Por Altamiro Borges
Na sua penúltima edição antes da eleição de domingo, dia 3, a revista Veja voltou à carga contra o governo Lula, com o objetivo de fustigar a candidata Dilma Rousseff e dar uma desesperada e derradeira forcinha ao tucano José Serra. Pela quarta semana consecutiva, a capa do panfleto teve tons terroristas. Ela mostra a estrela do PT rasgando os artigos da Constituição que tratam da liberdade de imprensa. Abaixo da forte imagem, a manchete garrafal: “Liberdade sob ataque”.
Nas três edições anteriores, ela repetiu à exaustão, nos títulos e “reporcagens”, a palavra polvo, acusando a esquerda de envolver o poder público com seus tentáculos - mas não disse nada sobre os fartos recursos públicos que recebeu do governo tucano de São Paulo. A revista destacou o caso do vazamento de sigilos fiscais, numa matéria requentada de setembro de 2009, e fez alarde com as denúncias contra a ministra Erenice Guerra. Nenhuma palavra sobre a quebra do sigilo de 60 milhões de brasileiros, patrocinada pelas filhas de José Serra e o do especulador Daniel Dantas.
O fantasma da “tentação autoritária”
Já na edição desta semana, a revista preferiu encarar a provável derrota do seu candidato para, de quebra, tentar deslegitimar um futuro governo Dilma. O editorial adverte que a democracia corre risco, devido à “concepção de mundo dos atuais governantes petistas em que não cabe o conceito de jornalismo independente. Essa deformação decorre das convicções de alguns que continuam ruminando a idéia totalitária do leninismo”. É o mesmo chavão repetido há oito anos, numa total falta de criatividade. Em 2004, a capa da Veja já rosnava contra a “tentação autoritária” de Lula.
Sem apresentar provas sobre os retrocessos na democracia, a “reporcagem” alardeia “os ataques que o exercício da imprensa livre vem sofrendo no Brasil”. Para ela, a tentação autoritária teria crescido nos últimos dias. “Na semana passada, a brasa voltou a ser atiçada pelo presidente Lula e pelos dirigentes do seu partido, secundados pelo vasto contingente de mercenários recrutados a preço de ouro nos porões da internet”. A famíglia Civita, que se acha acima do Estado de Direito e superior a Deus, não aceita críticas do presidente da República, muito menos dos blogueiros.
Arrogante, raivosa e mentirosa
Após oito anos de ataques raivosos – segundo estudo da PUC/SP, foram mais de quarenta capas contra o governo, muitas delas criminosas, como a que apresentou o presidente com a marca de um chute no traseiro –, a revistinha se faz de vítima. “Lula dedicou a semana a desferir ataques contra a imprensa com uma virulência inédita”. Coitadinha! Arrogante, ela se jacta de “alertar sobre os abusos perpetrados por quem está no poder”. Não faz autocrítica sobre seu apoio ao “caçador de marajás” ou à implantação do destrutivo modelo neoliberal no reinado de FHC.
Raivosa, ela garante que a esquerda já adentrou no “temível pântano da censura... Ao sujar suas botas nesse lodo, Lula se aproxima do que há de pior na política da América Latina. Ele trilha o caminho dos caudilhos e ombreia-se com tiranetes do porte de Hugo Chávez”. Mentirosa, Veja ainda afirma que “nos países democráticos, a liberdade de imprensa não é um assunto discutível, mas um dado da realidade”. Só não fala que nestes países, inclusive nos EUA, existem regras legais para restringir os monopólios no setor e para penalizar as manipulações midiáticas.
Urgência de uma campanha nacional
Com mais esta edição rancorosa, a revista Veja deixa explícito que não dará tréguas a um futuro governo Dilma. Tentará enquadrá-lo, impondo “gente confiável”, como o ex-ministro Antonio Palocci. Caso não consiga, ela jogará todas as suas fichas para desestabilizá-lo e, se possível, derrubá-lo. Este é seu instinto de escorpião. A publicação da famíglia Civita confirma mais uma vez que é avessa à democracia, ao voto popular. Ela sim coloca em risco a liberdade.
Numa democracia, esta revista tem todo o direito de arrotar suas baboseiras golpistas. Da mesma forma, a sociedade tem todo o direito de rejeitar a Veja. A cada dia que passa fica mais evidente a urgência de uma ampla campanha de esclarecimento à população propondo o boicote deste panfleto fascistóide. Aqui vale reproduzir o alerta do intelectual italiano Antonio Gramsci. No artigo “Os jornais e os operários”, escrito em 1916, ele conclamou os trabalhadores a boicotarem a imprensa burguesa. Seu texto poderia servir para a campanha atual de repúdio à revista Veja:
Boicote, boicote, boicote!
“A assinatura de jornal burguês é uma escolha cheia de insídias e de perigos que deveria ser feita com consciência, com critério e depois de amadurecida reflexão. Antes de mais, o operário deve negar decididamente qualquer solidariedade com o jornal burguês. Deveria recordar-se sempre, sempre, sempre, que o jornal burguês (qualquer que seja sua cor) é um instrumento de luta movido por idéias e interesses que estão em contraste com os seus. Tudo o que se publica é constantemente influenciado por uma idéia: servir à classe dominante, o que se traduz sem dúvida num fato: combater a classe trabalhadora. E, de fato, da primeira à última linha, o jornal burguês sente e revela esta preocupação”.
“Todos os dias, pois, sucede a este mesmo operário a possibilidade de poder constatar pessoalmente que os jornais burgueses apresentam os fatos, mesmo os mais simples, de modo a favorecer a classe burguesa e a política burguesa em prejuízo da política e da classe operária. Rebenta uma greve! Para o jornal burguês os operários nunca têm razão. Há uma manifestação! Os manifestantes, apenas porque são operários, são sempre tumultuosos e malfeitores. E não falemos daqueles casos em que o jornal burguês ou cala, ou deturpa, ou falsifica para enganar, iludir e manter na ignorância o público trabalhador. Apesar disso, a aquiescência culposa do operário em relação ao jornal burguês é sem limites”.
“É preciso reagir contra ela e despertar o operário para a exata avaliação da realidade. É preciso dizer e repetir que a moeda atirada distraidamente é um projétil oferecido ao jornal burguês que o lançará depois, no momento oportuno, contra a massa operária. Se os operários se persuadirem desta elementar verdade, aprenderiam a boicotar a imprensa burguesa, em bloco e com a mesma disciplina com que a burguesia boicota os jornais operários, isto é, a imprensa socialista. Não contribuam com dinheiro para a imprensa burguesa que vos é adversária: eis qual deve ser o nosso grito de guerra neste momento, caracterizado pela campanha de assinatura de todos os jornais burgueses: Boicotem, boicotem, boicotem!”.
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segunda-feira, 27 de setembro de 2010
Mídia dispara seus últimos cartuchos
Reproduzo artigo de Umberto Martins, publicado no sítio Vermelho:
Na reta final da eleição, desesperada com a possibilidade de vitória definitiva de Dilma no próximo domingo, a mídia golpista “se comporta como um partido político”, conforme observou o presidente Lula, e recorre nesses dias aos últimos trunfos para evitar a derrota no primeiro turno.
Os dois maiores jornais de São Paulo (Estadão e Folha) dedicaram seus principais editoriais do último domingo (26) à crítica ácida contra Lula e Dilma. O veículo da família Mesquita resolveu abrir o jogo e declarou apoio ao candidato tucano, José Serra, no texto intitulado “O mal a evitar”, enquanto o diário da família Frias permaneceu no armário aparentando “independência, pluralidade e apartidarismo editoriais” num texto em que alerta contra supostas ameaças à democracia provenientes do presidente (“Todo poder tem limite”).
Forma e conteúdo
Apesar da diferença de estilo (a Folha sempre foi mais dissimulada, desde a época da “ditabranda”, quando emprestava peruas para a repressão transportar presos políticos), os dois artigos coincidem no conteúdo e no caráter. Ambos são inspirados pela ideologia da velha direita brasileira, recheados de preconceitos, e recorrem a argumentos falsos para encobrir os verdadeiros interesses da classe que representam e defendem.
O Estadão alega que existe uma diferença entre “tomar partido” e agir como partido político ao justificar o apoio à “candidatura de José Serra”, mas os fatos provam o contrário. Monopolizada por um pequeno grupo de famílias burguesas, a grande mídia não é mais nem menos que um instrumento a serviço da direita neoliberal, uma espécie de partido golpista, que manipula fatos, produz factóides, oculta denúncias e não poupa esforços para impedir a vitória das forças progressistas.
As ideias e interesses que orientam as manchetes desses veículos refletem o reacionarismo atávico de parte das classes dominantes brasileiras. Eles não toleram que um político originário da classe operária tenha chegado à Presidência da República, ancorado em forças sociais que sempre estiveram à esquerda do espectro político.
Retrocesso neoliberal
Eles também não se conformam com a postura altiva e soberana do Brasil na diplomacia internacional, que resultou na rejeição e derrota da Alca, no fortalecimento do Mercosul e na priorização das parcerias Sul-Sul em detrimento das relações subservientes com os países imperialistas (Estados Unidos, União Europeia e Japão).
Outros pontos de discórdia são a política de valorização do salário mínimo, o proveitoso diálogo que o governo Lula mantém com os movimentos sociais, o reforço do papel do Estado no desenvolvimento econômico e, mais recentemente, os senões em relação à própria mídia, que não admite críticas e se julga dona absoluta da verdade.
O que está em jogo, por trás do falso moralismo, dos factóides e da conduta do Partido da Imprensa Golpista (PIG), são os interesses de classe dos proprietários desses meios de comunicação, interesses que, em maior ou menor medida, foram ou se julgam contrariados pelo atual governo.
Golpismo
O PIG não quer menos que a restauração do neoliberalismo no Brasil; o retorno à política de privatizações e à diplomacia dos pés descalços; a ressurreição da Alca; a submissão ao FMI; o arrocho fiscal e a redução dos salários; o aumento do desemprego e a repressão e criminalização dos movimentos sindicais.
Com um programa desta natureza, servido ao distinto público numa embalagem enganosa que aparenta a “defesa da democracia e das liberdades”, a campanha insidiosa da mídia hegemônica foi rejeitada e derrotada em 2002 e em 2006. A mensagem das urnas em 3 de outubro não será diferente, a não ser pelo fato de que os prejuízos e as baixas nas fileiras da direita neoliberal, representada na chapa demo-tucano, tendem a ser bem maiores com a definição da peleja já no primeiro turno.
