de transmitir o comício da Praça da Sé, aquele que teve mais de 200 mil pessoas, como se fosse um ato pelo aniversário da cidade de São Paulo.
É. Tiravam o som.
Foi vergonhoso. Lembro uma ocasião na greve (dos metalúrgicos do ABC) de 41 dias, em 1980. A Globo teve a capacidade de filmar a Volkswagen, na época com 42 mil operários, antes da greve, com a linha de montagem funcionando, e filmar uma assembléia em Vila Euclides antes de começar. Aí não precisava falar nada, mostrou só as imagens: a assembléia vazia, só não explicaram que ainda não tinha começado, e a Volks funcionando. Para o trabalhador, o que era aquela mensagem? Que a greve tinha furado. No dia seguinte, me lembro, os operários, bravos em função da manipulação, porque eram imagens falsas, foram para cima das peruas da Rede Globo lá em Vila Euclides. Eu estava lá, eu vi. Foi o Lula que teve de dizer para o pessoal não quebrar as máquinas, não bater em ninguém, porque a culpa não era dos jornalistas, e sim da empresa. Depois, na Constituinte de 1988, uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas mostra que a mídia foi contra todas as bandeiras de interesse dos trabalhadores. Todas: redução de jornada de 48 horas para 44 horas, direito de sindicalização do funcionalismo público...
Direito de greve.
O funcionalismo público não tinha direito a ter sindicato. A Constituinte de 1988 garante. As grandes questões nacionais de defesa das empresas estatais, o papel mais ativo do Estado. Esse estudo da FGV é impressionante. Tudo o que interessa ao povo, à nação brasileira, a mídia foi contra.
O que foi feito no atual governo para que esse panorama mudasse? Porque a democratização dos meios de comunicação não acontece. As rádios comunitárias ainda não têm espaço. Não há lei que coíba o monopólio.
O primeiro mandato do governo Lula foi muito tímido em relação ao monopólio, esse latifúndio da mídia. Teve até uma certa ingenuidade e uma ilusão. Achava-se que, se não se comprasse briga com a mídia, essas nove famílias não bateriam no governo. Vou falar o crime sem falar o criminoso: lembro de um ministro muito poderoso do governo Lula que chegou a dizer em uma reunião que tinha a Globo na mão, que dominava a Globo em função dos anúncios publicitários. Ali foi pura ingenuidade.
No primeiro mandato eu acho que foi uma postura muito ruim do governo Lula. Refletiu-se, por exemplo, no padrão de TV digital escolhido pelo Brasil, o japonês, que serve à Globo, sendo que nós já estávamos fazendo todo o desenvolvimento do padrão digital brasileiro. Não é para menos que o ministro das Comunicações é um funcionário importante da Globo, com todo o respeito ao Hélio Costa, mas é isso que ele é. O primeiro mandato foi de ceder. Até na questão das rádios comunitárias.
Você acha que Lula pensa muito na conciliação, para poder governar melhor?
Na governabilidade. Tentava neutralizar a mídia, alguns até tinham a ingenuidade, na minha avaliação, de querer ganhar a simpatia da mídia. Fechou mais rádio comunitária que o Fernando Henrique Cardoso. É horrível isso.
E agora?
A impressão que me dá é que no segundo mandato (o governo) acordou um pouco. A vida demonstrou que era ingenuidade. Achava-se que a Globo ia ter uma postura de, no mínimo, neutralidade, e o que a Globo teve na eleição não foi neutralidade – ela é que garantiu o segundo turno. O Marcos Coimbra, do Vox Populi, chega a dizer: “Eu nunca vi uma cobertura da mídia tão envenenada na história do Brasil”. Teve o papel da Veja, isso não é uma revista, é uma plataforma da direita reacionária, diz as coisas e não comprova: “dinheiro de Cuba”, “dinheiro das Farc” e “filho de presidente”, vai falando.
Como o governo Lula não conseguiu neutralizar a mídia, creio que no segundo mandato acordou um pouco, no meu entender ainda tímido. Mas acho que tem manifestações positivas. A primeira – e aí vale um grande mérito ao ex-ministro da Cultura Gilberto Gil – foi a idéia da constituição de uma TV pública no Brasil. Porque o que nós temos aqui é o modelo estadunidense, em que só vale TV comercial, privada, e não vale a pública. É diferente da Europa, por exemplo, onde você tem TVs públicas de peso, caso da BBC, de Londres, dos canais de Portugal, da França.
Mas encontra uma resistência violenta.
Sim, violenta. Para essa mídia hegemônica, ter uma mídia pública de qualidade, que mostre o outro lado, que estimule mais a diversidade cultural, que pegue mais a questão regional, que não tenha uma visão só a partir de São Paulo e Rio, é um perigo. Como diz o professor Laurindo Leal Filho, da USP, “o povo vai comer um biscoito bom”. Porque até hoje está comendo um biscoito ruim. Daí pode tomar gosto pelo bom.
Com a reeleição de Lula, o povo, nas urnas, mostrou...
Que a mídia hegemônica não faz a cabeça. O povo não quer retrocesso e sentiu que, apesar dos problemas no governo Lula, mudanças importantes estão sendo feitas. Acho que o governo Lula percebeu também e começa a operar novas mudanças. A TV pública é a principal delas, mesmo assim ainda tímida.
Você participa do Fórum de Mídia Livre, que começou aqui em São Paulo e tem reuniões pelo Brasil todo. O que deve ser feito e o que está sendo feito?
Eu acho que tem algumas bandeiras, algumas reivindicações fundamentais. Precisamos fortalecer uma empresa pública (de comunicação). Precisamos discutir todas as concessões (de canais de TV e de rádio), não tem controle social nenhum, não se respeita a Constituição, no que diz o artigo referente à comunicação, não se respeita a diversidade regional, a produção independente. Acabam servindo a interesses muito mesquinhos. Então, a gente deveria rediscutir as concessões públicas, porque são públicas, é ar, é do povo brasileiro.
Outra questão fundamental é discutir publicidade, porque hoje o grosso da publicidade oficial vai para essas empresas. Na verdade, vai para alimentar cobra, vamos dizer assim (risos). Vai para a Globo, Veja, Folha, Estadão, O Globo. Por que essa publicidade não vem para as entidades do movimento social? Por que não para uma rádio que tenha pluralidade de opinião? Outra coisa é que precisamos discutir o marco regulatório das comunicações, tanto pelas aberrações que temos no passado, como as propriedades cruzadas de que falamos aqui, como pelo que vem no futuro, que é a convergência digital. Ou a gente estabelece um novo marco, ou a invasão estrangeira vai ser violentíssima e o processo de monopolização vai crescer.
Está prevista para dezembro a Conferência Nacional de Comunicação.
Se não tiver pressão, não sai, por causa do poder da mídia hegemônica. A pressão desses grupos é tão violenta que, se bobear, não sai. E a Conferência seria um momento de discutir esses e outros temas. Ou seja, é preciso aumentar a participação da sociedade no debate sobre a comunicação. Em minha opinião, não há democracia no Brasil se não houver democratização da mídia.
“Uma referência de consulta”
O jornalista Altamiro Borges, o Miro, acaba de lançar o livro “A ditadura da mídia” (Editora Anita Garibaldi). O trabalho explica a origem da concentração da mídia brasileira nas mãos de poucas famílias e sua relação umbilical com o poder econômico dominante. E torna-se referência de consulta em perfeita sintonia com o ambiente de preparação para a Conferência Nacional de Comunicação, em dezembro – na qual os movimentos preocupados com a construção de uma comunicação de massas mais decente e democrática esperam emplacar propostas que pautem ações futuras do poder público.
O autor começou a vida de jornalista cobrindo as greves do ABC, no final dos anos 1970, quando morava na Vila Califórnia, divisa de São Paulo com Santo André. Trabalhou no jornal da Arquidiocese de São Paulo, com dom Paulo Evaristo Arns – “uma experiência riquíssima” – e participou do jornal Tribuna da Luta Operária (1980-1988). Entre 1988 e 1994 foi assessor de imprensa e de formação no Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente de SP (Sintaema). Depois assumiu a área de formação do PCdoB. Há três anos tem um blog (altamiroborges.blogspot.com) e dirige o Portal Vermelho. No último dia 16 de julho, Miro conversou longamente com o apresentador do Jornal Brasil Atual, Osvaldo Colibri Vitta, no programa que vai ao ar diariamente das 7h às 8h (98,1 FM), na Grande São Paulo. Leia a seguir os principais trechos:
De onde vem essa ditadura da mídia no Brasil?
O pensador italiano Antonio Gramsci escreveu que, quando os partidos das classes dominantes estivessem em crise, quem ocuparia o papel desses partidos seria a imprensa. Isso ele escreveu na década de 1920 e hoje está mais atual do que nunca. Existem 40 grupos, no máximo, que dominam a mídia mundial. É grande a capacidade de manipulação: 80% do que a gente recebe de informações provém dos Estados Unidos, com CNN, Fox, agências, os grandes jornais. Deu no NYT virou verdade! E há mentiras grossas. No episódio da invasão do Iraque, por exemplo, foram várias as mentiras – do governo Bush – reproduzidas sem nenhum senso crítico pela imprensa nos EUA, e também aqui no Brasil.
Mas isso acontece também com as notícias de economia, não?
As grandes empresas de comunicação do mundo têm relação umbilical com o capital financeiro. Nos EUA grandes órgãos de imprensa estão vinculados a esse capital, disputam ações, na Europa idem, há um casamento. E no Brasil com um agravante. Vários países no mundo proíbem o que se chama de propriedade cruzada – que é uma mesma empresa ter vários veículos em diferentes áreas. No Brasil isso não é proibido. Então, se no mundo são 40 grupos, aqui são nove famílias que dominam 80% dos meios de comunicação, embora dessas nove algumas já estejam meio capengas.
E na história tem o caso do Assis Chateaubriand, que foi pioneiro – antes da chegada da televisão já tinha jornais e rádios.
É. Começou com jornais, depois monopolizou nas rádios e na TV e já vai ser substituído pelo (Roberto) Marinho. A Globo é – sem nenhum demérito para a qualidade de suas produções – uma rede que cresceu no regime militar, porque interessava ao regime ter uma rede nacional com muita influência. Ela nasce com a ditadura, em 1964, e cresce, nesse sentido de propriedade cruzada, jornal, rádio e TV, até dominar toda a produção de comunicação.
É evidente que há exceções, jornalistas que se portam muito bem, com dignidade, mas esses nove grupos, no geral, difundem as idéias das classes que pagam, que dominam. A manipulação é antiga. A atuação da mídia é um dos fatores de desestabilização do governo Vargas, que levam àquela crise e ao seu suicídio.
Já existia o Partido da Mídia?
Pois é, já existia. Essa mesma mídia vai ter um papel ativo em 1964. E é interessante como hoje o Estadão está repetindo essa história de que o governo Lula é uma “república sindical”. Isso é um bordão de 1964, da Folha de S.Paulo, do Estadão, que colocavam que o João Goulart queria instaurar a república sindicalista no Brasil, e essa foi uma das razões de terem defendido o golpe contra o Estado de Direito. Durante a ditadura, a Globo teve um papel muito ativo, de dourar aquela pílula, falar que o regime militar era uma beleza. O regime militar vai bancar todo esse sistema de telecomunicações, investir em rede de satélites, que é o que permite a expansão da Globo.
Às vezes me dói ouvir umas figuras falando em democracia no Brasil... Com todo o respeito ao Otávio Frias, como empresário; como jornalista, a família Frias apoiou o golpe. Mino Carta diz que algumas Kombis que transportavam jornais da empresa foram cedidas para levar presos políticos para tortura no DOI-Codi. Nos anos 1970 a Folha da Tarde, jornal do grupo, era porta-voz dos militares. Como diz outro grande jornalista, o Mauro Santayana, era o jornal com a maior “tiragem” do Brasil: o que tinha de “tiras” lá dentro... (risos).
Depois, na época das Diretas Já, teve o caso da TV Globo?
Eles tiveram a capacidade de transmitir o comício da Praça da Sé, aquele que teve mais de 200 mil pessoas, como se fosse um ato pelo aniversário da cidade de São Paulo.
É. Tiravam o som.
Foi vergonhoso. Lembro uma ocasião na greve (dos metalúrgicos do ABC) de 41 dias, em 1980. A Globo teve a capacidade de filmar a Volkswagen, na época com 42 mil operários, antes da greve, com a linha de montagem funcionando, e filmar uma assembléia em Vila Euclides antes de começar. Aí não precisava falar nada, mostrou só as imagens: a assembléia vazia, só não explicaram que ainda não tinha começado, e a Volks funcionando. Para o trabalhador, o que era aquela mensagem? Que a greve tinha furado. No dia seguinte, me lembro, os operários, bravos em função da manipulação, porque eram imagens falsas, foram para cima das peruas da Rede Globo lá em Vila Euclides. Eu estava lá, eu vi. Foi o Lula que teve de dizer para o pessoal não quebrar as máquinas, não bater em ninguém, porque a culpa não era dos jornalistas, e sim da empresa. Depois, na Constituinte de 1988, uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas mostra que a mídia foi contra todas as bandeiras de interesse dos trabalhadores. Todas: redução de jornada de 48 horas para 44 horas, direito de sindicalização do funcionalismo público...
Direito de greve.
O funcionalismo público não tinha direito a ter sindicato. A Constituinte de 1988 garante. As grandes questões nacionais de defesa das empresas estatais, o papel mais ativo do Estado. Esse estudo da FGV é impressionante. Tudo o que interessa ao povo, à nação brasileira, a mídia foi contra.
O que foi feito no atual governo para que esse panorama mudasse? Porque a democratização dos meios de comunicação não acontece. As rádios comunitárias ainda não têm espaço. Não há lei que coíba o monopólio.
O primeiro mandato do governo Lula foi muito tímido em relação ao monopólio, esse latifúndio da mídia. Teve até uma certa ingenuidade e uma ilusão. Achava-se que, se não se comprasse briga com a mídia, essas nove famílias não bateriam no governo. Vou falar o crime sem falar o criminoso: lembro de um ministro muito poderoso do governo Lula que chegou a dizer em uma reunião que tinha a Globo na mão, que dominava a Globo em função dos anúncios publicitários. Ali foi pura ingenuidade.
No primeiro mandato eu acho que foi uma postura muito ruim do governo Lula. Refletiu-se, por exemplo, no padrão de TV digital escolhido pelo Brasil, o japonês, que serve à Globo, sendo que nós já estávamos fazendo todo o desenvolvimento do padrão digital brasileiro. Não é para menos que o ministro das Comunicações é um funcionário importante da Globo, com todo o respeito ao Hélio Costa, mas é isso que ele é. O primeiro mandato foi de ceder. Até na questão das rádios comunitárias.
Você acha que Lula pensa muito na conciliação, para poder governar melhor?
Na governabilidade. Tentava neutralizar a mídia, alguns até tinham a ingenuidade, na minha avaliação, de querer ganhar a simpatia da mídia. Fechou mais rádio comunitária que o Fernando Henrique Cardoso. É horrível isso.
E agora?
