Nesta sexta-feira, 7 de agosto, ocorrerá o lançamento dos livros “Comunicação pública no Brasil: uma exigência democrática” e “A ditadura da mídia”, ambos publicados pela Coleção Vermelho em parceria com a Editora Anita Garibaldi. Antes do coquetel, haverá o debate “Como enfrentar o PIG?”, com os jornalistas Paulo Henrique Amorim, do blog Conversa Afiada, e Laurindo Lalo Leal Filho, ouvidor da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), responsável pela produção da TV Brasil. Todos estão convidados para tomar um vinho e participar das atividades. O evento acontece na Rua Rego Freitas, 192, no centro da capital paulista (próximo ao Metrô República).
Na semana do lançamento, o jornalista Flávio Aguiar deu uma baita força ao publicar, na Carta Maior, a resenha do livro “A ditadura da mídia”. Um dos mais talentosos escritores brasileiros, ele já ganhou três vezes o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro. No sombrio período da ditadura, Flávio militou na imprensa alternativa, sendo editor de cultura do jornal Movimento, e foi professor de literatura brasileira na USP de 1973 a 2006. Atualmente, ele é correspondente internacional em Berlim, Alemanha, da Revista do Brasil e colaborador da Carta Maior, na qual já foi editor-chefe. Agradeço sua generosa resenha e reproduzo-a abaixo:
O fetichismo da midiocracia
Lançado alguns meses antes da I Conferência Nacional de Comunicação, o livro "A ditadura da mídia" (São Paulo, Editora Anita Garibaldi/Associação Vermelho, 2009) traz várias reflexões e propostas que vão desembocar na necessidade e na oportunidade daquele evento. Depois de fazer um levantamento histórico sobre a concentração da mídia voltada para os interesses e o mundo de valores das classes dominantes, e de seu poder de fogo na mão de poucas empresas e/ou oligarquias familiares (caso particular do Brasil), e de muitas de suas intervenções sempre desfavoráveis às causas populares, o autor, Altamiro Borges, apresenta e detalha uma lista de propostas a serem consideradas pela Conferência:
1) Fortalecer a radiodifusão pública;
2) Revisar os critérios das concessões;
3) Rever os critérios da publicidade oficial;
4) Estimular (ao invés de reprimir) a radiodifusão comunitária;
5) Investir na inclusão digital.
6) Definir um novo marco regulatório para as comunicações, coibindo a monopolização, a desnacionalização e fixando “políticas públicas que garantam o acesso da população aos avanços tecnológicos”.
O autor assinala que a última “iniciativa mais ousada neste campo [da radiodifusão pública] ocorreu no governo de Getúlio Vargas com a criação da Rádio Nacional, que teve expressiva audiência”. Sublinha também que a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), “que gerencia a TV Brasil, oito emissoras de rádio e uma agência noticiosa, sinalizou uma mudança de postura do governo [Lula]”. Saindo de sua timidez anterior em enfrentar a mídia oligárquica, depois do bombardeio que sofreu para impedir a reeleição do presidente em 2006, o governo estaria querendo se distanciar desses “aliados” de antanho que ficam permanentemente querendo fazer furos no casco do seu barco.
Mídia se disfarça como “transparente”
Um dos capítulos mais interessantes do livro é o IV, “De Getúlio a Lula, histórias da manipulação da imprensa”, em que se vê o poder da mídia oligárquica ir ampliando seu alcance e sua possibilidade de manipulação política através das novas tecnologias que vão surgindo, até o ápice da tentativa concertada em diferentes veículos de reverter a esperada reeleição do presidente em 2006, em manobra denunciada, como aponta o professor Venício A. de Lima no livro "A mídia nas eleições de 2006" (São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2007. Pág. 17), primeiro nesta Carta Maior, com as reportagens de Bia Barbosa, e na seqüência pelas matérias de Raimundo Pereira em Carta Capital.
