terça-feira, 7 de dezembro de 2010
A revolução será digitalizada
Reproduzo artigo de Heether Brooke, publicado no jornal britânico The Guardian e traduzido pelo sítio Outras Palavras:
A diplomacia sempre incluiu jantares com as elites dominantes, acertos de bastidores e encontros clandestinos. Agora, na era digital, os relatos de todas estas festas e diálogos aristocráticos pode ser reunido numa enorme base de dados. Uma vez recolhidos em formato digital, é muito fácil compartilhá-los.
Na verdade, é para isso que a base de dados Siprnet, de onde os segredos diplomáticos norte- americanos são vazados, foi criada. A comissão governamental criada nos EUA para avaliar a segurança nacional após o 11 de Setembro fez uma descoberta notável: não era o compartilhamento de informações que ameaçava os EUA, mas o não-compartilhamento. A falta de cooperação entre agências governamentais e a retenção de informações por burocratas desperdiçaram muitas oportunidade para bloquear os ataques contra as Torres Gêmeas. Em resposta, a comissão ordenou uma restruturação dos serviços do governo e da inteligência, para que se adaptassem à própria web. A nova prática era de colaboração e compartilhamento de informações. Mas, ao contrário de milhões de membros do governo e empresas terceirizadas, o público não tinha acesso à Siprnet.
Porém, os dados têm o hábito de se espalhar. Eles escorregam entre a segurança militar e também podem vazar pelo Wikileaks, o meio pelo qual eu obtive as informações. Eles violaram até os prazos de fechamento do Guardian e de outros jornais envolvidos na divulgação da história, quando um cópia clandestina do semanário alemão Der Spiegel acidentalmente chegou às bancas em Basle, na Suíça, domingo passado. Alguém a comprou, entendeu o que ela continha e começou a escanear as páginas, traduzindo-as do alemão para o inglês e postando no Twitter. Parece que os dados digitalizados não respeitam autoridade alguma, esteja ela no Pentágono, no Wikilieaks ou num editor de jornais.
Cada um de nós já viveu, pessoalmente, as enormes mudanças que vêm com a digitalização. Fatos ou informação que considerávamos efêmeros e privados agora são permanetes, públicos e agregáveis. Se o volume dos atuais vazamentos parece grande, pense nos 500 milhões de usuários do Facebook, ou nos milhões de registros mantidos pelo Google. Os governos mantêm nossos dados pessoais em enormes bases. Era caro obter e distribuir informação. Agora, é caro retê-la.
Mas quando os devassa de dados atinge o público, os governantes parecem não se importar muito. Nossa privacidade é disponível. Não surpreende que a reação aos novos vazamentos seja, agora, diferente. O que transformou, num sentido revolucionário, a dinâmica do poder não é a escala das revelações – mas o fato de que indivíduos podem tornar pública uma cópia de documentos do Estado. Em papel, estes vazamentos equivalem, segundo estimativas do Guardian, a 213.969 paginas A4, que teriam, empilhadas, a altura de 43 quilômetros. Algo impossível de vazar com segurança, na era do papel.
Para alguns, a novidade significa uma crise. Para outros, uma oportunidade. A tecnologia está rompendo as barreiras tradicionais de classe, poder, riqueza e geografia – e substituindo-as por um ethos de colaboração e transparência.
Um ex-embaixador dos Estados Unidos na Rússia, James Collins, disse à CNN que a revelação dos registros pelo Wikileaks “impedirá que as coisas seja feitas de forma normal e civilizada”. Muito frequentemente, “normal” e “civilizado” significa, na linguagem diplomática, fazer vistas grossas para injustiças sociais flagrantes, corrupção e abuso de poder. Depois de ler centenas de documentos, constato que muito dos “danos” que eles provocam é revelação embaraçosa e constrangedora de verdades inconvenientes. Em nome da segurança de uma base militar num dado país, nossos líderes aceitam um ditador brutal que oprime seu povo. Isso pode ser conveniente a curto prazo para os políticos, mas as consequências a longo prazo para os cidadãos do planeta podem ser catastróficas.
Os vazamentos não são o problema, apenas o sintoma. Revelam a desconexão entre aquilo que as pessoas desejam e precisam e o que realmente fazem. Quanto maior o segredo, mais prováveis os vazamentos. O caminho para superá-los é assegurar um mecanismos robustos para acesso público a informação relevante.
Graças à internet, esperamos um nível muito maior de conhecimento e participação, em muitos aspectos de nossas vidas. Mas os políticos resistem resolutamente aos novos tempos. Vêem-se como tutores de um público infantil – que não merece nem a verdade, nem o poder real que o conhecimento oferece.
