O enfrentamento destes graves problemas estruturais dependerá, sobremaneira, do resultado da batalha eleitoral de outubro próximo. A poder político tem centralidade na definição do futuro dos trabalhadores; não dá para fugir desta verdade. Mantendo sua autonomia e independência, o movimento sindical será chamado a jogar um papel militante e ativo nesta contenda. Suas bases cobrarão posicionamentos sobre os projetos em disputa.
Avançar nas mudanças ou retroceder – eis o dilema. Com sabedoria e determinação, o sindicalismo poderá aproveitar esta disputa para acumular forças, para reforçar seu time de defensores, para ocupar novos espaços políticos e para se robustecer ainda mais. A omissão nesta batalha decisiva seria um grave erro e cobraria alto preço num futuro bem próximo. Muitos interesses estarão em jogo nas eleições, principalmente na presidencial, mas também para governos estaduais, senadores e deputados.
A orquestração das forças de direita
Os EUA, como já alertou o jornal Guardian, acompanharão atentamente o pleito. O império sabe do peso do Brasil na geopolítica mundial, do perigo que representa a integração soberana da América Latina, da importância do pré-sal na crise energética ou da riqueza da biodiversidade da Amazônia. Já as forças de direita do Brasil encaram o pleito como uma batalha de vida ou morte. Elas estão furiosas com a política de valorização do salário mínimo, exigem novas regressões na Previdência e nos direitos trabalhistas, criticam o fictício “Custo Brasil”, rotulam os programas sociais de “gastança pública”, não toleram as conferências democráticas, exigem maior rigor na criminalização dos movimentos sociais, defendem o retorno ao “alinhamento automático” com os EUA.
Numa operação orquestrada que relembra a funesta “Marcha com Deus, pela família e a liberdade”, que deflagrou o golpe de 1964, elas atacam o Plano Nacional de Direitos Humanos e esbravejam na CPMI contra o MST. Por último, vale destacar o papel que a mídia jogará nesta eleição. Controlada por nove famílias oligárquicas, ela fará de tudo para manipular informações e deformar comportamentos. Inimiga declarada do sindicalismo, a quem tenta asfixiar financeiramente e estigmatizar diante da sociedade, a mídia é o principal “partido da direita” na atualidade. Urge denunciar suas tramóias e fortalecer os veículos próprios dos trabalhadores.
Dilemas do sindicalismo brasileiro
O sindicalismo brasileiro enfrentará esta nova conjuntura em melhores condições do que no passado. Durante os anos de hegemonia neoliberal, os sindicatos ficaram na defensiva devido à explosão do desemprego e à brutal regressão do trabalho, que fragmentou a classe trabalhadora e dificultou suas lutas. Hoje, o cenário é mais favorável. As conquistas recentes na economia e na política não foram dádivas. O sindicalismo foi protagonista destes avanços.
Ele sempre defendeu o fortalecimento do mercado interno, o reforço ao papel do estado, a valorização do trabalho, a prioridade aos programas sociais e a soberania nacional. Nas 65 conferências promovidas pelo governo, que reuniram 4,5 milhões de pessoas em debates democráticos sobre os rumos do país, o movimento sindical sempre propôs um novo projeto nacional de desenvolvimento. Ele nunca aceitou a postura ortodoxa que impera no Banco Central, com o seu tripé neoliberal de política monetária restritiva (juros elevados), política fiscal contracionista (superávit primário) e política cambial entreguista.
Sem abdicar da sua autonomia e independência, o sindicalismo participará das batalhas políticas deste ano opondo-se a qualquer tentativa de retrocesso e exigindo ainda maiores avanços nas mudanças. Sua plataforma exigirá a valorização do trabalho e o combate aos graves problemas estruturais do país, com reformas progressistas contra as injustiças.
Retomada da ofensiva sindical
O atual quadro econômico também permite uma retomada da ofensiva do sindicalismo. Ele é mais favorável às lutas dos trabalhadores. Se em plena crise internacional, 93% das categorias conquistaram reajustes iguais ou superiores à inflação, num cenário de crescimento econômico é possível exigir muito mais dos empresários. Eles estão auferindo lucros recordes na sua história, não têm do que choramingar. Este é o momento ideal para exigir melhor distribuição dos lucros decorrentes do elevado aumento da produtividade e do comércio de mercadorias.
Esta é a melhor hora para enterrar os entulhos da regressão trabalhista imposta pelo neoliberalismo, em especial as medidas de precarização da jornada (banco de horas), da contratação (terceirização e outras formas de contratos e precários) e remuneração (salários variáveis). Na contramão da ofensiva mundial contra os direitos do trabalho, o Brasil reúne as melhores condições para conquistar a redução da jornada para 40 horas semanais – o que seria uma vitória história do sindicalismo brasileiro, uma autêntica “reforma revolucionária”. No rastro da recente aprovação da Convenção 151 da OIT, que garante o direito à organização sindical e à negociação coletiva dos servidores públicos, é possível também retomar a campanha pela ratificação da Convenção 158, que estancaria as demissões imotivadas e representaria um enorme impulso à ação sindical.
Enfrentar os gargalos do sindicalismo
Para transformar o atual momento numa “janela de oportunidades”, o sindicalismo precisará enfrentar os seus próprios gargalos. Não há como avançar nas conquistas de forma isolada, por categorias. A unidade da classe é fundamental. Daí a importância histórica da convocação, para início de junho, da Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras (Conclat). Este evento pode unificar o sindicalismo em torno de uma plataforma progressista para a sucessão presidencial, exigindo que os candidatos se comprometam com as bandeiras trabalhistas – em especial, com a imediata redução da jornada de trabalho, restrição às terceirizações, direito à organização sindical no local de trabalho, entre outras reivindicações.
