sábado, 17 de abril de 2010

Paulo Freire, comunicação e PNDH-3

Reproduzo artigo do professor Venício A. de Lima, publicado no sítio Carta Maior:

O Alice Kaplan Institute for the Humanities da renomada Northwestern University, que fica em Evanston, na região metropolitana de Chicago, liderou a realização de um grande evento para celebrar os 40 anos de publicação do livro "Pedagogia do Oprimido", de Paulo Freire, nos Estados Unidos. Entre os vários parceiros estavam o Center for Global Culture and Communication e The Graduate School.

Na verdade, a edição americana do "Pedagogia do Oprimido" foi a primeira do manuscrito concluído em 1968, no exílio chileno, que só veio a ser publicado no Brasil, pela Paz e Terra, em 1974, durante os anos de “abertura lenta, gradual e segura” do general Ernesto Geisel. O livro já havia saído em inglês, espanhol, francês, italiano, alemão, grego, holandês e em Portugal. Desde então, foi publicado em sucessivas edições em todo o planeta e continua sendo objeto de estudos em disciplinas tão diversas como, por exemplo, teologia e teatro.

Direito à comunicação

Além de ser a obra mais significativa do pensamento de Freire, "Pedagogia do Oprimido" apresenta uma síntese da teoria da comunicação dialógica, inicialmente desenvolvida no ensaio "Extensão ou Comunicação?" [original de 1968, publicado no Brasil em 1971], que assenta as bases para o que se tornaria o conceito de direito à comunicação.

Freire recorre à raiz semântica da palavra comunicação e nela inclui a dimensão política da igualdade, a ausência de dominação. Para ele, comunicação implica um diálogo entre sujeitos mediados pelo objeto de conhecimento que por sua vez decorre da experiência e do trabalho cotidiano. Ao restringir a comunicação a uma relação entre sujeitos, necessariamente iguais, toda “relação de poder” fica excluída. O próprio conhecimento gerado pelo diálogo comunicativo só será verdadeiro e autêntico quando comprometido com a justiça e a transformação social. A comunicação passa a ser, portanto, por definição, dialógica, vale dizer, de “mão dupla”, contemplando, ao mesmo tempo, o direito de ser informado e o direito à plena liberdade de expressão.

As implicações do conceito articulado por Freire 40 anos atrás representam hoje um direito à comunicação que garanta a circulação da diversidade e da pluralidade de idéias existentes na sociedade, isto é, a universalidade da liberdade de expressão individual. Essa garantia tem que ser buscada tanto “externamente” – através da regulação do mercado (sem propriedade cruzada e sem oligopólios; priorizando a complementaridade dos sistemas público, privado e estatal) – quanto “internamente” à mídia – através do cumprimento dos Manuais de Redação que prometem (mas não praticam) a imparcialidade e a objetividade jornalística. E tem também que ser buscada na garantia do direito de resposta como interesse difuso, no direito de antena e no acesso universal à internet, explorando suas imensas possibilidades de quebra da unidirecionalidade da mídia tradicional pela interatividade da comunicação dialógica.

PNDH-3 e autoritarismo

Enquanto a obra e o pensamento de Freire são celebrados no exterior, na sua terra, a terceira versão do Plano Nacional de Direitos Humanos, em particular, a única diretriz que propõe um conjunto de ações para implementar o direito à comunicação, sofre um processo de satanização por parte da grande mídia. É como se a proposta representasse o derradeiro passo antes do autoritarismo e do conseqüente fim das liberdades no país.

Treze anos depois de sua morte, talvez nem mesmo Paulo Freire imaginasse que continuássemos de tal forma atrasados em relação a um direito tão fundamental para a pessoa humana como o direito à comunicação.

No Brasil, os grupos dominantes ainda consideram que liberdade de expressão é igual a liberdade de imprensa e que esta é aquela que apenas algumas famílias, muitas vezes vinculadas às oligarquias políticas regionais e locais, desfrutam. Qualquer proposta que tente alterar este estado de coisas é, no mínimo, acusada de autoritária e stalinista.

Afinal, quem o verdadeiro e único sujeito do direito à comunicação? Tristes tempos.

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Carta de Brizola Neto a José Serra

Reproduzo texto do deputado Brizola Neto (PDT-RJ), publicado no seu excelente blog “Tijolaço” com o títuto “Serra, o Brasil não pode mais”:

Li boa parte de seu discurso, senhor José Serra. Talvez eu seja hoje o que o senhor foi, na minha idade, quando era um jovem, que presidia a União Nacional dos Estudantes e apoiava o Governo João Goulart no Comício da Central. Quando o senhor defendia o socialismo que hoje condena, o patriotismo que hoje trai, o desenvolvimento autônomo do Brasil do qual hoje o senhor debocha.