Muito da revolta governamental sobre os vazamentos não tem a ver com o conteúdo do que é revelado, mas com a audácia de quem rompe o que eram fortalezas invioláveis da autoridade. No passado, confiávamos nas autoridades. Se um governante nos dissesse que algo poderia prejudicar a segurança nacional, tomávamos a afirmação como verdade. Agora,os dados crus por trás desta crença estão se tornando públicos. O que percebemos de vazamentos sobre as despesas de parlamentares, ou a cumplicidade de governos com a tortura, é que quando os políticos falam sobre uma ameaça à “segurança nacional”, referem-se frequentemente à defesa de sua própria posição ameaçada.
Estamos num momento crucial, em que alguns visionários, na vanguarda de uma era digital, enfrentam quem tenta, desesperadamente, controlar o que sabemos. O Wikileaks é o front de guerrilha, num movimento global por maior transparência e participação. Projetos como o Ushahidi usam redes sociais para criar mapas onde os cidadãos podem relatar violências e desafiar a versão oficial dos fatos. Há ativistas empenhados em liberar dados oficiais, para que as pessoas possam ver, por exemplo, os orçamentos públicos em detalhe.
Por ironia, o Departamento de Estado dos EUA foi um dos grandes incentivadores da inovação técnica, como meio para levar a democracia a países como o Irã e a China. O presidente Obama exortou regimes repressores a deixar de censurar a internet. No entanto, uma lei que tramita no Congresso permite ao Procurador-Geral em Washington criar uma “lista suja” de websites. É possível acreditar numa democracia forte apenas para assuntos externos?
Os governantes costumavam controlar os cidadãos por meio do fluxo restrito de informações. Agora, está se tornando impossível vigiar o que a sociedade lê, vê e ouve. A tecnologia permite desafiar coletivamente a autoridade. Os poderosos vigiaram por muito tempo as sociedades, para controlá-las. Agora, os cidadãos estão lançando um olhar coletivo sobre o poder.
É uma revolução, e todas as revoluções geram medos e incertezas. Caminhamos para um Novo Iluminismo da Informação? Ou a revanche daqueles quer querem manter controle a qualquer custo nos levará a um novo totalitarismo? O que ocorrer nos próximos cinco anos definirá o futuro da democracia no próximo século. Por isso, seria ótimo que os nossos líderes respondessem aos desafios de hoje com um olhar sobre o futuro.
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A diplomacia sempre incluiu jantares com as elites dominantes, acertos de bastidores e encontros clandestinos. Agora, na era digital, os relatos de todas estas festas e diálogos aristocráticos pode ser reunido numa enorme base de dados. Uma vez recolhidos em formato digital, é muito fácil compartilhá-los.
Na verdade, é para isso que a base de dados Siprnet, de onde os segredos diplomáticos norte- americanos são vazados, foi criada. A comissão governamental criada nos EUA para avaliar a segurança nacional após o 11 de Setembro fez uma descoberta notável: não era o compartilhamento de informações que ameaçava os EUA, mas o não-compartilhamento. A falta de cooperação entre agências governamentais e a retenção de informações por burocratas desperdiçaram muitas oportunidade para bloquear os ataques contra as Torres Gêmeas. Em resposta, a comissão ordenou uma restruturação dos serviços do governo e da inteligência, para que se adaptassem à própria web. A nova prática era de colaboração e compartilhamento de informações. Mas, ao contrário de milhões de membros do governo e empresas terceirizadas, o público não tinha acesso à Siprnet.
Porém, os dados têm o hábito de se espalhar. Eles escorregam entre a segurança militar e também podem vazar pelo Wikileaks, o meio pelo qual eu obtive as informações. Eles violaram até os prazos de fechamento do Guardian e de outros jornais envolvidos na divulgação da história, quando um cópia clandestina do semanário alemão Der Spiegel acidentalmente chegou às bancas em Basle, na Suíça, domingo passado. Alguém a comprou, entendeu o que ela continha e começou a escanear as páginas, traduzindo-as do alemão para o inglês e postando no Twitter. Parece que os dados digitalizados não respeitam autoridade alguma, esteja ela no Pentágono, no Wikilieaks ou num editor de jornais.
Cada um de nós já viveu, pessoalmente, as enormes mudanças que vêm com a digitalização. Fatos ou informação que considerávamos efêmeros e privados agora são permanetes, públicos e agregáveis. Se o volume dos atuais vazamentos parece grande, pense nos 500 milhões de usuários do Facebook, ou nos milhões de registros mantidos pelo Google. Os governos mantêm nossos dados pessoais em enormes bases. Era caro obter e distribuir informação. Agora, é caro retê-la.
Mas quando os devassa de dados atinge o público, os governantes parecem não se importar muito. Nossa privacidade é disponível. Não surpreende que a reação aos novos vazamentos seja, agora, diferente. O que transformou, num sentido revolucionário, a dinâmica do poder não é a escala das revelações – mas o fato de que indivíduos podem tornar pública uma cópia de documentos do Estado. Em papel, estes vazamentos equivalem, segundo estimativas do Guardian, a 213.969 paginas A4, que teriam, empilhadas, a altura de 43 quilômetros. Algo impossível de vazar com segurança, na era do papel.
