Reproduzo artigo do professor Venício A. de Lima, publicado no Observatório da Imprensa:
Tenho recorrido com freqüência neste Observatório ao conceito grego de hybris (ou hubris) para me referir a uma constante do comportamento de jornalistas que revelam "confiança excessiva, orgulho exagerado, presunção, arrogância ou insolência".
Escrevi ainda em fevereiro de 2007 que "a imprensa (mídia) não gosta e, muitas vezes, não admite, ser criticada. Embora a crítica seja a sua tarefa preferida, ela não suporta delegar ou reconhecer que outros possam ter o mesmo direito, sobretudo se a crítica se refere à sua própria atuação. Em geral, a imprensa e os jornalistas padecem do mal que os gregos clássicos consideravam o mal maior, a hybris, isto é, a soberba, a arrogância. Não reconhecem suas limitações e se colocam acima do bem e do mal".
Constato tardiamente que ao lado da hybris – ou seria apenas um de seus componentes? – jornalistas famosos, em situações nas quais são chamados a prestar depoimentos sobre sua experiência profissional, recorrem à falsa modéstia que logo revela sua verdadeira natureza, bastando para isso que alguém questione mitos nos quais sua postura se apóia.
O momento de intensas mudanças pelo qual passam a mídia e a prática profissional do jornalismo é extremamente propício a esse tipo de comportamento.
Jornalismo online vs. jornalismo impresso
A crise universal da mídia impressa nos autorizaria a afirmar que ela já acabou, é coisa do passado? A expansão avassaladora da internet significa que não se deve mais dar importância ao que a mídia impressa publica? O número de acessos individuais a sites e/ou blogs é comparável, sem mais, à tiragem e à circulação de jornais? A mídia tradicional – jornais, revistas, rádio e televisão – "não faz a cabeça de ninguém" e hoje o que de fato interessa são os jornais eletrônicos, blogs, sites de notícia, sites de relacionamento e as redes sociais?
As assessorias de comunicação social devem canalizar todos os seus recursos orçamentários para as "novas mídias" (incluindo a criação de redes de relacionamento), ignorar a velha mídia e se escorar exclusivamente na chamada "mídia espontânea"?
Jornalistas que, por uma razão ou outra, migraram precocemente para os blogs – temáticos e/ou genéricos – e optaram por abandonar a mídia tradicional, logo se surpreenderam com o elevado número de acessos individuais a seus blogs e à oportunidade que a interatividade da internet permite de correção ou acréscimo de informações depois que a notícia já está "no ar". Logo concluíram, sem mais, que a sobrevivência da mídia tradicional é apenas uma questão de tempo: ela já acabou e ainda não se deu conta disso.
"Pioneiros" da blogosfera afirmam que fizeram a mudança por intuir que o jornalismo tradicional havia chegado ao fim. Apesar de não serem acadêmicos e de serem apenas e tão somente intuitivos – desconhecedores, inclusive, de muitos dos recursos que a tecnologia lhes oferece – se aperceberam da nova realidade, faz tempo. Segundo eles, não partilhar essa visão revelaria a incapacidade de enxergar o que de fato está acontecendo diante de seus olhos.
Recurso à "ciência"
Se perguntados, todavia, sobre o papel dessa mídia tradicional, por exemplo, em relação ao assassinato de reputações – pessoais e/ou institucionais; à formação da opinião pública – por omissão ou manipulação –; à construção da agenda pública de debates e ao processo eleitoral, a coisa muda de figura. A falsa modéstia da intuição desinformada cede lugar a uma enxurrada de números e percentagens "científicos", oriundos de pesquisas sempre realizadas por instituições credenciadas em outros países, os Estados Unidos, de preferência.
Os até então intuitivos não acadêmicos recorrem a referências "científicas" que atestariam, há mais de 70 anos, o fato de a mídia tradicional "nunca ter feito a cabeça de ninguém". Ao contrário, ela apenas reforça as opiniões e os comportamentos preexistentes. Vale dizer, a mídia tradicional nunca teve a importância que se atribui a ela, especialmente, aqueles – os acadêmicos desinformados – que estão distantes da prática profissional.
O novo e o velho
Além de revelador de uma falsa modéstia oportunista, o comportamento descrito acima faz evocar o que também já tive a oportunidade de afirmar por diversas vezes neste OI. Embora, por óbvio, as circunstâncias fossem outras e seja necessária uma pequena adaptação no texto, penso que se aplica ao momento de transição que a mídia vive no Brasil a idéia gramsciana de que "o velho está morrendo e o novo apenas acaba de nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparece".
(A frase original correta é: "A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparece").
Um dos riscos que se corre, enquanto não se completam as intensas mudanças pelas quais passa a prática profissional do jornalismo, é esquecer que o velho resiste e sobrevive e está mais ativo do que nunca em defesa de seus antigos privilégios.
Não reconhecer essa realidade pode fazer bem ao ego insaciável de uns poucos blogueiros pioneiros, mas está longe de contemplar a verdade do que ainda ocorre no Brasil de nossos dias. A mídia tradicional continua exercendo um poder importante demais para ser simplesmente ignorado.
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sexta-feira, 2 de abril de 2010
Um novo modelo para as comunicações
Reproduzo mais um artigo do amigo Marcos Dantas, professor de comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro:
O projeto governamental para universalizar a banda larga (PNBL) parece que pretente definir um novo modelo de atuação do estado regulador, diferente e possivelmente mais eficaz que o experimentado até agora. Pelo que se sabe, vazado no Twitter ou não, o possível renascimento da Telebrás, à qual seriam adjudicados os troncos de fibras da Eletrobrás e suas subsidiárias antes operados pela falida Eletronet, tem por objetivo dar ao Estado um instrumento de regulação do mercado, não de sua substituição ou supressão.
A Telebrás a ser ressuscitada viria a atuar complementarmente às empresas privadas já detentoras de concessões ou autorizações para prestar diferentes serviços regulamentados, em regime público ou privado: STFC, SMP, SCM, etc. Incorporando os troncos hoje ociosos da Eletronet (o que não se confunde com recuperar a Eletronet, beneficiando este ou aquele, conforme certa imprensa udenista quer fazer crer), poderia levar a infraestrutura de redes de alta velocidade a cerca de 4.200 municípios brasileiros, muito acima dos poucos mais de 400 hoje servidos, de fato, pelas redes das concessionárias ou autorizatárias.
O papel da Telebrás
O governo acredita que a Telebrás seria capaz de prestar o serviço básico de infraestrutura a um custo que permitiria, aos demais agentes privados ou públicos, dela alugar capacidade de rede para revenda a outros usuários, intermediários ou finais, a preços que seriam ainda competitivos ou módicos. Por exemplo, conforme uma ideia apresentada a interlocutores, esses locatários poderiam ser micros, pequenas ou médias empresas (provedores, lan houses, outros empreendedores) situadas em municípios mais distantes dos centros de riqueza, detentores de autorizações de SCM, ou mesmo suas autoridades municipais, cabendo àquelas ou estas investir na capilarização final da rede, usando , inclusive, tecnologias mais baratas sem-fio, como o WiFi, e recursos oriundos do Fust.
A Telebrás, assim, acabaria vindo a ser um instrumento de fomento da concorrência e da multiplicação de agentes privados no mercado, não de estatização, como costuma a ser percebida ou entendida. Diante dessa possível pressão, as grandes operadoras (concessionárias ou autorizatárias) talvez viessem também a se mover para capturar esse mercado a ser criado ou expandido.
Ao mesmo tempo em que pensa em reintroduzir, nas comunicações, um braço operador do Estado, sabe-se que o governo também discute a possibilidade de vir a elaborar e implementar esta política por meio de alguma “mesa de negociação” na qual reuniria os principais atores interessados. As decisões não seriam mais exclusivas de um organismo tecnocrático, pretensamente, mas só pretensamente, protegido das pressões e contra-pressões sociais, como o são a Anatel e demais agências criadas por FHC, mas emanariam de um conselho explicitamente político e aberto.
A sociedade, nela incluída, obviamente, as representações das grandes empresas, seria chamada a participar na formulação política e na busca de solução para os problemas, ao estilo, talvez, de órgãos como o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI-Br) ou a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CNT-Bio). A universalização da banda-larga, no Brasil, resultaria assim de decisões tomadas com base na construção de consensos entre os diversos e, não raro, conflitantes interesses econômicos e sociais.
O novo estágio da banda larga
Não podemos ignorar que, nos próximos 10 anos a 20 anos, banda larga, com ou sem fio, será quase sinônimo de telecomunicações, assim como o foi, por mais de meio século, a hoje em dia elementar e decadente telefonia fixa cabeada. Significa dizer que, se o projeto do governo avançar e se consolidar, estaremos assistindo à construção de um novo modelo político-institucional, nas telecomunicações, distinto, em aspectos decisivos, daquele herdado do governo FHC.
O monopólio estatal deu lugar a monopólios privados, exceto onde se concentram as cidades ou regiões sócio-econômicas mais ricas e dinâmicas. A propalada universalização da mera telefonia fixa ainda não atingiu, nem parece prestes a atingir, cerca de 40% dos lares brasileiros e pequenos negócios adjacentes. Na telefonia celular, além de inexistir em quase mil municípios, propagou-se o sistema “pré-pago” que, como todos sabemos, somente é usado pela metade (“só recebe”). Tudo isso era previsível ainda quando se aprovou a atual LGT e se optou pela privatização fatiada da Telebrás (e o autor dessas linhas está a cavaleiro para sustentar o que afirma).
A refusão Oi-BrT, a tramitação da PL-29 (de cujo processo, o governo também mantém-se, ao menos formalmente, à margem), a introdução da TV digital, as novas regras para a licitação do 3G impondo à s autorizatárias compromissos que seriam mais próprios ao regime público (ponto para a Anatel!), o permanente impasse do FUST, o enorme déficit da balança comercial eletroeletrônica, são alguns dos macros problemas vivenciados nos últimos oito anos que, nos casos efetivamente enfrentados, a exemplo da Oi-BrT, impuseram soluções práticas que, sem sofismas, estavam redefinindo o modelo.