Ao contrário do que alardeia, a mídia golpista não tem apreço pela democracia, muito pelo contrário. A história da posição pró-golpe assumida pelos grandes meios de comunicação em 1964 é amplamente conhecida. O apelo desesperado contra Lula e Dilma também não tem sentido democrático, mas o povo parece mais calejado e vacinado contra a ofensiva midiática. Apesar da credibilidade em baixa, o poder do PIG não deve ser subestimado.
Os últimos cartuchos usados no pleito de 2006 (factóides como imagens com dinheiro apreendidos pela PF) impediram a vitória de Lula no primeiro turno e levaram a disputa a segundo escrutínio, mas a diferença de votos entre Lula e Alckmin foi ampliada. É pouco provável que a história se repita, mas fica para as forças progressistas e para o povo mais uma preciosa uma lição sobre o verdadeiro caráter da grande mídia e o desafio de redobrar os esforços para restringir seu poder e avançar no sentido de uma efetiva democratização dos meios de comunicação no Brasil.
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Na reta final da eleição, desesperada com a possibilidade de vitória definitiva de Dilma no próximo domingo, a mídia golpista “se comporta como um partido político”, conforme observou o presidente Lula, e recorre nesses dias aos últimos trunfos para evitar a derrota no primeiro turno.
Os dois maiores jornais de São Paulo (Estadão e Folha) dedicaram seus principais editoriais do último domingo (26) à crítica ácida contra Lula e Dilma. O veículo da família Mesquita resolveu abrir o jogo e declarou apoio ao candidato tucano, José Serra, no texto intitulado “O mal a evitar”, enquanto o diário da família Frias permaneceu no armário aparentando “independência, pluralidade e apartidarismo editoriais” num texto em que alerta contra supostas ameaças à democracia provenientes do presidente (“Todo poder tem limite”).
Forma e conteúdo
Apesar da diferença de estilo (a Folha sempre foi mais dissimulada, desde a época da “ditabranda”, quando emprestava peruas para a repressão transportar presos políticos), os dois artigos coincidem no conteúdo e no caráter. Ambos são inspirados pela ideologia da velha direita brasileira, recheados de preconceitos, e recorrem a argumentos falsos para encobrir os verdadeiros interesses da classe que representam e defendem.
O Estadão alega que existe uma diferença entre “tomar partido” e agir como partido político ao justificar o apoio à “candidatura de José Serra”, mas os fatos provam o contrário. Monopolizada por um pequeno grupo de famílias burguesas, a grande mídia não é mais nem menos que um instrumento a serviço da direita neoliberal, uma espécie de partido golpista, que manipula fatos, produz factóides, oculta denúncias e não poupa esforços para impedir a vitória das forças progressistas.
As ideias e interesses que orientam as manchetes desses veículos refletem o reacionarismo atávico de parte das classes dominantes brasileiras. Eles não toleram que um político originário da classe operária tenha chegado à Presidência da República, ancorado em forças sociais que sempre estiveram à esquerda do espectro político.
Retrocesso neoliberal
Eles também não se conformam com a postura altiva e soberana do Brasil na diplomacia internacional, que resultou na rejeição e derrota da Alca, no fortalecimento do Mercosul e na priorização das parcerias Sul-Sul em detrimento das relações subservientes com os países imperialistas (Estados Unidos, União Europeia e Japão).
Outros pontos de discórdia são a política de valorização do salário mínimo, o proveitoso diálogo que o governo Lula mantém com os movimentos sociais, o reforço do papel do Estado no desenvolvimento econômico e, mais recentemente, os senões em relação à própria mídia, que não admite críticas e se julga dona absoluta da verdade.
O que está em jogo, por trás do falso moralismo, dos factóides e da conduta do Partido da Imprensa Golpista (PIG), são os interesses de classe dos proprietários desses meios de comunicação, interesses que, em maior ou menor medida, foram ou se julgam contrariados pelo atual governo.
Golpismo
O PIG não quer menos que a restauração do neoliberalismo no Brasil; o retorno à política de privatizações e à diplomacia dos pés descalços; a ressurreição da Alca; a submissão ao FMI; o arrocho fiscal e a redução dos salários; o aumento do desemprego e a repressão e criminalização dos movimentos sindicais.
Com um programa desta natureza, servido ao distinto público numa embalagem enganosa que aparenta a “defesa da democracia e das liberdades”, a campanha insidiosa da mídia hegemônica foi rejeitada e derrotada em 2002 e em 2006. A mensagem das urnas em 3 de outubro não será diferente, a não ser pelo fato de que os prejuízos e as baixas nas fileiras da direita neoliberal, representada na chapa demo-tucano, tendem a ser bem maiores com a definição da peleja já no primeiro turno.
Ao contrário do que alardeia, a mídia golpista não tem apreço pela democracia, muito pelo contrário. A história da posição pró-golpe assumida pelos grandes meios de comunicação em 1964 é amplamente conhecida. O apelo desesperado contra Lula e Dilma também não tem sentido democrático, mas o povo parece mais calejado e vacinado contra a ofensiva midiática. Apesar da credibilidade em baixa, o poder do PIG não deve ser subestimado.
Os últimos cartuchos usados no pleito de 2006 (factóides como imagens com dinheiro apreendidos pela PF) impediram a vitória de Lula no primeiro turno e levaram a disputa a segundo escrutínio, mas a diferença de votos entre Lula e Alckmin foi ampliada. É pouco provável que a história se repita, mas fica para as forças progressistas e para o povo mais uma preciosa uma lição sobre o verdadeiro caráter da grande mídia e o desafio de redobrar os esforços para restringir seu poder e avançar no sentido de uma efetiva democratização dos meios de comunicação no Brasil.
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A falsa neutralidade da imprensa
Reproduzo artigo de Emerson Gabardo, advogado e doutor em Direito, publicado no sítio Carta Maior:
Volta e meia retorna à pauta a questão da “liberdade de imprensa” no Brasil, mesmo quando ela de modo algum está sendo verdadeiramente contestada. O período de eleições fomenta tal discussão, pois qualquer assertiva não elogiosa torna-se digna de uma refutação cuja essência em geral é meramente retórica e desprovida de fundamento. Por um lado, comentários negativos da imprensa ao governo e aos candidatos; por outro, os governantes e candidatos acusam-na de “tendenciosa” ou “ideologicamente comprometida”.
Crítica e crítica da crítica. Nada mais adequado ao espírito republicano, cujo princípio maior é a transparência. Nada mais adequado ao espírito democrático, cujo princípio maior é o debate político. Todavia, o caráter brasileiro é apegado em demasia aos elogios, o que sempre o torna resistente (às vezes agressivamente) a uma postura mais rigorosa e não complacente. É peculiar a manifesta repulsa que um e outro “lado” (mais acentuadamente os próprios órgãos e profissionais da informação, para surpresa geral) demonstram quando criticados – e pior, acusados de “parciais”.
Esta situação é surreal. Imaginar que a imprensa é neutra e axiologicamente independente é algo desejável. Defender que ela assim o seja é uma necessidade imprescindível à democracia. Acreditar nisso, só por ingenuidade ou interesse. Não existe neutralidade de pensamento em qualquer que seja a atividade humana. Já faz algum tempo que os filósofos do Direito desmitificaram a pretensa “neutralidade” dos juízes; todavia, a chamada “imprensa” (e só esta expressão já é carregada de sentido valorativo) resiste de forma peremptória mediante a afirmação de sua condição de superioridade ética e “técnica”.
Bem se sabe, e a história demonstra de forma exemplar, que os meios de comunicação em geral não são, nunca foram, e nunca serão, neutros. E isso em si mesmo não é um defeito, pois onde há humanidade, há também uma identidade forjada entre razão e sensibilidade. O homem não é um “ser cindido”. Sua condição é estar inserido num contexto que o influencia, que o condiciona e que o faz refém de suas preferências, para além de sua vontade.
O problema é quando a falta de auto-crítica e a “sensação de centralidade” faz com que todos os demais setores tornem-se objeto de uma moralidade formalmente estabelecida como a “mais adequada”, haja vista a legitimidade apriorística de um dos mais fortes poderes do Estado e da sociedade civil: a “imprensa”. É ilustrativa a demonstração prosaica da verdadeira aversão que os órgãos de imprensa possuem de terem suas “informações” refutadas. Basta ser feito um teste: é só observar o destaque que se dá à notícia e a ênfase que se confere à correção da notícia quando ela demonstra-se inverídica.
As auto-correções da imprensa são midiaticamente pífias, no geral. Neste sentido, não muito diferentes que aquelas dos governos e políticos em geral. A demonstração do erro é sempre algo doloroso. Para a imprensa é uma situação comumente marginal e desprovida de importância. De todo modo, as situações mais tormentosas ocorrem quando não há efetivamente um erro, mas apenas uma opção por este ou aquele enfoque, por esta ou aquela reportagem, por esta ou aquela expressão, entre esta ou aquela manchete, por este ou aquele editorial.
O tom de manifesto de alguns editoriais, que chegam a usar de verborragia imperativa para repudiar possíveis tentativas de “controle da imprensa”, que na realidade decorrem apenas de factóides típicos de momentos burlescos, chega a ser tão engraçado quanto o tom usual de seus destinatários. Exagero e exagero do exagero: governos, candidatos e imprensa no Brasil padecem do mesmo auto-engano: a certeza de que uns são melhores que os outros e que os limites nunca são destinados para si.
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Volta e meia retorna à pauta a questão da “liberdade de imprensa” no Brasil, mesmo quando ela de modo algum está sendo verdadeiramente contestada. O período de eleições fomenta tal discussão, pois qualquer assertiva não elogiosa torna-se digna de uma refutação cuja essência em geral é meramente retórica e desprovida de fundamento. Por um lado, comentários negativos da imprensa ao governo e aos candidatos; por outro, os governantes e candidatos acusam-na de “tendenciosa” ou “ideologicamente comprometida”.
Crítica e crítica da crítica. Nada mais adequado ao espírito republicano, cujo princípio maior é a transparência. Nada mais adequado ao espírito democrático, cujo princípio maior é o debate político. Todavia, o caráter brasileiro é apegado em demasia aos elogios, o que sempre o torna resistente (às vezes agressivamente) a uma postura mais rigorosa e não complacente. É peculiar a manifesta repulsa que um e outro “lado” (mais acentuadamente os próprios órgãos e profissionais da informação, para surpresa geral) demonstram quando criticados – e pior, acusados de “parciais”.