Numa correlação de forças mais favorável, também é possível investir mais na intensificação das lutas da classe, no enraizamento nos locais de trabalho, na renovação das lideranças, no aperfeiçoamento dos instrumentos sindicais de formação e informação e na politização dos trabalhadores. Este é o momento ideal para avançar. É o momento ideal para o sindicalismo ocupar o seu papel protagonista na luta pelos objetivos imediatos e futuros da classe, mantendo como perspectiva a luta pela superação do capitalismo e pela construção do socialismo.
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sábado, 29 de maio de 2010
Que tal uma Caravana JN neste ano?
Reproduzo artigo do professor Laurindo Lalo Leal Filho, publicado no sítio Carta Maior:
Neste ano não vamos ter a Caravana do Jornal Nacional? Alguém ainda se lembra da tal Caravana que rodou o Brasil antes das eleições de 2006? Foi um dos momentos altos do jornalismo-espetáculo comprometido com uma candidatura presidencial. Não por acaso, aquela que procurava evitar a reeleição de Lula.
O governo superava a tentativa de golpe orquestrada em meio ao primeiro mandato, mas sofria ainda algumas seqüelas. Todas muito bem aproveitadas pelo jornalismo global. E ai inventou-se a Caravana pilotada por um publicitário e por um animador de programas de auditório para mostrar o Brasil no Jornal Nacional. O curioso é que essas imagens poderiam ser muito mais facilmente captadas pelas afiliadas da emissora espalhadas por todo o pais. Mas ai haveria a possibilidade da informação sobreviver jogando o espetáculo por água abaixo.
E nem original ela era. Tratava-se da adaptação brasileira de uma cobertura eleitoral realizada nos Estados Unidos, nos anos 1950, pelo jornalista Peter Jennings, para a rede de televisão ABC. Aqui exagerou-se no show, com um conteúdo marcado pelo partidarismo. Exemplo disso foi dado no dia 7 de setembro de 2006, quando a Caravana passou pela “pior estrada do Brasil’: a BR-116, entre o Maranhão e o Pará. A reportagem, com 1 minuto e 16 segundos, exibiu crateras e sugeriu que os candidatos passassem por lá”. No dia seguinte, o JN repetiu parte da matéria com frases do tipo “mostra a vergonha do Brasil, mostra onde foram parar nossos impostos, olhas as placas de sinalização, as faixas no asfalto. Olha o asfalto...”
No dia 9, o JN repercutia a reportagem com os candidatos. Geraldo Alckimin, como que obedecendo às chamadas do repórter, dizia ter estado lá e ter visto “o estado de abandono da estrada (com) graves riscos para os caminhoneiros (e) aumento do custo do frete”. Tabelinha perfeita, do tipo Pelé-Coutinho ou, para atualizar, Ganso-Neymar.
As informações são da pesquisadora Flora Neves e estão num livro publicado por ela, em 2008, chamado "Telejornalismo e Poder nas Eleições Presidenciais" (Summus Editorial). A cobertura dos pleitos de 2006 e 2008 realizada pelo JN é minuciosamente analisada e destrói, com provas, o discurso de equilíbrio tão propagandeado pela emissora. Vale a pena ser lido às vésperas de uma nova eleição.
Agora, em 2010, um novo livro aprofunda a análise sobre a Caravana do JN. Trata-se da publicação da tese de doutorado, defendida na PUC de São Paulo, por Carla Montuori Fagundes sob o titulo “Os contrapontos eleitorais e os cinco ‘brasis’ em campanha pela Caravana JN” (Porto de Ideias Editora).
São analisados 52 programas cujo conteúdo é minuciosamente confrontado com os dados apresentados no “Atlas da exclusão social no Brasil: classes sociais” organizado por Ricardo Amorim e Márcio Pochmann. Aí o espetáculo pseudo jornalístico vira espuma. Revela-se a nítida intenção de jogar nas costas do candidato da situação todas os problemas sociais das regiões mais pobres, sem dar a ele o crédito do sucesso onde as condições de vida melhoraram.
A região sul-sudeste seguia maravilhosa para a Caravana em contraste com a beira do inferno encarnada no norte-nordeste. Nada como o reforço de bons estereótipos para garantir a audiência. E mais, segundo a pesquisa, para não mostrar os avanços sociais que já eram visíveis em regiões menos favorecidas.
E agora? Por que não há uma nova Caravana? Simplesmente porque será difícil esconder esses avanços, fortalecidos a partir do segundo mandato do presidente Lula. Vamos ficar apenas no Nordeste, onde a Caravana destacava, em 2006, a miséria por todo o lado. É para lá que estão voltando centenas de brasileiros expulsos do país durante o auge da vigência do regime neoliberal. Eis um exemplo isolado, mas emblemático: as dezenas de dekasseguis brasileiros que migraram do sul maravilha para o Japão e agora voltam contratados pelo Estaleiro Atlântico Sul, instalado no distrito portuário industrial do Suape, em Pernambuco.
Seria difícil realizar uma nova Caravana JN sem mostrar fatos como esse. Então, em nome do partido do qual ela fazia parte, é melhor deixar para lá.
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Neste ano não vamos ter a Caravana do Jornal Nacional? Alguém ainda se lembra da tal Caravana que rodou o Brasil antes das eleições de 2006? Foi um dos momentos altos do jornalismo-espetáculo comprometido com uma candidatura presidencial. Não por acaso, aquela que procurava evitar a reeleição de Lula.
O governo superava a tentativa de golpe orquestrada em meio ao primeiro mandato, mas sofria ainda algumas seqüelas. Todas muito bem aproveitadas pelo jornalismo global. E ai inventou-se a Caravana pilotada por um publicitário e por um animador de programas de auditório para mostrar o Brasil no Jornal Nacional. O curioso é que essas imagens poderiam ser muito mais facilmente captadas pelas afiliadas da emissora espalhadas por todo o pais. Mas ai haveria a possibilidade da informação sobreviver jogando o espetáculo por água abaixo.