Para alguns, a novidade significa uma crise. Para outros, uma oportunidade. A tecnologia está rompendo as barreiras tradicionais de classe, poder, riqueza e geografia – e substituindo-as por um ethos de colaboração e transparência.
Um ex-embaixador dos Estados Unidos na Rússia, James Collins, disse à CNN que a revelação dos registros pelo Wikileaks “impedirá que as coisas seja feitas de forma normal e civilizada”. Muito frequentemente, “normal” e “civilizado” significa, na linguagem diplomática, fazer vistas grossas para injustiças sociais flagrantes, corrupção e abuso de poder. Depois de ler centenas de documentos, constato que muito dos “danos” que eles provocam é revelação embaraçosa e constrangedora de verdades inconvenientes. Em nome da segurança de uma base militar num dado país, nossos líderes aceitam um ditador brutal que oprime seu povo. Isso pode ser conveniente a curto prazo para os políticos, mas as consequências a longo prazo para os cidadãos do planeta podem ser catastróficas.
Os vazamentos não são o problema, apenas o sintoma. Revelam a desconexão entre aquilo que as pessoas desejam e precisam e o que realmente fazem. Quanto maior o segredo, mais prováveis os vazamentos. O caminho para superá-los é assegurar um mecanismos robustos para acesso público a informação relevante.
Graças à internet, esperamos um nível muito maior de conhecimento e participação, em muitos aspectos de nossas vidas. Mas os políticos resistem resolutamente aos novos tempos. Vêem-se como tutores de um público infantil – que não merece nem a verdade, nem o poder real que o conhecimento oferece.
Muito da revolta governamental sobre os vazamentos não tem a ver com o conteúdo do que é revelado, mas com a audácia de quem rompe o que eram fortalezas invioláveis da autoridade. No passado, confiávamos nas autoridades. Se um governante nos dissesse que algo poderia prejudicar a segurança nacional, tomávamos a afirmação como verdade. Agora,os dados crus por trás desta crença estão se tornando públicos. O que percebemos de vazamentos sobre as despesas de parlamentares, ou a cumplicidade de governos com a tortura, é que quando os políticos falam sobre uma ameaça à “segurança nacional”, referem-se frequentemente à defesa de sua própria posição ameaçada.
Estamos num momento crucial, em que alguns visionários, na vanguarda de uma era digital, enfrentam quem tenta, desesperadamente, controlar o que sabemos. O Wikileaks é o front de guerrilha, num movimento global por maior transparência e participação. Projetos como o Ushahidi usam redes sociais para criar mapas onde os cidadãos podem relatar violências e desafiar a versão oficial dos fatos. Há ativistas empenhados em liberar dados oficiais, para que as pessoas possam ver, por exemplo, os orçamentos públicos em detalhe.
Por ironia, o Departamento de Estado dos EUA foi um dos grandes incentivadores da inovação técnica, como meio para levar a democracia a países como o Irã e a China. O presidente Obama exortou regimes repressores a deixar de censurar a internet. No entanto, uma lei que tramita no Congresso permite ao Procurador-Geral em Washington criar uma “lista suja” de websites. É possível acreditar numa democracia forte apenas para assuntos externos?
Os governantes costumavam controlar os cidadãos por meio do fluxo restrito de informações. Agora, está se tornando impossível vigiar o que a sociedade lê, vê e ouve. A tecnologia permite desafiar coletivamente a autoridade. Os poderosos vigiaram por muito tempo as sociedades, para controlá-las. Agora, os cidadãos estão lançando um olhar coletivo sobre o poder.
É uma revolução, e todas as revoluções geram medos e incertezas. Caminhamos para um Novo Iluminismo da Informação? Ou a revanche daqueles quer querem manter controle a qualquer custo nos levará a um novo totalitarismo? O que ocorrer nos próximos cinco anos definirá o futuro da democracia no próximo século. Por isso, seria ótimo que os nossos líderes respondessem aos desafios de hoje com um olhar sobre o futuro.
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A mídia independente depois das eleições
Reproduzo artigo de Tadeu Breda, publicado no sítio Latitude Sul:
Foi bastante compreensiva, para não dizer providencial, a postura combativa dos meios de comunicação alternativos durante o segundo turno das eleições presidenciais brasileiras. Muitas revistas e jornais de pequena circulação, blogues e iniciativas digitais, como o 48hdemocracia, simplesmente não titubearam em vestir a camisa de Dilma Rousseff. O objetivo era claro: defender a candidata do PT contra as investidas da campanha de José Serra e as manipulações da chamada grande imprensa – para muitos, favorável ao tucano.