A impressão que me dá é que no segundo mandato (o governo) acordou um pouco. A vida demonstrou que era ingenuidade. Achava-se que a Globo ia ter uma postura de, no mínimo, neutralidade, e o que a Globo teve na eleição não foi neutralidade – ela é que garantiu o segundo turno. O Marcos Coimbra, do Vox Populi, chega a dizer: “Eu nunca vi uma cobertura da mídia tão envenenada na história do Brasil”. Teve o papel da Veja, isso não é uma revista, é uma plataforma da direita reacionária, diz as coisas e não comprova: “dinheiro de Cuba”, “dinheiro das Farc” e “filho de presidente”, vai falando.
Como o governo Lula não conseguiu neutralizar a mídia, creio que no segundo mandato acordou um pouco, no meu entender ainda tímido. Mas acho que tem manifestações positivas. A primeira – e aí vale um grande mérito ao ex-ministro da Cultura Gilberto Gil – foi a idéia da constituição de uma TV pública no Brasil. Porque o que nós temos aqui é o modelo estadunidense, em que só vale TV comercial, privada, e não vale a pública. É diferente da Europa, por exemplo, onde você tem TVs públicas de peso, caso da BBC, de Londres, dos canais de Portugal, da França.
Mas encontra uma resistência violenta.
Sim, violenta. Para essa mídia hegemônica, ter uma mídia pública de qualidade, que mostre o outro lado, que estimule mais a diversidade cultural, que pegue mais a questão regional, que não tenha uma visão só a partir de São Paulo e Rio, é um perigo. Como diz o professor Laurindo Leal Filho, da USP, “o povo vai comer um biscoito bom”. Porque até hoje está comendo um biscoito ruim. Daí pode tomar gosto pelo bom.
Com a reeleição de Lula, o povo, nas urnas, mostrou...
Que a mídia hegemônica não faz a cabeça. O povo não quer retrocesso e sentiu que, apesar dos problemas no governo Lula, mudanças importantes estão sendo feitas. Acho que o governo Lula percebeu também e começa a operar novas mudanças. A TV pública é a principal delas, mesmo assim ainda tímida.
Você participa do Fórum de Mídia Livre, que começou aqui em São Paulo e tem reuniões pelo Brasil todo. O que deve ser feito e o que está sendo feito?
Eu acho que tem algumas bandeiras, algumas reivindicações fundamentais. Precisamos fortalecer uma empresa pública (de comunicação). Precisamos discutir todas as concessões (de canais de TV e de rádio), não tem controle social nenhum, não se respeita a Constituição, no que diz o artigo referente à comunicação, não se respeita a diversidade regional, a produção independente. Acabam servindo a interesses muito mesquinhos. Então, a gente deveria rediscutir as concessões públicas, porque são públicas, é ar, é do povo brasileiro.
Outra questão fundamental é discutir publicidade, porque hoje o grosso da publicidade oficial vai para essas empresas. Na verdade, vai para alimentar cobra, vamos dizer assim (risos). Vai para a Globo, Veja, Folha, Estadão, O Globo. Por que essa publicidade não vem para as entidades do movimento social? Por que não para uma rádio que tenha pluralidade de opinião? Outra coisa é que precisamos discutir o marco regulatório das comunicações, tanto pelas aberrações que temos no passado, como as propriedades cruzadas de que falamos aqui, como pelo que vem no futuro, que é a convergência digital. Ou a gente estabelece um novo marco, ou a invasão estrangeira vai ser violentíssima e o processo de monopolização vai crescer.
Está prevista para dezembro a Conferência Nacional de Comunicação.
Se não tiver pressão, não sai, por causa do poder da mídia hegemônica. A pressão desses grupos é tão violenta que, se bobear, não sai. E a Conferência seria um momento de discutir esses e outros temas. Ou seja, é preciso aumentar a participação da sociedade no debate sobre a comunicação. Em minha opinião, não há democracia no Brasil se não houver democratização da mídia.
terça-feira, 25 de agosto de 2009
Jornalões decadentes nos 30 anos da ANJ
Na semana passada, os jornalões tradicionais e as emissoras de televisão deram enorme destaque para a festança de aniversário dos 30 anos da Associação Nacional de Jornais (ANJ). A “babação de ovo” foi deprimente. Parecia que a entidade patronal, fundada em 17 de agosto de 1979, fora a responsável pela redemocratização do país. Ela foi exibida como baluarte na defesa da “liberdade de expressão”, contra o Estado opressor. É certo que a ANJ é poderosa. Ela reúne 140 veículos e quase 90% da circulação dos diários no país. Mas a sua história não justifica tanta badalação. A mídia novamente tentou manipular a sociedade ao festejar o aniversário da associação patronal.
Entidade criada contra as greves
As mentiras sobre a história da ANJ incomodaram até o editor Alberto Dines, do Observatório da Imprensa, que sempre defendeu a “convivência harmoniosa” entre jornalistas e barões da mídia. No artigo “Para celebrar é preciso contar a verdade”, ele desmontou os “erros” difundidos sobre a entidade. “O principal deles: a ANJ não foi criada em 17 de agosto de 1979 para defender a liberdade de imprensa, como informa o título da matéria do Estadão. A associação foi criada como resposta direta à greve dos jornalistas de São Paulo, decidida pouco antes (17 de maio de 1979), efetivada dias depois (23/5) e, finalmente, encerrada após um rotundo fracasso (29/5)”.
Até então, os donos da mídia impressa eram “ferrenhos concorrentes” e não contavam com uma entidade para unificá-los. “A greve dos jornalistas assustou o empresariado” e acelerou a criação da associação, que já nasceu marcada pelo viés autoritário. “A ANJ foi criada para evitar novas greves de jornalistas, esta é a verdade. As suas primeiras ações não visaram a preservação da liberdade de expressão, que naquela época era uma remota aspiração. Sua iniciativa política mais consistente e estridente foi o início da cruzada contra obrigatoriedade do diploma específico, em 1985” – que só teve êxito com a recente decisão do STF, a partir do parecer do ministro Gilmar “Mentes”.
Liberdade de imprensa para quem?
Além das mentiras divulgadas na mídia sobre a história da ANJ, a entidade também anunciou a veiculação de uma campanha publicitária “chamando a atenção da sociedade para a importância dos jornais na construção da liberdade de imprensa e da cidadania”, informou a presidente da entidade, Judith Brito. O livro “A força dos jornais” também faz parte das comemorações dos 30 anos. Num suntuoso jantar no Brasília Palace Hotel, o deputado Miro Teixeira recebeu o Prêmio ANJ, por ser autor da ação no Supremo Tribunal Federal que resultou no fim da Lei de Imprensa – e beneficiou e alegrou os barões da mídia com a total “libertinagem das empresas”.
Como aponta o professor Venício de Lima, as festanças de aniversário da ANJ revelam bem o caráter desta entidade. Ela reúne os jornalões que apoiaram em uníssono o golpe militar e que hoje berram contra pretensas violações à liberdade de expressão. “Apesar de dizer que defende o Estado de Direito, a ANJ não aceita que cidadãos ou entidades que se considerem prejudicados pela ação dos jornais recorram à Justiça; também não aceita que ‘projetos de lei’ que considera contra os seus interesses tramitem no Congresso Nacional... Diante de tudo isso, talvez, na comemoração dos 30 anos da ANJ, o cidadão comum devesse questionar: quando a ANJ defende a ‘liberdade’, de quem é a liberdade que está sendo defendia? Contra que tipo de restrições? E a favor de quem?”.
Entidade criada contra as greves
As mentiras sobre a história da ANJ incomodaram até o editor Alberto Dines, do Observatório da Imprensa, que sempre defendeu a “convivência harmoniosa” entre jornalistas e barões da mídia. No artigo “Para celebrar é preciso contar a verdade”, ele desmontou os “erros” difundidos sobre a entidade. “O principal deles: a ANJ não foi criada em 17 de agosto de 1979 para defender a liberdade de imprensa, como informa o título da matéria do Estadão. A associação foi criada como resposta direta à greve dos jornalistas de São Paulo, decidida pouco antes (17 de maio de 1979), efetivada dias depois (23/5) e, finalmente, encerrada após um rotundo fracasso (29/5)”.
Até então, os donos da mídia impressa eram “ferrenhos concorrentes” e não contavam com uma entidade para unificá-los. “A greve dos jornalistas assustou o empresariado” e acelerou a criação da associação, que já nasceu marcada pelo viés autoritário. “A ANJ foi criada para evitar novas greves de jornalistas, esta é a verdade. As suas primeiras ações não visaram a preservação da liberdade de expressão, que naquela época era uma remota aspiração. Sua iniciativa política mais consistente e estridente foi o início da cruzada contra obrigatoriedade do diploma específico, em 1985” – que só teve êxito com a recente decisão do STF, a partir do parecer do ministro Gilmar “Mentes”.
Liberdade de imprensa para quem?
Além das mentiras divulgadas na mídia sobre a história da ANJ, a entidade também anunciou a veiculação de uma campanha publicitária “chamando a atenção da sociedade para a importância dos jornais na construção da liberdade de imprensa e da cidadania”, informou a presidente da entidade, Judith Brito. O livro “A força dos jornais” também faz parte das comemorações dos 30 anos. Num suntuoso jantar no Brasília Palace Hotel, o deputado Miro Teixeira recebeu o Prêmio ANJ, por ser autor da ação no Supremo Tribunal Federal que resultou no fim da Lei de Imprensa – e beneficiou e alegrou os barões da mídia com a total “libertinagem das empresas”.
Como aponta o professor Venício de Lima, as festanças de aniversário da ANJ revelam bem o caráter desta entidade. Ela reúne os jornalões que apoiaram em uníssono o golpe militar e que hoje berram contra pretensas violações à liberdade de expressão. “Apesar de dizer que defende o Estado de Direito, a ANJ não aceita que cidadãos ou entidades que se considerem prejudicados pela ação dos jornais recorram à Justiça; também não aceita que ‘projetos de lei’ que considera contra os seus interesses tramitem no Congresso Nacional... Diante de tudo isso, talvez, na comemoração dos 30 anos da ANJ, o cidadão comum devesse questionar: quando a ANJ defende a ‘liberdade’, de quem é a liberdade que está sendo defendia? Contra que tipo de restrições? E a favor de quem?”.
segunda-feira, 24 de agosto de 2009
Confecom exige muita pressão e negociação
No início desta semana, a comissão organizadora da 1ª Conferência Nacional de Comunicação se reúne novamente em Brasília para tentar um acordo sobre o regimento interno da Confecom. A reunião é aguardada com muita expectativa. Afinal, as etapas municipais e estaduais da conferência estão travadas há quase dois meses devido à intransigência dos barões da mídia. Seis das oito entidades representativas dos empresários não participarão desta reunião, já que abandonaram a comissão. Mas elas deixaram um bode na sala. Sinalizam que podem participar da Confecom caso sejam adotados os seus critérios antidemocráticos de tirada de delegados e de quórum para as votações.
Diante desta visível chantagem, o governo recuou e passou a defender a proposta draconiana de 40% dos delegados para os empresários do setor e de 60% dos votos para a aprovação de “temas sensíveis”. O governo só não esperava a dura reação dos movimentos sociais e das entidades que historicamente lutam pela democratização dos meios de comunicação. Em agitadas plenárias na semana passada, várias comissões estaduais aprovaram notas de repúdio à postura autoritária dos barões da mídia e de críticas às tibiezas do governo Lula. Todas destacam a importância histórica da Confecom, mas não topam negociar com a faca no pescoço. Negociação sim, imposição não!
A resistência das comissões estaduais
Segundo balanço feito por Heitor Reis, ativista da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço), até sexta-feira passada (21) seis comissões estaduais já tinham aprovado notas visando reforçar a pressão por uma conferência democrática (SP, RJ, RS, BA, ES, PI). Outras deverão seguir o mesmo caminho. O objetivo é interferir na reunião da comissão organizadora marcada para 25 de agosto. A reação é forte e representativa e espera-se que o governo seja mais sensível às demandas dos movimentos sociais. Reproduzo abaixo a nota de São Paulo:
A Comissão Paulista Pró-Conferência de Comunicação, articulação que reúne mais de 90 entidades e movimentos de todo o estado de São Paulo, reunida em 19 de agosto, debateu os últimos acontecimentos envolvendo a realização da 1ª Confecom. Diante da proposta do governo de distribuição da delegação à conferência na proporção de 40% para o segmento empresarial, 40% para a sociedade civil e 20% para o poder público e do estabelecimento de um quórum qualificado de 60% para a aprovação de propostas, as entidades reunidas na Comissão Paulista afirmam:
- Mantemos nosso posicionamento, já manifestado em nota divulgada anteriormente, de que a proporção 40/40/20 para a distribuição de delegados não corresponde a real representação desses segmentos na sociedade brasileira, conferindo um peso desproporcional ao setor empresarial;
- Esse formato de representação somado ao quórum qualificado de 60% para aprovação de propostas fere o caráter democrático da Conferência, uma vez que confere poder de veto a qualquer setor, criando um ambiente avesso ao que se espera de espaços institucionais de debate como o que está em questão;
- A atitude do setor empresarial de se retirar da Comissão Organizadora Nacional não pode ter força de pressão sobre o governo federal a ponto de suas exigências serem acatadas de imediato. Muito menos deve ter esse impacto sobre as entidades da sociedade civil, que devem seguir defendendo critérios democráticos para a realização da 1ª Confecom;
- Defendemos que a Conferência Nacional de Comunicação seja um espaço democrático para aprofundar os temas relativos ao setor em nosso país, onde todos os segmentos sociais possam colocar suas posições livremente, sem privilégio para nenhuma das partes envolvidas no processo. Para nós, a 1ª Confecom é uma oportunidade para a realização desse debate a partir do reequilíbrio de forças desses atores, e não para reproduzir o desequilibro já existente na sociedade.
“É possível fazer valer nossas posições”
Por tudo isso, reivindicamos o fim do quórum de 60% para a aprovação das propostas e que a representação de delegados na Conferência não reserve vagas de antemão para nenhum setor da sociedade civil – conforme proposta já apresentada pelas organizações que integram a Comissão Nacional Pró-Conferência, na qual o poder público teria direito a 20% dos delegados e a sociedade civil (incluindo todos os seus segmentos), 80% e a aprovação dos temas na conferência observasse o critério já consagrado pelas outras conferências institucionais, o quórum de 50% +1 dos votos.
Conclamamos então todas as entidades que participam da Comissão Organizadora Nacional a seguirem lutando por melhores condições de representação da sociedade civil não empresarial na Confecom. Não podemos aceitar como imposição a proposta dos empresários, defendida equivocadamente pelo governo, e que representa uma afronta ao caráter democrático que deve alicerçar a Confecom. A Comissão Paulista Pró-Conferência entende que este é um momento de negociação e que ainda é possível fazer valer nossas posições. É em torno delas que permanecemos unidos e mobilizados.
Diante desta visível chantagem, o governo recuou e passou a defender a proposta draconiana de 40% dos delegados para os empresários do setor e de 60% dos votos para a aprovação de “temas sensíveis”. O governo só não esperava a dura reação dos movimentos sociais e das entidades que historicamente lutam pela democratização dos meios de comunicação. Em agitadas plenárias na semana passada, várias comissões estaduais aprovaram notas de repúdio à postura autoritária dos barões da mídia e de críticas às tibiezas do governo Lula. Todas destacam a importância histórica da Confecom, mas não topam negociar com a faca no pescoço. Negociação sim, imposição não!