E nem original ela era. Tratava-se da adaptação brasileira de uma cobertura eleitoral realizada nos Estados Unidos, nos anos 1950, pelo jornalista Peter Jennings, para a rede de televisão ABC. Aqui exagerou-se no show, com um conteúdo marcado pelo partidarismo. Exemplo disso foi dado no dia 7 de setembro de 2006, quando a Caravana passou pela “pior estrada do Brasil’: a BR-116, entre o Maranhão e o Pará. A reportagem, com 1 minuto e 16 segundos, exibiu crateras e sugeriu que os candidatos passassem por lá”. No dia seguinte, o JN repetiu parte da matéria com frases do tipo “mostra a vergonha do Brasil, mostra onde foram parar nossos impostos, olhas as placas de sinalização, as faixas no asfalto. Olha o asfalto...”
No dia 9, o JN repercutia a reportagem com os candidatos. Geraldo Alckimin, como que obedecendo às chamadas do repórter, dizia ter estado lá e ter visto “o estado de abandono da estrada (com) graves riscos para os caminhoneiros (e) aumento do custo do frete”. Tabelinha perfeita, do tipo Pelé-Coutinho ou, para atualizar, Ganso-Neymar.
As informações são da pesquisadora Flora Neves e estão num livro publicado por ela, em 2008, chamado "Telejornalismo e Poder nas Eleições Presidenciais" (Summus Editorial). A cobertura dos pleitos de 2006 e 2008 realizada pelo JN é minuciosamente analisada e destrói, com provas, o discurso de equilíbrio tão propagandeado pela emissora. Vale a pena ser lido às vésperas de uma nova eleição.
Agora, em 2010, um novo livro aprofunda a análise sobre a Caravana do JN. Trata-se da publicação da tese de doutorado, defendida na PUC de São Paulo, por Carla Montuori Fagundes sob o titulo “Os contrapontos eleitorais e os cinco ‘brasis’ em campanha pela Caravana JN” (Porto de Ideias Editora).
São analisados 52 programas cujo conteúdo é minuciosamente confrontado com os dados apresentados no “Atlas da exclusão social no Brasil: classes sociais” organizado por Ricardo Amorim e Márcio Pochmann. Aí o espetáculo pseudo jornalístico vira espuma. Revela-se a nítida intenção de jogar nas costas do candidato da situação todas os problemas sociais das regiões mais pobres, sem dar a ele o crédito do sucesso onde as condições de vida melhoraram.
A região sul-sudeste seguia maravilhosa para a Caravana em contraste com a beira do inferno encarnada no norte-nordeste. Nada como o reforço de bons estereótipos para garantir a audiência. E mais, segundo a pesquisa, para não mostrar os avanços sociais que já eram visíveis em regiões menos favorecidas.
E agora? Por que não há uma nova Caravana? Simplesmente porque será difícil esconder esses avanços, fortalecidos a partir do segundo mandato do presidente Lula. Vamos ficar apenas no Nordeste, onde a Caravana destacava, em 2006, a miséria por todo o lado. É para lá que estão voltando centenas de brasileiros expulsos do país durante o auge da vigência do regime neoliberal. Eis um exemplo isolado, mas emblemático: as dezenas de dekasseguis brasileiros que migraram do sul maravilha para o Japão e agora voltam contratados pelo Estaleiro Atlântico Sul, instalado no distrito portuário industrial do Suape, em Pernambuco.
Seria difícil realizar uma nova Caravana JN sem mostrar fatos como esse. Então, em nome do partido do qual ela fazia parte, é melhor deixar para lá.
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O Estadão e o pelourinho aos sindicatos
Reproduzo artigo de André Cintra, publicado no sítio Vermelho:
Há vários aspectos emblemáticos nas chibatas que o jornal O Estado de S.Paulo lançou, neste domingo (23), sobre as costas do movimento sindical. Nada sobressai mais do que a hipocrisia. Em poucas palavras, o Estadão quer tratamento privilegiado e exclusivo nas relações com os Três Poderes: tudo para a grande mídia, tudo de ruim para o sindicalismo.
O centenário jornal da família Mesquita cobra alforria total para a imprensa burguesa — nada de regulamentação, diploma para seus jornalistas, Lei da Imprensa, direito de resposta, cotas temáticas, concorrência leal com mídias públicas e independentes, etc. Em compensação, o Estadão, do alto de seus 135 anos, comporta-se como um autêntico “Velho do Restelo”, atribuindo crimes e imoralidades a tudo que envolva as entidades sindicais e suas lideranças.
A fanfarronice tem razão de ser. Pela primeira vez na história do Brasil, a imensa maioria do movimento sindical entende a singularidade das eleições presidenciais. Os principais presidenciáveis de 2010 — José Serra e Dilma Rousseff — encarnam projetos antagônicos, e a relação de cada um deles com o movimento sindical explicita tamanha discrepância.
Serra não se permite dialogar com trabalhadores, persegue lideranças sindicais, joga a força policial contra manifestantes e asfixia entidades com multas extorsivas. Dilma é o símbolo de um governo que legalizou as centrais e lhes cedeu parte legítima do imposto sindical, ampliou as políticas de transferência de renda desenvolveu uma política de valorização real do salário mínimo, promoveu centenas de audiências, multiplicou as conferências públicas.
O movimento sindical não tem dúvida de que lado está. Tampouco a mídia tem dúvidas de qual projeto ela mesma representa. O que a mídia faz é usar sua força para desacreditar e emparedar o sindicalismo. O movimento sindical quer apenas que se aplique a legislação. A mídia quer ficar à margem da lei.
É a própria mídia, aliás, quem proclama a “liberdade de imprensa” como um valor universal, absoluto — quase um “destino manifesto”. Mas quem criou o universo midiático brasileiro que mereceria tamanha liberdade? Quem conferiu à mídia o direito de estar acima de tudo? Ela mesma ou o conjunto da sociedade? O povo historicamente oprimido ou as elites encravadas há 500 anos no poder? Por que não democratizar as comunicações para aí, sim, se falar em liberdades — mas, antes de tudo, em igualdade?