Esta situação é surreal. Imaginar que a imprensa é neutra e axiologicamente independente é algo desejável. Defender que ela assim o seja é uma necessidade imprescindível à democracia. Acreditar nisso, só por ingenuidade ou interesse. Não existe neutralidade de pensamento em qualquer que seja a atividade humana. Já faz algum tempo que os filósofos do Direito desmitificaram a pretensa “neutralidade” dos juízes; todavia, a chamada “imprensa” (e só esta expressão já é carregada de sentido valorativo) resiste de forma peremptória mediante a afirmação de sua condição de superioridade ética e “técnica”.
Bem se sabe, e a história demonstra de forma exemplar, que os meios de comunicação em geral não são, nunca foram, e nunca serão, neutros. E isso em si mesmo não é um defeito, pois onde há humanidade, há também uma identidade forjada entre razão e sensibilidade. O homem não é um “ser cindido”. Sua condição é estar inserido num contexto que o influencia, que o condiciona e que o faz refém de suas preferências, para além de sua vontade.
O problema é quando a falta de auto-crítica e a “sensação de centralidade” faz com que todos os demais setores tornem-se objeto de uma moralidade formalmente estabelecida como a “mais adequada”, haja vista a legitimidade apriorística de um dos mais fortes poderes do Estado e da sociedade civil: a “imprensa”. É ilustrativa a demonstração prosaica da verdadeira aversão que os órgãos de imprensa possuem de terem suas “informações” refutadas. Basta ser feito um teste: é só observar o destaque que se dá à notícia e a ênfase que se confere à correção da notícia quando ela demonstra-se inverídica.
As auto-correções da imprensa são midiaticamente pífias, no geral. Neste sentido, não muito diferentes que aquelas dos governos e políticos em geral. A demonstração do erro é sempre algo doloroso. Para a imprensa é uma situação comumente marginal e desprovida de importância. De todo modo, as situações mais tormentosas ocorrem quando não há efetivamente um erro, mas apenas uma opção por este ou aquele enfoque, por esta ou aquela reportagem, por esta ou aquela expressão, entre esta ou aquela manchete, por este ou aquele editorial.
O tom de manifesto de alguns editoriais, que chegam a usar de verborragia imperativa para repudiar possíveis tentativas de “controle da imprensa”, que na realidade decorrem apenas de factóides típicos de momentos burlescos, chega a ser tão engraçado quanto o tom usual de seus destinatários. Exagero e exagero do exagero: governos, candidatos e imprensa no Brasil padecem do mesmo auto-engano: a certeza de que uns são melhores que os outros e que os limites nunca são destinados para si.
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Reinaldo Azevedo e a "oposição vagabunda"
Reproduzo artigo de Maurício Thuswohl, publicado na Rede Brasil Atual:
O colunista e blogueiro da revista Veja Reinaldo Azevedo afirmou que a imprensa se comporta como verdadeiro partido de oposição no país. A declaração ocorreu durante o debate "A Democracia ameaçada – Restrições à liberdade de expressão", promovido pelo Instituto Millenium no Clube Militar da capital fluminense, na quinta-feira (23). Ele concordou, assim, com a crítica formulada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no mesmo dia, que criticou a cobertura da mídia às eleições.
Azevedo fez críticas aos partidos políticos de oposição e surpreendentemente concordou com o principal cabo eleitoral de Dilma Rousseff (PT), candidata à Presidência da República. "O Lula, quando diz que a imprensa é o verdadeiro partido de oposição no Brasil, tem razão a sua maneira porque a oposição nesse tempo foi tão mixuruca, tão despolitizada e tão vagabunda que sobrou para a imprensa, não fazer oposição, mas defender o Artigo 5º da Constituição", sustentou. "Não é que exista uma imprensa de direita para um governo de esquerda”, disse.
O debate contou tambem com a presença de Merval Pereira, da Rede Globo, e de Rodolfo Machado Moura, diretor de Assuntos Legais da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). Diante de uma plateia predominantemente composta por militares da reserva, a tônica das exposições foi a necessidade de prudência e vigilância em relação a um eventual terceiro governo consecutivo de esquerda no Brasil.
As principais "ameaças" à democracia e à liberdade de imprensa apontadas pelos debatedores foram o terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos (III PNDH), as mudanças na produção cultural e as conferências setoriais realizadas pelo governo Lula.
Azevedo afirmou ainda que "há risco de mexicanização" da política brasileira. “É evidente que se tem hoje no Brasil a contaminação do processo democrático por teses autoritárias. Se o PNDH for aprovado no governo Dilma, estará instaurada a ditadura no Brasil, é simples", sentenciou.
Uma das preocupações do jornalista é com a possibilidade de a base governista ser ampliada na Câmara dos Deputados e conquistada no Senado. "Ainda mais com um Congresso eventualmente encabrestado, e Lula não esconde que seu objetivo é fazer uma maioria no Senado porque foi o Senado que o impediu de fazer certas coisas. Em tese, ele pode conseguir o que quer, apesar de o PMDB ser muito contraditório", apostou.
O Instituto Millenium foi o organizador, em 1º de março deste ano, do 1º Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, um encontro para debater temas semelhantes em São Paulo. Na ocasião, diferentes expoentes da mídia conservadora apresentaram acusações contra o governo Lula, o PT e outros atores sociais. O encontro, na visão de analistas, serviu para organizar a mídia para a cobertura das eleições.
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O colunista e blogueiro da revista Veja Reinaldo Azevedo afirmou que a imprensa se comporta como verdadeiro partido de oposição no país. A declaração ocorreu durante o debate "A Democracia ameaçada – Restrições à liberdade de expressão", promovido pelo Instituto Millenium no Clube Militar da capital fluminense, na quinta-feira (23). Ele concordou, assim, com a crítica formulada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no mesmo dia, que criticou a cobertura da mídia às eleições.
Azevedo fez críticas aos partidos políticos de oposição e surpreendentemente concordou com o principal cabo eleitoral de Dilma Rousseff (PT), candidata à Presidência da República. "O Lula, quando diz que a imprensa é o verdadeiro partido de oposição no Brasil, tem razão a sua maneira porque a oposição nesse tempo foi tão mixuruca, tão despolitizada e tão vagabunda que sobrou para a imprensa, não fazer oposição, mas defender o Artigo 5º da Constituição", sustentou. "Não é que exista uma imprensa de direita para um governo de esquerda”, disse.
O debate contou tambem com a presença de Merval Pereira, da Rede Globo, e de Rodolfo Machado Moura, diretor de Assuntos Legais da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). Diante de uma plateia predominantemente composta por militares da reserva, a tônica das exposições foi a necessidade de prudência e vigilância em relação a um eventual terceiro governo consecutivo de esquerda no Brasil.
As principais "ameaças" à democracia e à liberdade de imprensa apontadas pelos debatedores foram o terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos (III PNDH), as mudanças na produção cultural e as conferências setoriais realizadas pelo governo Lula.
Azevedo afirmou ainda que "há risco de mexicanização" da política brasileira. “É evidente que se tem hoje no Brasil a contaminação do processo democrático por teses autoritárias. Se o PNDH for aprovado no governo Dilma, estará instaurada a ditadura no Brasil, é simples", sentenciou.
Uma das preocupações do jornalista é com a possibilidade de a base governista ser ampliada na Câmara dos Deputados e conquistada no Senado. "Ainda mais com um Congresso eventualmente encabrestado, e Lula não esconde que seu objetivo é fazer uma maioria no Senado porque foi o Senado que o impediu de fazer certas coisas. Em tese, ele pode conseguir o que quer, apesar de o PMDB ser muito contraditório", apostou.
O Instituto Millenium foi o organizador, em 1º de março deste ano, do 1º Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, um encontro para debater temas semelhantes em São Paulo. Na ocasião, diferentes expoentes da mídia conservadora apresentaram acusações contra o governo Lula, o PT e outros atores sociais. O encontro, na visão de analistas, serviu para organizar a mídia para a cobertura das eleições.
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Estadão foi mais honesto do que a Folha
Por Altamiro Borges
Os jornalões decadentes decidiram apostar todas as suas fichas na última semana da campanha eleitoral para ver se ainda conseguem levar seu candidato ao segundo turno. Neste esforço, o oligárquico Estadão foi até mais honesto do que a falsamente eclética Folha. Em editorial neste sábado, ele confessa o que apenas os ingênuos não sabiam. “Com todo o peso da responsabilidade à qual nunca se subtraiu em 135 anos de lutas, o Estado apóia a candidatura de José Serra”.
Já o jornal da famíglia Frias fez estardalhaço com o seu editorial, publicado na capa do domingo, para novamente mentir. Após condenar o governo Lula, ele tem a caradura de afirmar que “esta Folha procura manter uma orientação de independência, pluralidade e apartidarismo editoriais, o que redunda em questionamentos incisivos durante períodos de polarização eleitoral”. Este falso ecletismo ainda engana muita gente, mas não contém mais a sua irreversível queda de tiragem.
Unidos no reacionarismo
Em ambos os editoriais, porém, fica explícito o reacionarismo destes jornais. Na forma de apoiar seu candidato, eles são diferentes; no conteúdo, eles estão solidamente unidos. O Estadão dedica só sete linhas para bajular o demotucano e nove parágrafos para atacar a gestão de Lula, avaliada como ótima e boa por 80% dos brasileiros. Para o jornal, que resistiu à abolição da escravatura e apoiou o golpe militar de 1964, Lula é “o mal a evitar”, como ele realça já no título do editorial.
O diário da oligarquia paulista, que sempre conspirou contra a democracia, afirma que Lula tem o “mau hábito de perder a compostura quando é contrariado”. Reflexo do que há de mais podre nas elites, ele acusa o operário de presidir um governo “moralmente deteriorado” e de ser “chefe de uma facção”. Ainda afirma que o atual governante “atropela as leis”, logo ele que até hoje se vangloria de ter apoiado o golpe de 1964, que derrubou um presidente democraticamente eleito.
Tentativa de ludibriar os tapados
Diante das críticas de Lula à partidarização da imprensa, o Estadão veste a carapuça. “Há uma enorme diferença entre ‘se comportar como um partido político’ e tomar partido numa disputa eleitoral em que estão em jogo valores essenciais ao aprimoramento se não à sobrevivência da democracia neste país”. Para o jornal, Dilma Rousseff é uma “invenção” de Lula para, “se eleita, segurar o lugar do chefão e garantir o bem-estar da companheirada”. Já o apoio a José Serra se deve à “convicção de que é o que tem melhor possibilidade de evitar um grande mal para o país”.