A resistência das comissões estaduais
Segundo balanço feito por Heitor Reis, ativista da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço), até sexta-feira passada (21) seis comissões estaduais já tinham aprovado notas visando reforçar a pressão por uma conferência democrática (SP, RJ, RS, BA, ES, PI). Outras deverão seguir o mesmo caminho. O objetivo é interferir na reunião da comissão organizadora marcada para 25 de agosto. A reação é forte e representativa e espera-se que o governo seja mais sensível às demandas dos movimentos sociais. Reproduzo abaixo a nota de São Paulo:
A Comissão Paulista Pró-Conferência de Comunicação, articulação que reúne mais de 90 entidades e movimentos de todo o estado de São Paulo, reunida em 19 de agosto, debateu os últimos acontecimentos envolvendo a realização da 1ª Confecom. Diante da proposta do governo de distribuição da delegação à conferência na proporção de 40% para o segmento empresarial, 40% para a sociedade civil e 20% para o poder público e do estabelecimento de um quórum qualificado de 60% para a aprovação de propostas, as entidades reunidas na Comissão Paulista afirmam:
- Mantemos nosso posicionamento, já manifestado em nota divulgada anteriormente, de que a proporção 40/40/20 para a distribuição de delegados não corresponde a real representação desses segmentos na sociedade brasileira, conferindo um peso desproporcional ao setor empresarial;
- Esse formato de representação somado ao quórum qualificado de 60% para aprovação de propostas fere o caráter democrático da Conferência, uma vez que confere poder de veto a qualquer setor, criando um ambiente avesso ao que se espera de espaços institucionais de debate como o que está em questão;
- A atitude do setor empresarial de se retirar da Comissão Organizadora Nacional não pode ter força de pressão sobre o governo federal a ponto de suas exigências serem acatadas de imediato. Muito menos deve ter esse impacto sobre as entidades da sociedade civil, que devem seguir defendendo critérios democráticos para a realização da 1ª Confecom;
- Defendemos que a Conferência Nacional de Comunicação seja um espaço democrático para aprofundar os temas relativos ao setor em nosso país, onde todos os segmentos sociais possam colocar suas posições livremente, sem privilégio para nenhuma das partes envolvidas no processo. Para nós, a 1ª Confecom é uma oportunidade para a realização desse debate a partir do reequilíbrio de forças desses atores, e não para reproduzir o desequilibro já existente na sociedade.
“É possível fazer valer nossas posições”
Por tudo isso, reivindicamos o fim do quórum de 60% para a aprovação das propostas e que a representação de delegados na Conferência não reserve vagas de antemão para nenhum setor da sociedade civil – conforme proposta já apresentada pelas organizações que integram a Comissão Nacional Pró-Conferência, na qual o poder público teria direito a 20% dos delegados e a sociedade civil (incluindo todos os seus segmentos), 80% e a aprovação dos temas na conferência observasse o critério já consagrado pelas outras conferências institucionais, o quórum de 50% +1 dos votos.
Conclamamos então todas as entidades que participam da Comissão Organizadora Nacional a seguirem lutando por melhores condições de representação da sociedade civil não empresarial na Confecom. Não podemos aceitar como imposição a proposta dos empresários, defendida equivocadamente pelo governo, e que representa uma afronta ao caráter democrático que deve alicerçar a Confecom. A Comissão Paulista Pró-Conferência entende que este é um momento de negociação e que ainda é possível fazer valer nossas posições. É em torno delas que permanecemos unidos e mobilizados.
sábado, 22 de agosto de 2009
quinta-feira, 20 de agosto de 2009
Nem recuos nem precipitações na Confecom
Chegou a hora da onça beber água no tenso processo de preparação da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), prevista inicialmente para ocorrer em dezembro. Já se sabia que esta batalha seria dura, truncada e cheia de armadilhas. Afinal, “pela primeira vez na história do país”, como sempre repete o presidente Lula, a sociedade é chamada a discutir o papel dos meios de comunicação, um tema que adquiriu caráter estratégico na atualidade. O vespeiro é grande. É como tratar da reforma agrária, do fim do latifúndio da terra; neste caso, ainda mais complexo e grave, é a luta contra os latifundiários da mídia que está em jogo.
Os barões da mídia, que tanto falam em “liberdade de expressão”, fizeram de tudo para sabotar a convocação da Confecom. Na seqüência, diante do fato consumado do decreto presidencial e das disputas entre as teles e os radiodifusores, eles resolveram se apoderar da comissão organizadora nacional da Confecom – composta por dez representantes do poder público, oito das entidades empresariais e oito da “sociedade civil”. Eles tentaram restringir a pauta do evento, evitando os “temas sensíveis” que emparedam o monopólio midiático, e impor critérios antidemocráticos de representação e de votação (40% dos delegados e 60% de “quórum qualificado”).
Governo se acovarda novamente
Frente à resistência dos movimentos sociais e de setores do próprio governo Lula, os barões da mídia arriscaram um lance ousado e habilidoso. Seis das oito entidades patronais, lideradas pela Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert), teleguiada pela Rede Globo, anunciaram sua retirada da comissão organizadora, mas não obrigatoriamente da Confecom. A jogada serviu para acovardar o governo, que passou a defender os critérios antidemocráticos de representação e de votação da Abert para viabilizar a presença empresarial. O clima esquentou. A última reunião da comissão organizadora não chegou a qualquer consenso e o regimento da conferência sequer foi publicado. Nova reunião ocorrerá na próxima semana.
Diante deste quadro embaçado, os movimentos sociais e as entidades que historicamente lutam pela democratização dos meios de comunicação estão diante de uma disjuntiva. Alguns setores se precipitam em afirmar que já aceitam a imposição draconiana, sem espernear nas negociações. Outros setores se apressam em anunciar que não participarão mais da Confecom, que tudo está perdido. Esta não é a melhor hora nem para recuos nem para bravatas. O momento exige firmeza de propósitos e flexibilidade tática para viabilizar uma conferência democrática e massiva. A Confecom é uma vitória histórica dos movimentos sociais, que não pode ser desperdiçada.
Forte pressão e nitidez de objetivos
É preciso colocar o governo na parede, fazendo com que assuma o ônus pelo recuo vergonhoso e desmascarando a postura autoritária e chantagista dos barões da mídia. Nenhuma entidade possui legitimidade para abdicar das exigências das bases, que rejeitaram os critérios antidemocráticos de representação dos empresários e suas tentativas de castrar o temário. Agora é necessária muita pressão para derrotar as manobras patronais e reverter a posição do governo. Toda negociação pressupõe pressão. Mesmo quem deseja a paz deve se preparar para a guerra. Qualquer recuo neste momento seria prejudicial e incompreensível. Ainda é possível obter alguns avanços.
Concluída a negociação, porém, os movimentos sociais deverão reavaliar sua postura. Qualquer bravata agora pode atrapalhar a reflexão madura no futuro, pode fomentar sectarismos estéreis que apenas servem para dividir o campo popular. Não se pode perder a referência do objetivo principal, que é o de garantir um processo amplo e pedagógico de debate na sociedade sobre o tema estratégico da democratização dos meios de comunicação. A Confecom não permite nem ilusões nem omissões. Ela não superará, de uma só vez, a ditadura da mídia – nem na Venezuela, Bolívia e Equador, que vivem processos mais radicalizados de lutas, esta façanha foi alcançada.
A Confecom é apenas o primeiro passo, de muitas batalhas que serão necessárias para se derrotar o monopólio e as manipulações da mídia. Neste sentido, ela cumpre principalmente um papel pedagógico, de envolvimento de amplos setores da sociedade neste debate estratégico – até então restrito a um reduzido e combativo núcleo de “especialistas”. O resultado das negociações com o governo não deve ofuscar este objetivo maior. O momento agora é de pressão, não de recuos, no processo de negociação. Na sequência, os movimentos sociais avaliarão qual a forma unitária de avançar no processo de debate na sociedade contra a poderosa e chantagista ditadura midiática.
Os barões da mídia, que tanto falam em “liberdade de expressão”, fizeram de tudo para sabotar a convocação da Confecom. Na seqüência, diante do fato consumado do decreto presidencial e das disputas entre as teles e os radiodifusores, eles resolveram se apoderar da comissão organizadora nacional da Confecom – composta por dez representantes do poder público, oito das entidades empresariais e oito da “sociedade civil”. Eles tentaram restringir a pauta do evento, evitando os “temas sensíveis” que emparedam o monopólio midiático, e impor critérios antidemocráticos de representação e de votação (40% dos delegados e 60% de “quórum qualificado”).
Governo se acovarda novamente
Frente à resistência dos movimentos sociais e de setores do próprio governo Lula, os barões da mídia arriscaram um lance ousado e habilidoso. Seis das oito entidades patronais, lideradas pela Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert), teleguiada pela Rede Globo, anunciaram sua retirada da comissão organizadora, mas não obrigatoriamente da Confecom. A jogada serviu para acovardar o governo, que passou a defender os critérios antidemocráticos de representação e de votação da Abert para viabilizar a presença empresarial. O clima esquentou. A última reunião da comissão organizadora não chegou a qualquer consenso e o regimento da conferência sequer foi publicado. Nova reunião ocorrerá na próxima semana.
Diante deste quadro embaçado, os movimentos sociais e as entidades que historicamente lutam pela democratização dos meios de comunicação estão diante de uma disjuntiva. Alguns setores se precipitam em afirmar que já aceitam a imposição draconiana, sem espernear nas negociações. Outros setores se apressam em anunciar que não participarão mais da Confecom, que tudo está perdido. Esta não é a melhor hora nem para recuos nem para bravatas. O momento exige firmeza de propósitos e flexibilidade tática para viabilizar uma conferência democrática e massiva. A Confecom é uma vitória histórica dos movimentos sociais, que não pode ser desperdiçada.
Forte pressão e nitidez de objetivos
É preciso colocar o governo na parede, fazendo com que assuma o ônus pelo recuo vergonhoso e desmascarando a postura autoritária e chantagista dos barões da mídia. Nenhuma entidade possui legitimidade para abdicar das exigências das bases, que rejeitaram os critérios antidemocráticos de representação dos empresários e suas tentativas de castrar o temário. Agora é necessária muita pressão para derrotar as manobras patronais e reverter a posição do governo. Toda negociação pressupõe pressão. Mesmo quem deseja a paz deve se preparar para a guerra. Qualquer recuo neste momento seria prejudicial e incompreensível. Ainda é possível obter alguns avanços.
Concluída a negociação, porém, os movimentos sociais deverão reavaliar sua postura. Qualquer bravata agora pode atrapalhar a reflexão madura no futuro, pode fomentar sectarismos estéreis que apenas servem para dividir o campo popular. Não se pode perder a referência do objetivo principal, que é o de garantir um processo amplo e pedagógico de debate na sociedade sobre o tema estratégico da democratização dos meios de comunicação. A Confecom não permite nem ilusões nem omissões. Ela não superará, de uma só vez, a ditadura da mídia – nem na Venezuela, Bolívia e Equador, que vivem processos mais radicalizados de lutas, esta façanha foi alcançada.
A Confecom é apenas o primeiro passo, de muitas batalhas que serão necessárias para se derrotar o monopólio e as manipulações da mídia. Neste sentido, ela cumpre principalmente um papel pedagógico, de envolvimento de amplos setores da sociedade neste debate estratégico – até então restrito a um reduzido e combativo núcleo de “especialistas”. O resultado das negociações com o governo não deve ofuscar este objetivo maior. O momento agora é de pressão, não de recuos, no processo de negociação. Na sequência, os movimentos sociais avaliarão qual a forma unitária de avançar no processo de debate na sociedade contra a poderosa e chantagista ditadura midiática.
quarta-feira, 19 de agosto de 2009
Globo, Record e a urgência da CPI da mídia
A “guerra nada santa” travada entre as TVs Globo e Record comprova que existe algo de muito podre no reino dos poderosos e impenetráveis impérios midiáticos do país. Os barões da mídia, por razões políticas e na busca por audiências sensacionalistas, adoram impor a instalação de Comissões Parlamentares de Inquéritos. A “presunção de culpa” se sobrepõe à “presunção da inocência”, inscrita na Constituição, e reputações são jogadas na lata de lixo da noite para o dia. A agenda política fica contaminada pelo denuncismo vazio, que rende pontos no Ibope e novos anunciantes, e que ofusca o debate sobre os problemas estruturais da democracia brasileira.
O processo sui generis de concentração da mídia nativa e sua alta capacidade de manipulação de corações e mentes são, de fato, graves atentados à democracia. A lavagem de roupa suja entre as duas maiores emissoras do país, num caso inédito de transparência no setor, revela que há muito a se apurar sobre a ditadura midiática. Ela cria a oportunidade ideal para as forças organizadas da sociedade, engajadas na luta pela democratização da comunicação, também exigirem a instalação de uma CPI para averiguar tais irregularidades. Impõe a vários parlamentares, hoje alvos da fúria midiática, uma revisão deste poder descomunal. E não faltam motivos para esta justa demanda.
A sensível questão religiosa
Liderando uma “cruzada” que reúne os jornalões Folha e Estadão e a revista Veja, a Rede Globo tem exibido para milhões de telespectadores várias denúncias contra a sua principal concorrente. Com base numa denúncia do Ministério Público de São Paulo contra Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), a TV Globo tem apresentado exaustivamente matérias que comprovariam formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e enriquecimento ilícito. Willian Bonner e Fátima Bernardes, o casal-âncora do Jornal Nacional, o noticiário de maior audiência no país, não se cansa de mostrar os vínculos entre o Edir Macedo e a Rede Record.
As reportagens globais também procuram explorar a sensível questão religiosa, acusando a Iurd, que possuí 8 milhões de fiéis no Brasil e igrejas espalhadas por 174 países, de desviar dinheiro das doações para compra de imóveis suntuosos, carros importados e emissoras de rádios e TV. “Edir Macedo deu outro destino ao dinheiro doado à Igreja Universal”, acusou Fátima Bernardes no Jornal Nacional. Com várias imagens das pregações feitas nos cultos, a TV Globo insiste que “a religião é apenas um pretexto para a arrecadação de dinheiro”. Os ataques são duros e diários.
Golpismo e irregularidades
Como resposta, a TV Record tem exibido para milhões de brasileiros inúmeros fatos irrefutáveis que só uma minoria conhecia. Aproveitando-se da vulnerabilidade política da concorrente, ela mostrou que a Rede Globo é cria da ditadura militar e que construiu seu império graças ao apoio decidido dos generais golpistas. Celso Freitas e Ana Paula Padrão, os âncoras do Jornal da Record, que já estiveram do outro lado do front, lembraram as fraudes para impedir a vitória de Leonel Brizola ao governo do Rio de Janeiro, as manobras para esvaziar a mobilização popular pelas Diretas-Já, a fabricação do “caçador de marajás” e as várias investidas para desestabilizar o governo Lula.