Sindicatos, federações, confederações e centrais representam um universo de mais de 50 milhões de trabalhadores formais. São funcionários públicos, pessoas assalariadas ou pequenos e médios produtores, no caso de parte dos trabalhadores rurais. Por que a mídia quer fazer crer que ela tem mais legitimidade do que o movimento sindical para falar dessas categorias organizadas? Em nome de quem se pronuncia a velha mídia nacional?
As seis famílias que dominam as comunicações no Brasil não foram eleitas com um voto sequer e, ainda assim, regem-se por uma licenciosidade descomunal, impune. A depender desses barões, isso só pode valer para a mídia grande — que quer impor controle irrestrito à atuação de entidades dos movimentos sindical, estudantil, camponês e comunitário.
Grandes jornais, revistas e emissoras de TV estrebuchem sobre os R$ 2 bilhões arrecadados anualmente via imposto sindical — mas não abram mão de um centavo sequer de verbas oficiais tão mais expressivas. Curiosamente, é a grande mídia — e não o movimento sindical — que não tem musculatura para sobreviver sem dinheiro público. Os sindicalistas deviam seguir a UNE e propor um desafio à canalhada midiática: que tanto as entidades quanto os tradicionais veículos de comunicação abram mão em definitivo da verba pública.
As perseguições ao movimento sindical não são de hoje, nem se trata de uma cruzada restrita às páginas do Estadão. Na semana passada mesmo, Época levou à sua capa uma matéria supostamente investigativa sobre a participação de sindicalistas em órgãos e instâncias do governo federal. Não há uma única denúncia de irregularidade. O que a revista oferece a seus leitores são pílulas de preconceito sobre o que chama de “República Sindicalista”.
“Essa visão conservadora quer considerar reserva de mercado das elites o exercício de altas funções públicas. O melhor exemplo para demolir essa tese furada é o Lula, ele próprio um sindicalista, celebrado no mundo todo ao ocupar o mais alto cargo da República”, rebateu em seu blog Nivaldo Santana, vice-presidente da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadores do Brasil).
A matéria do Estadão se pendura numa esquadrilha igualmente preconceituosa. Critica Lula por ter ampliado a distribuição do imposto sindical, mas nada de dizer que o imposto não é a única fonte de sustentação dos sindicatos — assim como o movimento estudantil não vive de carteirinhas meia-entrada. Irregularidades há, e o Estadão pega dois casos explícitos de oportunismo, ambos minoritários, residuais. Mas são também pretextos de calamidade pública, a crer nos textos do Estadão e no título falacioso de sua manchete principal numa edição de domingo— “Sindicato vira negócio lucrativo e País registra uma nova entidade por dia”.
A verdade é que o movimento sindical nunca esteve tão organizado e unido na história do Brasil, de modo a participar dos destinos da nação. As entidades sindicais influenciam como nunca nas decisões trabalhistas e sociais do governo federal, bem como serão protagonistas nas eleições de outubro.
A grande mídia, por sua vez, dita cada vez menos ordens. Infelizmente para o Estadão, não há matéria oportunista que reverta isso.
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Há vários aspectos emblemáticos nas chibatas que o jornal O Estado de S.Paulo lançou, neste domingo (23), sobre as costas do movimento sindical. Nada sobressai mais do que a hipocrisia. Em poucas palavras, o Estadão quer tratamento privilegiado e exclusivo nas relações com os Três Poderes: tudo para a grande mídia, tudo de ruim para o sindicalismo.
O centenário jornal da família Mesquita cobra alforria total para a imprensa burguesa — nada de regulamentação, diploma para seus jornalistas, Lei da Imprensa, direito de resposta, cotas temáticas, concorrência leal com mídias públicas e independentes, etc. Em compensação, o Estadão, do alto de seus 135 anos, comporta-se como um autêntico “Velho do Restelo”, atribuindo crimes e imoralidades a tudo que envolva as entidades sindicais e suas lideranças.
A fanfarronice tem razão de ser. Pela primeira vez na história do Brasil, a imensa maioria do movimento sindical entende a singularidade das eleições presidenciais. Os principais presidenciáveis de 2010 — José Serra e Dilma Rousseff — encarnam projetos antagônicos, e a relação de cada um deles com o movimento sindical explicita tamanha discrepância.
Serra não se permite dialogar com trabalhadores, persegue lideranças sindicais, joga a força policial contra manifestantes e asfixia entidades com multas extorsivas. Dilma é o símbolo de um governo que legalizou as centrais e lhes cedeu parte legítima do imposto sindical, ampliou as políticas de transferência de renda desenvolveu uma política de valorização real do salário mínimo, promoveu centenas de audiências, multiplicou as conferências públicas.
O movimento sindical não tem dúvida de que lado está. Tampouco a mídia tem dúvidas de qual projeto ela mesma representa. O que a mídia faz é usar sua força para desacreditar e emparedar o sindicalismo. O movimento sindical quer apenas que se aplique a legislação. A mídia quer ficar à margem da lei.
É a própria mídia, aliás, quem proclama a “liberdade de imprensa” como um valor universal, absoluto — quase um “destino manifesto”. Mas quem criou o universo midiático brasileiro que mereceria tamanha liberdade? Quem conferiu à mídia o direito de estar acima de tudo? Ela mesma ou o conjunto da sociedade? O povo historicamente oprimido ou as elites encravadas há 500 anos no poder? Por que não democratizar as comunicações para aí, sim, se falar em liberdades — mas, antes de tudo, em igualdade?