A declaração de voto do Estadão, em frenética campanha, é escancarada. Já a Folha insiste em se travestir de “neutra e apartidária” para ludibriar os mais tapados. Para ela, a popularidade de Lula reflete “o ambiente internacional favorável aos países em desenvolvimento” e “os acertos do atual chefe do Estado..., que teve o discernimento de manter a política econômica sensata de seu antecessor”. Haja cinismo na leitura sobre a crise mundial e sobre o desastre do reinado de FHC!
O medo da "onda vermelha"
Após fingir reconhecer “os méritos” do atual governo, a Folha mostra suas garras e afirma que o maior perigo “é do enfraquecimento do sistema de freios e contrapesos que protege as liberdades públicas e o direito ao dissenso quando se formam ondas eleitorais avassaladoras, ainda que passageiras”. O jornal teme a vitória de Dilma e, mais ainda, a chamada “onda vermelha”, que pode alterar a correlação de forças no parlamento e nos governos estaduais, pavimentando o caminho para mudanças mais profundas no país.
Arrogante, a Folha se coloca como paladina da ética, que critica as sujeiras de todos os governos – só não explica a brutal diferença no tratamento das maracutaias dos governantes tucanos. Para quem já esteve envolvida em denúncias de corrupção, como no famoso caso da estação Júlio Prestes, é muita petulância. Já os seus discursos sobre os riscos à democracia, lembram muito os do finado Octávio Frias, patrono do jornal e dono da rodoviária, às vésperas do golpe de 1964.
Censores e golpistas falam em democracia
No final, o editorial rosna uma advertência. Ameaça os que tentarem “o controle da imprensa”. É pura bravata de um jornal decadente e decrépito. Serve apenas para atiçar os apetites golpistas de alguns saudosos da ditadura, como o general Renato César Tibau, que afirmou no seminário do Clube Militar, na semana passada, que “os militares de todos os tempos, da ativa e da reserva” estão preparados para “defender a democracia”. Como se observa, a democracia, palavra tão vilipendiada, está na boca dos censores, torturadores e de alguns golpistas da velha mídia.
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Os jornalões decadentes decidiram apostar todas as suas fichas na última semana da campanha eleitoral para ver se ainda conseguem levar seu candidato ao segundo turno. Neste esforço, o oligárquico Estadão foi até mais honesto do que a falsamente eclética Folha. Em editorial neste sábado, ele confessa o que apenas os ingênuos não sabiam. “Com todo o peso da responsabilidade à qual nunca se subtraiu em 135 anos de lutas, o Estado apóia a candidatura de José Serra”.
Já o jornal da famíglia Frias fez estardalhaço com o seu editorial, publicado na capa do domingo, para novamente mentir. Após condenar o governo Lula, ele tem a caradura de afirmar que “esta Folha procura manter uma orientação de independência, pluralidade e apartidarismo editoriais, o que redunda em questionamentos incisivos durante períodos de polarização eleitoral”. Este falso ecletismo ainda engana muita gente, mas não contém mais a sua irreversível queda de tiragem.
Unidos no reacionarismo
Em ambos os editoriais, porém, fica explícito o reacionarismo destes jornais. Na forma de apoiar seu candidato, eles são diferentes; no conteúdo, eles estão solidamente unidos. O Estadão dedica só sete linhas para bajular o demotucano e nove parágrafos para atacar a gestão de Lula, avaliada como ótima e boa por 80% dos brasileiros. Para o jornal, que resistiu à abolição da escravatura e apoiou o golpe militar de 1964, Lula é “o mal a evitar”, como ele realça já no título do editorial.
O diário da oligarquia paulista, que sempre conspirou contra a democracia, afirma que Lula tem o “mau hábito de perder a compostura quando é contrariado”. Reflexo do que há de mais podre nas elites, ele acusa o operário de presidir um governo “moralmente deteriorado” e de ser “chefe de uma facção”. Ainda afirma que o atual governante “atropela as leis”, logo ele que até hoje se vangloria de ter apoiado o golpe de 1964, que derrubou um presidente democraticamente eleito.
Tentativa de ludibriar os tapados
Diante das críticas de Lula à partidarização da imprensa, o Estadão veste a carapuça. “Há uma enorme diferença entre ‘se comportar como um partido político’ e tomar partido numa disputa eleitoral em que estão em jogo valores essenciais ao aprimoramento se não à sobrevivência da democracia neste país”. Para o jornal, Dilma Rousseff é uma “invenção” de Lula para, “se eleita, segurar o lugar do chefão e garantir o bem-estar da companheirada”. Já o apoio a José Serra se deve à “convicção de que é o que tem melhor possibilidade de evitar um grande mal para o país”.
A declaração de voto do Estadão, em frenética campanha, é escancarada. Já a Folha insiste em se travestir de “neutra e apartidária” para ludibriar os mais tapados. Para ela, a popularidade de Lula reflete “o ambiente internacional favorável aos países em desenvolvimento” e “os acertos do atual chefe do Estado..., que teve o discernimento de manter a política econômica sensata de seu antecessor”. Haja cinismo na leitura sobre a crise mundial e sobre o desastre do reinado de FHC!
O medo da "onda vermelha"
Após fingir reconhecer “os méritos” do atual governo, a Folha mostra suas garras e afirma que o maior perigo “é do enfraquecimento do sistema de freios e contrapesos que protege as liberdades públicas e o direito ao dissenso quando se formam ondas eleitorais avassaladoras, ainda que passageiras”. O jornal teme a vitória de Dilma e, mais ainda, a chamada “onda vermelha”, que pode alterar a correlação de forças no parlamento e nos governos estaduais, pavimentando o caminho para mudanças mais profundas no país.
Arrogante, a Folha se coloca como paladina da ética, que critica as sujeiras de todos os governos – só não explica a brutal diferença no tratamento das maracutaias dos governantes tucanos. Para quem já esteve envolvida em denúncias de corrupção, como no famoso caso da estação Júlio Prestes, é muita petulância. Já os seus discursos sobre os riscos à democracia, lembram muito os do finado Octávio Frias, patrono do jornal e dono da rodoviária, às vésperas do golpe de 1964.
Censores e golpistas falam em democracia
No final, o editorial rosna uma advertência. Ameaça os que tentarem “o controle da imprensa”. É pura bravata de um jornal decadente e decrépito. Serve apenas para atiçar os apetites golpistas de alguns saudosos da ditadura, como o general Renato César Tibau, que afirmou no seminário do Clube Militar, na semana passada, que “os militares de todos os tempos, da ativa e da reserva” estão preparados para “defender a democracia”. Como se observa, a democracia, palavra tão vilipendiada, está na boca dos censores, torturadores e de alguns golpistas da velha mídia.
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A boca suja de Merval Pereira
Reproduzo artigo de Miguel do Rosário, publicado no blog Oléo do Diabo:
O principal colunista político das Organizações Globo, Merval Pereira, registrou em sua coluna a manifestação da juventude diante do Clube Militar. Mais uma vez, parabéns Monique Lemos, presidente da UJS-RJ, e Theófilo Rodrigues, secretário de Formação da UJS. Também devo cumprimentar o candidato a deputado estadual, Igor Bruno, o mais importante quadro do movimento estudantil do Rio de Janeiro, que na verdade foi quem fez toda a articulação para que o protesto acontecesse.
O homem (Merval) sentiu o tranco. Eles todos (os golpistas) sentiram, de maneira que o protesto realmente teve importância política e histórica. Infelizmente, Merval não se conteve e fez acusações ofensivas e caluniosas a nós, os blogueiros; é uma honra, porém, sermos chamados, por esses golpistas, para a linha de frente da guerra.
Trecho de artigo do Merval:
"Na mesma quinta-feira em que se anunciava a manifestação de sindicatos 'pelegos' contra a liberdade de expressão, participei no Clube Militar do Rio, em companhia de Reinaldo Azevedo e de um representante da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), de um painel sobre as ameaças à liberdade de expressão.
O único tumulto havido foi provocado por um pequeno grupo de manifestantes em frente ao Clube Militar, protestando contra o que classificavam de 'hipocrisia' dos militares defendendo a democracia.
Na sala lotada, não houve uma só manifestação de radicalização política, e o consenso foi de que é preciso ficar atento permanentemente às tentativas do governo de controlar os meios de comunicação, seja através de projetos que criem conselhos cuja função específica seria tutelar a imprensa, seja através de constrangimentos comerciais que criem problemas financeiros às empresas jornalísticas independentes.
Ao mesmo tempo, o governo monta a sua sombra e à custa do erário público uma cadeia de blogs e de jornais e televisões, inclusive a estatal, para garantir um noticiário favorável a suas ações".
Esse trecho, repleto de mentiras, merece alguns esclarecimentos:
Os sindicatos “pelegos” a que se refere Merval são simplesmente os maiores do país, os mais organizados, independentes e poderosos. Cumpre notar que praticamente todos os sindicatos do país, não patronais, apoiam Dilma Rousseff e, portanto, na visão partidária de Merval, todos são “pelegos”. Lembro que em 1964, os defensores do golpe também usavam o mesmo adjetivo contra os sindicatos que apoiavam Jango. O tempo passa, o tempo voa, e o golpismo do jornal Globo continua numa boa.
Evidentemente não foi um evento “contra a liberdade de expressão” e sim a favor dela. Volte para o sanduichinho da mamãe, Merval.
O governo não montou nenhuma “cadeia de blogs” à custa do erário público, Merval. Mas sabe que você está dando uma ótima idéia? Seria uma honra ser pago pelo governo que ajudei a eleger com meu voto e minhas idéias para atacar golpistas antidemocratas como você. Esse tipo de acusação tem como o objetivo fomentar em nós constrangimentos éticos que, eu sei, você não tem. Você pode receber dinheiro por esse trabalhinho sujo que você faz, para um jornal que defendeu o golpe de Estado de 1964 e ainda defende, através de sua voz, golpes de Estado na América Latina (não esqueço sua defesa do golpe em Honduras). Eu poderia muito bem receber para ser um contraponto a posições como a sua.
Mas não é o caso. Tenho blog há oito anos e nunca recebi um centavo. Nem conto com isso. Sou um pequeno empresário do setor privado, sustentado por meu trabalho independente, por minhas traduções, alguns freelancers (para o setor privado) e assinaturas da Carta Diária. Mas rechaço veementemente sua malignidade contra jornalistas ou blogueiros que porventura tenham contratos com o governo, porque você omite o fato do governo ser uma entidade democrática, cujo poder emana do povo. O que o governo faz, portanto, é também uma decisão soberana e democrática do povo brasileiro.