Pudera. Menos de um mês depois da apuração, virou clichê dizer que o processo eleitoral de 2010 ficará marcado como um dos mais pobres em discussões e ideias desde a redemocratização. A disputa pela sucessão de Luiz Inácio Lula da Silva talvez tenha sido o ponto álgido do marketing político e do oportunismo eleitoreiro. Nunca se viu marqueteiros tão poderosos a ponto de dobrar convicções ideológicas e apequená-las diante da sanha pelo poder e da caça indiscriminada de votos. Até quem nunca tinha ido à igreja ajoelhou-se e rezou para os padroeiros da opinião pública.
Na tevê, no rádio e sobretudo na internet, a campanha demo-tucana e seus apoiadores (voluntários ou não) preferiram apelar para os mais profundos preconceitos da sociedade brasileira como estratégia para angariar, através do medo, um apoio popular que nunca tiveram e reverter, pela pobreza do discurso moralista, o resultado das pesquisas, que vinham anunciando mais uma vitória do petismo.
A tática foi bastante parecida com a estratégia derrotada de 2002. Faltou apenas colocar uma estrela de novela confessando seu temor eleitoral diante das câmeras. Desta vez, porém, o PSDB resolveu ir mais fundo em seu conservadorismo e pedir socorro aos representantes de Jesus Cristo na Terra.
Todos nos lembraremos – e não devemos nos esquecer jamais – que José Serra convocou para a batalha das urnas o apoio dos setores mais retrógrados do país e pactuou com as alas extremistas tanto da igreja católica como das evangélicas. Apesar de autoelogiar seu desempenho como ministro da Saúde, o candidato aliou-se com gente que desconsidera a epidemia de aids que paira pelo mundo, a importância social do planejamento familiar e que, ainda hoje, se presta a fazer campanha contra o uso de preservativos.
José Serra praticou deliberadamente o obscurantismo em torno de temas tão polêmicos quanto importantes para o bem-estar da população, como é o caso do aborto e da união civil de homossexuais, aferrando-se ao medievalismo cristão para angariar votos entre os poucos fiéis que ainda fazem o que o padre diz. Também manipulou o papel histórico desempenhado pela resistência armada durante a ditadura militar. Sua guerrilha digital vestiu Dilma Rousseff de verde oliva e impôs-lhe um charutão a la Fidel Castro entre os dentes.
No auge da empulhação, o tucano simulou uma agressão física que nunca existiu. Tanto que sua calva seguiu lustrosa e radiante durante toda a passeata que realizou no Rio de Janeiro. A bolinha de papel pode ter doído no brio, mas não lhe feriu a cabeça.
Por fim, é digno de nota – e despreço – o renascimento da xenofobia no Brasil. Desta vez o bairrismo paulista e o ódio contra nordestinos transcendeu os ambientes privados e escapou pelo twitter. É certo que a onda de manifestações preconceituosas foi desencadeada pelas declarações de José Serra e seus asseclas, que endossaram a tese de que as eleições dividiram o país entre indivíduos pobres e incapacitados, que moram no Nordeste e votam em Dilma, versus cidadãos conscientes, que habitam as regiões mais prósperas e apertaram 45 para presidente.
Lá como cá
Muitas análises compararam a postura anti-argumentativa e preconceituosa da Coligação Brasil Pode Mais (PSDB, DEM, PPS) ao discurso revisionista do Tea Party, a grande sensação política do momento nos Estados Unidos. Nitidamente, a principal semelhança entre um e outro é a opção por fugir do debate sério e aprofundado, livre de lugares-comuns, sobre as questões mais prementes para o futuro do país.
O movimento Tea Party surgiu na esteira da vitória de Barack Hussein Obama, em 2008. A musa do movimento, Sarah Palin, foi então candidata a vice na chapa derrotada, encabeçada por John McCain. Ambos pertencem ao Partido Republicano, e foi exatamente entre seus membros que se acomodou o Tea Party. No seio conservador da América, não precisou de muito esforço para crescer. Afinal, um objetivo comum unificou os interesses da direita ianque: derrocar o primeiro negro a assumir a Casa Branca, que, não bastasse a cor da pele, ainda tem sobrenome árabe.
Na mesma semana em que o Brasil escolhia seu próximo chefe-de-estado, os estadunidenses eram chamados a definir a composição da Câmara e do Senado para os próximos quatro anos. E as eleições legislativas impuseram uma profunda derrota ao governo democrata. Mais que um mero fracasso político de Barack Obama, o evento significou o maior fiasco de um presidente em influenciar a composição do parlamento desde 1938. Os democratas perderam a maioria entre os deputados, que haviam conseguido durante a administração George W. Bush, e viram sua vantagem minguar a um empate técnico entre os senadores.
A estratégia dos republicanos, capitaneados pelo Tea Party, foi bastante clara. Acusaram o presidente de ser um marxista empedernido, de praticar secretamente o Islã, de querer aumentar o poder e a influência do estado na vida dos cidadãos e de internalizar valores tribais herdados de seus antepassados quenianos. Para a direita, Barack Obama não está imbuído dos princípios americanos.