Sindicatos, federações, confederações e centrais representam um universo de mais de 50 milhões de trabalhadores formais. São funcionários públicos, pessoas assalariadas ou pequenos e médios produtores, no caso de parte dos trabalhadores rurais. Por que a mídia quer fazer crer que ela tem mais legitimidade do que o movimento sindical para falar dessas categorias organizadas? Em nome de quem se pronuncia a velha mídia nacional?
As seis famílias que dominam as comunicações no Brasil não foram eleitas com um voto sequer e, ainda assim, regem-se por uma licenciosidade descomunal, impune. A depender desses barões, isso só pode valer para a mídia grande — que quer impor controle irrestrito à atuação de entidades dos movimentos sindical, estudantil, camponês e comunitário.
Grandes jornais, revistas e emissoras de TV estrebuchem sobre os R$ 2 bilhões arrecadados anualmente via imposto sindical — mas não abram mão de um centavo sequer de verbas oficiais tão mais expressivas. Curiosamente, é a grande mídia — e não o movimento sindical — que não tem musculatura para sobreviver sem dinheiro público. Os sindicalistas deviam seguir a UNE e propor um desafio à canalhada midiática: que tanto as entidades quanto os tradicionais veículos de comunicação abram mão em definitivo da verba pública.
As perseguições ao movimento sindical não são de hoje, nem se trata de uma cruzada restrita às páginas do Estadão. Na semana passada mesmo, Época levou à sua capa uma matéria supostamente investigativa sobre a participação de sindicalistas em órgãos e instâncias do governo federal. Não há uma única denúncia de irregularidade. O que a revista oferece a seus leitores são pílulas de preconceito sobre o que chama de “República Sindicalista”.
“Essa visão conservadora quer considerar reserva de mercado das elites o exercício de altas funções públicas. O melhor exemplo para demolir essa tese furada é o Lula, ele próprio um sindicalista, celebrado no mundo todo ao ocupar o mais alto cargo da República”, rebateu em seu blog Nivaldo Santana, vice-presidente da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadores do Brasil).
A matéria do Estadão se pendura numa esquadrilha igualmente preconceituosa. Critica Lula por ter ampliado a distribuição do imposto sindical, mas nada de dizer que o imposto não é a única fonte de sustentação dos sindicatos — assim como o movimento estudantil não vive de carteirinhas meia-entrada. Irregularidades há, e o Estadão pega dois casos explícitos de oportunismo, ambos minoritários, residuais. Mas são também pretextos de calamidade pública, a crer nos textos do Estadão e no título falacioso de sua manchete principal numa edição de domingo— “Sindicato vira negócio lucrativo e País registra uma nova entidade por dia”.
A verdade é que o movimento sindical nunca esteve tão organizado e unido na história do Brasil, de modo a participar dos destinos da nação. As entidades sindicais influenciam como nunca nas decisões trabalhistas e sociais do governo federal, bem como serão protagonistas nas eleições de outubro.
A grande mídia, por sua vez, dita cada vez menos ordens. Infelizmente para o Estadão, não há matéria oportunista que reverta isso.
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Ruralistas versus direitos humanos
Reproduzo artigo de Maria Inês Nassif, publicado no jornal Valor Econômico:
Existem inúmeras razões para colocar a erradicação do trabalho escravo como a prioridade número um do Século XXI - de ordem econômica, religiosa ou social. O difícil é imaginar alguma razão para defender a acumulação de riqueza por meio da exploração do trabalho de forma desumana e degradante. A despeito de todo horror que causa a existência de seres humanos que, em estado de miséria, são submetidos a condições de exploração extrema, a barreira ruralista que rapidamente se arma a qualquer vaga ameaça sobre a propriedade tenta se impor ao bom senso. O bom senso - único, inescapável - é que o trabalho escravo tem que ser eliminado da vida brasileira.
As atuações das secretarias de Direitos Humanos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não foram de ruptura. Sob a liderança de militantes históricos da área - José Gregori, no governo FHC, e Nilmário Miranda e Paulo Vannuchi, no governo Lula -, os governos tucano e petista mantiveram uma agenda que era comum à sociedade civil que, desde a ditadura, lutava por direitos políticos e de cidadania. Talvez por terem a mesma origem, dificilmente - com a triste exceção da desmedida reação conservadora ao 3º Programa Nacional dos Direitos Humanos (PNDH-3), apoiada por tucanos por razões que fugiram aos seus compromissos históricos - encontram grandes resistências no terreno de disputa partidária entre as duas legendas que lideram o cenário da política institucional, o PT e o PSDB. A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, as tentativas de resgate da memória da repressão política no período militar (1964-1985), o combate ao trabalho infantil, as ações para universalizar o registro civil e vários outros programas dos que se desenvolvem hoje, na SEDH, começaram no período anterior.
O Programa de Erradicação do Trabalho Escravo é um deles. O Brasil tornou-se referência mundial de combate ao trabalho degradante em 1995, quando o governo de FHC reconheceu publicamente a existência do trabalho escravo no país. O Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (Gertraf) foi criado naquela época e elevado a Comissão Nacional Para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), órgão colegiado vinculado à Secretaria Especial dos Direitos Humanos, no governo Lula. É de 1995 a criação do Grupo de Fiscalização Móvel - que, de lá para cá, tem tornado relativamente comuns as ações, estampadas pelos jornais, de libertação de mão de obra em regime análogo ao trabalho escravo em fazendas pelo Brasil afora.
O 1ºEncontro Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, que acontece desde terça-feira em Brasília, coloca o problema como política pública que envolve Executivo, Legislativo e Judiciário, por demanda de setores sociais engajados em apagar a escravidão da triste história brasileira. O encontro reúne ministros do governo, o ministro Carlos Ayres Brito, do Supremo Tribunal Federal, organizações sociais envolvidas no combate à escravidão, ministros do Tribunal Superior do Trabalho, juízes do Trabalho, representantes do Ministério Público, a relatora Especial das Nações Unidas sobre formas contemporâneas de escravidão, Gulnara Shahinian etc. Se, de um lado, reúne consensos, de outro tem um enorme potencial do confronto.