Mas a TV Record não ficou somente no campo da política – como a concorrente também não se limitou à discussão religiosa. Ela também apresentou inúmeras denúncias de irregularidades. Já na sua origem, o acordo misterioso com a empresa estadunidense Time-Life, numa transação que era proibida pela lei brasileira e que rendeu milhões de dólares à TV Globo. Depois, na aquisição suspeita da TV Paulista, num negócio com documentos falsos. O ex-ministro das Comunicações, Euclides Quandt de Oliveira, também garantiu numa entrevista que a Globocabo contraiu empréstimos irregulares na Caixa Econômica Federal e no BNDES, em 1999, no valor de R$ 400 milhões. Outra bomba foi a denuncia de que a TV Globo ocupa um terreno da Secretaria de Planejamento de São Paulo, numa relação promíscua com o governo tucano de José Serra.
Apuração rigorosa das denúncias
Como se observa, as denúncias de ambos os lados são graves e exigem rigorosa apuração. Em função da “guerra nada santa” entre as duas principais emissoras de televisão do Brasil, o tema hoje está na boca do povo – o que é saudável para a democracia. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a mídia contribuiria para investigar a veracidade dos fatos. Além disso, a CPI seria uma importante alavanca para o debate sobre a urgência da democratização dos meios de comunicação no país. Afinal, as emissoras privadas usufruem de uma concessão pública. Elas não podem ficar acima das leis, da Constituição e da Justiça.
O processo sui generis de concentração da mídia nativa e sua alta capacidade de manipulação de corações e mentes são, de fato, graves atentados à democracia. A lavagem de roupa suja entre as duas maiores emissoras do país, num caso inédito de transparência no setor, revela que há muito a se apurar sobre a ditadura midiática. Ela cria a oportunidade ideal para as forças organizadas da sociedade, engajadas na luta pela democratização da comunicação, também exigirem a instalação de uma CPI para averiguar tais irregularidades. Impõe a vários parlamentares, hoje alvos da fúria midiática, uma revisão deste poder descomunal. E não faltam motivos para esta justa demanda.
A sensível questão religiosa
Liderando uma “cruzada” que reúne os jornalões Folha e Estadão e a revista Veja, a Rede Globo tem exibido para milhões de telespectadores várias denúncias contra a sua principal concorrente. Com base numa denúncia do Ministério Público de São Paulo contra Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), a TV Globo tem apresentado exaustivamente matérias que comprovariam formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e enriquecimento ilícito. Willian Bonner e Fátima Bernardes, o casal-âncora do Jornal Nacional, o noticiário de maior audiência no país, não se cansa de mostrar os vínculos entre o Edir Macedo e a Rede Record.
As reportagens globais também procuram explorar a sensível questão religiosa, acusando a Iurd, que possuí 8 milhões de fiéis no Brasil e igrejas espalhadas por 174 países, de desviar dinheiro das doações para compra de imóveis suntuosos, carros importados e emissoras de rádios e TV. “Edir Macedo deu outro destino ao dinheiro doado à Igreja Universal”, acusou Fátima Bernardes no Jornal Nacional. Com várias imagens das pregações feitas nos cultos, a TV Globo insiste que “a religião é apenas um pretexto para a arrecadação de dinheiro”. Os ataques são duros e diários.
Golpismo e irregularidades
Como resposta, a TV Record tem exibido para milhões de brasileiros inúmeros fatos irrefutáveis que só uma minoria conhecia. Aproveitando-se da vulnerabilidade política da concorrente, ela mostrou que a Rede Globo é cria da ditadura militar e que construiu seu império graças ao apoio decidido dos generais golpistas. Celso Freitas e Ana Paula Padrão, os âncoras do Jornal da Record, que já estiveram do outro lado do front, lembraram as fraudes para impedir a vitória de Leonel Brizola ao governo do Rio de Janeiro, as manobras para esvaziar a mobilização popular pelas Diretas-Já, a fabricação do “caçador de marajás” e as várias investidas para desestabilizar o governo Lula.
Mas a TV Record não ficou somente no campo da política – como a concorrente também não se limitou à discussão religiosa. Ela também apresentou inúmeras denúncias de irregularidades. Já na sua origem, o acordo misterioso com a empresa estadunidense Time-Life, numa transação que era proibida pela lei brasileira e que rendeu milhões de dólares à TV Globo. Depois, na aquisição suspeita da TV Paulista, num negócio com documentos falsos. O ex-ministro das Comunicações, Euclides Quandt de Oliveira, também garantiu numa entrevista que a Globocabo contraiu empréstimos irregulares na Caixa Econômica Federal e no BNDES, em 1999, no valor de R$ 400 milhões. Outra bomba foi a denuncia de que a TV Globo ocupa um terreno da Secretaria de Planejamento de São Paulo, numa relação promíscua com o governo tucano de José Serra.
Apuração rigorosa das denúncias
Como se observa, as denúncias de ambos os lados são graves e exigem rigorosa apuração. Em função da “guerra nada santa” entre as duas principais emissoras de televisão do Brasil, o tema hoje está na boca do povo – o que é saudável para a democracia. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a mídia contribuiria para investigar a veracidade dos fatos. Além disso, a CPI seria uma importante alavanca para o debate sobre a urgência da democratização dos meios de comunicação no país. Afinal, as emissoras privadas usufruem de uma concessão pública. Elas não podem ficar acima das leis, da Constituição e da Justiça.
terça-feira, 18 de agosto de 2009
A não-notícia da greve na TV Cultura
Após oito dias de greve, os radialistas da TV Cultura decidiram na noite desta segunda-feira (17) suspender o movimento, marcado pela coesão e forte organização. Os trabalhadores aceitaram a proposta de conciliação feita pelo desembargador Nelson Nazar, vice-presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), que prevê reajuste salarial de 6,05%, aplicado aos benefícios. Segundo o sindicato da categoria, o retorno ao trabalho não significa que as negociações com a empresa estejam encerradas, já que a mantenedora da TV Cultura, a Fundação Padre Anchieta, solicitou o julgamento da paralisação. Os radialistas permanecem em “estado de greve”.
O TRT propôs ainda que nenhum grevista seja punido, que metade dos dias parados seja pago e que a reivindicação do abono seja renegociada com o governo do Estado. Durante a paralisação, o governador José Serra demonstrou total intransigência. Os grevistas foram ameaçados de demissão e suas exigências foram desqualificadas por integrantes do executivo. A categoria teme que o governo, que controla a Fundação Padre Anchieta, parta agora para o revanchismo. A postura vingativa do tucano José Serra e seu ódio visceral ao sindicalismo são bem conhecidos.
José Serra e o bloqueio midiático
Conforme denuncia o Sindicato dos Radialistas, a greve foi deflagrada em 10 de agosto porque o governo simplesmente descumpriu o acordo coletivo assinado com a categoria, que previa 5,83% de reajuste e um abono salarial de 35%. “Na verdade, a Rádio e TV Cultura vem ignorando a lei e as reivindicações dos trabalhadores há muito tempo”, garante a entidade, que crítica do Codec, órgão do governo estadual, como responsável maior pela intransigência. Ela ainda responsabiliza a direção da Fundação Padre Anchieta, presidida por Paulo Markun, pela crise da emissora, que acumulou um rombo financeiro de R$ 19 milhões no período recente e é “incompetente”.
A greve dos radialistas da RTV Cultura também serviu para desmascarar as relações promíscuas entre o tucano José Serra e o grosso da mídia hegemônica. Ela tratou a paralisação como “não-notícia”, evitando qualquer realce à mobilização e às demandas dos trabalhadores. A passeata dos grevistas, que ocuparam três faixas da congestionada Marginal do Tietê, não foi noticiada. O bloqueio midiático prova que há uma forte blindagem para defender a trágica gestão do tucano. Caso a greve tivesse ocorrido na TV Brasil, ela seria manchete nos jornalões e nos telejornais. A “ditabranda” da Folha publicaria outro editorial para defender o fechamento da emissora pública.
O TRT propôs ainda que nenhum grevista seja punido, que metade dos dias parados seja pago e que a reivindicação do abono seja renegociada com o governo do Estado. Durante a paralisação, o governador José Serra demonstrou total intransigência. Os grevistas foram ameaçados de demissão e suas exigências foram desqualificadas por integrantes do executivo. A categoria teme que o governo, que controla a Fundação Padre Anchieta, parta agora para o revanchismo. A postura vingativa do tucano José Serra e seu ódio visceral ao sindicalismo são bem conhecidos.
José Serra e o bloqueio midiático
Conforme denuncia o Sindicato dos Radialistas, a greve foi deflagrada em 10 de agosto porque o governo simplesmente descumpriu o acordo coletivo assinado com a categoria, que previa 5,83% de reajuste e um abono salarial de 35%. “Na verdade, a Rádio e TV Cultura vem ignorando a lei e as reivindicações dos trabalhadores há muito tempo”, garante a entidade, que crítica do Codec, órgão do governo estadual, como responsável maior pela intransigência. Ela ainda responsabiliza a direção da Fundação Padre Anchieta, presidida por Paulo Markun, pela crise da emissora, que acumulou um rombo financeiro de R$ 19 milhões no período recente e é “incompetente”.
A greve dos radialistas da RTV Cultura também serviu para desmascarar as relações promíscuas entre o tucano José Serra e o grosso da mídia hegemônica. Ela tratou a paralisação como “não-notícia”, evitando qualquer realce à mobilização e às demandas dos trabalhadores. A passeata dos grevistas, que ocuparam três faixas da congestionada Marginal do Tietê, não foi noticiada. O bloqueio midiático prova que há uma forte blindagem para defender a trágica gestão do tucano. Caso a greve tivesse ocorrido na TV Brasil, ela seria manchete nos jornalões e nos telejornais. A “ditabranda” da Folha publicaria outro editorial para defender o fechamento da emissora pública.
segunda-feira, 17 de agosto de 2009
Comentário sobre a guerra Globo X Record
Reproduzo abaixo dois rápidos comentários transmitidos pela Rádio Jornal Brasil Atual (FM-98.1) na coluna semanal “O outro lado da notícia”:
Uma guerra nada santa
Nos últimos dias, milhões de telespectadores brasileiros passaram a conhecer um pouco melhor os podres da poderosa mídia nativa. Nas telinhas, uma guerra nada santa entre as duas principais redes de TV do Brasil deixou de lado o descartável entretenimento e as fofocas fúteis. O clima esquentou. Incomodada com a sua queda de audiência e com o crescimento da Record, a Rede Globo partiu para o ataque, demonizando o bispo Edir Macedo e a Igreja Universal – acusando-o de desviar ilegalmente dinheiro dos fiéis para fortalecer a sua empresa de comunicação. As denúncias são graves e exigem apuração rigorosa e imparcial do Ministério Público.
No contra-ataque, a TV Record deu uma aula de história. Mostrou como foi formado o império da Rede Globo. Como ela foi uma cria da ditadura militar; como patrocinou acordos ilegais com uma empresa estrangeira – a Time-Life; como ela foi a principal porta-voz dos ditadores; como escondeu a campanha das Diretas-Já; como atuou para evitar a vitória de Brizola no RJ; como ajudou a eleger o “caçador de marajás”, Fernando Collor, à presidência da República; como fez de tudo para evitar a vitória de Lula e para desestabilizar o seu governo. A TV Globo foi desmascarada para milhões de brasileiros!
Nesta guerra de poderosos, os dois lados têm razão ao tratar dos pobres. Quem ganha nesta briga pela audiência é a sociedade. Assuntos de grande relevo chegam às telinhas e atingem milhões de pessoas até então desinformadas. Ela serve para mostrar a urgência da democratização dos meios de comunicação, que não podem ficar em mãos de inescrupulosas, sem qualquer regra legal.
Empresários temem a Confecom
Os poderosos empresários dos meios de comunicação, que tanto falam sobre a tal “liberdade de imprensa”, têm medo do debate democrático na sociedade. Eles não aceitam discutir o papel e as mazelas da própria mídia. Adoram atacar outros setores da sociedade, mas se recusam a discutir a própria situação deplorável dos meios de comunicação, que atentam contra a democracia.
Na semana passada, seis das oito entidades patronais que integravam a comissão organizadora da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) anunciaram que não participarão mais deste fórum. Elas fugiram da briga, acovardaram-se. Os barões da mídia queriam impor o temário da conferência, marcada pelo governo Lula para dezembro próximo. Exigiam que este fórum, que reunirá milhares de pessoas nas etapas municipais e estaduais, não tratasse da monopolização do setor, da falta de pluralidade nos seus veículos, da ausência de produção regional e independente.
Também queriam impor o critério de tirada de delegados, exigindo 40% de representação para os patrões – que não representam nem 1% da sociedade – e o “quórum qualificado” nas votações. Como houve resistência dos movimentos sociais e de alguns setores do próprio governo, os barões da mídia ficaram magoados e se retiraram. Azar deles. Fica evidente que eles não aceitam a democracia, que são golpistas, metidos a donos da verdade, que manipulam a sociedade. Agora é garantir que a Confecom seja democrática e ampla e que o governo também não se acovarde.
Uma guerra nada santa
Nos últimos dias, milhões de telespectadores brasileiros passaram a conhecer um pouco melhor os podres da poderosa mídia nativa. Nas telinhas, uma guerra nada santa entre as duas principais redes de TV do Brasil deixou de lado o descartável entretenimento e as fofocas fúteis. O clima esquentou. Incomodada com a sua queda de audiência e com o crescimento da Record, a Rede Globo partiu para o ataque, demonizando o bispo Edir Macedo e a Igreja Universal – acusando-o de desviar ilegalmente dinheiro dos fiéis para fortalecer a sua empresa de comunicação. As denúncias são graves e exigem apuração rigorosa e imparcial do Ministério Público.
No contra-ataque, a TV Record deu uma aula de história. Mostrou como foi formado o império da Rede Globo. Como ela foi uma cria da ditadura militar; como patrocinou acordos ilegais com uma empresa estrangeira – a Time-Life; como ela foi a principal porta-voz dos ditadores; como escondeu a campanha das Diretas-Já; como atuou para evitar a vitória de Brizola no RJ; como ajudou a eleger o “caçador de marajás”, Fernando Collor, à presidência da República; como fez de tudo para evitar a vitória de Lula e para desestabilizar o seu governo. A TV Globo foi desmascarada para milhões de brasileiros!
Nesta guerra de poderosos, os dois lados têm razão ao tratar dos pobres. Quem ganha nesta briga pela audiência é a sociedade. Assuntos de grande relevo chegam às telinhas e atingem milhões de pessoas até então desinformadas. Ela serve para mostrar a urgência da democratização dos meios de comunicação, que não podem ficar em mãos de inescrupulosas, sem qualquer regra legal.
Empresários temem a Confecom
Os poderosos empresários dos meios de comunicação, que tanto falam sobre a tal “liberdade de imprensa”, têm medo do debate democrático na sociedade. Eles não aceitam discutir o papel e as mazelas da própria mídia. Adoram atacar outros setores da sociedade, mas se recusam a discutir a própria situação deplorável dos meios de comunicação, que atentam contra a democracia.
Na semana passada, seis das oito entidades patronais que integravam a comissão organizadora da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) anunciaram que não participarão mais deste fórum. Elas fugiram da briga, acovardaram-se. Os barões da mídia queriam impor o temário da conferência, marcada pelo governo Lula para dezembro próximo. Exigiam que este fórum, que reunirá milhares de pessoas nas etapas municipais e estaduais, não tratasse da monopolização do setor, da falta de pluralidade nos seus veículos, da ausência de produção regional e independente.