O presidente da República seria um patrão muito mais digno do que os golpistas – cujas botas você lambe – que se enriqueceram à custa da liberdade e do sangue dos brasileiros. Por isso, lave a boca antes de falar na blogosfera, e se for falar em liberdade de expressão aplique antes água sanitária.
Sei muito bem que você deseja que gente como eu morra de fome. Não será tão fácil, meu caro. Ainda estamos no comecinho de nossa luta e de nosso amadurecimento. As lutas de hoje são apenas um exercício. A roda do mundo girou, Merval, e se eu fosse você tomava cuidado para não ser esmagado.
Por outro lado, eu entendo como elogio o fato de você nos acusar de receber dinheiro público. É que você está tão impressionado com a qualidade de nosso trabalho que não concebe como podemos não sermos profissionais regiamente pagos. Pois é, Merval. Para você ver como blogueiro sofre. Mas eu não reclamo. Nunca me senti tão livre, tão feliz, tão forte. Quanto ao dinheiro, a gente está pensando nesse problema.
Não somos ascetas loucos nem ingênuos nem tolos nem masoquistas. Precisamos de dinheiro. Estamos nos organizando para isso. Eu estou me organizando para isso. Se já incomodamos tanto sendo essa legião de blogueiros duros, imagine quando tivermos algum recurso em mãos? Alguém (provavelmente bem empregado) poderia dizer que aí perderemos nosso elan libertário, ao que respondo que a falta de dinheiro não faz de ninguém libertário; ao contrário, somos independentes apesar da falta de recursos; com eles (recursos), seremos ainda mais. Viva a blogosfera!
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O principal colunista político das Organizações Globo, Merval Pereira, registrou em sua coluna a manifestação da juventude diante do Clube Militar. Mais uma vez, parabéns Monique Lemos, presidente da UJS-RJ, e Theófilo Rodrigues, secretário de Formação da UJS. Também devo cumprimentar o candidato a deputado estadual, Igor Bruno, o mais importante quadro do movimento estudantil do Rio de Janeiro, que na verdade foi quem fez toda a articulação para que o protesto acontecesse.
O homem (Merval) sentiu o tranco. Eles todos (os golpistas) sentiram, de maneira que o protesto realmente teve importância política e histórica. Infelizmente, Merval não se conteve e fez acusações ofensivas e caluniosas a nós, os blogueiros; é uma honra, porém, sermos chamados, por esses golpistas, para a linha de frente da guerra.
Trecho de artigo do Merval:
"Na mesma quinta-feira em que se anunciava a manifestação de sindicatos 'pelegos' contra a liberdade de expressão, participei no Clube Militar do Rio, em companhia de Reinaldo Azevedo e de um representante da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), de um painel sobre as ameaças à liberdade de expressão.
O único tumulto havido foi provocado por um pequeno grupo de manifestantes em frente ao Clube Militar, protestando contra o que classificavam de 'hipocrisia' dos militares defendendo a democracia.
Na sala lotada, não houve uma só manifestação de radicalização política, e o consenso foi de que é preciso ficar atento permanentemente às tentativas do governo de controlar os meios de comunicação, seja através de projetos que criem conselhos cuja função específica seria tutelar a imprensa, seja através de constrangimentos comerciais que criem problemas financeiros às empresas jornalísticas independentes.
Ao mesmo tempo, o governo monta a sua sombra e à custa do erário público uma cadeia de blogs e de jornais e televisões, inclusive a estatal, para garantir um noticiário favorável a suas ações".
Esse trecho, repleto de mentiras, merece alguns esclarecimentos:
Os sindicatos “pelegos” a que se refere Merval são simplesmente os maiores do país, os mais organizados, independentes e poderosos. Cumpre notar que praticamente todos os sindicatos do país, não patronais, apoiam Dilma Rousseff e, portanto, na visão partidária de Merval, todos são “pelegos”. Lembro que em 1964, os defensores do golpe também usavam o mesmo adjetivo contra os sindicatos que apoiavam Jango. O tempo passa, o tempo voa, e o golpismo do jornal Globo continua numa boa.
Evidentemente não foi um evento “contra a liberdade de expressão” e sim a favor dela. Volte para o sanduichinho da mamãe, Merval.
O governo não montou nenhuma “cadeia de blogs” à custa do erário público, Merval. Mas sabe que você está dando uma ótima idéia? Seria uma honra ser pago pelo governo que ajudei a eleger com meu voto e minhas idéias para atacar golpistas antidemocratas como você. Esse tipo de acusação tem como o objetivo fomentar em nós constrangimentos éticos que, eu sei, você não tem. Você pode receber dinheiro por esse trabalhinho sujo que você faz, para um jornal que defendeu o golpe de Estado de 1964 e ainda defende, através de sua voz, golpes de Estado na América Latina (não esqueço sua defesa do golpe em Honduras). Eu poderia muito bem receber para ser um contraponto a posições como a sua.
Mas não é o caso. Tenho blog há oito anos e nunca recebi um centavo. Nem conto com isso. Sou um pequeno empresário do setor privado, sustentado por meu trabalho independente, por minhas traduções, alguns freelancers (para o setor privado) e assinaturas da Carta Diária. Mas rechaço veementemente sua malignidade contra jornalistas ou blogueiros que porventura tenham contratos com o governo, porque você omite o fato do governo ser uma entidade democrática, cujo poder emana do povo. O que o governo faz, portanto, é também uma decisão soberana e democrática do povo brasileiro.
O presidente da República seria um patrão muito mais digno do que os golpistas – cujas botas você lambe – que se enriqueceram à custa da liberdade e do sangue dos brasileiros. Por isso, lave a boca antes de falar na blogosfera, e se for falar em liberdade de expressão aplique antes água sanitária.
Sei muito bem que você deseja que gente como eu morra de fome. Não será tão fácil, meu caro. Ainda estamos no comecinho de nossa luta e de nosso amadurecimento. As lutas de hoje são apenas um exercício. A roda do mundo girou, Merval, e se eu fosse você tomava cuidado para não ser esmagado.
Por outro lado, eu entendo como elogio o fato de você nos acusar de receber dinheiro público. É que você está tão impressionado com a qualidade de nosso trabalho que não concebe como podemos não sermos profissionais regiamente pagos. Pois é, Merval. Para você ver como blogueiro sofre. Mas eu não reclamo. Nunca me senti tão livre, tão feliz, tão forte. Quanto ao dinheiro, a gente está pensando nesse problema.
Não somos ascetas loucos nem ingênuos nem tolos nem masoquistas. Precisamos de dinheiro. Estamos nos organizando para isso. Eu estou me organizando para isso. Se já incomodamos tanto sendo essa legião de blogueiros duros, imagine quando tivermos algum recurso em mãos? Alguém (provavelmente bem empregado) poderia dizer que aí perderemos nosso elan libertário, ao que respondo que a falta de dinheiro não faz de ninguém libertário; ao contrário, somos independentes apesar da falta de recursos; com eles (recursos), seremos ainda mais. Viva a blogosfera!
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Qual a origem do ódio do Estadão?
Reproduzo artigo de Marcelo da Silva Duarte, publicado no blog La Vieja Bruja:
Um editorial que poderia ter entrado para a história recente da democracia brasileira como exemplo de amadurecimento da liberdade de expressão, respeito ao processo eleitoral e à cidadania, acabou revelando todo o ódio de classe que a elite paulista nutre pelo projeto político petista para o Brasil.
Todo partido político tem direito a um projeto de governo. O PSDB de José Serra e Fernando Henrique Cardoso planejava, em 20 anos, fazer com que o Brasil esquecesse a era Vargas. Escolheu, para viabilizá-lo, a despeito do substantivo composto “social-democracia” em sua sigla, mero embuste semântico, o pensamento neoliberal.
O conceito de modernização com o qual o PSDB trabalhava nos anos FHC passava, necessariamente, pelas teses enunciadas pelo Consenso de Washington. O projeto tucano de desenvolvimento traduziu tal aparente consenso pela (i) estabilização macroeconômica via superávit fiscal, à custa do sucateamento dos serviços públicos, pela (ii) tentativa de realização das ditas reformas estruturais, traduzidas pelas (a) privatizações – que entregaram à iniciativa privada, diga-se de passagem, a preço de banana, a Vale do Rio Doce, destino do qual se safou, por pouco, a hoje primeira maior empresa petrolífera do mundo em lucro sobre faturamento, a Petrobras –, pela (b) redução do papel e da atividade normativa do Estado na economia – dinossauro ao qual recorreram, na recente bancarrota mundial, 9 entre 10 economistas antes neoliberais – e desregulamentação do mercado financeiro, a fim de atrair, pela terceira maior taxa de juros da economia mundial, o que também freava o consumo e mantinha a inflação sob controle, o capital especulativo internacional – grande responsável pela referida bancarrota –, e, por fim, pela (iii) retomada do investimento via iniciativa privada, donde a concentração de renda e de capital na mão de setores empresariais e a tentativa, incompleta, de quebra da coluna vertebral do sindicalismo via flexibilização das leis trabalhistas, o que praticamente anularia seu poder de barganha pela formação de um exército de mão-de-obra de reserva, a chamada “taxa natural” de desemprego.
A mídia oligárquica brasileira, no entanto, não viu maiores problemas na tentativa de continuidade, com José Serra, em 2002, do referido projeto, que, ao fim e ao cabo, ressuscitava a mítica “mão invisível do mercado”. Não se falou, em nenhum momento, em “paixão pelo poder”, no risco de se deixar “a máquina do Estado nas mãos de quem trata o governo e o seu partido como se fossem uma coisa só” e, muito menos, em “escolha dos piores meios para atingir seu fim precípuo: manter-se no poder”.
Ora, o Partido dos Trabalhadores tem tanto direito de escolher um projeto nacional quanto o PSDB. Esse projeto, ancorado, essencialmente, na (i) busca de uma política monetária capaz de equilibrar desenvolvimento e poder aquisitivo – nunca o Brasil cresceu e gerou tantos empregos formais quanto nos últimos oito anos, e nunca tantos cidadãos consumiram tanto -, na (ii) dignidade humana, através do resgate da cidadania via políticas públicas de inclusão social e distribuição de renda – nunca tantos cidadãos, antes condenados ao subemprego ou preteridos por raça, estudaram e prosperaram tanto, e nunca tantos cidadãos, antes condenados a viver abaixo da linha de pobreza, hoje possuem o básico para a conquista de sua autonomia –, na (iii) independência e no protagonismo de sua política externa e, sobretudo, no (iv) respeito ao Estado Democrático de Direito – nunca Imprensa, Legislativo, Polícia Federal e Judiciário, p. ex., foram tão respeitados quanto no governo Lula –, é tão legítimo quanto o tucano. E ele não só tem 80% de aprovação popular como, também, segundo as principais pesquisas, será reeleito, em primeiro turno, para um terceiro mandato.