A aprovação, o Congresso, da proposta de iniciativa popular da Ficha Limpa, a despeito de todas as previsões, recolocou a PEC nº438/2001 com mais força na agenda desses setores que querem transformar a luta pela erradicação do trabalho escravo em consenso. A emenda foi apresentada ainda no governo de FHC, foi votada pelo Senado em dois turnos e apenas conseguiu ser apreciada no primeiro turno pela Câmara em 2004, em meio à comoção do massacre de Unaí, quando fiscais do trabalho foram massacrados a mando de um fazendeiro. Espera a votação em segundo turno até hoje. A PEC autoriza a desapropriação, para fins de reforma agrária, das propriedades rurais que fizerem uso do trabalho escravo - a exemplo do que a Constituição de 1988 definiu para as propriedades rurais que fizerem plantio de drogas. Impede a votação a oposição da bancada ruralista, o setor mais conservador da sociedade brasileira e mais super-representado no Congresso Nacional. É enorme o poder de veto da bancada, no que se refere a qualquer assunto que envolva a propriedade rural.
O momento, segundo o ministro Paulo Vannuchi, pode ser propício: a efetividade da pressão popular que levou à votação do Ficha Limpa pode neutralizar o poder de veto da bancada ruralista. Foi entregue ao presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), um abaixo-assinado com 284 mil assinaturas em favor da votação da PEC do Trabalho Escravo. Houve empenho inclusive de empresa na coleta de assinaturas ao abaixo-assinado.
A PEC não será definitiva na erradicação do trabalho escravo, mas sua aprovação poderá ser um importante instrumento de desestímulo a essa prática. Segundo Leonardo Sakamoto, jornalista e coordenador da organização Repórter Brasil, que também coordena o movimento, tem grande efetividade na luta pela erradicação do trabalho escravo o pacto empresarial firmado em torno da Lista Suja divulgada pelo Ministério do Trabalho, com o nome de empresas e pessoas físicas que tenham feito uso do trabalho escravo. Os integrantes dessa lista são excluídos do rol de fornecedores das duas centenas de empresas e os bancos oficiais têm suspendido crédito a eles. Segundo José Guerra, do Movimento Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, essas 200 empresas que punem comercialmente as empresas rurais que fazem uso da escravidão representam uma boa parcela do PIB nacional.
A questão, todavia, é evitar que o tema seja tragado pelos setores mais atrasados, cuja resistência a uma rígida punição ao uso do trabalho escravo pode configurar até como uma confissão de culpa.
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Existem inúmeras razões para colocar a erradicação do trabalho escravo como a prioridade número um do Século XXI - de ordem econômica, religiosa ou social. O difícil é imaginar alguma razão para defender a acumulação de riqueza por meio da exploração do trabalho de forma desumana e degradante. A despeito de todo horror que causa a existência de seres humanos que, em estado de miséria, são submetidos a condições de exploração extrema, a barreira ruralista que rapidamente se arma a qualquer vaga ameaça sobre a propriedade tenta se impor ao bom senso. O bom senso - único, inescapável - é que o trabalho escravo tem que ser eliminado da vida brasileira.
As atuações das secretarias de Direitos Humanos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não foram de ruptura. Sob a liderança de militantes históricos da área - José Gregori, no governo FHC, e Nilmário Miranda e Paulo Vannuchi, no governo Lula -, os governos tucano e petista mantiveram uma agenda que era comum à sociedade civil que, desde a ditadura, lutava por direitos políticos e de cidadania. Talvez por terem a mesma origem, dificilmente - com a triste exceção da desmedida reação conservadora ao 3º Programa Nacional dos Direitos Humanos (PNDH-3), apoiada por tucanos por razões que fugiram aos seus compromissos históricos - encontram grandes resistências no terreno de disputa partidária entre as duas legendas que lideram o cenário da política institucional, o PT e o PSDB. A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, as tentativas de resgate da memória da repressão política no período militar (1964-1985), o combate ao trabalho infantil, as ações para universalizar o registro civil e vários outros programas dos que se desenvolvem hoje, na SEDH, começaram no período anterior.
O Programa de Erradicação do Trabalho Escravo é um deles. O Brasil tornou-se referência mundial de combate ao trabalho degradante em 1995, quando o governo de FHC reconheceu publicamente a existência do trabalho escravo no país. O Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (Gertraf) foi criado naquela época e elevado a Comissão Nacional Para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), órgão colegiado vinculado à Secretaria Especial dos Direitos Humanos, no governo Lula. É de 1995 a criação do Grupo de Fiscalização Móvel - que, de lá para cá, tem tornado relativamente comuns as ações, estampadas pelos jornais, de libertação de mão de obra em regime análogo ao trabalho escravo em fazendas pelo Brasil afora.
O 1ºEncontro Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, que acontece desde terça-feira em Brasília, coloca o problema como política pública que envolve Executivo, Legislativo e Judiciário, por demanda de setores sociais engajados em apagar a escravidão da triste história brasileira. O encontro reúne ministros do governo, o ministro Carlos Ayres Brito, do Supremo Tribunal Federal, organizações sociais envolvidas no combate à escravidão, ministros do Tribunal Superior do Trabalho, juízes do Trabalho, representantes do Ministério Público, a relatora Especial das Nações Unidas sobre formas contemporâneas de escravidão, Gulnara Shahinian etc. Se, de um lado, reúne consensos, de outro tem um enorme potencial do confronto.