O Tea Party abominou a reforma democrata no sistema de saúde e rechaçou o pacote econômico lançado pela Casa Branca para aliviar os efeitos da crise no país. Aliás, num enorme esforço de desinformação, a ala mais conservadora dos conservadores estadunidenses atribuiu ao presidente toda a responsabilidade pela recessão – senão pelas suas causas, pelo fracasso em paliar suas consequências.
Na terra do Tio Sam, portanto, o Tea Party já conseguiu colher expressivos resultados eleitorais e ninguém duvida que sua retórica tresloucada imporá novas derrotas políticas ao governo democrata. Com a guinada republicana e a ascensão dos radicais de direita, Barack Obama ficou engessado na presidência.
A reforma no sistema de saúde corre o risco de morrer de inanição pelo boicote anunciado à assignação de recursos. E a política externa obamista, que tem buscado mais diálogo do que Washington estava acostumado e que rendeu ao presidente um prematuro prêmio Nobel da Paz, pode voltar a adotar o bordão “nós ganhamos, eles perdem”.
O esperançoso bordão Yes We Can, que uniu forças progressistas em torno da figura de Obama e de suas promessas de mudança, fatalmente se transformará num lema inócuo quando encontrar a barreira montada pela oposição no Congresso.
Risco de retrocesso
O caso dos Estados Unidos demonstra que as táticas de manipulação e preconceito político sim podem influenciar no resultado das eleições e destruir, do dia para a noite, projetos nacionais que levaram décadas para serem postos em prática.
No Brasil ainda não existe um movimento conservador com tanto apelo popular, mas o PSDB se aproximou perigosamente da baixaria do Tea Party neste segundo turno. Basta lembrar que José Serra saiu por aí frequentando missas, beijando santos, lendo a Bíblia e distribuindo panfletos com os dizeres “Jesus é a verdade e a justiça”. Enquanto encarnava o papel de missionário, dava sermões sobre seu papel de redentor das liberdades civis no país, sobretudo da liberdade de imprensa, que estaria em risco no caso de mais uma vitória do PT.
Entre seus cabos eleitorais, estava o bispo de Guarulhos, dom Luiz Bergonzini. Por intermédio de um militante da causa monarquista, o religioso mandou imprimir folhetos com o logo da CNBB condenando o aborto e sugerindo o voto no tucano. O papa Bento 16, às vésperas do pleito e com ampla cobertura dos meios de comunicação, também deu um empurrãozinho na candidatura do PSDB. No flanco evangélico, o apóstolo Renê Terra Nova não poupou esforços para viajar o Brasil com seu jatinho semeando a palavra de deus travestida de propaganda serrista.
O segundo turno forjou um cenário eleitoral em que os avanços sociais e democráticos alcançados durante o governo Lula foram repentinamente lançados à berlinda das urnas. Dois caminhos estavam à disposição dos brasileiros. Com Dilma, poderíamos seguir uma rota semelhante à trilhada nos últimos 8 anos e, por ventura, aprofundar as mudanças. Com Serra, o retrocesso batia à porta, exposto pelas alianças costuradas pelo PSDB na tentativa de vencer a qualquer custo.
Foi então que a imprensa alternativa reagiu prontamente. Cada ataque da campanha de José Serra ou do noticiário tucanófilo era acompanhado de uma enxurrada de contrapontos, argumentos, fatos e imagens, veiculados pela internet, por jornais ou revistas de esquerda. Talvez o maior exemplo da capacidade de resposta dos meios alternativos tenha sido a determinação dos blogues em destruir a farsa montada pela Rede Globo ao redor da bolinha de papel.
Houve vítimas pelo caminho, claro. A psicoanalista Maria Rita Kehl, que até o segundo turno escreveu para o jornal O Estado de S. Paulo, foi demitida após defender o Bolsa-Família e criticar as correntes anti-nordestinas que pipocavam nas caixas de e-mail pelo Brasil afora. O semanário CartaCapital foi chamado a explicar perante a Justiça os contratos de publicidade que mantém com o governo federal. A Revista do Brasil foi censurada pelo TSE após estampar o rosto de Dilma Rousseff na capa de sua edição de outubro, publicada uma semana depois do primeiro turno.
A polarização era tanta que teve jornalista demitido até no Ceará. Seu pecado foi publicar um caderno especial sobre o intelectual franco-brasileiro Michael Löwy e dois livros de sua autoria: Revoluções e Aviso de Incêndio. Também houve repórteres hostilizados durante o exercício da profissão. Foi com um raivoso “pelego filho da puta” que Aloysio Nunes Ferreira, senador eleito por São Paulo, recebeu um trabalhador da imprensa alternativa por demais insolente ao ponto de querer entrevistá-lo.