Também queriam impor o critério de tirada de delegados, exigindo 40% de representação para os patrões – que não representam nem 1% da sociedade – e o “quórum qualificado” nas votações. Como houve resistência dos movimentos sociais e de alguns setores do próprio governo, os barões da mídia ficaram magoados e se retiraram. Azar deles. Fica evidente que eles não aceitam a democracia, que são golpistas, metidos a donos da verdade, que manipulam a sociedade. Agora é garantir que a Confecom seja democrática e ampla e que o governo também não se acovarde.
quarta-feira, 12 de agosto de 2009
A luta unitária pela redução da jornada
Nesta sexta-feira, 14 de agosto, as centrais sindicais e os movimentos sociais irão às ruas em todo o Brasil na “jornada nacional de lutas” pela aprovação imediata da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que institui as 40 horas semanais de trabalho, sem redução dos salários; contra as demissões e a ofensiva do patronato de jogar o ônus da crise capitalista nas costas dos trabalhadores; por mudanças na política macroeconômica do governo, com redução drástica da taxa de juros e do superávit primário (a reserva de caixa dos banqueiros), entre outras exigências.
Estão previstos atos públicos, passeatas, bloqueios de estradas, paralisações relâmpagos e outras formas de protesto. Será mais um passo na unidade de ação dos movimentos dos trabalhadores, que passam a ocupar maior protagonismo político no país. De todas as reivindicações desta pauta unitária, uma ganha destaque e urgência: a da redução da jornada de 44 para 40 horas semanais. Mesmo num cenário de grave crise mundial do capitalismo, o sindicalismo brasileiro supera a defensiva, rejeita o terrorismo patronal e avança na luta por essa conquista estratégica.
Vitória parcial na Câmara dos Deputados
No final de junho passado, uma Comissão Especial da Câmara Federal aprovou por unanimidade a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 231/95 que institui a redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais. O texto prevê ainda o aumento do valor da hora-extra de 50% para 75%. Na ocasião, mais de mil ativistas das seis centrais sindicais legalizadas no país, que lotaram as galerias do Salão Nereu Ramos, festejaram a aprovação como uma vitória histórica da luta dos trabalhadores. Ela ainda é parcial e depende da contínua e forte pressão do sindicalismo, já que o texto deverá ser agora votado nos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
De imediato, várias entidades patronais deflagraram uma violenta gritaria contra a aprovação da PEC, de autoria dos senadores Inácio Arruda (PCdoB-CE) e Paulo Paim (PT-RS) e que teve a relatoria do deputado federal Vicente Paula (PT-SP). A mais dura na crítica foi da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que distribuiu nota oficial num tom ameaçador. “A PEC aprovada pela comissão especial da Câmara dos Deputados elevará os custos da produção indistintamente em todas as empresas, atividades e regiões do país. Conseqüentemente, ela representará mais um obstáculo às contratações”, esbravejou a CNI, para quem “as leis não criam empregos”.
O terrorismo dos patrões e da mídia
Utilizando o discurso terrorista da crise mundial do capitalismo – que foi causada pelos próprios capitalistas, e não pelos trabalhadores –, a entidade empresarial também exigiu novas medidas de precarização do trabalho. “Especialmente neste momento em que a economia brasileira enfrenta os efeitos nefastos da recessão mundial, a redução da jornada, sem o ajuste correspondente nos salários, comprometerá a competitividade das empresas... Regras trabalhistas mais modernas e flexíveis desestimularão a informalidade, garantindo direitos básicos e segurança às empresas”. Na prática, a CNI deseja jogar o ônus da crise capitalista nas costas dos trabalhadores.
No mesmo rumo, os jornalões tradicionais publicaram editoriais raivosos contra a aprovação da PEC, rotulada de “demagógica e populista”. Já algumas emissoras de televisão escalaram os seus “especialistas” de plantão para atacar a redução da jornada. O consultor empresarial José Pastore, ex-coordenador do programa trabalhista do tucano Geraldo Alckmin na sucessão presidencial de 2006, virou novamente estrela nos noticiários da TV Globo. Os sindicalistas, que se mobilizaram e forjaram uma sólida unidade na luta por esta conquista histórica, foram desqualificados; já os trabalhadores não foram ouvidos pela mídia hegemônica, que defende os interesses do capital.
Ambição egoísta pelo lucro máximo
As falácias usadas pelos empresários e por sua mídia já são bem conhecidas. Quando da abolição da escravatura, no final do século 19, os senhores da senzala também alardearam que a medida destruiria a economia do país e estimularia a “preguiça e a vagabundagem”. Quando foi criado o salário mínimo, nos anos 1940, o patronato com mentalidade escravocrata atacou com fúria esta conquista civilizatória. Na ocasião, o presidente Getúlio Vargas criticou a “burrice empresarial” e foi execrado pela oligarquia capitalista, que fez de tudo para derrubá-lo. Na fase mais recente, quando a Constituinte de 1987/88 aprovou a redução da jornada de 48 para 44 horas, o mesmo discurso apocalíptico foi alardeado pelo patronato e pelos editoriais da mídia hegemônica.
Nenhum argumento racional justifica esta aversão da oligarquia capitalista à redução da jornada de trabalho. A única razão para tamanha rejeição é sua ambição egoísta pelo lucro máximo, sem qualquer compromisso com os que vivem do trabalho e com o desenvolvimento da nação. Mas este motivo não pode ser confessado, por isso é embalado nos falsos discursos midiáticos. Como comprova um minucioso estudo do Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sócio-Econômicas (Dieese), intitulado “Reduzir a jornada de trabalho é gerar empregos de qualidade”, esta conquista civilizatória é um fator indispensável para o desenvolvimento humano e para o próprio desenvolvimento da economia. Reproduzo a seguir alguns trechos deste rico documento:
Desemprego e longas jornadas
- Qual é a relação entre jornada de trabalho, emprego e qualidade de vida? Existe, hoje, uma realidade de extremos. De um lado, muitos estão desempregados e, de outro, grande número de pessoas trabalha cada vez mais, realizando horas extras e de forma muito mais intensa devido às inovações tecnológicas e organizacionais e à flexibilização do tempo de trabalho. O desemprego de muitos e as longas e intensas jornadas de trabalho de outros têm como conseqüência diversos problemas relacionados à saúde, como estresse, depressão, lesões por esforço repetitivo (LER). Aumentam também as dificuldades para o convívio familiar, que tanto podem ter como causa a falta de tempo para a família, como sua desestruturação em virtude do desemprego de seus membros.
- Se, do ponto de vista social, fica evidente a necessidade da redução da jornada de trabalho (RJT), também é sabido que a economia brasileira hoje apresenta condições favoráveis para essa redução uma vez que: a produtividade do trabalho mais que dobrou nos anos 90; o custo com salários é um dos mais baixos no mundo; o peso dos salários no custo total de produção é baixo; o processo de flexibilização da legislação trabalhista, ocorrido ao longo da década de 90, intensificou significativamente o ritmo do trabalho.
Criação de 2.252.600 novos empregos
- Em vários países, a RJT sem redução salarial tem sido discutida como um dos instrumentos para preservar e criar novos empregos de qualidade e também possibilitar a construção de boas condições de vida. Porém, esta redução poderia até ser bem mais que isso, e impulsionar a economia e dinamizar seu ciclo virtuoso levando à melhoria do mercado de trabalho. Isto permitiria a geração de novos postos de trabalho, diminuição do desemprego, da informalidade, da precarização, aumento da massa salarial e produtividade do trabalho e teria como conseqüência, o crescimento do consumo. Este, por sua vez, levaria ao aumento da produção, o que completaria o círculo virtuoso.
- Pelos cálculos do Dieese, a redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais teria o impacto potencial de gerar em torno de 2.252.600 novos postos de trabalho no país, considerando que: a) O Brasil tinha 22.526.000 pessoas com contrato de 44 horas de trabalho, em 2005, segundo dados da Relação Anual das Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e Emprego; b) Diminuindo quatro horas de trabalho semanais de cada uma delas, cria-se a possibilidade de gerar 2.252.600 novos postos de trabalho; c) A conta a ser realizada é (22.526.000 x 4) : 40 = 2.252.600.
A limitação das horas-extras
- Para potencializar a geração de novos postos de trabalho, a RJT deve vir acompanhada de medidas como o fim das horas extras e uma nova regulamentação do banco de horas, que não permitam aos empresários compensar os efeitos de uma jornada menor de outra forma que não com a contratação de novos trabalhadores. Esse conjunto de medidas é necessário porque a contratação de novos trabalhadores tem sido, em geral, a última alternativa utilizada pelos empresários, com a adoção de outros métodos que acabam por impedir a geração de empregos. Um deles é o aumento da produtividade em função da introdução de novas tecnologias de automação ou organizacionais. Outro é a utilização de horas extras, do banco de horas; outro ainda é a intensificação do ritmo de trabalho, para citar apenas alguns.
- O fim das horas extras, ou mesmo sua limitação, por si só, já teria um potencial de geração de 1.200.000 postos de trabalho levando em consideração os dados de 2005. Ou seja, a realização das horas extras no Brasil rouba mais de 1.200.000 postos de trabalho. Isto ocorre por que: a) Pelos dados da RAIS, são feitas no país aproximadamente 52.800.000 horas extras por semana;
b) O cálculo para determinar o número de postos que isto representa é: 52.800.000 : 44 (jornada atual) = 1.200.000 novos postos de trabalho de 44 horas; c) Se fosse considerada a redução da jornada para 40 horas, o número de postos a ser criado poderia ser ainda maior.
A distribuição dos ganhos de produtividade
- A adoção da redução da jornada é um dos instrumentos que possibilita aos trabalhadores participarem da distribuição dos ganhos de produtividade gerados pela sociedade. As inovações tecnológicas e organizacionais são conseqüências do acúmulo científico e do esforço contínuo de gerações e são, portanto, mérito de toda a sociedade. Assim, a sua apropriação e utilização também devem ser feitas por toda a sociedade. Caso contrário, a desigualdade é cada vez maior, aumenta a concentração da renda o que traz mais pobreza, fome e exclusão. No que diz respeito à relação entre aumento da produtividade e desemprego, o fato de que são necessárias menos horas de trabalho para produzir uma mercadoria, obriga uma opção que é política entre: transformar essa redução do tempo necessário para a produção em RJT ou deixar com que a redução do tempo de produção, ou seja, o aumento da produtividade, tenha como conseqüência o desemprego.
- No que se refere ao argumento patronal que aponta para o risco de aumento de custos, é importante dimensionar melhor o que representa uma redução de 9,09% na jornada de trabalho, ou seja, reduzi-la de 44 horas semanais para 40 horas. Conforme dados da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), a participação dos salários no custo das indústrias de transformação era de 22%, em média, em 1999. Assim, uma redução de 9,09% da jornada de trabalho representaria um aumento no custo total de apenas 1,99%.
- Ao se considerar o fato de que uma redução de jornada leva a pessoa a trabalhar mais motivada, com mais atenção e concentração e sofrendo menor desgaste, é de se esperar, como resposta, um aumento da produtividade do trabalho, que entre 1990 e 2000, cresceu a uma taxa média anual de 6,50%. Assim, ao comparar o aumento de custo (1,99%), que ocorrerá uma única vez, com o aumento da produtividade, que já ocorreu no passado e continuará ocorrendo no futuro, vê-se que o diferencial no custo é irrisório. E quando se olha para a produtividade no futuro, em menos de seis meses ele já estará compensado.
Os falsos argumentos dos empresários
- Esse argumento dá sustentação à afirmação de que a redução de jornada é uma forma de o conjunto dos trabalhadores participarem dos benefícios gerados pelas inovações tecnológicas e organizacionais e os ganhos de produtividade que proporcionam. Não se sustenta, assim, o argumento empresarial que prevê a diminuição da competitividade da indústria nacional. Segundo aqueles contrários à RJT, o aumento de custos diminuirá a competitividade do país e fará com que o Brasil perca mercado externo, o que levará ao fechamento de muitas empresas voltadas para exportação e mesmo daquelas que enfrentarão, internamente, a competição com produtos importados.
- Mais um argumento a favor da redução da jornada de trabalho pode ser encontrado nos dados do Departamento do Trabalho dos Estados Unidos que mostram o custo horário da mão-de-obra na indústria manufatureira em vários países. Um simples olhar para a tabela a seguir mostra que o custo da mão-de-obra brasileira não só é mais baixo, mas é muitas vezes mais baixo. O custo na Coréia do Sul, país que mais se aproxima dos valores brasileiros, é três vezes maior que o do Brasil. Isso significa que há muita margem para a redução da jornada.
- Custo horário da mão-de-obra dos trabalhadores ligados à indústria manufatureira, em US$.
Países 2005
Coréia do Sul 13,6
Japão 21,8
Estados Unidos 23,7
Brasil 4,1
França 24,6
Alemanha 33,0
Itália 21,1
Holanda 31,8
Espanha 17,8
Reino Unido 25,7
Uma medida reformista-revolucionária
No mesmo rumo, recente estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), intitulado “Carga horária de trabalho: evolução e principais mudanças no Brasil”, mostra que a jornada no país é muito irregular e injusta. Quase metade dos ocupados trabalha acima das 44 horas fixadas na Constituição; e a outra metade trabalha em jornadas parciais e com os salários reduzidos. Na apresentação da pesquisa, o economista Marcio Pochmann, presidente do Ipea, afirmou que a redução da jornada para 37 horas semanais poderia resolver o problema do desemprego no país, caso fosse acompanhada da ampliação dos investimentos no setor produtivo nacional.
Como se observa, as análises e dados apresentados pelo Dieese e Ipea são irrefutáveis. A redução da jornada de trabalho não é apenas uma medida de justiça social, de combate ao desemprego, à informalidade e ao arrocho salarial. Ela não beneficiaria somente o trabalhador com mais tempo livre para o estudo, a convivência familiar e o lazer. Ela alavancaria o próprio desenvolvimento do país, fortalecendo a economia nacional. Em outras palavras, ela não é uma medida, em si, de superação do capitalismo. Apenas torna o sistema de escravidão assalariada mais civilizado. É uma medida “reformista-revolucionária”, que hoje adquire caráter estratégico.
Estão previstos atos públicos, passeatas, bloqueios de estradas, paralisações relâmpagos e outras formas de protesto. Será mais um passo na unidade de ação dos movimentos dos trabalhadores, que passam a ocupar maior protagonismo político no país. De todas as reivindicações desta pauta unitária, uma ganha destaque e urgência: a da redução da jornada de 44 para 40 horas semanais. Mesmo num cenário de grave crise mundial do capitalismo, o sindicalismo brasileiro supera a defensiva, rejeita o terrorismo patronal e avança na luta por essa conquista estratégica.