A aprovação, o Congresso, da proposta de iniciativa popular da Ficha Limpa, a despeito de todas as previsões, recolocou a PEC nº438/2001 com mais força na agenda desses setores que querem transformar a luta pela erradicação do trabalho escravo em consenso. A emenda foi apresentada ainda no governo de FHC, foi votada pelo Senado em dois turnos e apenas conseguiu ser apreciada no primeiro turno pela Câmara em 2004, em meio à comoção do massacre de Unaí, quando fiscais do trabalho foram massacrados a mando de um fazendeiro. Espera a votação em segundo turno até hoje. A PEC autoriza a desapropriação, para fins de reforma agrária, das propriedades rurais que fizerem uso do trabalho escravo - a exemplo do que a Constituição de 1988 definiu para as propriedades rurais que fizerem plantio de drogas. Impede a votação a oposição da bancada ruralista, o setor mais conservador da sociedade brasileira e mais super-representado no Congresso Nacional. É enorme o poder de veto da bancada, no que se refere a qualquer assunto que envolva a propriedade rural.
O momento, segundo o ministro Paulo Vannuchi, pode ser propício: a efetividade da pressão popular que levou à votação do Ficha Limpa pode neutralizar o poder de veto da bancada ruralista. Foi entregue ao presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), um abaixo-assinado com 284 mil assinaturas em favor da votação da PEC do Trabalho Escravo. Houve empenho inclusive de empresa na coleta de assinaturas ao abaixo-assinado.
A PEC não será definitiva na erradicação do trabalho escravo, mas sua aprovação poderá ser um importante instrumento de desestímulo a essa prática. Segundo Leonardo Sakamoto, jornalista e coordenador da organização Repórter Brasil, que também coordena o movimento, tem grande efetividade na luta pela erradicação do trabalho escravo o pacto empresarial firmado em torno da Lista Suja divulgada pelo Ministério do Trabalho, com o nome de empresas e pessoas físicas que tenham feito uso do trabalho escravo. Os integrantes dessa lista são excluídos do rol de fornecedores das duas centenas de empresas e os bancos oficiais têm suspendido crédito a eles. Segundo José Guerra, do Movimento Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, essas 200 empresas que punem comercialmente as empresas rurais que fazem uso da escravidão representam uma boa parcela do PIB nacional.
A questão, todavia, é evitar que o tema seja tragado pelos setores mais atrasados, cuja resistência a uma rígida punição ao uso do trabalho escravo pode configurar até como uma confissão de culpa.
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Os interesses do império e a nossa mídia
Reproduzo artigo de Mino Carta, publicado na revista CartaCapital:
Ao ler os jornalões na manhã de segunda (17), dos editoriais aos textos ditos jornalísticos, sem omitir as colunas, sobretudo as de O Globo, me atrevi a perguntar aos meus perplexos botões se Lula não seria um agente, ocidental e duplo, a serviço do Irã. Limitaram-se a responder soturnamente com uma frase de Raymundo Faoro: “A elite brasileira é entreguista”.
Entendi a mensagem. A elite brasileira aceita com impávida resignação o papel reservado ao País há quase um século, de súdito do Império. Antes, foi de outros. Súdito por séculos, embora graúdo por causa de suas dimensões e infindas potencialidades, destacado dentro do quintal latino-americano. Mas subordinado, sempre e sempre, às vontades do mais forte.
Para citar eventos recentíssimos, me vem à mente a foto de Fernando Henrique Cardoso, postado dois degraus abaixo de Bill Clinton, que lhe apoia as mãos enormes sobre os ombros, em sinal de tolerante proteção e imponência inescapável. O americano sorri, condescendente. O brasileiro gargalha. O presidente que atrelou o Brasil ao mando neoliberal e o quebrou três vezes revela um misto de lisonja e encantamento servil. A alegria de ser notado. Admitido no clube dos senhores, por um escasso instante.
Não pretendo aqui celebrar o êxito da missão de Lula e Erdogan. Sei apenas que em país nenhum do mundo democrático um presidente disposto a buscar o caminho da paz não contaria, ao menos, com o respeito da mídia. Aqui não. Em perfeita sintonia, o jornalismo pátrio enxerga no presidente da República, um ex-metalúrgico que ousou demais, o surfista do exibicionismo, o devoto da autopromoção a beirar o ridículo. Falamos, porém, é do chefe do Estado e do governo do Brasil. Do nosso país. E a esperança da mídia é que se enrede em equívocos e desatinos.
Não há entidade, instituição, setor, capaz de representar de forma mais eficaz a elite brasileira do que a nossa mídia. Desta nata, creme do creme, ela é, de resto, o rosto explícito. E a elite brasileira fica a cada dia mais anacrônica, como a Igreja do papa Ratzinger. Recusa-se a entender que o tempo passa, ou melhor, galopa. Tudo muda, ainda que nem sempre a galope. No entanto, o partido da mídia nativa insiste nos vezos de antanho, e se arma, compacto, diante daquilo que considera risco comum. Agora, contra a continuidade de Lula por meio de Dilma.
Imaginemos o que teriam estampado os jornalões se na manhã da segunda 17, em lugar de Lula, o presidente FHC tivesse passado por Teerã? Ele, ou, se quiserem, uma neoudenista qualquer? Verifiquem os leitores as reações midiáticas à fala de Marta Suplicy a respeito de Fernando Gabeira, um dos sequestradores do embaixador dos Estados Unidos em 1969. Disse a ex-prefeita de São Paulo: por que só falam da “ex-guerrilheira” Dilma, e não dele, o sequestrador?
A pergunta é cabível, conquanto Gabeira tenha se bandeado para o outro lado enquanto Dilma está longe de se envergonhar do seu passado de resistência à ditadura, disposta a aderir a uma luta armada da qual, de fato, nunca participou ao vivo. Nada disso impede que a chamem de guerrilheira, quando não terrorista. Quanto a Gabeira, Marta não teria lhe atribuído o papel exato que de fato desempenhou, mas no sequestro esteve tão envolvido a ponto de alugar o apartamento onde o sequestrado ficaria aprisionado. E com os demais implicados foi desterrado pela ditadura.