A convergência dos meios
Tudo isso que vivenciamos e discutimos reduz-se a duas palavras: convergência dos meios. O Brasil precisa adotar um modelo político-institucional para desenvolver as suas comunicações que se apoie na realidade político-econômica da convergência dos negócios mediáticos com base nas novas tecnologias digitais de informação e comunicação (NTICs).
A banda larga não será apenas um setor a mais e distinto das telecomunicações. Será as telecomunicações. Sobre ela se apoiarão, cada vez mais nas próximas décadas, todos os serviços, de telefonia de voz à internet ou televisão digital interativa. Será a infraestrutura necessária ao tráfego dos conteúdos sociais ou econômicos que agenciarão os comportamentos cotidianos ou movimentarão os lucros na sociedade e na economia do século XXI.
Aliás, também aqui, o governo demonstra estar consciente das dimensões do problema que decidiu encarar, pois sua política, conforme já antecipado a diversos interlocutores, também deverá contemplar incentivo e fomento à produção de conteúdos nacionais, bem como desenvolvimento industrial-tecnológico.
Será uma política abrangente, estratégica. No entanto, até por isto mesmo, o presidente Lula deverá estar alertado de que, no máximo, poderá tomar um conjunto de decisões políticas a serem implementadas pelo seu sucessor ou sucessora.
Hoje, o governo está amarrado por um cenário sócio-econômico, legal e empresarial que pode pôr a perder todas as suas boas intenções. Além dos interesses mesquinhos de sempre que já se manifestaram ao inventar esse “affair” Dirceu-Eletronet assim tentando desviar o foco do debate, há um amplo conjunto de questões reais, de natureza jurídica ou econômica, que não podem ser ignoradas.
A disputa sobre a universalização
Chega a ser curioso perceber como o governo – este governo –, ou parte dele, parece ter aderido ao discurso neoliberal que vê a concorrência como solução para universalização. O problema da universalização está relacionado à renda da população, não à ausência de empresas competidoras no mercado. Onde o monopólio sobrevive (e sobrevive na maior parte do país), tal se deve à ausência de mercado real, isto é, ao baixo poder aquisitivo da população, não gerando demanda quantitativa e qualitativa por serviços capazes de atrair os investidores competitivos.
Os monopólios não são responsáveis por nossa tão desigual distribuição da renda, mesmo que disso tirem algum proveito. Para enfrentar essa realidade, a Telebrás teria que lograr, nas periferias urbanas e nas grandes regiões pobres do país, operar a custos baixíssimos e, não raro, oferecer serviços quase de graça. Há lan houses por aí que cobram exatamente 1 real por 30 minutos de conexão a passo de cágado. Ora, a Telebrás não vai escapar de arcar com custos similares aos das operadoras privadas, mesmo que venha a operar uma infraestrutura já quase amortizada que, no entanto, terá de estar sempre sendo mantida, atualizada, renovada e expandida.
Além do mais, ao contrário das operadoras privadas que podem auferir altas receitas nos mercados capitalizados, assim praticando subsídios cruzados explícitos ou implícitos, a Telebrás dificilmente entrará nesses mercados, talvez seja mesmo impedida de fazê-lo por normas legais que venham a ser criadas por pressão de agentes interessados, ou, ao contrário, se desimpedida, neles se apresentará como mais um agressivo competidor, assim como a Petrobras na distribuição de gasolina, ou o Banco do Brasil no crédito.
É fácil imaginar a poderosa oposição política, inclusive na imprensa (já iniciada, aliás), que essa possibilidade despertará. Com o tempo, a oposição poderá, quem sabe, ser superada, mas, em ano eleitoral, o tempo urge... E o preço é alto. Portanto, como não existe almoço grátis, com certeza uma pergunta não pode deixar de estar sendo colocada nas mesas de reuniões do governo: quem paga a conta? Aliás, de quanto é essa conta? Quando se ouve, de vozes oficiais, valores que variam entre 3 milhões de reais a 15 milhões de reais por ano, só se pode concluir que, até agora, ninguém fez, para valer, esse cálculo.
O marco legal
Para dificultar ou retardar ainda mais as decisões, o governo não poderá deixar de obedecer ao atual marco legal – ou se dispor abertamente a reformá-lo. Num caso ou noutro, haverá que se conformar aos tempos exigidos pelos rituais democráticos. Apesar de a Constituição permitir a operação direta de telecomunicações pelo Estado, a LGT foi genialmente, reconheça-se, elaborada para vedar essa hipótese.
A Telebrás ressuscitada terá que se enquadrar em algum dos serviços regulamentados pela Anatel, mais provavelmente como autorizatária de SCM. Será uma ironia, a “tele” estatal operar em regime privado – e não podendo, sob o argumento de ser controlada pelo Estado, deixar de atuar como qualquer outra operadora em regime privado, sob pena de fazer a alegria dos escritórios de advocacia.
Um programa estratégico, de amplo alcance econômico e cultural, que deve envolver até políticas de conteúdo e industrial-tecnológicas, precisará ser implementado em regime público. De fato, estranha-se que um governo dito de esquerda, ou setores dele, continuem ignorando a crucial diferença entre o regime público e o privado, mantido na própria LGT. Na lei, é verdade, teve-se que admitir o regime público apenas para permitir a necessária sobrevivência, ainda por algum tempo, do STFC.
Todos os demais serviços existentes ou por existir, inclusive o hoje essencial “celular”, seriam oferecidos, nos termos da LGT, em regime privado. Seria de se esperar que esta lógica viesse a ser modificada, e novos serviços em regime público fossem instituídos, durante o governo Lula. A lei, tal como está, embora podendo e devendo ser aperfeiçoada, não nega esse poder ao Executivo. A política de universalização da banda larga será a sua maior oportunidade para expandir estruturalmente os serviços prestados em regime público.
A operadora em regime público, mesmo se empresa privada, presta um serviço por delegação do Estado, na condição de concessionária. Está submetida a metas contratuais de universalização, qualidade, controle tarifário, ainda outras de interesse da sociedade e da Nação (política industrial, por exemplo).
Os desafios do atual governo
No caso das telecomunicações, seus bens são reversíveis à União, ao fim do contrato. Sob o marco legal atual, seria possível, mas polêmico, ampliar os contratos das três concessionárias para universalizar a banda larga: bastaria redefinir-se o STFC com uma simples mudança no seu regulamento. Seria possível, também, estatuir, por decreto, um novo serviço específico para a banda larga, estabelecendo-se novo plano de outorgas, de universalização etc., seguido por licitação para contratar nova ou novas concessionárias.
Nada impede, também, que o marco legal seja modificado, por emenda à LGT ou por nova lei, definindo-se explicitamente a empresa Telebrás, sob controle da União, como operadora nacional da infraestrutura pública de banda larga, oferecendo no atacado serviços de rede, neutros em relação à concorrência, para o varejo dos fornecedores finais a empresas e famílias. Seria um caminho para, na expansão nacional da banda larga, o governo introduzir o princípio da separação estrutural de redes e serviços, adotado em alguns outros países, a exemplo do Reino Unido.
Em qualquer situação, o governo está, diga-o ou não, redesenhando o modelo, convencido que estamos todos, de que o mercado não resolverá o problema social da universalização das comunicações digitais, no Brasil. Mas não adianta ter pressa. Quaisquer que sejam as soluções, terão que ser muito bem estudadas e melhor discutidas com os muitos interesses estabelecidos. O governo já terá feito muito se, pelo menos, deixar politicamente fechados os acordos financeiros e normativos para... 2011.
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O projeto governamental para universalizar a banda larga (PNBL) parece que pretente definir um novo modelo de atuação do estado regulador, diferente e possivelmente mais eficaz que o experimentado até agora. Pelo que se sabe, vazado no Twitter ou não, o possível renascimento da Telebrás, à qual seriam adjudicados os troncos de fibras da Eletrobrás e suas subsidiárias antes operados pela falida Eletronet, tem por objetivo dar ao Estado um instrumento de regulação do mercado, não de sua substituição ou supressão.
A Telebrás a ser ressuscitada viria a atuar complementarmente às empresas privadas já detentoras de concessões ou autorizações para prestar diferentes serviços regulamentados, em regime público ou privado: STFC, SMP, SCM, etc. Incorporando os troncos hoje ociosos da Eletronet (o que não se confunde com recuperar a Eletronet, beneficiando este ou aquele, conforme certa imprensa udenista quer fazer crer), poderia levar a infraestrutura de redes de alta velocidade a cerca de 4.200 municípios brasileiros, muito acima dos poucos mais de 400 hoje servidos, de fato, pelas redes das concessionárias ou autorizatárias.
O papel da Telebrás
O governo acredita que a Telebrás seria capaz de prestar o serviço básico de infraestrutura a um custo que permitiria, aos demais agentes privados ou públicos, dela alugar capacidade de rede para revenda a outros usuários, intermediários ou finais, a preços que seriam ainda competitivos ou módicos. Por exemplo, conforme uma ideia apresentada a interlocutores, esses locatários poderiam ser micros, pequenas ou médias empresas (provedores, lan houses, outros empreendedores) situadas em municípios mais distantes dos centros de riqueza, detentores de autorizações de SCM, ou mesmo suas autoridades municipais, cabendo àquelas ou estas investir na capilarização final da rede, usando , inclusive, tecnologias mais baratas sem-fio, como o WiFi, e recursos oriundos do Fust.
A Telebrás, assim, acabaria vindo a ser um instrumento de fomento da concorrência e da multiplicação de agentes privados no mercado, não de estatização, como costuma a ser percebida ou entendida. Diante dessa possível pressão, as grandes operadoras (concessionárias ou autorizatárias) talvez viessem também a se mover para capturar esse mercado a ser criado ou expandido.
