Com a manchete “São Paulo futurista”, a Revista da Folha desde domingo ingressou com tudo na campanha presidencial do governador paulista José Serra. Quem lê a reportagem, que trata dos “rascunhos de uma São Paulo em projetos que somam R$ 32 bilhões”, é levado a acreditar que a capital, administrada pelo demo Gilberto Kassab, e o estado, comandado há décadas pelos tucanos, serão o paraíso do futuro. Não haverá mais congestionamentos quilométricos, moradias precárias, menores consumindo crack no centro da cidade, falta de canalização do esgoto, postos de saúde abandonados, escolas caindo aos pedaços. As maquetes exibidas seduzem os ingênuos!
A reportagem promete um território dos sonhos. “Um metrô conectando o centro ao aeroporto de Cumbica. Edifícios com arquiteturas de grife espalhados pela cidade... Recuperação de uma das regiões mais degradadas da cidade [a cracolândia na estação da Luz]... Um sistema de transporte público um tanto melhor do que esse que São Paulo hoje possui [qual?]... E a favela do futuro”. José Serra nem é entrevistado para não dar muito na cara. No seu lugar, seu fiel seguidor Kassab, que disse em recente entrevista que “durmo de paletó” para atender o chefe notívago, garante que a São Paulo futurista terá “melhor fluidez no trânsito, mais áreas verdes, mais segurança, mais emprego, mais educação e melhor prestação de serviços”.
Truque de edição esconde a realidade
O repórter Gustavo Fioratti até explica que os projetos estão apenas no papel, que pouca coisa de concreto foi encaminhada. Também observa que as mudanças “imaginadas” são fomentadas pelo “maior evento futebolístico do planeta” – a Copa do Mundo de 2014. E reconhece que tais obras dependerão, também, das verbas do governo federal. Mas estas ponderações ficam ofuscadas no meio das páginas com ilusórias maquetes e fotomontagens. O leitor incauto da Revista da Folha, principalmente das camadas médias alienadas, é induzido a crer no “futurismo” tucano. A vida é um inferno na maior metrópole do país, mas no futuro, com “Serra presidente”, será um paraíso!
A manobra lembra um alerta do falecido jornalista Aloysio Biondi, um exemplo de dignidade na profissão. No artigo “Mentira e caradurismo (ou: a imprensa no reinado de FHC)”, que serviu de posfácio do livro “Padrões de manipulação da grande imprensa”, de Perseu Abramo, outro ícone do jornalismo, ele mostra que a mídia hegemônica bajulou descaradamente o tucano FHC. “Sem medo de exagerar, pode-se comprovar que técnicas jornalísticas e a experiência de profissionais regiamente pagos foram utilizadas permanentemente para encobrir a realidade. Valeu lançar mão de tudo: de manchetes falsas, inclusive ‘invertendo a informação’, a colocar o lide no final das matérias, isto é, esconder a informação realmente importante nas últimas linhas”.
Um dos truques mais usados pela mídia no reinado de FHC foi o de prometer um futuro melhor sem base na realidade. O ilusionismo foi feito com base em “manchetes encomendadas”, “cifras enganosas” e “omissão escandalosa”. Na época, ele advertiu: “No jornalismo do reinado de FHC é bobagem confiar nos títulos e na abertura, ou primeiras linhas (lide) da matéria, que são sempre otimistas... Técnica de edição? Diariamente, os jornais estão cheios desses truques de esconder a verdade”. O alerta de Aloysio Biondi se encaixa perfeitamente na análise critica da reportagem dominical da Revista da Folha, uma peça descarada da campanha presidencial de outro tucano.