Por que não catalogá-lo, como se faz com Dilma? Ocorre que o candidato ao governo do Rio de Janeiro perpetrou outra adesão. Ficou na oposição a Lula, primeiro alvo antes de sua candidata. Cabe outro pensamento: em qual país do mundo democrático a mídia se afinaria em torno de uma posição única ao atirar contra um único alvo? Só no Brasil, onde os profissionais do jornalismo chamam os patrões de colegas.
Até que ponto o fenômeno atual repete outros tantos do passado, ou, quem sabe, acrescenta uma pedra à construção do monumento? A verificar, no decorrer do período. Vale, contudo, anotar o comportamento dos jornalões em relação às pesquisas eleitorais. Os números do Vox Populi e da Sensus, a exibirem, na melhor das hipóteses para os neoudenistas, um empate técnico entre candidatos, somem das manchetes para ganhar algum modesto recanto das páginas internas.
Recôndito espaço. Ao mesmo tempo Lula, pela enésima vez, é condenado sem apelação ao praticar uma política exterior independente em relação aos interesses do Império. Recomenda-se cuidado: a apelação vitoriosa ameaça vir das urnas.
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Ao ler os jornalões na manhã de segunda (17), dos editoriais aos textos ditos jornalísticos, sem omitir as colunas, sobretudo as de O Globo, me atrevi a perguntar aos meus perplexos botões se Lula não seria um agente, ocidental e duplo, a serviço do Irã. Limitaram-se a responder soturnamente com uma frase de Raymundo Faoro: “A elite brasileira é entreguista”.
Entendi a mensagem. A elite brasileira aceita com impávida resignação o papel reservado ao País há quase um século, de súdito do Império. Antes, foi de outros. Súdito por séculos, embora graúdo por causa de suas dimensões e infindas potencialidades, destacado dentro do quintal latino-americano. Mas subordinado, sempre e sempre, às vontades do mais forte.
Para citar eventos recentíssimos, me vem à mente a foto de Fernando Henrique Cardoso, postado dois degraus abaixo de Bill Clinton, que lhe apoia as mãos enormes sobre os ombros, em sinal de tolerante proteção e imponência inescapável. O americano sorri, condescendente. O brasileiro gargalha. O presidente que atrelou o Brasil ao mando neoliberal e o quebrou três vezes revela um misto de lisonja e encantamento servil. A alegria de ser notado. Admitido no clube dos senhores, por um escasso instante.
Não pretendo aqui celebrar o êxito da missão de Lula e Erdogan. Sei apenas que em país nenhum do mundo democrático um presidente disposto a buscar o caminho da paz não contaria, ao menos, com o respeito da mídia. Aqui não. Em perfeita sintonia, o jornalismo pátrio enxerga no presidente da República, um ex-metalúrgico que ousou demais, o surfista do exibicionismo, o devoto da autopromoção a beirar o ridículo. Falamos, porém, é do chefe do Estado e do governo do Brasil. Do nosso país. E a esperança da mídia é que se enrede em equívocos e desatinos.
Não há entidade, instituição, setor, capaz de representar de forma mais eficaz a elite brasileira do que a nossa mídia. Desta nata, creme do creme, ela é, de resto, o rosto explícito. E a elite brasileira fica a cada dia mais anacrônica, como a Igreja do papa Ratzinger. Recusa-se a entender que o tempo passa, ou melhor, galopa. Tudo muda, ainda que nem sempre a galope. No entanto, o partido da mídia nativa insiste nos vezos de antanho, e se arma, compacto, diante daquilo que considera risco comum. Agora, contra a continuidade de Lula por meio de Dilma.
Imaginemos o que teriam estampado os jornalões se na manhã da segunda 17, em lugar de Lula, o presidente FHC tivesse passado por Teerã? Ele, ou, se quiserem, uma neoudenista qualquer? Verifiquem os leitores as reações midiáticas à fala de Marta Suplicy a respeito de Fernando Gabeira, um dos sequestradores do embaixador dos Estados Unidos em 1969. Disse a ex-prefeita de São Paulo: por que só falam da “ex-guerrilheira” Dilma, e não dele, o sequestrador?
A pergunta é cabível, conquanto Gabeira tenha se bandeado para o outro lado enquanto Dilma está longe de se envergonhar do seu passado de resistência à ditadura, disposta a aderir a uma luta armada da qual, de fato, nunca participou ao vivo. Nada disso impede que a chamem de guerrilheira, quando não terrorista. Quanto a Gabeira, Marta não teria lhe atribuído o papel exato que de fato desempenhou, mas no sequestro esteve tão envolvido a ponto de alugar o apartamento onde o sequestrado ficaria aprisionado. E com os demais implicados foi desterrado pela ditadura.
Por que não catalogá-lo, como se faz com Dilma? Ocorre que o candidato ao governo do Rio de Janeiro perpetrou outra adesão. Ficou na oposição a Lula, primeiro alvo antes de sua candidata. Cabe outro pensamento: em qual país do mundo democrático a mídia se afinaria em torno de uma posição única ao atirar contra um único alvo? Só no Brasil, onde os profissionais do jornalismo chamam os patrões de colegas.
Até que ponto o fenômeno atual repete outros tantos do passado, ou, quem sabe, acrescenta uma pedra à construção do monumento? A verificar, no decorrer do período. Vale, contudo, anotar o comportamento dos jornalões em relação às pesquisas eleitorais. Os números do Vox Populi e da Sensus, a exibirem, na melhor das hipóteses para os neoudenistas, um empate técnico entre candidatos, somem das manchetes para ganhar algum modesto recanto das páginas internas.
Recôndito espaço. Ao mesmo tempo Lula, pela enésima vez, é condenado sem apelação ao praticar uma política exterior independente em relação aos interesses do Império. Recomenda-se cuidado: a apelação vitoriosa ameaça vir das urnas.
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