Ao mesmo tempo em que pensa em reintroduzir, nas comunicações, um braço operador do Estado, sabe-se que o governo também discute a possibilidade de vir a elaborar e implementar esta política por meio de alguma “mesa de negociação” na qual reuniria os principais atores interessados. As decisões não seriam mais exclusivas de um organismo tecnocrático, pretensamente, mas só pretensamente, protegido das pressões e contra-pressões sociais, como o são a Anatel e demais agências criadas por FHC, mas emanariam de um conselho explicitamente político e aberto.
A sociedade, nela incluída, obviamente, as representações das grandes empresas, seria chamada a participar na formulação política e na busca de solução para os problemas, ao estilo, talvez, de órgãos como o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI-Br) ou a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CNT-Bio). A universalização da banda-larga, no Brasil, resultaria assim de decisões tomadas com base na construção de consensos entre os diversos e, não raro, conflitantes interesses econômicos e sociais.
O novo estágio da banda larga
Não podemos ignorar que, nos próximos 10 anos a 20 anos, banda larga, com ou sem fio, será quase sinônimo de telecomunicações, assim como o foi, por mais de meio século, a hoje em dia elementar e decadente telefonia fixa cabeada. Significa dizer que, se o projeto do governo avançar e se consolidar, estaremos assistindo à construção de um novo modelo político-institucional, nas telecomunicações, distinto, em aspectos decisivos, daquele herdado do governo FHC.
O monopólio estatal deu lugar a monopólios privados, exceto onde se concentram as cidades ou regiões sócio-econômicas mais ricas e dinâmicas. A propalada universalização da mera telefonia fixa ainda não atingiu, nem parece prestes a atingir, cerca de 40% dos lares brasileiros e pequenos negócios adjacentes. Na telefonia celular, além de inexistir em quase mil municípios, propagou-se o sistema “pré-pago” que, como todos sabemos, somente é usado pela metade (“só recebe”). Tudo isso era previsível ainda quando se aprovou a atual LGT e se optou pela privatização fatiada da Telebrás (e o autor dessas linhas está a cavaleiro para sustentar o que afirma).
A refusão Oi-BrT, a tramitação da PL-29 (de cujo processo, o governo também mantém-se, ao menos formalmente, à margem), a introdução da TV digital, as novas regras para a licitação do 3G impondo à s autorizatárias compromissos que seriam mais próprios ao regime público (ponto para a Anatel!), o permanente impasse do FUST, o enorme déficit da balança comercial eletroeletrônica, são alguns dos macros problemas vivenciados nos últimos oito anos que, nos casos efetivamente enfrentados, a exemplo da Oi-BrT, impuseram soluções práticas que, sem sofismas, estavam redefinindo o modelo.
A convergência dos meios
Tudo isso que vivenciamos e discutimos reduz-se a duas palavras: convergência dos meios. O Brasil precisa adotar um modelo político-institucional para desenvolver as suas comunicações que se apoie na realidade político-econômica da convergência dos negócios mediáticos com base nas novas tecnologias digitais de informação e comunicação (NTICs).
A banda larga não será apenas um setor a mais e distinto das telecomunicações. Será as telecomunicações. Sobre ela se apoiarão, cada vez mais nas próximas décadas, todos os serviços, de telefonia de voz à internet ou televisão digital interativa. Será a infraestrutura necessária ao tráfego dos conteúdos sociais ou econômicos que agenciarão os comportamentos cotidianos ou movimentarão os lucros na sociedade e na economia do século XXI.
Aliás, também aqui, o governo demonstra estar consciente das dimensões do problema que decidiu encarar, pois sua política, conforme já antecipado a diversos interlocutores, também deverá contemplar incentivo e fomento à produção de conteúdos nacionais, bem como desenvolvimento industrial-tecnológico.
Será uma política abrangente, estratégica. No entanto, até por isto mesmo, o presidente Lula deverá estar alertado de que, no máximo, poderá tomar um conjunto de decisões políticas a serem implementadas pelo seu sucessor ou sucessora.
Hoje, o governo está amarrado por um cenário sócio-econômico, legal e empresarial que pode pôr a perder todas as suas boas intenções. Além dos interesses mesquinhos de sempre que já se manifestaram ao inventar esse “affair” Dirceu-Eletronet assim tentando desviar o foco do debate, há um amplo conjunto de questões reais, de natureza jurídica ou econômica, que não podem ser ignoradas.
A disputa sobre a universalização
Chega a ser curioso perceber como o governo – este governo –, ou parte dele, parece ter aderido ao discurso neoliberal que vê a concorrência como solução para universalização. O problema da universalização está relacionado à renda da população, não à ausência de empresas competidoras no mercado. Onde o monopólio sobrevive (e sobrevive na maior parte do país), tal se deve à ausência de mercado real, isto é, ao baixo poder aquisitivo da população, não gerando demanda quantitativa e qualitativa por serviços capazes de atrair os investidores competitivos.
Os monopólios não são responsáveis por nossa tão desigual distribuição da renda, mesmo que disso tirem algum proveito. Para enfrentar essa realidade, a Telebrás teria que lograr, nas periferias urbanas e nas grandes regiões pobres do país, operar a custos baixíssimos e, não raro, oferecer serviços quase de graça. Há lan houses por aí que cobram exatamente 1 real por 30 minutos de conexão a passo de cágado. Ora, a Telebrás não vai escapar de arcar com custos similares aos das operadoras privadas, mesmo que venha a operar uma infraestrutura já quase amortizada que, no entanto, terá de estar sempre sendo mantida, atualizada, renovada e expandida.
Além do mais, ao contrário das operadoras privadas que podem auferir altas receitas nos mercados capitalizados, assim praticando subsídios cruzados explícitos ou implícitos, a Telebrás dificilmente entrará nesses mercados, talvez seja mesmo impedida de fazê-lo por normas legais que venham a ser criadas por pressão de agentes interessados, ou, ao contrário, se desimpedida, neles se apresentará como mais um agressivo competidor, assim como a Petrobras na distribuição de gasolina, ou o Banco do Brasil no crédito.
É fácil imaginar a poderosa oposição política, inclusive na imprensa (já iniciada, aliás), que essa possibilidade despertará. Com o tempo, a oposição poderá, quem sabe, ser superada, mas, em ano eleitoral, o tempo urge... E o preço é alto. Portanto, como não existe almoço grátis, com certeza uma pergunta não pode deixar de estar sendo colocada nas mesas de reuniões do governo: quem paga a conta? Aliás, de quanto é essa conta? Quando se ouve, de vozes oficiais, valores que variam entre 3 milhões de reais a 15 milhões de reais por ano, só se pode concluir que, até agora, ninguém fez, para valer, esse cálculo.
O marco legal
Para dificultar ou retardar ainda mais as decisões, o governo não poderá deixar de obedecer ao atual marco legal – ou se dispor abertamente a reformá-lo. Num caso ou noutro, haverá que se conformar aos tempos exigidos pelos rituais democráticos. Apesar de a Constituição permitir a operação direta de telecomunicações pelo Estado, a LGT foi genialmente, reconheça-se, elaborada para vedar essa hipótese.
A Telebrás ressuscitada terá que se enquadrar em algum dos serviços regulamentados pela Anatel, mais provavelmente como autorizatária de SCM. Será uma ironia, a “tele” estatal operar em regime privado – e não podendo, sob o argumento de ser controlada pelo Estado, deixar de atuar como qualquer outra operadora em regime privado, sob pena de fazer a alegria dos escritórios de advocacia.
Um programa estratégico, de amplo alcance econômico e cultural, que deve envolver até políticas de conteúdo e industrial-tecnológicas, precisará ser implementado em regime público. De fato, estranha-se que um governo dito de esquerda, ou setores dele, continuem ignorando a crucial diferença entre o regime público e o privado, mantido na própria LGT. Na lei, é verdade, teve-se que admitir o regime público apenas para permitir a necessária sobrevivência, ainda por algum tempo, do STFC.
Todos os demais serviços existentes ou por existir, inclusive o hoje essencial “celular”, seriam oferecidos, nos termos da LGT, em regime privado. Seria de se esperar que esta lógica viesse a ser modificada, e novos serviços em regime público fossem instituídos, durante o governo Lula. A lei, tal como está, embora podendo e devendo ser aperfeiçoada, não nega esse poder ao Executivo. A política de universalização da banda larga será a sua maior oportunidade para expandir estruturalmente os serviços prestados em regime público.
A operadora em regime público, mesmo se empresa privada, presta um serviço por delegação do Estado, na condição de concessionária. Está submetida a metas contratuais de universalização, qualidade, controle tarifário, ainda outras de interesse da sociedade e da Nação (política industrial, por exemplo).
Os desafios do atual governo
No caso das telecomunicações, seus bens são reversíveis à União, ao fim do contrato. Sob o marco legal atual, seria possível, mas polêmico, ampliar os contratos das três concessionárias para universalizar a banda larga: bastaria redefinir-se o STFC com uma simples mudança no seu regulamento. Seria possível, também, estatuir, por decreto, um novo serviço específico para a banda larga, estabelecendo-se novo plano de outorgas, de universalização etc., seguido por licitação para contratar nova ou novas concessionárias.
Nada impede, também, que o marco legal seja modificado, por emenda à LGT ou por nova lei, definindo-se explicitamente a empresa Telebrás, sob controle da União, como operadora nacional da infraestrutura pública de banda larga, oferecendo no atacado serviços de rede, neutros em relação à concorrência, para o varejo dos fornecedores finais a empresas e famílias. Seria um caminho para, na expansão nacional da banda larga, o governo introduzir o princípio da separação estrutural de redes e serviços, adotado em alguns outros países, a exemplo do Reino Unido.
Em qualquer situação, o governo está, diga-o ou não, redesenhando o modelo, convencido que estamos todos, de que o mercado não resolverá o problema social da universalização das comunicações digitais, no Brasil. Mas não adianta ter pressa. Quaisquer que sejam as soluções, terão que ser muito bem estudadas e melhor discutidas com os muitos interesses estabelecidos. O governo já terá feito muito se, pelo menos, deixar politicamente fechados os acordos financeiros e normativos para... 2011.