Vitória parcial na Câmara dos Deputados
No final de junho passado, uma Comissão Especial da Câmara Federal aprovou por unanimidade a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 231/95 que institui a redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais. O texto prevê ainda o aumento do valor da hora-extra de 50% para 75%. Na ocasião, mais de mil ativistas das seis centrais sindicais legalizadas no país, que lotaram as galerias do Salão Nereu Ramos, festejaram a aprovação como uma vitória histórica da luta dos trabalhadores. Ela ainda é parcial e depende da contínua e forte pressão do sindicalismo, já que o texto deverá ser agora votado nos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
De imediato, várias entidades patronais deflagraram uma violenta gritaria contra a aprovação da PEC, de autoria dos senadores Inácio Arruda (PCdoB-CE) e Paulo Paim (PT-RS) e que teve a relatoria do deputado federal Vicente Paula (PT-SP). A mais dura na crítica foi da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que distribuiu nota oficial num tom ameaçador. “A PEC aprovada pela comissão especial da Câmara dos Deputados elevará os custos da produção indistintamente em todas as empresas, atividades e regiões do país. Conseqüentemente, ela representará mais um obstáculo às contratações”, esbravejou a CNI, para quem “as leis não criam empregos”.
O terrorismo dos patrões e da mídia
Utilizando o discurso terrorista da crise mundial do capitalismo – que foi causada pelos próprios capitalistas, e não pelos trabalhadores –, a entidade empresarial também exigiu novas medidas de precarização do trabalho. “Especialmente neste momento em que a economia brasileira enfrenta os efeitos nefastos da recessão mundial, a redução da jornada, sem o ajuste correspondente nos salários, comprometerá a competitividade das empresas... Regras trabalhistas mais modernas e flexíveis desestimularão a informalidade, garantindo direitos básicos e segurança às empresas”. Na prática, a CNI deseja jogar o ônus da crise capitalista nas costas dos trabalhadores.
No mesmo rumo, os jornalões tradicionais publicaram editoriais raivosos contra a aprovação da PEC, rotulada de “demagógica e populista”. Já algumas emissoras de televisão escalaram os seus “especialistas” de plantão para atacar a redução da jornada. O consultor empresarial José Pastore, ex-coordenador do programa trabalhista do tucano Geraldo Alckmin na sucessão presidencial de 2006, virou novamente estrela nos noticiários da TV Globo. Os sindicalistas, que se mobilizaram e forjaram uma sólida unidade na luta por esta conquista histórica, foram desqualificados; já os trabalhadores não foram ouvidos pela mídia hegemônica, que defende os interesses do capital.
Ambição egoísta pelo lucro máximo
As falácias usadas pelos empresários e por sua mídia já são bem conhecidas. Quando da abolição da escravatura, no final do século 19, os senhores da senzala também alardearam que a medida destruiria a economia do país e estimularia a “preguiça e a vagabundagem”. Quando foi criado o salário mínimo, nos anos 1940, o patronato com mentalidade escravocrata atacou com fúria esta conquista civilizatória. Na ocasião, o presidente Getúlio Vargas criticou a “burrice empresarial” e foi execrado pela oligarquia capitalista, que fez de tudo para derrubá-lo. Na fase mais recente, quando a Constituinte de 1987/88 aprovou a redução da jornada de 48 para 44 horas, o mesmo discurso apocalíptico foi alardeado pelo patronato e pelos editoriais da mídia hegemônica.
Nenhum argumento racional justifica esta aversão da oligarquia capitalista à redução da jornada de trabalho. A única razão para tamanha rejeição é sua ambição egoísta pelo lucro máximo, sem qualquer compromisso com os que vivem do trabalho e com o desenvolvimento da nação. Mas este motivo não pode ser confessado, por isso é embalado nos falsos discursos midiáticos. Como comprova um minucioso estudo do Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sócio-Econômicas (Dieese), intitulado “Reduzir a jornada de trabalho é gerar empregos de qualidade”, esta conquista civilizatória é um fator indispensável para o desenvolvimento humano e para o próprio desenvolvimento da economia. Reproduzo a seguir alguns trechos deste rico documento:
Desemprego e longas jornadas
- Qual é a relação entre jornada de trabalho, emprego e qualidade de vida? Existe, hoje, uma realidade de extremos. De um lado, muitos estão desempregados e, de outro, grande número de pessoas trabalha cada vez mais, realizando horas extras e de forma muito mais intensa devido às inovações tecnológicas e organizacionais e à flexibilização do tempo de trabalho. O desemprego de muitos e as longas e intensas jornadas de trabalho de outros têm como conseqüência diversos problemas relacionados à saúde, como estresse, depressão, lesões por esforço repetitivo (LER). Aumentam também as dificuldades para o convívio familiar, que tanto podem ter como causa a falta de tempo para a família, como sua desestruturação em virtude do desemprego de seus membros.
- Se, do ponto de vista social, fica evidente a necessidade da redução da jornada de trabalho (RJT), também é sabido que a economia brasileira hoje apresenta condições favoráveis para essa redução uma vez que: a produtividade do trabalho mais que dobrou nos anos 90; o custo com salários é um dos mais baixos no mundo; o peso dos salários no custo total de produção é baixo; o processo de flexibilização da legislação trabalhista, ocorrido ao longo da década de 90, intensificou significativamente o ritmo do trabalho.
Criação de 2.252.600 novos empregos
- Em vários países, a RJT sem redução salarial tem sido discutida como um dos instrumentos para preservar e criar novos empregos de qualidade e também possibilitar a construção de boas condições de vida. Porém, esta redução poderia até ser bem mais que isso, e impulsionar a economia e dinamizar seu ciclo virtuoso levando à melhoria do mercado de trabalho. Isto permitiria a geração de novos postos de trabalho, diminuição do desemprego, da informalidade, da precarização, aumento da massa salarial e produtividade do trabalho e teria como conseqüência, o crescimento do consumo. Este, por sua vez, levaria ao aumento da produção, o que completaria o círculo virtuoso.
- Pelos cálculos do Dieese, a redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais teria o impacto potencial de gerar em torno de 2.252.600 novos postos de trabalho no país, considerando que: a) O Brasil tinha 22.526.000 pessoas com contrato de 44 horas de trabalho, em 2005, segundo dados da Relação Anual das Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e Emprego; b) Diminuindo quatro horas de trabalho semanais de cada uma delas, cria-se a possibilidade de gerar 2.252.600 novos postos de trabalho; c) A conta a ser realizada é (22.526.000 x 4) : 40 = 2.252.600.
A limitação das horas-extras
- Para potencializar a geração de novos postos de trabalho, a RJT deve vir acompanhada de medidas como o fim das horas extras e uma nova regulamentação do banco de horas, que não permitam aos empresários compensar os efeitos de uma jornada menor de outra forma que não com a contratação de novos trabalhadores. Esse conjunto de medidas é necessário porque a contratação de novos trabalhadores tem sido, em geral, a última alternativa utilizada pelos empresários, com a adoção de outros métodos que acabam por impedir a geração de empregos. Um deles é o aumento da produtividade em função da introdução de novas tecnologias de automação ou organizacionais. Outro é a utilização de horas extras, do banco de horas; outro ainda é a intensificação do ritmo de trabalho, para citar apenas alguns.
- O fim das horas extras, ou mesmo sua limitação, por si só, já teria um potencial de geração de 1.200.000 postos de trabalho levando em consideração os dados de 2005. Ou seja, a realização das horas extras no Brasil rouba mais de 1.200.000 postos de trabalho. Isto ocorre por que: a) Pelos dados da RAIS, são feitas no país aproximadamente 52.800.000 horas extras por semana;
b) O cálculo para determinar o número de postos que isto representa é: 52.800.000 : 44 (jornada atual) = 1.200.000 novos postos de trabalho de 44 horas; c) Se fosse considerada a redução da jornada para 40 horas, o número de postos a ser criado poderia ser ainda maior.
A distribuição dos ganhos de produtividade
- A adoção da redução da jornada é um dos instrumentos que possibilita aos trabalhadores participarem da distribuição dos ganhos de produtividade gerados pela sociedade. As inovações tecnológicas e organizacionais são conseqüências do acúmulo científico e do esforço contínuo de gerações e são, portanto, mérito de toda a sociedade. Assim, a sua apropriação e utilização também devem ser feitas por toda a sociedade. Caso contrário, a desigualdade é cada vez maior, aumenta a concentração da renda o que traz mais pobreza, fome e exclusão. No que diz respeito à relação entre aumento da produtividade e desemprego, o fato de que são necessárias menos horas de trabalho para produzir uma mercadoria, obriga uma opção que é política entre: transformar essa redução do tempo necessário para a produção em RJT ou deixar com que a redução do tempo de produção, ou seja, o aumento da produtividade, tenha como conseqüência o desemprego.
- No que se refere ao argumento patronal que aponta para o risco de aumento de custos, é importante dimensionar melhor o que representa uma redução de 9,09% na jornada de trabalho, ou seja, reduzi-la de 44 horas semanais para 40 horas. Conforme dados da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), a participação dos salários no custo das indústrias de transformação era de 22%, em média, em 1999. Assim, uma redução de 9,09% da jornada de trabalho representaria um aumento no custo total de apenas 1,99%.
- Ao se considerar o fato de que uma redução de jornada leva a pessoa a trabalhar mais motivada, com mais atenção e concentração e sofrendo menor desgaste, é de se esperar, como resposta, um aumento da produtividade do trabalho, que entre 1990 e 2000, cresceu a uma taxa média anual de 6,50%. Assim, ao comparar o aumento de custo (1,99%), que ocorrerá uma única vez, com o aumento da produtividade, que já ocorreu no passado e continuará ocorrendo no futuro, vê-se que o diferencial no custo é irrisório. E quando se olha para a produtividade no futuro, em menos de seis meses ele já estará compensado.
Os falsos argumentos dos empresários
- Esse argumento dá sustentação à afirmação de que a redução de jornada é uma forma de o conjunto dos trabalhadores participarem dos benefícios gerados pelas inovações tecnológicas e organizacionais e os ganhos de produtividade que proporcionam. Não se sustenta, assim, o argumento empresarial que prevê a diminuição da competitividade da indústria nacional. Segundo aqueles contrários à RJT, o aumento de custos diminuirá a competitividade do país e fará com que o Brasil perca mercado externo, o que levará ao fechamento de muitas empresas voltadas para exportação e mesmo daquelas que enfrentarão, internamente, a competição com produtos importados.
- Mais um argumento a favor da redução da jornada de trabalho pode ser encontrado nos dados do Departamento do Trabalho dos Estados Unidos que mostram o custo horário da mão-de-obra na indústria manufatureira em vários países. Um simples olhar para a tabela a seguir mostra que o custo da mão-de-obra brasileira não só é mais baixo, mas é muitas vezes mais baixo. O custo na Coréia do Sul, país que mais se aproxima dos valores brasileiros, é três vezes maior que o do Brasil. Isso significa que há muita margem para a redução da jornada.
- Custo horário da mão-de-obra dos trabalhadores ligados à indústria manufatureira, em US$.
Países 2005
Coréia do Sul 13,6
Japão 21,8
Estados Unidos 23,7
Brasil 4,1
França 24,6
Alemanha 33,0
Itália 21,1
Holanda 31,8
Espanha 17,8
Reino Unido 25,7
Uma medida reformista-revolucionária
No mesmo rumo, recente estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), intitulado “Carga horária de trabalho: evolução e principais mudanças no Brasil”, mostra que a jornada no país é muito irregular e injusta. Quase metade dos ocupados trabalha acima das 44 horas fixadas na Constituição; e a outra metade trabalha em jornadas parciais e com os salários reduzidos. Na apresentação da pesquisa, o economista Marcio Pochmann, presidente do Ipea, afirmou que a redução da jornada para 37 horas semanais poderia resolver o problema do desemprego no país, caso fosse acompanhada da ampliação dos investimentos no setor produtivo nacional.
Como se observa, as análises e dados apresentados pelo Dieese e Ipea são irrefutáveis. A redução da jornada de trabalho não é apenas uma medida de justiça social, de combate ao desemprego, à informalidade e ao arrocho salarial. Ela não beneficiaria somente o trabalhador com mais tempo livre para o estudo, a convivência familiar e o lazer. Ela alavancaria o próprio desenvolvimento do país, fortalecendo a economia nacional. Em outras palavras, ela não é uma medida, em si, de superação do capitalismo. Apenas torna o sistema de escravidão assalariada mais civilizado. É uma medida “reformista-revolucionária”, que hoje adquire caráter estratégico.
terça-feira, 11 de agosto de 2009
Pressão social para garantir a Confecom
Diante das chantagens dos barões da mídia e das vacilações do governo Lula, aumenta a pressão dos movimentos sociais para garantir a realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), prevista inicialmente para dezembro. Os conglomerados do setor querem restringir o temário do evento e impor um critério totalmente desproporcional de representação – 40% dos delegados para os empresários –, além do “quórum qualificado” de 60% nas votações do evento. É muito petulância! Emparedado, o governo dá sinais de cedência diante dos barões da mídia.
Temendo retrocessos, os movimentos sociais intensificam a pressão na luta pela democratização dos meios de comunicação. A Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço) acaba de lançar um documento contundente contra chantagem empresarial. “A Abraço convoca todas as rádios comunitárias do país a se juntarem às Comissões Pró-Conferência de seus estados e a organizarem grande mobilização pela realização da Conferência Nacional de Comunicação verdadeiramente democrática”. Para a entidade, seria um grave erro castrar o temário do evento, que deve apontar um conjunto de políticas públicas e de medidas de regulamentação do setor.
“Afronta aos princípios democráticos”
“Ratificamos a importância da conferência com a participação do governo, de representantes dos movimentos sociais e dos empresários e até agora fizemos de tudo para que isso aconteça. Se os empresários se recusarem a participar do processo é responsabilidade única e exclusiva deles e em nada afetará a legitimidade da Confecom... Os capitalistas da mídia solicitaram mais uma vez o adiamento para a aprovação do regimento interno. A proposta de 40% de delegados para a mídia comercial é uma afronta aos princípios da democracia que estamos construindo, por dar gigantesca representatividade para quem é uma parcela insignificante da população”.
A Abraço defende que a Confecom aborde “o fortalecimento da radiodifusão comunitária como sistema público não estatal; dimensões regulatórias necessárias ao processo de desburocratização do serviço; aumento da potência para garantir a universalidade do acesso; financiamento público, com a criação de um fundo com percentuais dos recursos que são gastos na publicidade oficial; anistia para quem foi condenado ou esteja em processo judicial e devolução dos equipamentos apreendidos; redistribuição dos canais de forma a garantir a complementaridade dos sistemas público, estatal e privado com destinação de 1/3 dos mesmos para cada segmento; garantia de acesso à digitalização de forma subsidiada; descriminalização da radiodifusão comunitária”.
“Eu quero a conferência de comunicação”
No mesmo esforço de pressão social para garantir a Confecom, ocorrerá nesta quarta-feira, às 12 horas, na Cinelândia, centro do Rio de Janeiro, uma manifestação político-cultural para exigir a “solução imediata para o fim dos impasses que podem prejudicar a realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação”. Os organizadores do protesto alertam a população que “a Confecom pretende organizar a legislação para o setor” e que ela é uma “reivindicação de diversos setores da sociedade desde o início do governo Lula, que já realizou mais de 50 conferências temáticas”. Explicam que os empresários estão sabotando o evento porque temem a regulamentação do setor e exigem: “Eu quero a conferência de comunicação”.
