O jornalista Renato Rovai, editor da revista Fórum, é um ativo militante pela democratização dos meios de comunicação. Integrante do grupo executivo do Fórum de Mídia Livre, ele percorre o país estimulando a construção de veículos contra-hegemônicos e denunciando o papel nefasto da chamada “grande imprensa”. Autor do livro “Midiático poder: o caso Venezuela e a guerrilha informativa”, ele conhece este poder e suas vulnerabilidades. Rovai publicou no seu blog uma carinhosa resenha do livro A ditadura da mídia. Agradeço seus comentários e reproduzo-os:
“Seja duro e não ligue para a ternura”
O escritor português António Lobo Antunes esteve na última Feira Literária de Paraty e disse que quando recebe livros de amigos, treme. É sempre difícil avaliar o trabalho de alguém com quem se tem uma relação pessoal amistosa. Até porque ninguém publica algo que considera ruim. Sendo assim, espera elogios e louvores quando apresenta a obra à avaliação.
Altamiro Borges me enviou A Ditadura da Mídia (editado pela Anita Garibaldi na Coleção Vermelho) quando ainda o preparava. Seu email começava assim: “Estou concluindo um modesto livrete sobre A ditadura da mídia”. E finalizava: “envio para sua leitura (...), lembrando Che Guevara: seja duro e não ligue para a ternura”.
Em meio à correria, liguei para o Miro (assim o chamo) quando o prazo expirou. Desculpei-me por não poder colaborar. Recentemente recebi o livro pronto e mesmo sabendo da capacidade de Miro, tremi. Segui o conselho de António Lobo Antunes, abri o livro devagar, olhei o índice, folheei umas páginas e só depois engatei a leitura. E o fiz de uma vez só. Quase 70% enquanto voava de Brasília a São Paulo. E o resto no taxi de Congonhas à minha residência.
“O rinoceronte e o batalhão de marimbondos”
Desconheço no Brasil um trabalho com o fôlego de pesquisa deste A Ditadura da Mídia que organize de maneira tão sintética o problema da disputa midiática atual. Até por isso, disse ao Miro que acho o título da obra um tanto enganador.
Ele trata de uma batalha, de uma disputa, de uma luta entre aqueles que têm construído um novo patamar na democratização das comunicações e, ao mesmo tempo, denuncia as corporações midiáticas e suas mazelas. Ou seja, não fala de uma ditadura, mas de um conflito.
Até acho que é um conflito assimétrico. Algo como um exército tradicional e um bando meio desorganizado, mas ao mesmo tempo relativamente eficiente de guerrilheiros. Ou como prefiro, entre alguns rinocerontes e um batalhão de marimbondos.
No primeiro capítulo, “Poder mundial a serviço do capital e das guerras”, ele nos compila uma série de dados sobre a estrutura midiática global destacando alguns países como Estados Unidos, Itália e Espanha. Sem exagerar, diria que é um curso sobre a forma como atualmente funcionam e se organizam as corporações midiáticas.
Descobre-se, entre muitas outras importantes revelações, que no país de Carla Bruni os donos da mídia estão ligados à indústria bélica. E que “nos últimos três anos os jornais americanos perderam 42% do valor de mercado” e “menos de 20% dos estadunidenses acreditam no noticiário jornalístico — número que despencou 27% em cinco anos”. Curiosamente para confirmar o meu questionamento sobre o título da obra, o último parágrafo deste capítulo começa com o seguinte tópico frasal: “A ditadura da mídia como se vê não é inabalável.”
Os golpismos dos veículos midiáticos
“A mídia na Berlinda na América Latina Rebelde” e “A concentração sui generis e os donos da mídia no Brasil”, capítulos 2 e 3, fazem um balanço bastante interessante de como os grupos midiáticas tradicionais e decadentes contribuíram para a construção de ditaduras no continente e depois “se travestiram de democratas e passaram a pregar o receituário neoliberal”. Mas ao final deles, Miro também faz um balanço dos avanços obtidos. Diz, por exemplo, no segundo capítulo, que a eleição de “governantes progressistas (...) tem impulsionado a luta pela democratização da comunicação e o florescimento dos meios alternativos.” E apresenta o cenário atual nessa área em vários desses países vizinhos.
Além de artigos escritos pelo autor e publicados principalmente no site Vermelho, há ainda outros dois capítulos “De Getúlio a Lula, histórias da manipulação da imprensa” e “Outra mídia é urgente: as brechas da democratização”. O primeiro é um registro notável de casos vergonhosos de golpismos envolvendo veículos midiáticos brazucas. Se ainda fosse professor universitário, indicaria a leitura deste livro para os meus alunos, mas se fosse professor de história da imprensa ou algo semelhante, os “obrigaria” a lerem este capítulo. É excelente. As “peripécias” desses veículos nunca foram contadas, que me recorde, com tamanha independência.
A luta pela democratização da mídia
No último capítulo são abordadas questões que estarão em jogo e em debate na Conferência Nacional da Comunicação. É importante porque também é uma proposta a partir da visão do autor do que deveria ser priorizado pelo movimento social neste momento.
Fico feliz por poder dizer sem titubear que o livro do colunista da Fórum e meu amigo Miro é muito bom. Recomendo a leitura tanto para iniciados como para iniciantes no tema. E digo mais, é um livro que tem potencial para fazer história. Como outro livro lançado como “livrete” e que virou best-seller: O Brasil Privatizado.
Antes de lançá-lo, Aloysio Biondi me enviou os originais e falou algo parecido, “não é um livro, é um livreto”. São dois trabalho com estilos diferentes, mas toques semelhantes.
Além do que no momento atual é tão ou mais importante para a democracia brasileira discutir a democratização da mídia quanto naquele período foi debater e denunciar as privatizações.