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Armando Nogueira, sedutor irresistível
Reproduzo o impressionante artigo-depoimento de Eliakin Araújo, publicado no sítio Viomundo:
Como jornalista, Armando Nogueira foi um excelente poeta e um prosista de texto refinado. Entrou no jornalismo da TV Globo em 1966, quando o golpe militar estava ainda fresquinho, e lá ficou até 1990, quando o novo presidente, Fernando Collor, convenceu Roberto Marinho a promover Alberico Souza Cruz ao posto máximo do jornalismo global, não que tivesse qualquer objeção a Armando, simplesmente porque precisava premiar o amigo Alberico que teve participação decisiva na edição do debate presidencial e ainda palpitou nos programas especiais que transformaram Collor no indômito “caçador de marajás”.
Armando não foi demitido, pior que isso, sofreu uma “capitis diminutio”. Foi “promovido” a assessor especial da presidência, o que a plebe chama carinhosamente de “aspone”. Dedicou-se então ao jornalismo esportivo, onde, aí sim, foi um verdadeiro mestre da palavra escrita e falada. Fui revê-lo anos mais tarde apresentando um programa de esportes num dos inúmeros canais a cabo da Globo.
De Armando, pessoalmente, guardo duas passagens. Eu estava há menos de um ano à frente do Jornal da Globo quando cruzamos no corredor onde ficava a redação do Globo Repórter. Ele me parou e disse: “olha, eu quero te cumprimentar porque desde Heron Domingues não aparecia aqui um apresentador como a mesma naturalidade dele”. Heron era o ícone de toda uma geração de telejornalistas e ser comparado a ele era um elogio e tanto que elevou meu ego às alturas. Hoje, honestamente, não sei se foi sincero ou apenas uma frase de efeito com a qual seduzia todos que estavam entrando no império global.
Doutra feita, estava eu no Eng, a sala da técnica que comanda a transmissão dos telejornais, quando alguém me chamou ao telefone. Era o Armando: “Tenho uma boa notícia para lhe dar, a partir de agora você vai passar a ganhar cinco mil cruzeiros por mês”. Entre surpreso e curioso, rebati de primeira: “e o que é que vocês vão querer em troca?” Armando ficou visivelmente decepcionado com minha reação, esperava talvez um emocionado agradecimento de quem ganhava dois mil cruzeiros. Ora, pensei naquele momento, onde já se viu um patrão mais que dobrar o salário do empregado sem um motivo especial? Depois se esclareceu que eu, e todos os demais apresentadores, perdiam ali o status de funcionários da Globo e passavam a Pessoa Jurídica com contrato de firma. Na época uma novidade, hoje uma prática comum no mercado televisivo.
Mas apesar de todas as virtudes de Armando, cantadas em prosa e verso nos depoimentos de personalidades das artes, da política e do jornalismo, não dá pra esquecer que ele esteve à frente do jornalismo mais comprometido do Brasil: o que foi praticado pela Globo durante os anos da ditadura militar. O JN era conhecido como “o porta-voz do regime”. As ordens que emanavam dos governos militares eram obedecidas sem questionamento. Não me lembro, sinceramente, de ter visto por parte dos profissionais da Globo alguma tentativa de desobediência ou de driblar a censura, como fez por exemplo o Jornal do Brasil, que saiu com aquela capa histórica no dia seguinte à decretação do AI-5, 13 de dezembro de 68, iludindo os militares fardados que ocuparam as redações assim que terminou a leitura do ato discricionário.
Eu estava na TV Globo durante o primeiro mandato de Leonel Brizola à frente do governo do Estado do Rio. Entrei em maio de 83, pouco depois da posse do novo governo, e o jornalismo da Globo passava por uma grave crise de credibilidade, com seus repórteres e carros ameaçados nas ruas pela população. Pesava sobre a emissora a acusação de, junto com a Proconsult, empresa contratada pelo TRE para apurar os votos da eleição direta para governador do Estado, em 1982, tentar fraudar o resultado para dar a vitória a Moreira Franco, o candidato do regime militar, apoiado pela família Marinho. Por engano ou má-fé, a emissora divulgava números que não refletiam a verdade da apuração.
Em 1984, no episódio das Diretas Já, onde atuei como narrador em off no comício da Candelária, no Rio, a postura da Globo foi a de ignorar por completo os movimentos populares que cresciam em todo país. Mas não bastava ignorar, era proibido usar a palavra “diretas” em qualquer situação, mesmo como notícia, contra ou a favor. Até que a pressão popular tornou-se irresístivel e a emissora foi obrigada a render-se ao apelo da população brasileira.
Em 1989, no segundo e último debate entre Collor e Lula nos estúdios da TV Bandeirantes, no Morumbi, quando eu tinha acabado de deixar a Globo e estava lá representando a Manchete, observei que Lula estava visivelmente cansado e abatido. Além do esforço da reta final da campanha, ele tinha sido acusado no programa de Collor por uma ex-namorada, Mirian, de tentar convencê-la a abortar uma criança (a filha dele, Lurian). Depois se soube que a estratégia (financeira) de colocar a enfermeira Mirian no foco da mídia a três dias da votação partiu de Leopoldo, o irmão de Collor e muito amigo dos Marinho. A família Collor é dona da emissora que retransmite a programação da Globo em Alagoas. Toda essa lembrança histórica é para dizer que Lula foi mal naquele segundo debate, mesmo assim a Globo, na edição da matéria, destacou os melhores momentos de Collor e os piores de Lula.
Os que têm boa memória hão de se lembrar da severa campanha do Jornal Nacional contra o então ministro da Justiça do governo Figueiredo, Ibrahim Abi-Ackel, que ousou impedir a liberação de uma carga de equipamentos supostamente contrabandeados destinados à TV Globo. Durante várias edições, o JN acusou o ministro de envolvimento no contrabando de pedras preciosas, no qual Abi-Ackel não teve, comprovou-se depois, nenhuma participação. Mas pouca gente lembra disso. É provável até que os jovens executivos da Globo “desconheçam” o fato ou, se souberem, contem uma história diferente.
Armando Nogueira estava à frente do jornalismo em todos esses episódios nebulosos que narrei com absoluta fidelidade. De uma maneira ou de outra compactuou com esse tipo de jornalismo corporativo e subserviente.
Talvez tenha faltado em Armando a coragem de assumir sua responsabilidade como diretor de jornalismo da Globo que notoriamente era o braço da ditadura militar na mídia. Sua memória estaria resgatada para sempre se um dia ele tivesse contado toda a verdade, que apenas cumpria ordens que vinham do oitavo andar, mais precisamente da sala do Doutor Roberto. Armando, como eu e todos os que trabalharam na emissora nos anos de chumbo, fomos cúmplices do regime. Uns por total desinteresse político, outros por opção ideológica, outros ainda por necessidade profissional.
Deixo aqui minha homenagem ao Armando Nogueira, poeta, cronista e escritor de texto sensível. E um adjetivo que ainda não ouvi nos inúmeros depoimentos sobre ele: um sedutor irresistível.
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Como jornalista, Armando Nogueira foi um excelente poeta e um prosista de texto refinado. Entrou no jornalismo da TV Globo em 1966, quando o golpe militar estava ainda fresquinho, e lá ficou até 1990, quando o novo presidente, Fernando Collor, convenceu Roberto Marinho a promover Alberico Souza Cruz ao posto máximo do jornalismo global, não que tivesse qualquer objeção a Armando, simplesmente porque precisava premiar o amigo Alberico que teve participação decisiva na edição do debate presidencial e ainda palpitou nos programas especiais que transformaram Collor no indômito “caçador de marajás”.
Armando não foi demitido, pior que isso, sofreu uma “capitis diminutio”. Foi “promovido” a assessor especial da presidência, o que a plebe chama carinhosamente de “aspone”. Dedicou-se então ao jornalismo esportivo, onde, aí sim, foi um verdadeiro mestre da palavra escrita e falada. Fui revê-lo anos mais tarde apresentando um programa de esportes num dos inúmeros canais a cabo da Globo.
De Armando, pessoalmente, guardo duas passagens. Eu estava há menos de um ano à frente do Jornal da Globo quando cruzamos no corredor onde ficava a redação do Globo Repórter. Ele me parou e disse: “olha, eu quero te cumprimentar porque desde Heron Domingues não aparecia aqui um apresentador como a mesma naturalidade dele”. Heron era o ícone de toda uma geração de telejornalistas e ser comparado a ele era um elogio e tanto que elevou meu ego às alturas. Hoje, honestamente, não sei se foi sincero ou apenas uma frase de efeito com a qual seduzia todos que estavam entrando no império global.
Doutra feita, estava eu no Eng, a sala da técnica que comanda a transmissão dos telejornais, quando alguém me chamou ao telefone. Era o Armando: “Tenho uma boa notícia para lhe dar, a partir de agora você vai passar a ganhar cinco mil cruzeiros por mês”. Entre surpreso e curioso, rebati de primeira: “e o que é que vocês vão querer em troca?” Armando ficou visivelmente decepcionado com minha reação, esperava talvez um emocionado agradecimento de quem ganhava dois mil cruzeiros. Ora, pensei naquele momento, onde já se viu um patrão mais que dobrar o salário do empregado sem um motivo especial? Depois se esclareceu que eu, e todos os demais apresentadores, perdiam ali o status de funcionários da Globo e passavam a Pessoa Jurídica com contrato de firma. Na época uma novidade, hoje uma prática comum no mercado televisivo.