Iniciativas como a da Abraço e do comitê carioca são vitais neste momento. Elas servem como contraponto à forte pressão dos barões da mídia. Ajudam a reforçar as posições de setores do governo que não aceitam as manobras empresariais para abortar ou esvaziar o significado da Confecom. Também estimulam a reflexão no próprio setor empresarial. Duas entidades patronais (Abra e Telebrasil) já anunciaram que não serão apêndices da poderosa Associação Brasileira de Rádios e Televisões (Abert), teleguiada pela Rede Globo, e que participarão da Confecom. Na própria Abert começam a surgir sinais de divisão. Mariana Mazza, da TeleNews, informa que “a Record teria sido voto vencido nas discussões internas da associação”, o que confirma a fratura no setor empresarial. O momento agora exige intensificar a pressão dos movimentos sociais para garantir uma Confecom democrática e progressista.
Temendo retrocessos, os movimentos sociais intensificam a pressão na luta pela democratização dos meios de comunicação. A Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço) acaba de lançar um documento contundente contra chantagem empresarial. “A Abraço convoca todas as rádios comunitárias do país a se juntarem às Comissões Pró-Conferência de seus estados e a organizarem grande mobilização pela realização da Conferência Nacional de Comunicação verdadeiramente democrática”. Para a entidade, seria um grave erro castrar o temário do evento, que deve apontar um conjunto de políticas públicas e de medidas de regulamentação do setor.
“Afronta aos princípios democráticos”
“Ratificamos a importância da conferência com a participação do governo, de representantes dos movimentos sociais e dos empresários e até agora fizemos de tudo para que isso aconteça. Se os empresários se recusarem a participar do processo é responsabilidade única e exclusiva deles e em nada afetará a legitimidade da Confecom... Os capitalistas da mídia solicitaram mais uma vez o adiamento para a aprovação do regimento interno. A proposta de 40% de delegados para a mídia comercial é uma afronta aos princípios da democracia que estamos construindo, por dar gigantesca representatividade para quem é uma parcela insignificante da população”.
A Abraço defende que a Confecom aborde “o fortalecimento da radiodifusão comunitária como sistema público não estatal; dimensões regulatórias necessárias ao processo de desburocratização do serviço; aumento da potência para garantir a universalidade do acesso; financiamento público, com a criação de um fundo com percentuais dos recursos que são gastos na publicidade oficial; anistia para quem foi condenado ou esteja em processo judicial e devolução dos equipamentos apreendidos; redistribuição dos canais de forma a garantir a complementaridade dos sistemas público, estatal e privado com destinação de 1/3 dos mesmos para cada segmento; garantia de acesso à digitalização de forma subsidiada; descriminalização da radiodifusão comunitária”.
“Eu quero a conferência de comunicação”
No mesmo esforço de pressão social para garantir a Confecom, ocorrerá nesta quarta-feira, às 12 horas, na Cinelândia, centro do Rio de Janeiro, uma manifestação político-cultural para exigir a “solução imediata para o fim dos impasses que podem prejudicar a realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação”. Os organizadores do protesto alertam a população que “a Confecom pretende organizar a legislação para o setor” e que ela é uma “reivindicação de diversos setores da sociedade desde o início do governo Lula, que já realizou mais de 50 conferências temáticas”. Explicam que os empresários estão sabotando o evento porque temem a regulamentação do setor e exigem: “Eu quero a conferência de comunicação”.
Iniciativas como a da Abraço e do comitê carioca são vitais neste momento. Elas servem como contraponto à forte pressão dos barões da mídia. Ajudam a reforçar as posições de setores do governo que não aceitam as manobras empresariais para abortar ou esvaziar o significado da Confecom. Também estimulam a reflexão no próprio setor empresarial. Duas entidades patronais (Abra e Telebrasil) já anunciaram que não serão apêndices da poderosa Associação Brasileira de Rádios e Televisões (Abert), teleguiada pela Rede Globo, e que participarão da Confecom. Na própria Abert começam a surgir sinais de divisão. Mariana Mazza, da TeleNews, informa que “a Record teria sido voto vencido nas discussões internas da associação”, o que confirma a fratura no setor empresarial. O momento agora exige intensificar a pressão dos movimentos sociais para garantir uma Confecom democrática e progressista.
segunda-feira, 10 de agosto de 2009
Esquenta o debate sobre mídia e Confecom
O debate “Como enfrentar o PIG”, promovido pelo Portal Vermelho na noite de sexta-feira (7), superou todas as expectativas. O auditório da Rua Rego Freitas, no centro da capital paulista, ficou abarrotado, com mais de 170 presentes, muitas sentadas no chão. Infelizmente, outras 50 pessoas não puderam entrar no local por questões de segurança do prédio. Algumas até chiaram numa justa pressão. Os participantes acompanharam atentamente as falas dos três palestristas e muitos se inscreveram para fazer perguntas e dar opiniões. Ninguém se apressou para o coquetel de lançamento dos livros “Comunicação pública no Brasil: uma exigência democrática” e “A ditadura da mídia”, publicados pela Coleção Vermelho em parceria com a Editora Anita Garibaldi.
Em menos de uma semana, duas atividades organizadas para discutir o papel da mídia e definir os passos para Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) tiveram excelente acolhida. Em 1º de agosto, o auditório do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo também ficou pequeno para receber quase 300 participantes da Pré-Conferência Paulista de Comunicação. Um telão foi montado no hall de entrada do prédio. Várias organizações de mulheres, negros, GLBT, pastorais sociais da igreja e outras participaram do evento, o que sinaliza que o tema da comunicação deixou de ser uma coisa de “especialistas” e passa a ser encarado como um direito humano.
O jornalista Luiz Carlos Azenha, do blog Vi o Mundo, registrou os principais assuntos tratados no debate do Vermelho. Reproduzo o seu texto abaixo:
Um debate proveitoso sobre a mídia
No lançamento do livro de Altamiro Borges, A ditadura da mídia, tivemos um debate riquíssimo entre o autor, o jornalista Paulo Henrique Amorim e o sociólogo Laurindo Lalo Leal Filho. PHA se disse cauteloso em relação à Conferência Nacional de Comunicação, prevista para dezembro. Apontou para a tibieza do governo Lula em relação ao enfrentamento com o PIG, o Partido da Imprensa Golpista, criação do deputado petista Fernando Ferro que Paulo Henrique popularizou.
O jornalista lembrou episódios que marcaram recuos do governo diante da pressão do PIG, dentre os quais destacou o engavetamento da idéia da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav), do ex-ministro Gilberto Gil, e a breve aplicação, pelo ex-ministro Luiz Gushiken, de critérios de mercado e políticos para a distribuição de verbas publicitárias federais. Esses critérios, segundo PHA, foram aplicados durante três meses, quando tudo voltou aos “critérios de mercado” que, segundo ele, significam “dar dinheiro para a Globo”.
PHA propôs a criação de um fundo com dinheiro público e privado para a produção de conteúdo alternativo ao das três famílias que controlam as grandes corporações da mídia brasileira – Marinho, Mesquita e Frias. Lembrou que o PIG foi e é golpista, citando as campanhas da mídia brasileira contra os governos de Getúlio Vargas, João Goulart e Lula. Disse torcer para que o governo Lula tenha uma estratégia secreta para enfrentar o PIG: a da disseminação da internet banda larga e do uso de computadores nas escolas.Atribuiu os ataques mais recentes das Organizações Globo ao governo Lula a dois fatores: a Conferência Nacional de Comunicação e a disputa pelo controle da exploração do pré-sal.
Sociedade de Amigos da TV Brasil
O professor Laurindo Leal Filho, que é ouvidor da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), elogiou a criação da Sociedade Amigos da TV Brasil, idéia de Beto Almeida, presidente da TV Cidade Livre de Brasília. Disse que esse tipo de iniciativa, em que os ouvintes se organizam em torno de um canal de comunicação, tem tradição no Brasil. Foi assim que Roquette Pinto organizou uma emissora de rádio e assim surgiram as rádios “clube” e as “sociedades radiofônicas” em várias cidades do Brasil.
Laurindo elencou alguns defeitos de nascença da EBC: um Conselho Curador indicado pelo presidente Lula sem representatividade nos movimentos sociais; a falta de um canal aberto em São Paulo para a TV Brasil (“é como se a BBC não pegasse em Londres”); erros de cobertura jornalística da emissora, especialmente no noticiário internacional.
Ainda assim, o professor acredita que a criação da EBC foi um avanço a ser preservado e que fortalecer o campo público deve ser uma das prioridades da Conferência Nacional de Comunicação. O PIG, de acordo com Laurindo Leal Filho, tem atuação internacional. O ouvidor da EBC destacou os avanços institucionais que outros governos da América Latina fizeram no combate ao PIG, especialmente na Venezuela, Bolívia, Equador, Argentina e Uruguai.
As propostas para a Confecom
Altamiro Borges destacou o papel que a mídia teve no golpe em Honduras, lembrando que a Sociedade Interamericana de Imprensa não se manifestou contra a expulsão da Telesur ou o fechamento da rádio Globo hondurenha. Os palestrantes concordaram que, no Brasil, o PIG preserva seu poder de criar crises, mais recentemente demonstrado na tentativa de derrubar o presidente do Senado, José Sarney.
Borges fez um relato dos bastidores da Conferência Nacional de Comunicação e das artimanhas que o empresariado tem usado com o objetivo de controlar a pauta do encontro e de impedir as reformas que ele, Altamiro, considera essenciais. Uma das propostas do empresariado é de que se discuta legislação para o futuro e se esqueça o passado. Seria uma forma de preservar o emaranhado de leis atual, tão confuso e contraditório que favorece o status quo.
Uma lei de outorgas clara, que submeta os radiodifusores a critérios sociais para a manutenção e renovação das concessões de rádio e TV, seria um dos objetivos centrais da Conferência de dezembro. Outro seria o de discutir critérios para os gastos oficiais com publicidade, que poderiam incorporar o objetivo de incentivar a diversidade na produção de conteúdo. Os debatedores concordaram, no entanto, que os dois pontos acima citados são nevrálgicos para os monopólios da mídia e, portanto, neles será mais difícil avançar.
Altamiro disse, no entanto, que espera da Conferência alguns avanços, especialmente no fortalecimento do campo público da comunicação, na disseminação da banda larga e na reversão da política oficial do governo Lula, exercida a partir da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) – em conjunto com a Polícia Federal –, de criminalização das rádios comunitárias.
Em menos de uma semana, duas atividades organizadas para discutir o papel da mídia e definir os passos para Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) tiveram excelente acolhida. Em 1º de agosto, o auditório do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo também ficou pequeno para receber quase 300 participantes da Pré-Conferência Paulista de Comunicação. Um telão foi montado no hall de entrada do prédio. Várias organizações de mulheres, negros, GLBT, pastorais sociais da igreja e outras participaram do evento, o que sinaliza que o tema da comunicação deixou de ser uma coisa de “especialistas” e passa a ser encarado como um direito humano.
O jornalista Luiz Carlos Azenha, do blog Vi o Mundo, registrou os principais assuntos tratados no debate do Vermelho. Reproduzo o seu texto abaixo:
Um debate proveitoso sobre a mídia
No lançamento do livro de Altamiro Borges, A ditadura da mídia, tivemos um debate riquíssimo entre o autor, o jornalista Paulo Henrique Amorim e o sociólogo Laurindo Lalo Leal Filho. PHA se disse cauteloso em relação à Conferência Nacional de Comunicação, prevista para dezembro. Apontou para a tibieza do governo Lula em relação ao enfrentamento com o PIG, o Partido da Imprensa Golpista, criação do deputado petista Fernando Ferro que Paulo Henrique popularizou.
O jornalista lembrou episódios que marcaram recuos do governo diante da pressão do PIG, dentre os quais destacou o engavetamento da idéia da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav), do ex-ministro Gilberto Gil, e a breve aplicação, pelo ex-ministro Luiz Gushiken, de critérios de mercado e políticos para a distribuição de verbas publicitárias federais. Esses critérios, segundo PHA, foram aplicados durante três meses, quando tudo voltou aos “critérios de mercado” que, segundo ele, significam “dar dinheiro para a Globo”.
PHA propôs a criação de um fundo com dinheiro público e privado para a produção de conteúdo alternativo ao das três famílias que controlam as grandes corporações da mídia brasileira – Marinho, Mesquita e Frias. Lembrou que o PIG foi e é golpista, citando as campanhas da mídia brasileira contra os governos de Getúlio Vargas, João Goulart e Lula. Disse torcer para que o governo Lula tenha uma estratégia secreta para enfrentar o PIG: a da disseminação da internet banda larga e do uso de computadores nas escolas.Atribuiu os ataques mais recentes das Organizações Globo ao governo Lula a dois fatores: a Conferência Nacional de Comunicação e a disputa pelo controle da exploração do pré-sal.
Sociedade de Amigos da TV Brasil
O professor Laurindo Leal Filho, que é ouvidor da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), elogiou a criação da Sociedade Amigos da TV Brasil, idéia de Beto Almeida, presidente da TV Cidade Livre de Brasília. Disse que esse tipo de iniciativa, em que os ouvintes se organizam em torno de um canal de comunicação, tem tradição no Brasil. Foi assim que Roquette Pinto organizou uma emissora de rádio e assim surgiram as rádios “clube” e as “sociedades radiofônicas” em várias cidades do Brasil.
Laurindo elencou alguns defeitos de nascença da EBC: um Conselho Curador indicado pelo presidente Lula sem representatividade nos movimentos sociais; a falta de um canal aberto em São Paulo para a TV Brasil (“é como se a BBC não pegasse em Londres”); erros de cobertura jornalística da emissora, especialmente no noticiário internacional.
Ainda assim, o professor acredita que a criação da EBC foi um avanço a ser preservado e que fortalecer o campo público deve ser uma das prioridades da Conferência Nacional de Comunicação. O PIG, de acordo com Laurindo Leal Filho, tem atuação internacional. O ouvidor da EBC destacou os avanços institucionais que outros governos da América Latina fizeram no combate ao PIG, especialmente na Venezuela, Bolívia, Equador, Argentina e Uruguai.
As propostas para a Confecom
Altamiro Borges destacou o papel que a mídia teve no golpe em Honduras, lembrando que a Sociedade Interamericana de Imprensa não se manifestou contra a expulsão da Telesur ou o fechamento da rádio Globo hondurenha. Os palestrantes concordaram que, no Brasil, o PIG preserva seu poder de criar crises, mais recentemente demonstrado na tentativa de derrubar o presidente do Senado, José Sarney.
Borges fez um relato dos bastidores da Conferência Nacional de Comunicação e das artimanhas que o empresariado tem usado com o objetivo de controlar a pauta do encontro e de impedir as reformas que ele, Altamiro, considera essenciais. Uma das propostas do empresariado é de que se discuta legislação para o futuro e se esqueça o passado. Seria uma forma de preservar o emaranhado de leis atual, tão confuso e contraditório que favorece o status quo.