No prefácio de "A ditadura da mídia" diz o professor Lima que “um dos principais obstáculos à democratização da mídia tem sido a dificuldade histórica que grande parte da população experimenta para compreender a mídia como um poder e a comunicação como um direito... O poder da grande mídia no mundo contemporâneo tem se caracterizado exatamente por ela estar de tal maneira imbricada no ambiente social que consegue ‘passar desapercebida’, naturalizada, como se não existisse”. Ou seja, a grande mídia se disfarça como “transparente”, seja no sentido de pretender reportar informações de modo “objetivo”, “neutro”, seja no sentido de pretender representar o “interesse público”.
O caráter camaleônico da informação
A esse caráter camaleônico eu acrescento outro, que é a contumaz incapacidade de se ver a informação como uma mercadoria produzida, capaz de agregar outras, através da publicidade, de induzir ao consumo de ainda outras, e de agregar serviços e/ou favores sob a forma de benesses do Estado para si mesma. O público em geral, e as esquerdas não se diferenciam nesse particular, pode chegar a ter uma percepção dos veículos da mídia – o jornal ou revista individualizado em papel, o aparato televisivo ou eletrônico (a aparelhagem de produção, transmissão e recepção), etc., como mercadorias, mas não a própria informação. É claro que é muito difícil, porque a informação não é um “objeto”, ela é antes um fluxo contido em pequenas partículas, sejam as letras ou formas da impressão, as palavras e cores digitalizadas da transmissão áudio-visual, etc. Mas sua produção, circulação e consumo prendem-se às regras de um mercado peculiar, mas ainda assim mercado, onde os produtores querem aparentar estar sempre a serviço dos interesses dos consumidores, e não dos próprios. Mais ou menos como na produção de carros, sabonetes ou chicletes.
Cria-se assim um fetichismo peculiar da mercadoria-informação, em que ela brilha como se tivesse vida própria, fosse um valor-em-si e não de troca, a tal ponto que a ausência do objeto-jornal, por exemplo, pode provocar uma crise de abstinência (seja o jornal prezado, detestado, desprezado ou tudo ao mesmo tempo) tão grave no leitor quanto a falta de uma droga para o nela viciado. A mercadoria-informação oculta assim a sua própria natureza de mercadoria, passando a idéia de que ela tem apenas um valor-de-uso, por ser uma “reprodução” fidedigna de uma “realidade”, mesmo quando esta é apenas a opinião de articulistas particulares, pois na grande mídia estes sempre se apresentam falando em nome de vetores semânticos (mais simplesmente sujeitos/objetos) abstratos, como “o eleitor”, “o consumidor”, “o leitor”, e cada vez mais raramente “o cidadão”, palavra que foi remetida para o fundo da gaveta.
Uma leitura interessante e interessada
O livro de Altamiro é de leitura interessante e obviamente interessada. Tenho apenas uma observação de natureza crítica (afinal, esta também é do ofício do resenhista): com freqüência ele se refere aos Estados Unidos como “o império do mal”. É claro que a expressão tem o sentido irônico de glosar a expressão “eixo do mal”, consagrada pelo governo Bush em relação à Coréia do Norte, Irã e Iraque. Mas sua reiterada repetição lhe dá foro de conceito, e assim deixa ambiguamente no ar a sugestão (certamente involuntária) de que possa haver um “império do bem”.
Por fim, ele também deixa no ar uma pergunta. A união estratégica de interesses da mídia oligárquica no Brasil, por sobre sua concorrência no dia a dia, é cada vez mais sólida, estreita e manifesta. Entretanto, apesar dos inúmeros fóruns, encontros, declarações, as esquerdas e suas mídias alternativas estão ainda longe – como sempre estiveram historicamente – de se articular em frentes comuns de atuação e sinergia. Este é uma outra questão que, mesmo não estando na pauta explícita da I Conferência, vai determinar seus resultados conforme nela se avançar ou estagnar.