Por que, então, tanta raiva? Qual a origem desse ódio, que vê na figura do Presidente “um chefe de Estado que despreza a liturgia que sua investidura exige e se entrega descontroladamente ao desmando e à autoglorificação”; que enxerga um chefe de Estado que, por supostamente “ignorar as instituições e atropelar as leis”, serve de mau exemplo à cidadania, este, por certo, se fosse o caso, um “mal a evitar”? Como o Estadão enxerga um mau exemplo num sujeito reeleito democraticamente e com 80% de aprovação popular, que mal consegue andar, onde quer que vá, mesmo em meio a uma dúzia de seguranças? Como um editorial pode ser tão estreito a ponto de sustentar que o objetivo maior do projeto político petista é assegurar “o bem-estar da companheirada”? Por que o Estadão não alertou o Brasil, em 2002, que o projeto de governo tucano objetivava perpetuar-se no poder a fim de assegurar “o bem-estar da tucanagem”?
A origem de tamanho rancor não pode ser, simplesmente, a falácia de que a democracia precisa ser oxigenada através da rotatividade no Poder. Se tal tese carregasse consigo alguma necessidade, não teríamos como livrar a humanidade da estupidez absoluta, uma vez que não haveria explicação para cada Estado Nacional não estampar, no primeiro artigo de sua Carta Máxima, a exigência de que nenhum partido político pudesse ocupar, por duas vezes seguidas, qualquer posição executiva, condão da prosperidade, da harmonia e do desenvolvimento. Sequer eleições seriam necessárias, uma vez que, nesse melhor dos mundos possíveis, bastaria, candidamente, estabelecer-se uma ordem sucessória entre os diversos postulantes aos cargos executivos. Tal como a “mão invisível do mercado” regula a economia e distribui, equitativamente, toda a riqueza produzida, assim agiria, na política, essa espécie de “democracia natural”.
Qualquer analista político é capaz de perceber, numa leitura superficial, que há qualquer coisa, no editorial do Estadão, mas menos uma defesa sistemática da candidatura de José Serra à Presidência da República. Com todo o peso da responsabilidade à qual nunca se subtraiu em 135 anos de lutas, os argumentos do Estado de São Paulo oscilam entre o nada – os supostos méritos do candidato José Serra -, coisa nenhuma – seu currículo exemplar de homem público – e o vazio absoluto – o que ele pode representar para a recondução do País ao desenvolvimento econômico e social pautado por valores éticos.
A verdadeira preocupação do Estadão, ao fim e ao cabo, reduz-se à bisonha e esotérica convicção “de que o candidato Serra é o que tem melhor possibilidade de evitar um grande mal para o País”.
Sim, pois “o que estará em jogo, no dia 3 de outubro, não é apenas a “continuidade de um projeto de crescimento econômico com a distribuição de dividendos sociais”, já que isso - algo que, estranhamente, as elites brasileiras não foram capazes de fazer em 500 anos – “todos os candidatos têm condições de fazer”. O que o eleitor decidirá de mais importante, segundo o Estadão, não é a continuidade ou não do projeto petista de desenvolvimento, mas sim “se deixará a máquina do Estado nas mãos de quem trata o governo e o seu partido como se fossem uma coisa só, submetendo o interesse coletivo aos interesses de sua facção”.
A defesa da candidatura Serra, ensaiada em meio parágrafo, portanto, perde-se num mar de generalidades, e tanto quanto os tímidos elogios às políticas públicas implementadas pelo atual governo – todas elas, diga-se de passagem, relacionadas à era FHC, e não méritos petistas –, desaparece diante do ódio destilado contra a possibilidade de continuidade, com Dilma Rousseff, do projeto petista de desenvolvimento. A impressão que fica não pode ser outra senão a de que a defesa da candidatura oposicionista serve de mero pretexto para o ataque raivoso ao projeto situacionista. Não se trata de um editorial a favor da candidatura José Serra, mas sim contra Lula, o PT e tudo que seu projeto possa representar.
O Estado de São Paulo tem todo o direito – até o dever, alguns dirão – de posicionar-se a favor da candidatura Serra e mesmo contra a petista, desde que apresente bons argumentos em nome da primeira e razoáveis em relação à segunda, uma vez que é público e notório que o projeto petista não é imune a críticas. Só não pode supor que um bom argumento passa, necessariamente, pela desqualificação alheia gratuita.
Do contrário, ao invés de respeito, não conseguirá nada além de transmitir a impressão de que trata o interesse público e seu interesse empresarial como se fossem uma coisa só, submetendo a democracia aos interesses de sua facção. Um jornal que despreza a liturgia que sua investidura exige ao personalizar o debate público e se entrega, descontroladamente, ao desmando e à autoglorificação, não faz mais do que ignorar as instituições e atropelar as leis, deste modo servindo de mau exemplo à cidadania. O Estadão parece ter feito a escolha dos piores meios para atingir seu fim precípuo: manter-se no poder ao lado de nossos velhos conhecidos da mídia oligárquica, desse modo garantindo o bem-estar da companheirada.
Este é o mal a evitar.
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Um editorial que poderia ter entrado para a história recente da democracia brasileira como exemplo de amadurecimento da liberdade de expressão, respeito ao processo eleitoral e à cidadania, acabou revelando todo o ódio de classe que a elite paulista nutre pelo projeto político petista para o Brasil.
Todo partido político tem direito a um projeto de governo. O PSDB de José Serra e Fernando Henrique Cardoso planejava, em 20 anos, fazer com que o Brasil esquecesse a era Vargas. Escolheu, para viabilizá-lo, a despeito do substantivo composto “social-democracia” em sua sigla, mero embuste semântico, o pensamento neoliberal.
O conceito de modernização com o qual o PSDB trabalhava nos anos FHC passava, necessariamente, pelas teses enunciadas pelo Consenso de Washington. O projeto tucano de desenvolvimento traduziu tal aparente consenso pela (i) estabilização macroeconômica via superávit fiscal, à custa do sucateamento dos serviços públicos, pela (ii) tentativa de realização das ditas reformas estruturais, traduzidas pelas (a) privatizações – que entregaram à iniciativa privada, diga-se de passagem, a preço de banana, a Vale do Rio Doce, destino do qual se safou, por pouco, a hoje primeira maior empresa petrolífera do mundo em lucro sobre faturamento, a Petrobras –, pela (b) redução do papel e da atividade normativa do Estado na economia – dinossauro ao qual recorreram, na recente bancarrota mundial, 9 entre 10 economistas antes neoliberais – e desregulamentação do mercado financeiro, a fim de atrair, pela terceira maior taxa de juros da economia mundial, o que também freava o consumo e mantinha a inflação sob controle, o capital especulativo internacional – grande responsável pela referida bancarrota –, e, por fim, pela (iii) retomada do investimento via iniciativa privada, donde a concentração de renda e de capital na mão de setores empresariais e a tentativa, incompleta, de quebra da coluna vertebral do sindicalismo via flexibilização das leis trabalhistas, o que praticamente anularia seu poder de barganha pela formação de um exército de mão-de-obra de reserva, a chamada “taxa natural” de desemprego.
A mídia oligárquica brasileira, no entanto, não viu maiores problemas na tentativa de continuidade, com José Serra, em 2002, do referido projeto, que, ao fim e ao cabo, ressuscitava a mítica “mão invisível do mercado”. Não se falou, em nenhum momento, em “paixão pelo poder”, no risco de se deixar “a máquina do Estado nas mãos de quem trata o governo e o seu partido como se fossem uma coisa só” e, muito menos, em “escolha dos piores meios para atingir seu fim precípuo: manter-se no poder”.
Ora, o Partido dos Trabalhadores tem tanto direito de escolher um projeto nacional quanto o PSDB. Esse projeto, ancorado, essencialmente, na (i) busca de uma política monetária capaz de equilibrar desenvolvimento e poder aquisitivo – nunca o Brasil cresceu e gerou tantos empregos formais quanto nos últimos oito anos, e nunca tantos cidadãos consumiram tanto -, na (ii) dignidade humana, através do resgate da cidadania via políticas públicas de inclusão social e distribuição de renda – nunca tantos cidadãos, antes condenados ao subemprego ou preteridos por raça, estudaram e prosperaram tanto, e nunca tantos cidadãos, antes condenados a viver abaixo da linha de pobreza, hoje possuem o básico para a conquista de sua autonomia –, na (iii) independência e no protagonismo de sua política externa e, sobretudo, no (iv) respeito ao Estado Democrático de Direito – nunca Imprensa, Legislativo, Polícia Federal e Judiciário, p. ex., foram tão respeitados quanto no governo Lula –, é tão legítimo quanto o tucano. E ele não só tem 80% de aprovação popular como, também, segundo as principais pesquisas, será reeleito, em primeiro turno, para um terceiro mandato.
Por que, então, tanta raiva? Qual a origem desse ódio, que vê na figura do Presidente “um chefe de Estado que despreza a liturgia que sua investidura exige e se entrega descontroladamente ao desmando e à autoglorificação”; que enxerga um chefe de Estado que, por supostamente “ignorar as instituições e atropelar as leis”, serve de mau exemplo à cidadania, este, por certo, se fosse o caso, um “mal a evitar”? Como o Estadão enxerga um mau exemplo num sujeito reeleito democraticamente e com 80% de aprovação popular, que mal consegue andar, onde quer que vá, mesmo em meio a uma dúzia de seguranças? Como um editorial pode ser tão estreito a ponto de sustentar que o objetivo maior do projeto político petista é assegurar “o bem-estar da companheirada”? Por que o Estadão não alertou o Brasil, em 2002, que o projeto de governo tucano objetivava perpetuar-se no poder a fim de assegurar “o bem-estar da tucanagem”?