Depois da militância
A mídia alternativa desempenhou um duplo papel durante as eleições: não só cumpriu com suas obrigações jornalísticas ao desfazer manipulações, combater preconceitos e oferecer diferentes pontos de vista sobre os fatos, como também atuou política e partidariamente com o objetivo de garantir a vitória de uma candidatura que, a seu juízo – e o segundo turno deixou poucas dúvidas disso –, representava a melhor opção para governar o país. Na maioria das vezes, foi feliz e matou estes dois coelhos com uma cajadada só.
Contudo, passado o susto de uma ressaca conservadora que não aconteceu, talvez seja o momento de jornalistas independentes e meios de comunicação alternativos reavaliarem seu posicionamento no teatro do bem e do mal da política brasileira. Afinal, qual é a linha que separa o chapa-branquismo da defesa do interesse público?
No segundo turno de polarizações eleitorais, criticar as vicissitudes do governo Lula ou as deficiências de Dilma Rousseff era dar munição à violenta campanha montada pela oposição. Por isso, às vésperas do pleito, a corrida presidencial ganhou ares de jogo de futebol. Se os brasileiros deixamos de ser cidadãos e fomos transformados em torcida organizada, o jornalismo seguiu o mesmo rumo: era PT ou PSDB, Gaviões da Fiel ou Mancha Verde, sem meio termo.
Qualquer desconfiança quanto à própria escolha significava ceder à “superioridade” do adversário. A política deu lugar à paixão. E, entre apaixonados, no esporte ou nas eleições, não há diálogo nem entendimento. Tampouco autocrítica: afinal, não se critica o próprio time na final de um campeonato. O atacante pode estar fora de forma e o técnico, ser um energúmeno. O que importa é ganhar.
Dilma ganhou e, felizmente, a peleja chegou ao fim. Como sempre, depois de um processo eleitoral, agora há um país a construir e que tem que dar certo para a maioria. Em tempos de paz, talvez não seja papel do jornalismo – nem do tradicional nem do alternativo – vestir a camisa deste ou daquele partido. Isso não quer dizer que temos de ressuscitar os mitos enterrados da imparcialidade. Tomar partido em épocas de polarização, como vimos, é saudável. Porém, submeter-se aos ditames de um grupo político a tempo completo pode ser danoso.
Em última análise, não há qualquer mal intrínseco em transformar-se no porta-voz de um projeto de poder. Nas democracias mais maduras, as forças partidárias estão bem representadas na imprensa. Na Espanha, o El País mantém relações com o PSOE. Nos Estados Unidos, os democratas estão mais presentes no New York Times. O Il Manifesto, da Itália, não esconde sua preferência comunista. Esta é uma opção legítima para externar à sociedade como uma agremiação política vê o mundo e interpreta a realidade. Da mesma maneira que, no Brasil, os grandes meios de comunicação se identificam com as pautas liberais e com as candidaturas mais conservadoras, como as do PSDB, é saudável que o PT e todos os demais partidos, à medida que ganhem força, também tenham aliados na trincheira midiática.
Entretanto, já passou da hora de jornalistas e meios de comunicação independentes (ou pelo menos os que desejem denominar-se como tais) assumirem papel protagônico no cenário informativo brasileiro. Entre blogueiros e profissionais que ganham a vida fora do eixo tradicional, há capacidade de sobra em braços e cabeças para elaborar uma cobertura livre das amarras mercadológicas e da estreiteza temática da opinião pública.
A internet oferece milhões de possibilidades para a criação de novos paradigmas informativos em áudio, texto, vídeo e imagens, ou na fusão simultânea de todas as mídias, tudo a baixo custo. E há pautas suficientes para preencher um novo noticiário permanente que consiga abarcar, com qualidade técnica e estética, os temas de maior interesse à sociedade nacional e internacional – sobretudo os que não estão ou não encontram na imprensa de massa o espaço que merecem.
Não há razões, portanto, para que os jornalistas independentes se restrinjam ao papel subalterno de combater as infinitas distorções da grande mídia. Estar atento para o que acontece no main stream sempre foi e continuará sendo importante. Afinal, é através do Jornal Nacional, da Veja e dos jornalões que se constrói o senso comum no país. E, ao desconstruir a visão de mundo que diariamente penetra nos lares brasileiros, o jornalismo alternativo oferece novas maneiras de enxergar os fatos, as fotos e as declarações.
Continuar nesta trilha, porém, é ficar à reboque da pauta tradicional – ainda que seja um reboque às avessas. Assim, os veículos da imprensa alternativa correm o risco de se transformar em observatórios de mídia: darão um passo para fora do jornalismo e assumirão funções de críticos, o que já é feito há muito tempo por alguns acadêmicos e, claro, pelo Observatório da Imprensa.
O salto da reportagem
Chegamos ao limite da crítica. O jornalismo alternativo precisa mudar de patamar se quiser continuar existindo de maneira independente e cercar-se de legitimidade social. Porque o melhor combate à grande imprensa se dá oferecendo ao público um conteúdo melhor, que traz em cada manchete o ideal que se revela nas entrelinhas da crítica: opiniões menos superficiais, matérias mais completas, pautas que problematizem a realidade ao invés de simplesmente reproduzi-la ou contrapô-la pelo automatismo cotidiano.