Mas apesar de todas as virtudes de Armando, cantadas em prosa e verso nos depoimentos de personalidades das artes, da política e do jornalismo, não dá pra esquecer que ele esteve à frente do jornalismo mais comprometido do Brasil: o que foi praticado pela Globo durante os anos da ditadura militar. O JN era conhecido como “o porta-voz do regime”. As ordens que emanavam dos governos militares eram obedecidas sem questionamento. Não me lembro, sinceramente, de ter visto por parte dos profissionais da Globo alguma tentativa de desobediência ou de driblar a censura, como fez por exemplo o Jornal do Brasil, que saiu com aquela capa histórica no dia seguinte à decretação do AI-5, 13 de dezembro de 68, iludindo os militares fardados que ocuparam as redações assim que terminou a leitura do ato discricionário.
Eu estava na TV Globo durante o primeiro mandato de Leonel Brizola à frente do governo do Estado do Rio. Entrei em maio de 83, pouco depois da posse do novo governo, e o jornalismo da Globo passava por uma grave crise de credibilidade, com seus repórteres e carros ameaçados nas ruas pela população. Pesava sobre a emissora a acusação de, junto com a Proconsult, empresa contratada pelo TRE para apurar os votos da eleição direta para governador do Estado, em 1982, tentar fraudar o resultado para dar a vitória a Moreira Franco, o candidato do regime militar, apoiado pela família Marinho. Por engano ou má-fé, a emissora divulgava números que não refletiam a verdade da apuração.
Em 1984, no episódio das Diretas Já, onde atuei como narrador em off no comício da Candelária, no Rio, a postura da Globo foi a de ignorar por completo os movimentos populares que cresciam em todo país. Mas não bastava ignorar, era proibido usar a palavra “diretas” em qualquer situação, mesmo como notícia, contra ou a favor. Até que a pressão popular tornou-se irresístivel e a emissora foi obrigada a render-se ao apelo da população brasileira.
Em 1989, no segundo e último debate entre Collor e Lula nos estúdios da TV Bandeirantes, no Morumbi, quando eu tinha acabado de deixar a Globo e estava lá representando a Manchete, observei que Lula estava visivelmente cansado e abatido. Além do esforço da reta final da campanha, ele tinha sido acusado no programa de Collor por uma ex-namorada, Mirian, de tentar convencê-la a abortar uma criança (a filha dele, Lurian). Depois se soube que a estratégia (financeira) de colocar a enfermeira Mirian no foco da mídia a três dias da votação partiu de Leopoldo, o irmão de Collor e muito amigo dos Marinho. A família Collor é dona da emissora que retransmite a programação da Globo em Alagoas. Toda essa lembrança histórica é para dizer que Lula foi mal naquele segundo debate, mesmo assim a Globo, na edição da matéria, destacou os melhores momentos de Collor e os piores de Lula.
Os que têm boa memória hão de se lembrar da severa campanha do Jornal Nacional contra o então ministro da Justiça do governo Figueiredo, Ibrahim Abi-Ackel, que ousou impedir a liberação de uma carga de equipamentos supostamente contrabandeados destinados à TV Globo. Durante várias edições, o JN acusou o ministro de envolvimento no contrabando de pedras preciosas, no qual Abi-Ackel não teve, comprovou-se depois, nenhuma participação. Mas pouca gente lembra disso. É provável até que os jovens executivos da Globo “desconheçam” o fato ou, se souberem, contem uma história diferente.
Armando Nogueira estava à frente do jornalismo em todos esses episódios nebulosos que narrei com absoluta fidelidade. De uma maneira ou de outra compactuou com esse tipo de jornalismo corporativo e subserviente.
Talvez tenha faltado em Armando a coragem de assumir sua responsabilidade como diretor de jornalismo da Globo que notoriamente era o braço da ditadura militar na mídia. Sua memória estaria resgatada para sempre se um dia ele tivesse contado toda a verdade, que apenas cumpria ordens que vinham do oitavo andar, mais precisamente da sala do Doutor Roberto. Armando, como eu e todos os que trabalharam na emissora nos anos de chumbo, fomos cúmplices do regime. Uns por total desinteresse político, outros por opção ideológica, outros ainda por necessidade profissional.
Deixo aqui minha homenagem ao Armando Nogueira, poeta, cronista e escritor de texto sensível. E um adjetivo que ainda não ouvi nos inúmeros depoimentos sobre ele: um sedutor irresistível.
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Como a televisão virou telefone no Brasil
Reproduzo aprofundada análise do professor Marcos Dantas, publicada no Tele.Síntese com o título “No país da jabuticaba, ou como a televisão virou telefone no Brasil”:
Mesmo correndo o risco de parecer pernóstico, inicio este texto citando no inglês original um recente relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade que reúne as mais desenvolvidas economias capitalistas: “Legal definitions of broadcasting differ across the OECD but more in terms of nuance than in the broad coverage of the definitions of radio and television programmes which can be received by the general public either directly (terrestrial transmission) or through cable or satellite platforms. Differences arise in definitions in the treatment of programmes distributed over the internet and vídeo-on-demand” (OCDE, Communications Outlook 2009, disponível em http://www.oecd.org).
Os leitores deste Tele.Síntese são fluentes em inglês. Leram e entenderam. Está dito aí que, nos países capitalistas centrais, programas de rádio e televisão são definidos como radiodifusão (“broadcasting”), independentemente das plataformas de transmissão – terrestre, cabo ou satélite. No entanto, nos casos de vídeo sob demanda (VsD) e internet, podem existir, nesses países, diferenças na definição: alguns os tratam também como radiodifusão, outros não.
O Brasil não é um país membro da OCDE. Talvez por isso, aqui, televisão, a cabo ou a satélite, passou a ser tratada como telecomunicações...
Vejamos as definições usadas em alguns países selecionados.
Alemanha: “Radiodifusão é definida na Seção 2 (1) do Acordo Interestadual de Radiodifusão como provisão e transmissão para o público geral, de qualquer tipo de apresentação de palavras, sons, imagens, usando oscilações eletromagnéticas sem linhas conectadas (“junction lines”) ou através ou por meio de algum condutor. A plataforma de transmissão é irrelevante. A definição inclui apresentações transmitidas em forma codificada ou que sejam recebidas por pagamento especial. A definição não inclui telemeios (“telemedia”), regulada separadamente pela Lei de Telemeios (federal) e no capítulo VI do Acordo Interestadual”.
“Telemeios são considerados outro serviço de informação e comunicação, similar à radiodifusão e telecomunicações”. Portanto, internet, na Alemanha, é um serviço a parte, prestado sem necessidade de licenciamento prévio, embora o rádio e a televisão, se transmitidos via internet, devam obedecer às regras do Acordo Interestadual (a Alemanha é uma república federativa) e aos princípios constitucionais. Já o VsD é regulado conforme o seu conteúdo e relevância social, embora devendo vir a se adaptar às normas da Comunidade Européia que propõem não mais defini-lo como radiodifusão.
Austrália: “A Seção 6 (1) da Lei de Serviços de Radiodifusão de 1992 (Broadcasting Services Act 1992) define ‘serviço de radiodifusão’ (“broadcasting service”) como serviço que entrega programas de televisão ou programas de rádio para pessoas que tenham equipamento apropriado à recepção desses serviços, se essa entrega faz uso de espectro de radiofreqüência, cabo, fibra ótica, satélite ou qualquer outro meio ou combinação desses meios”.
Esta definição, diz o documento da OCDE, não inclui serviços de teletexto, programas ponto-a-ponto adquiridos sob demanda e outros serviços que possam ser excluídos por decisão do Ministério. Dada a definição geral, a Austrália reconhece sete categorias de serviços de radiodifusão, entre elas a “comunitária” (não-comercial), a “nacional” (estatal-governamental), a “comercial aberta” (ou “free-to-air” – FTA) e a “paga por assinatura” (“pay TV”). Na regulamentação australiana, serviços de áudio e vídeo transmitidos sobre a internet não são considerados radiodifusão, mas podem sofrer restrições por razões éticas, morais, legais, etc. Vídeo sob demanda também não é regulado como radiodifusão.
Canadá: “A definição do termo radiodifusão se aplica a todas as plataformas, conforme definido na Lei de Radiodifusão. Diz o texto [legal]: ‘radiodifusão significa qualquer transmissão de programas, esteja ou não encriptada, por ondas de rádio ou outros meios de telecomunicações, para recepção por parte do público, através de aparelhos de recepção de radiodifusão (“broadcasting receiving apparatus”), mas não inclui nenhuma transmissão de programas feitos apenas para exibição (“perfomance”) ou apresentação em espaço públicos”. Serviços sobre a internet estão em geral excluídos, mas, no momento, há um debate público e parlamentar a respeito. VsD fornecidos pela internet também estão excluídos da definição.
Coréia: “Radiodifusão se refere ao planejamento, programação, produção e transmissão de programas de radiodifusão para o público (incluindo receptores com contratos individuais; “viewers”) através de sistemas (“facilities”) de telecomunicações”.
A partir desse conceito guarda-chuva, os coreanos distinguem as modalidades de “televisão”, “rádio”, “dados”, “móvel multimeios” e “internet multimeios”, todas caracterizadas como “radiodifusão de programas”, mas diferenciadas conforme as características do sistema receptor (sons e imagens para a TV, mobilidade no celular, etc.). Assim, a IPTV será entendida como um “serviço de convergência radiodifusão-telecomunicações” (“broadcasting-telecommunications convergence service”) fornecido sobre uma rede de banda larga. No geral, um serviço multimeios em banda larga requer licença para operar, mas, obtida a licença, cada tipo de negócio, inclusive VsD requer apenas notificação, à autoridade, do operador autorizado.
Espanha: “Pela Lei de Telecomunicações, serviços de radiodifusão são s erviços de telecomunicações pelos quais a comunicação é transmitida numa única direção para inúmeros pontos [de recepção] simultaneamente. O serviço será prestado sob concessão do Estado (“administrative concession”) se for prestado em regime de administração indireta.”