A origem de tamanho rancor não pode ser, simplesmente, a falácia de que a democracia precisa ser oxigenada através da rotatividade no Poder. Se tal tese carregasse consigo alguma necessidade, não teríamos como livrar a humanidade da estupidez absoluta, uma vez que não haveria explicação para cada Estado Nacional não estampar, no primeiro artigo de sua Carta Máxima, a exigência de que nenhum partido político pudesse ocupar, por duas vezes seguidas, qualquer posição executiva, condão da prosperidade, da harmonia e do desenvolvimento. Sequer eleições seriam necessárias, uma vez que, nesse melhor dos mundos possíveis, bastaria, candidamente, estabelecer-se uma ordem sucessória entre os diversos postulantes aos cargos executivos. Tal como a “mão invisível do mercado” regula a economia e distribui, equitativamente, toda a riqueza produzida, assim agiria, na política, essa espécie de “democracia natural”.
Qualquer analista político é capaz de perceber, numa leitura superficial, que há qualquer coisa, no editorial do Estadão, mas menos uma defesa sistemática da candidatura de José Serra à Presidência da República. Com todo o peso da responsabilidade à qual nunca se subtraiu em 135 anos de lutas, os argumentos do Estado de São Paulo oscilam entre o nada – os supostos méritos do candidato José Serra -, coisa nenhuma – seu currículo exemplar de homem público – e o vazio absoluto – o que ele pode representar para a recondução do País ao desenvolvimento econômico e social pautado por valores éticos.
A verdadeira preocupação do Estadão, ao fim e ao cabo, reduz-se à bisonha e esotérica convicção “de que o candidato Serra é o que tem melhor possibilidade de evitar um grande mal para o País”.
Sim, pois “o que estará em jogo, no dia 3 de outubro, não é apenas a “continuidade de um projeto de crescimento econômico com a distribuição de dividendos sociais”, já que isso - algo que, estranhamente, as elites brasileiras não foram capazes de fazer em 500 anos – “todos os candidatos têm condições de fazer”. O que o eleitor decidirá de mais importante, segundo o Estadão, não é a continuidade ou não do projeto petista de desenvolvimento, mas sim “se deixará a máquina do Estado nas mãos de quem trata o governo e o seu partido como se fossem uma coisa só, submetendo o interesse coletivo aos interesses de sua facção”.
A defesa da candidatura Serra, ensaiada em meio parágrafo, portanto, perde-se num mar de generalidades, e tanto quanto os tímidos elogios às políticas públicas implementadas pelo atual governo – todas elas, diga-se de passagem, relacionadas à era FHC, e não méritos petistas –, desaparece diante do ódio destilado contra a possibilidade de continuidade, com Dilma Rousseff, do projeto petista de desenvolvimento. A impressão que fica não pode ser outra senão a de que a defesa da candidatura oposicionista serve de mero pretexto para o ataque raivoso ao projeto situacionista. Não se trata de um editorial a favor da candidatura José Serra, mas sim contra Lula, o PT e tudo que seu projeto possa representar.
O Estado de São Paulo tem todo o direito – até o dever, alguns dirão – de posicionar-se a favor da candidatura Serra e mesmo contra a petista, desde que apresente bons argumentos em nome da primeira e razoáveis em relação à segunda, uma vez que é público e notório que o projeto petista não é imune a críticas. Só não pode supor que um bom argumento passa, necessariamente, pela desqualificação alheia gratuita.
Do contrário, ao invés de respeito, não conseguirá nada além de transmitir a impressão de que trata o interesse público e seu interesse empresarial como se fossem uma coisa só, submetendo a democracia aos interesses de sua facção. Um jornal que despreza a liturgia que sua investidura exige ao personalizar o debate público e se entrega, descontroladamente, ao desmando e à autoglorificação, não faz mais do que ignorar as instituições e atropelar as leis, deste modo servindo de mau exemplo à cidadania. O Estadão parece ter feito a escolha dos piores meios para atingir seu fim precípuo: manter-se no poder ao lado de nossos velhos conhecidos da mídia oligárquica, desse modo garantindo o bem-estar da companheirada.
Este é o mal a evitar.
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Como lidar com governantes bem avaliados
Reproduzo artigo de Washington Araújo, publicado no Observatório da Imprensa:
É fato que as campanhas eleitorais, a partir do estabelecimento da democracia plena no país, vêm se profissionalizando de forma crescente. Pesquisa de opinião tem para todos os gostos. Pesquisa de opinião é registro do momento. Pesquisa de opinião quando não derruba o governo, derruba o político-alvo; e quando não derruba este derruba o instituto, fazendo seu haraquiri.
O público eleitor se acostumou a falar em pesquisa, a discutir seus resultados, a acompanhar a evolução de seus candidatos através da mídia. E também passou a desconfiar dos resultados sempre que seu candidato favorito mostrou "anemia numérica" ou, então, quando outros institutos concorrentes apresentaram números diferentes.
É fato também que pesquisas de opinião exercem influência na escolha dos eleitores. Principalmente entre o contingente dos indecisos. É que existe a possibilidade – muito real – de boa parte dos indecisos não apostar em candidatos perdedores, aquiescendo assim à pressão psicológica do "querer ganhar" e não "perder". Outro fator de não menos importância é que resultados de pesquisas eleitorais têm efeito direto sobre a militância: pode mobilizar ou desmobilizar esforços em favor ou em detrimento das candidaturas.
Avaliação dos presidentes
As pesquisas de opinião vieram para ficar e podemos elaborar algo como "pensar em política é pensar em pesquisa". Pois bem, aproveitando o atual período de 25 anos ininterruptos de democracia no Brasil resolvi ir fundo na leitura de pesquisas realizadas para aferir a popularidade nossos governos legitimamente constituídos pós-golpe militar de 1964, que durou até 1985.
Optei pelo Instituto Datafolha por considerá-lo o mais controvertido, ao menos nestas eleições presidenciais de 2010. Acontece que o Datafolha começou a aferir a popularidade presidencial apenas a partir de 1987, e daquele ano até agosto de 2010 realizou nada menos que 129 pesquisas de opinião pública. E descobri coisas interessantes quanto ao quesito popularidade bafejando (positivamente ou não) cinco cidadãos que nas urnas, à exceção de Itamar Franco, foram sagrados presidentes do Brasil: José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva.
Considerando apenas as pesquisas do Instituto Datafolha ficamos sabendo que:
* José Sarney foi avaliado em 9 pesquisas no período de maio/1987 a março/1990. Sua melhor avaliação "Ótimo/Bom" alcançou 11% da população em pesquisa de novembro/1987 enquanto que seu pior "Ruim/Péssimo" verificou-se em setembro/1989 quando obteve 68% de impopularidade.
* Fernando Collor foi avaliado em 7 pesquisas no período de maio/1990 a setembro/1992. Sua melhor avaliação "Ótimo/Bom" alcançou 71% da população em pesquisa de março/1990, enquanto que seu pior "Ruim/Péssimo" verificou-se em setembro/1989 quando obteve 68% de impopularidade.
* Itamar Franco foi avaliado em 17 pesquisas no período de setembro/1992 a dezembro/1994. Sua melhor avaliação "Ótimo/Bom" alcançou 41% da população em pesquisa de dezembro/1994, enquanto que seu pior "Ruim/Péssimo" verificou-se em maio/1994 quando obteve 38% de impopularidade.
* Fernando Henrique Cardoso (dois mandatos) foi avaliado em 46 pesquisas no período de março/1995 a dezembro/2002. Sua melhor avaliação "Ótimo/Bom" alcançou 47% da população em pesquisa de dezembro/1996, enquanto que seu pior "Ruim/Péssimo" verificou-se em setembro/1999 quando obteve 56% de impopularidade.
* Luiz Inácio Lula da Silva (dois mandatos) foi avaliado em 50 pesquisas no período de março/2003 a agosto/2010. Sua melhor avaliação "Ótimo/Bom" alcançou 79% da população em pesquisa de agosto/2010, enquanto que seu pior "Ruim/Péssimo" verificou-se em dezembro/2005 quando obteve 29% de impopularidade.
* José Sarney (68%), Fernando Collor (68%) e Itamar Franco (38%) registraram sua mais elevada taxa de desaprovação popular ao término de seu exercício da presidência.
* Fernando Henrique Cardoso concluiu seu segundo mandato com 26% de avaliação positiva e 36% de avaliação negativa, registrado em pesquisa de dezembro de 2002.
* Luiz Inácio Lula da Silva está concluindo seu segundo mandato (23-24/8/2010) com 79% de avaliação positiva e 4% de avaliação negativa.
* Das 7 pesquisas durante a presidência de Fernando Collor o alagoano pontuou acima de 50% de avaliação positiva apenas em março/1990, quando atingiu sua melhor marca: 71%. As demais obtiveram pontuação positiva sempre inferior a 37%.
* Luiz Inácio Lula da Silva registrou popularidade positiva acima de 50% em 19 das 50 pesquisas divulgadas pelo Datafolha. De 2007 a 2010 sua popularidade tem sido regularmente acima de 50 pontos e de janeiro a agosto de 2010 é avaliado positivamente por índices sempre acima dos 70% da população brasileira.
Dilemas e desatinos
Feitas estas considerações observo que nossa grande imprensa não sabe lidar com governantes muito bem avaliados, desses que conseguem ser bem aceitos por mais da metade da população e por longo período de tempo, de forma quase ininterrupta. É exatamente este o caso do presidente Lula. Na falta de experiência nesse trato a grande imprensa termina por polarizar com o governante, não necessariamente por nutrir o desejo de polarização, mas sim porque governante algum – tenha avaliação positiva de 99%, seja até canonizado santo enquanto no exercício do cargo público – está isento de erros, defeitos e tudo o mais que se aloja no organismo do poder político.
Há também um quê de inveja devido ao fato de que o governante bem aceito pela população veste suas opiniões com elevado grau de assertividade, e tudo o que faz ou tudo o que fala recebe imediata aprovação – mesmo que tácita – da população. Enquanto que a imprensa precisa conquistar corações e mentes de seus leitores, ouvintes e telespectadores quase que minuto a minuto, diariamente, semanalmente.
É esta popularidade do presidente Lula, inédita em nossa recente história política, que transforma o errado em certo, o nebuloso em claro, e que transmuta o que é escandaloso em coisa da mais corrente normalidade. A grande imprensa escala um Everest por dia, planta-lhe com redobrado esforço e em seu mais elevado píncaro a bandeira tremeluzente do mais recente escândalo político, financeiro ou de costumes. E aguarda a próxima pesquisa de opinião pública; quando esta chega, constata que o governante bafejado com índices de estonteante aceitação popular respondeu à sua hercúlea provocação midiática com um silencioso "dar de ombros"... e eis que a coisa fica por isso mesmo, registrando-se não mais que meros ajustes matemáticos.