O grande filão do jornalismo independente é a reportagem, que hoje em dia foi colocada em segundo plano pela imensa maioria dos meios de comunicação tradicionais. E por um motivo bastante simples: realizar investigações jornalísticas é muito caro e traz pouco resultado comercial. Aliás, uma boa reportagem muitas vezes atenta contra o mercado publicitário, pois tem a nobre vocação de chafurdar fundo nas mazelas sociais que via de regra põem em xeque o interesse de empresas, instituições ou governos — enfim, os anunciantes em potencial. A reportagem precisa de dinheiro tanto quanto tem o potencial de repeli-lo. Eis a grande sinuca de bico do jornalismo independente hoje.
Assumir uma postura governista durante a gestão do PT pode dar sobrevida econômica aos meios de comunicação alternativos. Não foi à toa que, durante o governo Lula, o Brasil assistiu à diversificação política da imprensa. Antes dominado por conglomerados empresariais, hoje o noticiário brasileiro é mais plural. Os últimos 8 anos ampliaram a liberdade de comunicação e expressão no país, o que é motivo de comemoração, mas ainda estamos longe do ideal.
Nenhum cidadão ficará satisfeito com a divisão da comunicação social entre veículos pró-PT, pró-PSDB ou pró-qualquer-coisa. O jornalismo independente é um serviço público e deve advogar em causa própria. E a causa da imprensa livre foi e sempre será o interesse da maioria da população — ou da fatia social que ela se diz representar. Direitos humanos, justiça social, preservação do meio-ambiente, bem-estar coletivo e liberdades civis são alguns dos valores que podem nortear o ofício de informar.
É a partir deles – e, eventualmente, de sua ampliação e radicalização – que o jornalismo pode escolher criticar ou elogiar governos e desgovernos pelo mundo afora. Elogiar, porém, me parece bastante complicado, já que sempre é possível para a administração pública fazer mais e melhor. Talvez seja a sina do jornalista independente estar permanentemente na oposição, não porque desprecie tudo o que existe ou não seja capaz de reconhecer avanços, mas porque não deve descansar enquanto houver qualquer rastro de injustiça e desigualdade no planeta. É longo o trabalho que tem pela frente: revelar o que está escondido, trazer à tona o que foi submerso pela indiferença cotidiana, discutir o que normalmente não se discute.
Felizmente, a internet está aí para servir-nos. O grande desafio, quem sabe, seja saber como podemos remunerar e possibilitar vida digna aos jornalistas capazes e dispostos a serem independentes. Afinal, por mais autônomo que consiga ser, ninguém escapa da ditadura das contas.
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Foi bastante compreensiva, para não dizer providencial, a postura combativa dos meios de comunicação alternativos durante o segundo turno das eleições presidenciais brasileiras. Muitas revistas e jornais de pequena circulação, blogues e iniciativas digitais, como o 48hdemocracia, simplesmente não titubearam em vestir a camisa de Dilma Rousseff. O objetivo era claro: defender a candidata do PT contra as investidas da campanha de José Serra e as manipulações da chamada grande imprensa – para muitos, favorável ao tucano.
Pudera. Menos de um mês depois da apuração, virou clichê dizer que o processo eleitoral de 2010 ficará marcado como um dos mais pobres em discussões e ideias desde a redemocratização. A disputa pela sucessão de Luiz Inácio Lula da Silva talvez tenha sido o ponto álgido do marketing político e do oportunismo eleitoreiro. Nunca se viu marqueteiros tão poderosos a ponto de dobrar convicções ideológicas e apequená-las diante da sanha pelo poder e da caça indiscriminada de votos. Até quem nunca tinha ido à igreja ajoelhou-se e rezou para os padroeiros da opinião pública.
Na tevê, no rádio e sobretudo na internet, a campanha demo-tucana e seus apoiadores (voluntários ou não) preferiram apelar para os mais profundos preconceitos da sociedade brasileira como estratégia para angariar, através do medo, um apoio popular que nunca tiveram e reverter, pela pobreza do discurso moralista, o resultado das pesquisas, que vinham anunciando mais uma vitória do petismo.
A tática foi bastante parecida com a estratégia derrotada de 2002. Faltou apenas colocar uma estrela de novela confessando seu temor eleitoral diante das câmeras. Desta vez, porém, o PSDB resolveu ir mais fundo em seu conservadorismo e pedir socorro aos representantes de Jesus Cristo na Terra.
Todos nos lembraremos – e não devemos nos esquecer jamais – que José Serra convocou para a batalha das urnas o apoio dos setores mais retrógrados do país e pactuou com as alas extremistas tanto da igreja católica como das evangélicas. Apesar de autoelogiar seu desempenho como ministro da Saúde, o candidato aliou-se com gente que desconsidera a epidemia de aids que paira pelo mundo, a importância social do planejamento familiar e que, ainda hoje, se presta a fazer campanha contra o uso de preservativos.