Em termos estritamente técnicos, é a melhor definição: radiodifusão, com efeito, é um tipo unidirecional de telecomunicações. Neste sentido, pela lei espanhola, a televisão é um serviço de radiodifusão, seja transmitida pelo ar, pelo cabo ou satélite, seja livre ou codificada, que “em nenhum caso pode ser prestado como serviço de valor adicionado”. Esta definição inclui VsD e IPTV, ambos submetidos às mesmas regras legais, inclusive regimes de outorga, vigentes para o restante da radiodifusão. Por outro lado, somente a televisão terrestre é considerada um serviço público. As TVs a cabo ou satélite são definidas como serviços autorizados para livre competição.
Estados Unidos: “Conforme a Lei de Comunicação de 1934, a palavra radiodifusão (‘broadcasting’) significa a disseminação de comunicações por rádio destinadas a ser recebidas pelo público, diretamente ou por meio de estações retransmissoras (‘relay stations’)”.
O relatório não traz muitos detalhes sobre a regulamentação estadunidense. Acrescento meus próprios comentários. Os EUA são sabidamente pouco intervencionistas. Os agentes econômicos e sociais são livres até o limite da liberdade de outrem, ou até afetarem sensibilidades éticas, morais, etc., problemas estes todos resolvidos principalmente na Justiça. A entidade reguladora procura intervir o mínimo possível, não tendo nunca havido, da parte da FCC maior interesse em regulamentar conteúdo. Assim, as novas tecnologias, inclusive TV paga e internet, podem se desenvolver ao sabor da iniciativa de investidores ou, no máximo, limitadas por ações jurídicas ou políticas de natureza civil. A FCC, ela mesma, faz apenas um grande esforço para estimular e garantir a máxima competição entre os, e dentro dos novos meios de comunicação, sobretudo a internet. Sem surpresa, há uma legislação específica para vídeo sob demanda.
França: “Serviços audiovisuais incluem os serviços de comunicação audiovisual conforme definidos no Artigo 2 da Lei 86-1067 de 30 de setembro de 1986), assim como os serviços adaptados (“services making audiovisual”), [isto é] obras cinematográficas ou de áudio disponíveis para o público, independentemente dos meios técnicos usados. Serviços de comunicação audiovisuais são todas as comunicações destinadas ao público de serviços de rádio ou TV, independentemente dos meios técnicos usados, bem como todas as comunicações eletrônicas de serviços diferentes daqueles de rádio ou televisão. Nesta definição não está incluída a comunicação em linha, definida no artigo 1 da Lei 2004-575 de 21 de junho de 2004, lei esta que trata da economia digital”.
Em um caso, a internet é regulada como radiodifusão: IPTV. É que são considerados serviços de televisão “qualquer comunicação para o público por meios eletrônicos destinada a ser recebida simultaneamente pelo público ou categoria de público, cujos principais programas sejam organizados (“is composed of”) numa ordem continuada de emissões contendo imagens e sons”. Por esta definição, o VsD está excluído e, de fato, desde que o serviço não necessite de freqüências assignadas pelo órgão regulador, pode ser prestado livremente. Mas esta é um não-regra que pode mudar, devido a novas normas da Comunidade Européia.
Itália: “Programas de televisão são definidos como conteúdos audiovisuais organizados por um editor (“content provider”), direcionados para o público em geral e difundidos por qualquer meio técnico. [Programas] por assinatura ou encriptados são também incluídos nessa definição”. Serviços audiovisuais fornecidos via internet ainda não estão incluídos nessa definição, mas suas atividades têm sido monitoradas pela entidade reguladora e associações de consumidores, diz o relatório. Também os serviços sob demanda não são tratados pela legislação atual.
Japão: “Radiodifusão significa transmissão de comunicação via rádio destinada a ser recebida diretamente pelo público em geral (Lei da Radiodifusão, artº 2)”.
“Radiodifusão por cabo é definida como transmissão de telecomunicações por cabo destinada a ser recebida diretamente pelo público em geral (Lei da Radiodifusão por Cabo, artº 2)”.
“Serviços de radiodifusão e de telecomunicações significam transmissão de telecomunicações destinada a ser recebida diretamente pelo público em geral, em todo ou em parte transmitida por serviços de telecomunicações fornecidos por entidade (“by a person”) que opera um negócio de telecomunicações (Lei Tratando de Radiodifusão sobre Serviços de Telecomunicações, artº 2)”.
“Serviços por assinatura ou encriptados são incluídos em ‘radiodifusão” ou “radiodifusão via cabo’ ou ‘radiodifusão via serviços de telecomunicações’”.
O Japão é um raro caso de país central que dispõe de muitas leis diferentes para diferentes casos, embora, pelo que se pode depreender do texto do relatório da OCDE, essas leis identificam os diferentes negócios de radiodifusão, não propriamente as suas distintas plataformas tecnológicas.
Portugal: “Radiodifusão radiofônica (“radio broadcasting”) é a transmissão unilateral de comunicações de som, usando ondas radioelétricas ou qualquer outro método apropriado, destinada ao público em geral”. Esta definição exclui as transmissões por internet. “Radiodifusão televisiva é a transmissão não codificada ou codificada de imagens em movimento, com ou sem som, através de redes eletrônicas de comunicação, visando a recepção simultânea pelo público em geral”. Desta definição estão excluídos, entre outros casos muito particulares, os serviços operados “sob demanda individual”.
A lei portuguesa subordina a definição de radiodifusão televisiva à de “atividade televisiva”, consistindo esta na “organização, ou seleção e agregação, ou serviços de programação de televisão, visando a transmissão para, e recepção pelo público em geral”. A palavra “radiodifusão” inclui também os serviços por “assinatura” ou “encriptados” (“the t erm ‘broadcasting’ includes ‘subscription’ and ‘encrypted’ services”). Atualmente, os portugueses estão discutindo as implicações de sua legislação na internet, e devem introduzir mudanças a respeito. Por outro lado, já que os meios técnicos são neutros ou indiferentes, VsD é tratado nos mesmos termos gerais em que é tratado o conjunto da radiodifusão.
Concluindo
Este resumo feito acima nos remete para a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, onde se levantou a questão da inconstitucionalidade do substitutivo Bittar-Lustosa ao PL-29 porque o projeto estaria tratando em termos mais próprios à radiodifusão, conforme esta é abordada na nossa Constituição, um “serviço de telecomunicações”, ainda por cima em “regime privado”. O argumento não deixa de ter lá sua razão, embora a emenda que tenta solucionar o problema, simplesmente eliminando-o, seja pior do que o soneto.
No Brasil, TV por assinatura começou a ser tratada como telecomunicações, na Lei do Cabo de 1995. Estávamos no governo Fernando Henrique, para o qual esta seria uma lei sob medida para introduzir uma cunha no então monopólio da Telebrás, além de atender aos interesses das redes abertas de televisão, preocupadas com a crescente penetração dos canais a cabo no seu até então exclusivo território do audiovisual televisivo.
Em troca de algumas bijuterias, a Abert conseguiu apoio do Fórum Nacional pela Democratização da Comunica ção (FNDC) para poder passar uma lei que simplesmente não aborda aquilo que é mais importante em qualquer serviço de televisão, seja livre ou seja pago, seja aberto ou seja codificado: o conteúdo. Foi para corrigir isso (e também o “erro” óbvio de ignorar a TV por assinatura via satélite ou no celular) que os deputados Jorge Bittar e Paulo Lustosa assumiram a corajosa postura de elaborar substitutivos aos PLs originais, neles incluindo a regulamentação da crucial questão da programação e, assim, aproximando a futura lei, no máximo possível, dos ditames constitucionais. Não ocorreu porém à cabeça de ninguém aproveitar a oportunidade para corrigir aquele erro nada ingênuo oriundo da Lei do Cabo. Tudo se passou como se definir TV por assinatura à semelhança de um serviço de telecomunicações, fosse tão natural quanto o Pão de Açúcar.
O debate da PL-29 irá agora para o Senado. Será uma excelente oportunidade para corrigir esse grave defeito. “Radiodifusão de sons e de sons e imagens” tanto pode ser feita pelo ar, quanto pelo cabo, satélite, até pelo celular, tanto pode ser aberta e livre, quanto codificada e paga. Logo, conforme sustentado por muitas das teses aprovadas na Iª Confecom, inclusive com importantes contribuições da Telebrasil e da Abra, não importa a plataforma, a TV por assinatura deverá vir a ser submetida aos capítulos 220 a 223 da Constituição brasileira. O Brasil não pode querer ser um raro país, talvez único, onde televisão por assinatura seja definida como... telefone. Embora, bem saibamos, o Brasil também é o país exclusivo da jabuticaba.
* Marcos Dantas - Professor de Sistemas de Comunicação e Novas Tecnologias na Escola de Comunicação da UFRJ. É autor de “A lógica do capital-informação” (Ed. Contraponto, 2002).
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Mesmo correndo o risco de parecer pernóstico, inicio este texto citando no inglês original um recente relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade que reúne as mais desenvolvidas economias capitalistas: “Legal definitions of broadcasting differ across the OECD but more in terms of nuance than in the broad coverage of the definitions of radio and television programmes which can be received by the general public either directly (terrestrial transmission) or through cable or satellite platforms. Differences arise in definitions in the treatment of programmes distributed over the internet and vídeo-on-demand” (OCDE, Communications Outlook 2009, disponível em http://www.oecd.org).
Os leitores deste Tele.Síntese são fluentes em inglês. Leram e entenderam. Está dito aí que, nos países capitalistas centrais, programas de rádio e televisão são definidos como radiodifusão (“broadcasting”), independentemente das plataformas de transmissão – terrestre, cabo ou satélite. No entanto, nos casos de vídeo sob demanda (VsD) e internet, podem existir, nesses países, diferenças na definição: alguns os tratam também como radiodifusão, outros não.
O Brasil não é um país membro da OCDE. Talvez por isso, aqui, televisão, a cabo ou a satélite, passou a ser tratada como telecomunicações...
Vejamos as definições usadas em alguns países selecionados.