Quando muito, o presidente cada vez mais cônscio de seu capital de liderança incontrastável, ataca essa mesma imprensa, aponta o que entende ser grosseira fábrica de manipulação político-partidária, coloca-lhe guizos no pescoço e, ao fim, festeja o fato que é a própria imprensa que repercute o petardo presidencial como também sua própria constatação de que não consegue forças na sociedade para expressar à altura sua desaprovação à fala do governante, sabendo já de antemão que qualquer coisa que faça receberá de boa parte da população a tarja de "defesa em causa própria" – e isto retira-lhe, mesmo que por vias oblíquas, a legitimidade para dar curso ao debate.
A grande imprensa paga o preço de não saber conviver com políticos bem avaliados pela população por longos períodos de tempo, e descobre a contragosto que os dilemas, desafios e desatinos das forças oposicionistas são também os seus dilemas, desafios e desatinos, sendo esses expressos em capas de jornais e revistas, apresentados em ritmo de funeral nos telejornais da noite, objeto de análises repetitivas e quase sempre sem qualquer brilhantismo por parte dos mais renomados comentaristas de política e economia do país.
Espaço ao contraditório
É como se a grande imprensa perguntasse: "Quo vadis?" Mas a resposta é incisiva: "Para Roma é que não é". Porque há que se deixar aos políticos a política e aos jornalistas, o jornalismo. Há que se refazer o caminho de volta... porque esse negócio de tomar para si a missão de oposição política – pois esta se encontra fragilizada – nada mais é que grosseira falsificação do papel da imprensa em um Estado democrático de direito.
É hora de deixar as bandeiras do partido no chão e voltar à prática do bom jornalismo: buscar a verdade, manter pura sua motivação desde a escolha da pauta até sua realização, investigar cada caso antes de publicar, conceder espaço ao contraditório, deixar ao público a formulação de juízos de valor.
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É fato que as campanhas eleitorais, a partir do estabelecimento da democracia plena no país, vêm se profissionalizando de forma crescente. Pesquisa de opinião tem para todos os gostos. Pesquisa de opinião é registro do momento. Pesquisa de opinião quando não derruba o governo, derruba o político-alvo; e quando não derruba este derruba o instituto, fazendo seu haraquiri.
O público eleitor se acostumou a falar em pesquisa, a discutir seus resultados, a acompanhar a evolução de seus candidatos através da mídia. E também passou a desconfiar dos resultados sempre que seu candidato favorito mostrou "anemia numérica" ou, então, quando outros institutos concorrentes apresentaram números diferentes.
É fato também que pesquisas de opinião exercem influência na escolha dos eleitores. Principalmente entre o contingente dos indecisos. É que existe a possibilidade – muito real – de boa parte dos indecisos não apostar em candidatos perdedores, aquiescendo assim à pressão psicológica do "querer ganhar" e não "perder". Outro fator de não menos importância é que resultados de pesquisas eleitorais têm efeito direto sobre a militância: pode mobilizar ou desmobilizar esforços em favor ou em detrimento das candidaturas.
Avaliação dos presidentes
As pesquisas de opinião vieram para ficar e podemos elaborar algo como "pensar em política é pensar em pesquisa". Pois bem, aproveitando o atual período de 25 anos ininterruptos de democracia no Brasil resolvi ir fundo na leitura de pesquisas realizadas para aferir a popularidade nossos governos legitimamente constituídos pós-golpe militar de 1964, que durou até 1985.
Optei pelo Instituto Datafolha por considerá-lo o mais controvertido, ao menos nestas eleições presidenciais de 2010. Acontece que o Datafolha começou a aferir a popularidade presidencial apenas a partir de 1987, e daquele ano até agosto de 2010 realizou nada menos que 129 pesquisas de opinião pública. E descobri coisas interessantes quanto ao quesito popularidade bafejando (positivamente ou não) cinco cidadãos que nas urnas, à exceção de Itamar Franco, foram sagrados presidentes do Brasil: José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva.
Considerando apenas as pesquisas do Instituto Datafolha ficamos sabendo que:
* José Sarney foi avaliado em 9 pesquisas no período de maio/1987 a março/1990. Sua melhor avaliação "Ótimo/Bom" alcançou 11% da população em pesquisa de novembro/1987 enquanto que seu pior "Ruim/Péssimo" verificou-se em setembro/1989 quando obteve 68% de impopularidade.
* Fernando Collor foi avaliado em 7 pesquisas no período de maio/1990 a setembro/1992. Sua melhor avaliação "Ótimo/Bom" alcançou 71% da população em pesquisa de março/1990, enquanto que seu pior "Ruim/Péssimo" verificou-se em setembro/1989 quando obteve 68% de impopularidade.
* Itamar Franco foi avaliado em 17 pesquisas no período de setembro/1992 a dezembro/1994. Sua melhor avaliação "Ótimo/Bom" alcançou 41% da população em pesquisa de dezembro/1994, enquanto que seu pior "Ruim/Péssimo" verificou-se em maio/1994 quando obteve 38% de impopularidade.
* Fernando Henrique Cardoso (dois mandatos) foi avaliado em 46 pesquisas no período de março/1995 a dezembro/2002. Sua melhor avaliação "Ótimo/Bom" alcançou 47% da população em pesquisa de dezembro/1996, enquanto que seu pior "Ruim/Péssimo" verificou-se em setembro/1999 quando obteve 56% de impopularidade.
* Luiz Inácio Lula da Silva (dois mandatos) foi avaliado em 50 pesquisas no período de março/2003 a agosto/2010. Sua melhor avaliação "Ótimo/Bom" alcançou 79% da população em pesquisa de agosto/2010, enquanto que seu pior "Ruim/Péssimo" verificou-se em dezembro/2005 quando obteve 29% de impopularidade.
* José Sarney (68%), Fernando Collor (68%) e Itamar Franco (38%) registraram sua mais elevada taxa de desaprovação popular ao término de seu exercício da presidência.
* Fernando Henrique Cardoso concluiu seu segundo mandato com 26% de avaliação positiva e 36% de avaliação negativa, registrado em pesquisa de dezembro de 2002.
* Luiz Inácio Lula da Silva está concluindo seu segundo mandato (23-24/8/2010) com 79% de avaliação positiva e 4% de avaliação negativa.
* Das 7 pesquisas durante a presidência de Fernando Collor o alagoano pontuou acima de 50% de avaliação positiva apenas em março/1990, quando atingiu sua melhor marca: 71%. As demais obtiveram pontuação positiva sempre inferior a 37%.
* Luiz Inácio Lula da Silva registrou popularidade positiva acima de 50% em 19 das 50 pesquisas divulgadas pelo Datafolha. De 2007 a 2010 sua popularidade tem sido regularmente acima de 50 pontos e de janeiro a agosto de 2010 é avaliado positivamente por índices sempre acima dos 70% da população brasileira.
Dilemas e desatinos
Feitas estas considerações observo que nossa grande imprensa não sabe lidar com governantes muito bem avaliados, desses que conseguem ser bem aceitos por mais da metade da população e por longo período de tempo, de forma quase ininterrupta. É exatamente este o caso do presidente Lula. Na falta de experiência nesse trato a grande imprensa termina por polarizar com o governante, não necessariamente por nutrir o desejo de polarização, mas sim porque governante algum – tenha avaliação positiva de 99%, seja até canonizado santo enquanto no exercício do cargo público – está isento de erros, defeitos e tudo o mais que se aloja no organismo do poder político.
Há também um quê de inveja devido ao fato de que o governante bem aceito pela população veste suas opiniões com elevado grau de assertividade, e tudo o que faz ou tudo o que fala recebe imediata aprovação – mesmo que tácita – da população. Enquanto que a imprensa precisa conquistar corações e mentes de seus leitores, ouvintes e telespectadores quase que minuto a minuto, diariamente, semanalmente.
É esta popularidade do presidente Lula, inédita em nossa recente história política, que transforma o errado em certo, o nebuloso em claro, e que transmuta o que é escandaloso em coisa da mais corrente normalidade. A grande imprensa escala um Everest por dia, planta-lhe com redobrado esforço e em seu mais elevado píncaro a bandeira tremeluzente do mais recente escândalo político, financeiro ou de costumes. E aguarda a próxima pesquisa de opinião pública; quando esta chega, constata que o governante bafejado com índices de estonteante aceitação popular respondeu à sua hercúlea provocação midiática com um silencioso "dar de ombros"... e eis que a coisa fica por isso mesmo, registrando-se não mais que meros ajustes matemáticos.
Quando muito, o presidente cada vez mais cônscio de seu capital de liderança incontrastável, ataca essa mesma imprensa, aponta o que entende ser grosseira fábrica de manipulação político-partidária, coloca-lhe guizos no pescoço e, ao fim, festeja o fato que é a própria imprensa que repercute o petardo presidencial como também sua própria constatação de que não consegue forças na sociedade para expressar à altura sua desaprovação à fala do governante, sabendo já de antemão que qualquer coisa que faça receberá de boa parte da população a tarja de "defesa em causa própria" – e isto retira-lhe, mesmo que por vias oblíquas, a legitimidade para dar curso ao debate.
A grande imprensa paga o preço de não saber conviver com políticos bem avaliados pela população por longos períodos de tempo, e descobre a contragosto que os dilemas, desafios e desatinos das forças oposicionistas são também os seus dilemas, desafios e desatinos, sendo esses expressos em capas de jornais e revistas, apresentados em ritmo de funeral nos telejornais da noite, objeto de análises repetitivas e quase sempre sem qualquer brilhantismo por parte dos mais renomados comentaristas de política e economia do país.
Espaço ao contraditório
É como se a grande imprensa perguntasse: "Quo vadis?" Mas a resposta é incisiva: "Para Roma é que não é". Porque há que se deixar aos políticos a política e aos jornalistas, o jornalismo. Há que se refazer o caminho de volta... porque esse negócio de tomar para si a missão de oposição política – pois esta se encontra fragilizada – nada mais é que grosseira falsificação do papel da imprensa em um Estado democrático de direito.
É hora de deixar as bandeiras do partido no chão e voltar à prática do bom jornalismo: buscar a verdade, manter pura sua motivação desde a escolha da pauta até sua realização, investigar cada caso antes de publicar, conceder espaço ao contraditório, deixar ao público a formulação de juízos de valor.
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