O senhor, como Fernando Henrique, é útil aos donos do Brasil – sim, Serra, o Brasil tem donos, poque 1% dos brasileiros mais ricos tem o mesmo que todos os 50% mais pobres – porque foi diferente no passado e, hoje, cobre-se do que foi para que não lhe vejam o que é. O símbolo do Brasil que não pode mais, que não pode ser mais como o fizeram.

Não pode mais o Brasil ser das elites, porque nossas elites, salvo exceções, desprezam nosso povo, acham-nos chinfrim, malandro, preguiçoso, sujo, desonesto, marginal. Têm nojo dele, fecham-lhe os vidros com película para nem serem vistos.

Não pode mais ser o país das elites, porque nossas elites, em geral, não hesitam em vender tudo o que este país possui – como o senhor, aliás, incentivou fazer – para que a “raça superior” venha aqui e explore nossas riquezas de maneira “eficiente” e “lucrativa”. Para eles, é claro, e para os que vivem de suas migalhas. Não pode mais ser o Brasil dos governantes arrogantes, como o senhor, que falam de cima – quando falam – que empolam o discurso para que, numa língua sofisticada, que o povo não entende, negociem o que pertence a todos em benefício de alguns.

Não pode mais ser o país dos sábios que, de tão sabidos, fizeram ajoelhar este gigante perante o mundo e nos tornaram servos de uma ordem econômica e política injusta. O país dos governantes “cultos”, que sabem miar em francês e dizer “sim, senhor” em inglês.

Não pode mais ser o país do desenvolvimento a conta-gotas, do superávit acima de tudo, dos juros mais acima de tudo ainda, dos lucros acima do povo, do mercado acima da felicidade, do dinheiro acima do ser humano.

O Brasil pode hoje mais do que pôde no governo do que o senhor fez parte. Pôde enfrentar a mais devastadora crise econômica mundial aumentando salário, renda, consumo, produção, emprego quando passamos décadas ouvindo, diante numa crise na Malásia ou na Tailândia que era preciso arrochar mais o povo.

Pôde falar de igual para igual no mundo, pôde retomar seu petróleo, pôde parar de demitir, pôde retomar investimentos públicos, pôde voltar a investir em moradia, em saneamento, em hidrelétricas, em portos, em ferrovias, em gasodutos. Pôde ampliar o acesso à educação, ainda que abaixo do que mereça o povo, pôde fazer imensas massas de excluídos ingressarem no mundo do consumo e terem direito a sonhar. Pôde, sim, assumir o papel que cabe no mundo a um grande país, líder de seus irmãos latinoamericanos. O Brasil pôde ser, finalmente, o país em que seu povo não se sente um pária. Um país onde o progresso não é mais sinônimo de infelicidade.

É por isso, Serra, que o Brasil não pode mais andar para trás. Não pode voltar para as mãos de gente tão arrogante com seu povo e tão dócil aos graúdos. Não pode mais ser governado por gente fria, que não sente a dor alheia e não é ansiosa e aflita por mudar. Não pode mais, Serra, não pode mais ser governado por gente que renegou seus anos mais generosos, mais valentes, mais decididos e que entregou seus sonhos ao pragmatismo, que disfarça de si mesmo sua capitulação ao inimigo em nome do discurso moderno, como se pudesse ser moderno aquilo que é apoiado pelo Brasil mais retrógrado, elitista, escravocrata, reacionário. Há gente assim no apoio a Lula e a Dilma, por razões de conveniência - político eleitoral, sim. Mas há duzentas vezes mais a seu lado, sem qualquer razão senão a de ver que sua candidatura e sua eleição são a forma de barrar a ascensão da “ralé”. Onde houver um brasileiro empedernidamente reacionário, haverá um eleitor seu José Serra. Normalmente não falaria assim a um homem mais velho, não cometeria tal ousadia.

Mas sinto esta necessidade, além de mim, além de minha timidez natural, além de minha própria insuficiência. Sinto-me na obrigação de ser a voz do teu passado, José Serra. É um jovem que a Deus só pede que suas convicções não lhes caiam como o tempo faz cair aos cabelos, que suas causas não fraquejem como o tempo faz fraquejar o corpo, que seu amor ao povo brasileiro sobreviva como a paixão da vida inteira.

Que o conhecimento, que o tempo há de trazer, não seja o capital de meu sucesso, mas ferramenta do futuro. Vi um homem, já idoso, enfrentar derrotas eleitorais e morrer como um vitorioso, por jamais ter traído as idéias que defendeu. Erros, todo humano os comete. Traição, porém, é o assassinato de nós mesmos.

Matamos quem fomos em troca de um novo papel. Talvez venha daí sua dificuldade de dormir. Na remota hipótese de vencer as eleições, José Serra, o senhor será o derrotado. O senhor é o algoz dos seus melhores sonhos.

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