Alemanha: “Radiodifusão é definida na Seção 2 (1) do Acordo Interestadual de Radiodifusão como provisão e transmissão para o público geral, de qualquer tipo de apresentação de palavras, sons, imagens, usando oscilações eletromagnéticas sem linhas conectadas (“junction lines”) ou através ou por meio de algum condutor. A plataforma de transmissão é irrelevante. A definição inclui apresentações transmitidas em forma codificada ou que sejam recebidas por pagamento especial. A definição não inclui telemeios (“telemedia”), regulada separadamente pela Lei de Telemeios (federal) e no capítulo VI do Acordo Interestadual”.
“Telemeios são considerados outro serviço de informação e comunicação, similar à radiodifusão e telecomunicações”. Portanto, internet, na Alemanha, é um serviço a parte, prestado sem necessidade de licenciamento prévio, embora o rádio e a televisão, se transmitidos via internet, devam obedecer às regras do Acordo Interestadual (a Alemanha é uma república federativa) e aos princípios constitucionais. Já o VsD é regulado conforme o seu conteúdo e relevância social, embora devendo vir a se adaptar às normas da Comunidade Européia que propõem não mais defini-lo como radiodifusão.
Austrália: “A Seção 6 (1) da Lei de Serviços de Radiodifusão de 1992 (Broadcasting Services Act 1992) define ‘serviço de radiodifusão’ (“broadcasting service”) como serviço que entrega programas de televisão ou programas de rádio para pessoas que tenham equipamento apropriado à recepção desses serviços, se essa entrega faz uso de espectro de radiofreqüência, cabo, fibra ótica, satélite ou qualquer outro meio ou combinação desses meios”.
Esta definição, diz o documento da OCDE, não inclui serviços de teletexto, programas ponto-a-ponto adquiridos sob demanda e outros serviços que possam ser excluídos por decisão do Ministério. Dada a definição geral, a Austrália reconhece sete categorias de serviços de radiodifusão, entre elas a “comunitária” (não-comercial), a “nacional” (estatal-governamental), a “comercial aberta” (ou “free-to-air” – FTA) e a “paga por assinatura” (“pay TV”). Na regulamentação australiana, serviços de áudio e vídeo transmitidos sobre a internet não são considerados radiodifusão, mas podem sofrer restrições por razões éticas, morais, legais, etc. Vídeo sob demanda também não é regulado como radiodifusão.
Canadá: “A definição do termo radiodifusão se aplica a todas as plataformas, conforme definido na Lei de Radiodifusão. Diz o texto [legal]: ‘radiodifusão significa qualquer transmissão de programas, esteja ou não encriptada, por ondas de rádio ou outros meios de telecomunicações, para recepção por parte do público, através de aparelhos de recepção de radiodifusão (“broadcasting receiving apparatus”), mas não inclui nenhuma transmissão de programas feitos apenas para exibição (“perfomance”) ou apresentação em espaço públicos”. Serviços sobre a internet estão em geral excluídos, mas, no momento, há um debate público e parlamentar a respeito. VsD fornecidos pela internet também estão excluídos da definição.
Coréia: “Radiodifusão se refere ao planejamento, programação, produção e transmissão de programas de radiodifusão para o público (incluindo receptores com contratos individuais; “viewers”) através de sistemas (“facilities”) de telecomunicações”.
A partir desse conceito guarda-chuva, os coreanos distinguem as modalidades de “televisão”, “rádio”, “dados”, “móvel multimeios” e “internet multimeios”, todas caracterizadas como “radiodifusão de programas”, mas diferenciadas conforme as características do sistema receptor (sons e imagens para a TV, mobilidade no celular, etc.). Assim, a IPTV será entendida como um “serviço de convergência radiodifusão-telecomunicações” (“broadcasting-telecommunications convergence service”) fornecido sobre uma rede de banda larga. No geral, um serviço multimeios em banda larga requer licença para operar, mas, obtida a licença, cada tipo de negócio, inclusive VsD requer apenas notificação, à autoridade, do operador autorizado.
Espanha: “Pela Lei de Telecomunicações, serviços de radiodifusão são s erviços de telecomunicações pelos quais a comunicação é transmitida numa única direção para inúmeros pontos [de recepção] simultaneamente. O serviço será prestado sob concessão do Estado (“administrative concession”) se for prestado em regime de administração indireta.”
Em termos estritamente técnicos, é a melhor definição: radiodifusão, com efeito, é um tipo unidirecional de telecomunicações. Neste sentido, pela lei espanhola, a televisão é um serviço de radiodifusão, seja transmitida pelo ar, pelo cabo ou satélite, seja livre ou codificada, que “em nenhum caso pode ser prestado como serviço de valor adicionado”. Esta definição inclui VsD e IPTV, ambos submetidos às mesmas regras legais, inclusive regimes de outorga, vigentes para o restante da radiodifusão. Por outro lado, somente a televisão terrestre é considerada um serviço público. As TVs a cabo ou satélite são definidas como serviços autorizados para livre competição.
Estados Unidos: “Conforme a Lei de Comunicação de 1934, a palavra radiodifusão (‘broadcasting’) significa a disseminação de comunicações por rádio destinadas a ser recebidas pelo público, diretamente ou por meio de estações retransmissoras (‘relay stations’)”.
O relatório não traz muitos detalhes sobre a regulamentação estadunidense. Acrescento meus próprios comentários. Os EUA são sabidamente pouco intervencionistas. Os agentes econômicos e sociais são livres até o limite da liberdade de outrem, ou até afetarem sensibilidades éticas, morais, etc., problemas estes todos resolvidos principalmente na Justiça. A entidade reguladora procura intervir o mínimo possível, não tendo nunca havido, da parte da FCC maior interesse em regulamentar conteúdo. Assim, as novas tecnologias, inclusive TV paga e internet, podem se desenvolver ao sabor da iniciativa de investidores ou, no máximo, limitadas por ações jurídicas ou políticas de natureza civil. A FCC, ela mesma, faz apenas um grande esforço para estimular e garantir a máxima competição entre os, e dentro dos novos meios de comunicação, sobretudo a internet. Sem surpresa, há uma legislação específica para vídeo sob demanda.
França: “Serviços audiovisuais incluem os serviços de comunicação audiovisual conforme definidos no Artigo 2 da Lei 86-1067 de 30 de setembro de 1986), assim como os serviços adaptados (“services making audiovisual”), [isto é] obras cinematográficas ou de áudio disponíveis para o público, independentemente dos meios técnicos usados. Serviços de comunicação audiovisuais são todas as comunicações destinadas ao público de serviços de rádio ou TV, independentemente dos meios técnicos usados, bem como todas as comunicações eletrônicas de serviços diferentes daqueles de rádio ou televisão. Nesta definição não está incluída a comunicação em linha, definida no artigo 1 da Lei 2004-575 de 21 de junho de 2004, lei esta que trata da economia digital”.
Em um caso, a internet é regulada como radiodifusão: IPTV. É que são considerados serviços de televisão “qualquer comunicação para o público por meios eletrônicos destinada a ser recebida simultaneamente pelo público ou categoria de público, cujos principais programas sejam organizados (“is composed of”) numa ordem continuada de emissões contendo imagens e sons”. Por esta definição, o VsD está excluído e, de fato, desde que o serviço não necessite de freqüências assignadas pelo órgão regulador, pode ser prestado livremente. Mas esta é um não-regra que pode mudar, devido a novas normas da Comunidade Européia.
Itália: “Programas de televisão são definidos como conteúdos audiovisuais organizados por um editor (“content provider”), direcionados para o público em geral e difundidos por qualquer meio técnico. [Programas] por assinatura ou encriptados são também incluídos nessa definição”. Serviços audiovisuais fornecidos via internet ainda não estão incluídos nessa definição, mas suas atividades têm sido monitoradas pela entidade reguladora e associações de consumidores, diz o relatório. Também os serviços sob demanda não são tratados pela legislação atual.
Japão: “Radiodifusão significa transmissão de comunicação via rádio destinada a ser recebida diretamente pelo público em geral (Lei da Radiodifusão, artº 2)”.
“Radiodifusão por cabo é definida como transmissão de telecomunicações por cabo destinada a ser recebida diretamente pelo público em geral (Lei da Radiodifusão por Cabo, artº 2)”.
“Serviços de radiodifusão e de telecomunicações significam transmissão de telecomunicações destinada a ser recebida diretamente pelo público em geral, em todo ou em parte transmitida por serviços de telecomunicações fornecidos por entidade (“by a person”) que opera um negócio de telecomunicações (Lei Tratando de Radiodifusão sobre Serviços de Telecomunicações, artº 2)”.
“Serviços por assinatura ou encriptados são incluídos em ‘radiodifusão” ou “radiodifusão via cabo’ ou ‘radiodifusão via serviços de telecomunicações’”.
O Japão é um raro caso de país central que dispõe de muitas leis diferentes para diferentes casos, embora, pelo que se pode depreender do texto do relatório da OCDE, essas leis identificam os diferentes negócios de radiodifusão, não propriamente as suas distintas plataformas tecnológicas.
Portugal: “Radiodifusão radiofônica (“radio broadcasting”) é a transmissão unilateral de comunicações de som, usando ondas radioelétricas ou qualquer outro método apropriado, destinada ao público em geral”. Esta definição exclui as transmissões por internet. “Radiodifusão televisiva é a transmissão não codificada ou codificada de imagens em movimento, com ou sem som, através de redes eletrônicas de comunicação, visando a recepção simultânea pelo público em geral”. Desta definição estão excluídos, entre outros casos muito particulares, os serviços operados “sob demanda individual”.
A lei portuguesa subordina a definição de radiodifusão televisiva à de “atividade televisiva”, consistindo esta na “organização, ou seleção e agregação, ou serviços de programação de televisão, visando a transmissão para, e recepção pelo público em geral”. A palavra “radiodifusão” inclui também os serviços por “assinatura” ou “encriptados” (“the t erm ‘broadcasting’ includes ‘subscription’ and ‘encrypted’ services”). Atualmente, os portugueses estão discutindo as implicações de sua legislação na internet, e devem introduzir mudanças a respeito. Por outro lado, já que os meios técnicos são neutros ou indiferentes, VsD é tratado nos mesmos termos gerais em que é tratado o conjunto da radiodifusão.