Uma lei de outorgas clara, que submeta os radiodifusores a critérios sociais para a manutenção e renovação das concessões de rádio e TV, seria um dos objetivos centrais da Conferência de dezembro. Outro seria o de discutir critérios para os gastos oficiais com publicidade, que poderiam incorporar o objetivo de incentivar a diversidade na produção de conteúdo. Os debatedores concordaram, no entanto, que os dois pontos acima citados são nevrálgicos para os monopólios da mídia e, portanto, neles será mais difícil avançar.
Altamiro disse, no entanto, que espera da Conferência alguns avanços, especialmente no fortalecimento do campo público da comunicação, na disseminação da banda larga e na reversão da política oficial do governo Lula, exercida a partir da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) – em conjunto com a Polícia Federal –, de criminalização das rádios comunitárias.
sexta-feira, 7 de agosto de 2009
Flávio Aguiar e “A ditadura da mídia”
Nesta sexta-feira, 7 de agosto, ocorrerá o lançamento dos livros “Comunicação pública no Brasil: uma exigência democrática” e “A ditadura da mídia”, ambos publicados pela Coleção Vermelho em parceria com a Editora Anita Garibaldi. Antes do coquetel, haverá o debate “Como enfrentar o PIG?”, com os jornalistas Paulo Henrique Amorim, do blog Conversa Afiada, e Laurindo Lalo Leal Filho, ouvidor da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), responsável pela produção da TV Brasil. Todos estão convidados para tomar um vinho e participar das atividades. O evento acontece na Rua Rego Freitas, 192, no centro da capital paulista (próximo ao Metrô República).
Na semana do lançamento, o jornalista Flávio Aguiar deu uma baita força ao publicar, na Carta Maior, a resenha do livro “A ditadura da mídia”. Um dos mais talentosos escritores brasileiros, ele já ganhou três vezes o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro. No sombrio período da ditadura, Flávio militou na imprensa alternativa, sendo editor de cultura do jornal Movimento, e foi professor de literatura brasileira na USP de 1973 a 2006. Atualmente, ele é correspondente internacional em Berlim, Alemanha, da Revista do Brasil e colaborador da Carta Maior, na qual já foi editor-chefe. Agradeço sua generosa resenha e reproduzo-a abaixo:
O fetichismo da midiocracia
Lançado alguns meses antes da I Conferência Nacional de Comunicação, o livro "A ditadura da mídia" (São Paulo, Editora Anita Garibaldi/Associação Vermelho, 2009) traz várias reflexões e propostas que vão desembocar na necessidade e na oportunidade daquele evento. Depois de fazer um levantamento histórico sobre a concentração da mídia voltada para os interesses e o mundo de valores das classes dominantes, e de seu poder de fogo na mão de poucas empresas e/ou oligarquias familiares (caso particular do Brasil), e de muitas de suas intervenções sempre desfavoráveis às causas populares, o autor, Altamiro Borges, apresenta e detalha uma lista de propostas a serem consideradas pela Conferência:
1) Fortalecer a radiodifusão pública;
2) Revisar os critérios das concessões;
3) Rever os critérios da publicidade oficial;
4) Estimular (ao invés de reprimir) a radiodifusão comunitária;
5) Investir na inclusão digital.
6) Definir um novo marco regulatório para as comunicações, coibindo a monopolização, a desnacionalização e fixando “políticas públicas que garantam o acesso da população aos avanços tecnológicos”.
O autor assinala que a última “iniciativa mais ousada neste campo [da radiodifusão pública] ocorreu no governo de Getúlio Vargas com a criação da Rádio Nacional, que teve expressiva audiência”. Sublinha também que a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), “que gerencia a TV Brasil, oito emissoras de rádio e uma agência noticiosa, sinalizou uma mudança de postura do governo [Lula]”. Saindo de sua timidez anterior em enfrentar a mídia oligárquica, depois do bombardeio que sofreu para impedir a reeleição do presidente em 2006, o governo estaria querendo se distanciar desses “aliados” de antanho que ficam permanentemente querendo fazer furos no casco do seu barco.
Mídia se disfarça como “transparente”
Um dos capítulos mais interessantes do livro é o IV, “De Getúlio a Lula, histórias da manipulação da imprensa”, em que se vê o poder da mídia oligárquica ir ampliando seu alcance e sua possibilidade de manipulação política através das novas tecnologias que vão surgindo, até o ápice da tentativa concertada em diferentes veículos de reverter a esperada reeleição do presidente em 2006, em manobra denunciada, como aponta o professor Venício A. de Lima no livro "A mídia nas eleições de 2006" (São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2007. Pág. 17), primeiro nesta Carta Maior, com as reportagens de Bia Barbosa, e na seqüência pelas matérias de Raimundo Pereira em Carta Capital.
No prefácio de "A ditadura da mídia" diz o professor Lima que “um dos principais obstáculos à democratização da mídia tem sido a dificuldade histórica que grande parte da população experimenta para compreender a mídia como um poder e a comunicação como um direito... O poder da grande mídia no mundo contemporâneo tem se caracterizado exatamente por ela estar de tal maneira imbricada no ambiente social que consegue ‘passar desapercebida’, naturalizada, como se não existisse”. Ou seja, a grande mídia se disfarça como “transparente”, seja no sentido de pretender reportar informações de modo “objetivo”, “neutro”, seja no sentido de pretender representar o “interesse público”.
O caráter camaleônico da informação
A esse caráter camaleônico eu acrescento outro, que é a contumaz incapacidade de se ver a informação como uma mercadoria produzida, capaz de agregar outras, através da publicidade, de induzir ao consumo de ainda outras, e de agregar serviços e/ou favores sob a forma de benesses do Estado para si mesma. O público em geral, e as esquerdas não se diferenciam nesse particular, pode chegar a ter uma percepção dos veículos da mídia – o jornal ou revista individualizado em papel, o aparato televisivo ou eletrônico (a aparelhagem de produção, transmissão e recepção), etc., como mercadorias, mas não a própria informação. É claro que é muito difícil, porque a informação não é um “objeto”, ela é antes um fluxo contido em pequenas partículas, sejam as letras ou formas da impressão, as palavras e cores digitalizadas da transmissão áudio-visual, etc. Mas sua produção, circulação e consumo prendem-se às regras de um mercado peculiar, mas ainda assim mercado, onde os produtores querem aparentar estar sempre a serviço dos interesses dos consumidores, e não dos próprios. Mais ou menos como na produção de carros, sabonetes ou chicletes.
Cria-se assim um fetichismo peculiar da mercadoria-informação, em que ela brilha como se tivesse vida própria, fosse um valor-em-si e não de troca, a tal ponto que a ausência do objeto-jornal, por exemplo, pode provocar uma crise de abstinência (seja o jornal prezado, detestado, desprezado ou tudo ao mesmo tempo) tão grave no leitor quanto a falta de uma droga para o nela viciado. A mercadoria-informação oculta assim a sua própria natureza de mercadoria, passando a idéia de que ela tem apenas um valor-de-uso, por ser uma “reprodução” fidedigna de uma “realidade”, mesmo quando esta é apenas a opinião de articulistas particulares, pois na grande mídia estes sempre se apresentam falando em nome de vetores semânticos (mais simplesmente sujeitos/objetos) abstratos, como “o eleitor”, “o consumidor”, “o leitor”, e cada vez mais raramente “o cidadão”, palavra que foi remetida para o fundo da gaveta.
Uma leitura interessante e interessada
O livro de Altamiro é de leitura interessante e obviamente interessada. Tenho apenas uma observação de natureza crítica (afinal, esta também é do ofício do resenhista): com freqüência ele se refere aos Estados Unidos como “o império do mal”. É claro que a expressão tem o sentido irônico de glosar a expressão “eixo do mal”, consagrada pelo governo Bush em relação à Coréia do Norte, Irã e Iraque. Mas sua reiterada repetição lhe dá foro de conceito, e assim deixa ambiguamente no ar a sugestão (certamente involuntária) de que possa haver um “império do bem”.
Por fim, ele também deixa no ar uma pergunta. A união estratégica de interesses da mídia oligárquica no Brasil, por sobre sua concorrência no dia a dia, é cada vez mais sólida, estreita e manifesta. Entretanto, apesar dos inúmeros fóruns, encontros, declarações, as esquerdas e suas mídias alternativas estão ainda longe – como sempre estiveram historicamente – de se articular em frentes comuns de atuação e sinergia. Este é uma outra questão que, mesmo não estando na pauta explícita da I Conferência, vai determinar seus resultados conforme nela se avançar ou estagnar.
Na semana do lançamento, o jornalista Flávio Aguiar deu uma baita força ao publicar, na Carta Maior, a resenha do livro “A ditadura da mídia”. Um dos mais talentosos escritores brasileiros, ele já ganhou três vezes o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro. No sombrio período da ditadura, Flávio militou na imprensa alternativa, sendo editor de cultura do jornal Movimento, e foi professor de literatura brasileira na USP de 1973 a 2006. Atualmente, ele é correspondente internacional em Berlim, Alemanha, da Revista do Brasil e colaborador da Carta Maior, na qual já foi editor-chefe. Agradeço sua generosa resenha e reproduzo-a abaixo:
O fetichismo da midiocracia
Lançado alguns meses antes da I Conferência Nacional de Comunicação, o livro "A ditadura da mídia" (São Paulo, Editora Anita Garibaldi/Associação Vermelho, 2009) traz várias reflexões e propostas que vão desembocar na necessidade e na oportunidade daquele evento. Depois de fazer um levantamento histórico sobre a concentração da mídia voltada para os interesses e o mundo de valores das classes dominantes, e de seu poder de fogo na mão de poucas empresas e/ou oligarquias familiares (caso particular do Brasil), e de muitas de suas intervenções sempre desfavoráveis às causas populares, o autor, Altamiro Borges, apresenta e detalha uma lista de propostas a serem consideradas pela Conferência:
1) Fortalecer a radiodifusão pública;
2) Revisar os critérios das concessões;
3) Rever os critérios da publicidade oficial;
4) Estimular (ao invés de reprimir) a radiodifusão comunitária;
5) Investir na inclusão digital.
6) Definir um novo marco regulatório para as comunicações, coibindo a monopolização, a desnacionalização e fixando “políticas públicas que garantam o acesso da população aos avanços tecnológicos”.
O autor assinala que a última “iniciativa mais ousada neste campo [da radiodifusão pública] ocorreu no governo de Getúlio Vargas com a criação da Rádio Nacional, que teve expressiva audiência”. Sublinha também que a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), “que gerencia a TV Brasil, oito emissoras de rádio e uma agência noticiosa, sinalizou uma mudança de postura do governo [Lula]”. Saindo de sua timidez anterior em enfrentar a mídia oligárquica, depois do bombardeio que sofreu para impedir a reeleição do presidente em 2006, o governo estaria querendo se distanciar desses “aliados” de antanho que ficam permanentemente querendo fazer furos no casco do seu barco.
Mídia se disfarça como “transparente”
Um dos capítulos mais interessantes do livro é o IV, “De Getúlio a Lula, histórias da manipulação da imprensa”, em que se vê o poder da mídia oligárquica ir ampliando seu alcance e sua possibilidade de manipulação política através das novas tecnologias que vão surgindo, até o ápice da tentativa concertada em diferentes veículos de reverter a esperada reeleição do presidente em 2006, em manobra denunciada, como aponta o professor Venício A. de Lima no livro "A mídia nas eleições de 2006" (São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2007. Pág. 17), primeiro nesta Carta Maior, com as reportagens de Bia Barbosa, e na seqüência pelas matérias de Raimundo Pereira em Carta Capital.
No prefácio de "A ditadura da mídia" diz o professor Lima que “um dos principais obstáculos à democratização da mídia tem sido a dificuldade histórica que grande parte da população experimenta para compreender a mídia como um poder e a comunicação como um direito... O poder da grande mídia no mundo contemporâneo tem se caracterizado exatamente por ela estar de tal maneira imbricada no ambiente social que consegue ‘passar desapercebida’, naturalizada, como se não existisse”. Ou seja, a grande mídia se disfarça como “transparente”, seja no sentido de pretender reportar informações de modo “objetivo”, “neutro”, seja no sentido de pretender representar o “interesse público”.
O caráter camaleônico da informação
A esse caráter camaleônico eu acrescento outro, que é a contumaz incapacidade de se ver a informação como uma mercadoria produzida, capaz de agregar outras, através da publicidade, de induzir ao consumo de ainda outras, e de agregar serviços e/ou favores sob a forma de benesses do Estado para si mesma. O público em geral, e as esquerdas não se diferenciam nesse particular, pode chegar a ter uma percepção dos veículos da mídia – o jornal ou revista individualizado em papel, o aparato televisivo ou eletrônico (a aparelhagem de produção, transmissão e recepção), etc., como mercadorias, mas não a própria informação. É claro que é muito difícil, porque a informação não é um “objeto”, ela é antes um fluxo contido em pequenas partículas, sejam as letras ou formas da impressão, as palavras e cores digitalizadas da transmissão áudio-visual, etc. Mas sua produção, circulação e consumo prendem-se às regras de um mercado peculiar, mas ainda assim mercado, onde os produtores querem aparentar estar sempre a serviço dos interesses dos consumidores, e não dos próprios. Mais ou menos como na produção de carros, sabonetes ou chicletes.
Cria-se assim um fetichismo peculiar da mercadoria-informação, em que ela brilha como se tivesse vida própria, fosse um valor-em-si e não de troca, a tal ponto que a ausência do objeto-jornal, por exemplo, pode provocar uma crise de abstinência (seja o jornal prezado, detestado, desprezado ou tudo ao mesmo tempo) tão grave no leitor quanto a falta de uma droga para o nela viciado. A mercadoria-informação oculta assim a sua própria natureza de mercadoria, passando a idéia de que ela tem apenas um valor-de-uso, por ser uma “reprodução” fidedigna de uma “realidade”, mesmo quando esta é apenas a opinião de articulistas particulares, pois na grande mídia estes sempre se apresentam falando em nome de vetores semânticos (mais simplesmente sujeitos/objetos) abstratos, como “o eleitor”, “o consumidor”, “o leitor”, e cada vez mais raramente “o cidadão”, palavra que foi remetida para o fundo da gaveta.
Uma leitura interessante e interessada
O livro de Altamiro é de leitura interessante e obviamente interessada. Tenho apenas uma observação de natureza crítica (afinal, esta também é do ofício do resenhista): com freqüência ele se refere aos Estados Unidos como “o império do mal”. É claro que a expressão tem o sentido irônico de glosar a expressão “eixo do mal”, consagrada pelo governo Bush em relação à Coréia do Norte, Irã e Iraque. Mas sua reiterada repetição lhe dá foro de conceito, e assim deixa ambiguamente no ar a sugestão (certamente involuntária) de que possa haver um “império do bem”.
Por fim, ele também deixa no ar uma pergunta. A união estratégica de interesses da mídia oligárquica no Brasil, por sobre sua concorrência no dia a dia, é cada vez mais sólida, estreita e manifesta. Entretanto, apesar dos inúmeros fóruns, encontros, declarações, as esquerdas e suas mídias alternativas estão ainda longe – como sempre estiveram historicamente – de se articular em frentes comuns de atuação e sinergia. Este é uma outra questão que, mesmo não estando na pauta explícita da I Conferência, vai determinar seus resultados conforme nela se avançar ou estagnar.