Concluindo
Este resumo feito acima nos remete para a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, onde se levantou a questão da inconstitucionalidade do substitutivo Bittar-Lustosa ao PL-29 porque o projeto estaria tratando em termos mais próprios à radiodifusão, conforme esta é abordada na nossa Constituição, um “serviço de telecomunicações”, ainda por cima em “regime privado”. O argumento não deixa de ter lá sua razão, embora a emenda que tenta solucionar o problema, simplesmente eliminando-o, seja pior do que o soneto.
No Brasil, TV por assinatura começou a ser tratada como telecomunicações, na Lei do Cabo de 1995. Estávamos no governo Fernando Henrique, para o qual esta seria uma lei sob medida para introduzir uma cunha no então monopólio da Telebrás, além de atender aos interesses das redes abertas de televisão, preocupadas com a crescente penetração dos canais a cabo no seu até então exclusivo território do audiovisual televisivo.
Em troca de algumas bijuterias, a Abert conseguiu apoio do Fórum Nacional pela Democratização da Comunica ção (FNDC) para poder passar uma lei que simplesmente não aborda aquilo que é mais importante em qualquer serviço de televisão, seja livre ou seja pago, seja aberto ou seja codificado: o conteúdo. Foi para corrigir isso (e também o “erro” óbvio de ignorar a TV por assinatura via satélite ou no celular) que os deputados Jorge Bittar e Paulo Lustosa assumiram a corajosa postura de elaborar substitutivos aos PLs originais, neles incluindo a regulamentação da crucial questão da programação e, assim, aproximando a futura lei, no máximo possível, dos ditames constitucionais. Não ocorreu porém à cabeça de ninguém aproveitar a oportunidade para corrigir aquele erro nada ingênuo oriundo da Lei do Cabo. Tudo se passou como se definir TV por assinatura à semelhança de um serviço de telecomunicações, fosse tão natural quanto o Pão de Açúcar.
O debate da PL-29 irá agora para o Senado. Será uma excelente oportunidade para corrigir esse grave defeito. “Radiodifusão de sons e de sons e imagens” tanto pode ser feita pelo ar, quanto pelo cabo, satélite, até pelo celular, tanto pode ser aberta e livre, quanto codificada e paga. Logo, conforme sustentado por muitas das teses aprovadas na Iª Confecom, inclusive com importantes contribuições da Telebrasil e da Abra, não importa a plataforma, a TV por assinatura deverá vir a ser submetida aos capítulos 220 a 223 da Constituição brasileira. O Brasil não pode querer ser um raro país, talvez único, onde televisão por assinatura seja definida como... telefone. Embora, bem saibamos, o Brasil também é o país exclusivo da jabuticaba.
* Marcos Dantas - Professor de Sistemas de Comunicação e Novas Tecnologias na Escola de Comunicação da UFRJ. É autor de “A lógica do capital-informação” (Ed. Contraponto, 2002).
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Blog do Planalto desmente o Estadão
Reproduzo a corajosa resposta do Blog do Planalto às manipulações do jornalão oligárquico O Estado de S.Paulo. O texto foi publicado em 30 de março:
Na sexta-feira passada (26/03) o Estadão publicou editorial reclamando do presidente Lula por se queixar da má-fé de setores da imprensa. Até parece que o jornal estava se defendendo antecipadamente. Vejam como o Estadão muda o contexto de uma declaração do presidente em reportagem assinada pelos repórteres Tânia Monteiro e Renato Andrade na edição desta terça-feira (30/3) e tirem suas conclusões.
O título da matéria é “Ao lado de 18 governadores, Lula lança PAC 2 para impulsionar Dilma”. No quarto parágrafo, os repórteres, que deveriam reportar os fatos com fidelidade, dizem o seguinte:
“No mesmo discurso, o presidente anunciou que havia desistido de viajar hoje a Pernambuco para inaugurar uma parte da Ferrovia Transnordestina, por problemas com a obra. “Eu não estou contente com o que nós fizemos até agora”, disse Lula, reconhecendo fragilidades do PAC 1”.
Em primeiro lugar, o Presidente não reconheceu fragilidades do PAC 1, como afirmaram os repórteres do Estadão. A reconhecida insatisfação com o que foi feito até agora foi dita em um contexto diferente do apontado no texto. Ele se referia ao conjunto de realizações do governo. Inclusive, o exemplo citado foi o do Bolsa Família, que não está no PAC.
Vejam o trecho a seguir para tirar suas conclusões e ver se o presidente não tem razão de criticar:
“Então, eu quero terminar, companheiros, dizendo para vocês apenas duas coisas. Eu não estou contente com o que nós fizemos até agora, e acho que nenhum de vocês está contente, porque nós temos a obrigação de fazer mais, temos competência de fazer mais. O povo pobre deste país precisa que a gente faça mais, e a economia precisa que isso aconteça”.
“Eu fico imaginando se nós, naquele momento de crise, tivemos que fazer um investimento de quase R$ 12 bilhões no Bolsa Família, o próximo governo não pode se contentar com [R$] 12 [bilhões], vai ter que fazer mais. Ou vai ter que gerar tanto emprego, que um dia não vai precisar mais ninguém ter o Bolsa Família. Porque quando a gente começou a fazer o programa Bolsa Família, qual era a crítica que a gente recebia? “Cadê a porta da saída? A porta da saída? A porta da saída?”. Os coitados não tinham nem entrado. Eu não sei porque pobre incomoda tanta gente neste país! Não, porque a verdade é essa, é que incomoda”.
Em segundo lugar, o presidente não disse que havia desistido de viajar a Pernambuco para inaugurar parte da Ferrovia Transnordestina e nem que a obra estava com problemas. Até porque não estava prevista nenhuma inauguração de trecho da ferrovia. O que se cogitou foi inaugurar uma fábrica de dormentes e uma fábrica de britas, que não ficaram prontas. Isso foi dito à repórter Tânia Monteiro por mais de um assessor de imprensa da Presidência, mas foi ignorado. Confiram o que o presidente disse, e julguem a qualidade da reportagem:
“Veja, eu estou dizendo isso de público porque eu ia amanhã para a Transnordestina, para inaugurar a fábrica de dormentes, a maior do mundo, e a fábrica de brita que, sozinha a usina de brita, vai produzir mais brita que as quarenta que tem em São Paulo. E não vamos porque não está pronta. Esse compromisso foi feito comigo em janeiro, em janeiro. Não está pronta”.
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Na sexta-feira passada (26/03) o Estadão publicou editorial reclamando do presidente Lula por se queixar da má-fé de setores da imprensa. Até parece que o jornal estava se defendendo antecipadamente. Vejam como o Estadão muda o contexto de uma declaração do presidente em reportagem assinada pelos repórteres Tânia Monteiro e Renato Andrade na edição desta terça-feira (30/3) e tirem suas conclusões.
O título da matéria é “Ao lado de 18 governadores, Lula lança PAC 2 para impulsionar Dilma”. No quarto parágrafo, os repórteres, que deveriam reportar os fatos com fidelidade, dizem o seguinte:
“No mesmo discurso, o presidente anunciou que havia desistido de viajar hoje a Pernambuco para inaugurar uma parte da Ferrovia Transnordestina, por problemas com a obra. “Eu não estou contente com o que nós fizemos até agora”, disse Lula, reconhecendo fragilidades do PAC 1”.
Em primeiro lugar, o Presidente não reconheceu fragilidades do PAC 1, como afirmaram os repórteres do Estadão. A reconhecida insatisfação com o que foi feito até agora foi dita em um contexto diferente do apontado no texto. Ele se referia ao conjunto de realizações do governo. Inclusive, o exemplo citado foi o do Bolsa Família, que não está no PAC.
Vejam o trecho a seguir para tirar suas conclusões e ver se o presidente não tem razão de criticar:
“Então, eu quero terminar, companheiros, dizendo para vocês apenas duas coisas. Eu não estou contente com o que nós fizemos até agora, e acho que nenhum de vocês está contente, porque nós temos a obrigação de fazer mais, temos competência de fazer mais. O povo pobre deste país precisa que a gente faça mais, e a economia precisa que isso aconteça”.
“Eu fico imaginando se nós, naquele momento de crise, tivemos que fazer um investimento de quase R$ 12 bilhões no Bolsa Família, o próximo governo não pode se contentar com [R$] 12 [bilhões], vai ter que fazer mais. Ou vai ter que gerar tanto emprego, que um dia não vai precisar mais ninguém ter o Bolsa Família. Porque quando a gente começou a fazer o programa Bolsa Família, qual era a crítica que a gente recebia? “Cadê a porta da saída? A porta da saída? A porta da saída?”. Os coitados não tinham nem entrado. Eu não sei porque pobre incomoda tanta gente neste país! Não, porque a verdade é essa, é que incomoda”.
Em segundo lugar, o presidente não disse que havia desistido de viajar a Pernambuco para inaugurar parte da Ferrovia Transnordestina e nem que a obra estava com problemas. Até porque não estava prevista nenhuma inauguração de trecho da ferrovia. O que se cogitou foi inaugurar uma fábrica de dormentes e uma fábrica de britas, que não ficaram prontas. Isso foi dito à repórter Tânia Monteiro por mais de um assessor de imprensa da Presidência, mas foi ignorado. Confiram o que o presidente disse, e julguem a qualidade da reportagem:
“Veja, eu estou dizendo isso de público porque eu ia amanhã para a Transnordestina, para inaugurar a fábrica de dormentes, a maior do mundo, e a fábrica de brita que, sozinha a usina de brita, vai produzir mais brita que as quarenta que tem em São Paulo. E não vamos porque não está pronta. Esse compromisso foi feito comigo em janeiro, em janeiro. Não está pronta”.
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