José Serra praticou deliberadamente o obscurantismo em torno de temas tão polêmicos quanto importantes para o bem-estar da população, como é o caso do aborto e da união civil de homossexuais, aferrando-se ao medievalismo cristão para angariar votos entre os poucos fiéis que ainda fazem o que o padre diz. Também manipulou o papel histórico desempenhado pela resistência armada durante a ditadura militar. Sua guerrilha digital vestiu Dilma Rousseff de verde oliva e impôs-lhe um charutão a la Fidel Castro entre os dentes.
No auge da empulhação, o tucano simulou uma agressão física que nunca existiu. Tanto que sua calva seguiu lustrosa e radiante durante toda a passeata que realizou no Rio de Janeiro. A bolinha de papel pode ter doído no brio, mas não lhe feriu a cabeça.
Por fim, é digno de nota – e despreço – o renascimento da xenofobia no Brasil. Desta vez o bairrismo paulista e o ódio contra nordestinos transcendeu os ambientes privados e escapou pelo twitter. É certo que a onda de manifestações preconceituosas foi desencadeada pelas declarações de José Serra e seus asseclas, que endossaram a tese de que as eleições dividiram o país entre indivíduos pobres e incapacitados, que moram no Nordeste e votam em Dilma, versus cidadãos conscientes, que habitam as regiões mais prósperas e apertaram 45 para presidente.
Lá como cá
Muitas análises compararam a postura anti-argumentativa e preconceituosa da Coligação Brasil Pode Mais (PSDB, DEM, PPS) ao discurso revisionista do Tea Party, a grande sensação política do momento nos Estados Unidos. Nitidamente, a principal semelhança entre um e outro é a opção por fugir do debate sério e aprofundado, livre de lugares-comuns, sobre as questões mais prementes para o futuro do país.
O movimento Tea Party surgiu na esteira da vitória de Barack Hussein Obama, em 2008. A musa do movimento, Sarah Palin, foi então candidata a vice na chapa derrotada, encabeçada por John McCain. Ambos pertencem ao Partido Republicano, e foi exatamente entre seus membros que se acomodou o Tea Party. No seio conservador da América, não precisou de muito esforço para crescer. Afinal, um objetivo comum unificou os interesses da direita ianque: derrocar o primeiro negro a assumir a Casa Branca, que, não bastasse a cor da pele, ainda tem sobrenome árabe.
Na mesma semana em que o Brasil escolhia seu próximo chefe-de-estado, os estadunidenses eram chamados a definir a composição da Câmara e do Senado para os próximos quatro anos. E as eleições legislativas impuseram uma profunda derrota ao governo democrata. Mais que um mero fracasso político de Barack Obama, o evento significou o maior fiasco de um presidente em influenciar a composição do parlamento desde 1938. Os democratas perderam a maioria entre os deputados, que haviam conseguido durante a administração George W. Bush, e viram sua vantagem minguar a um empate técnico entre os senadores.
A estratégia dos republicanos, capitaneados pelo Tea Party, foi bastante clara. Acusaram o presidente de ser um marxista empedernido, de praticar secretamente o Islã, de querer aumentar o poder e a influência do estado na vida dos cidadãos e de internalizar valores tribais herdados de seus antepassados quenianos. Para a direita, Barack Obama não está imbuído dos princípios americanos.
O Tea Party abominou a reforma democrata no sistema de saúde e rechaçou o pacote econômico lançado pela Casa Branca para aliviar os efeitos da crise no país. Aliás, num enorme esforço de desinformação, a ala mais conservadora dos conservadores estadunidenses atribuiu ao presidente toda a responsabilidade pela recessão – senão pelas suas causas, pelo fracasso em paliar suas consequências.
Na terra do Tio Sam, portanto, o Tea Party já conseguiu colher expressivos resultados eleitorais e ninguém duvida que sua retórica tresloucada imporá novas derrotas políticas ao governo democrata. Com a guinada republicana e a ascensão dos radicais de direita, Barack Obama ficou engessado na presidência.
A reforma no sistema de saúde corre o risco de morrer de inanição pelo boicote anunciado à assignação de recursos. E a política externa obamista, que tem buscado mais diálogo do que Washington estava acostumado e que rendeu ao presidente um prematuro prêmio Nobel da Paz, pode voltar a adotar o bordão “nós ganhamos, eles perdem”.
O esperançoso bordão Yes We Can, que uniu forças progressistas em torno da figura de Obama e de suas promessas de mudança, fatalmente se transformará num lema inócuo quando encontrar a barreira montada pela oposição no Congresso.
Risco de retrocesso
O caso dos Estados Unidos demonstra que as táticas de manipulação e preconceito político sim podem influenciar no resultado das eleições e destruir, do dia para a noite, projetos nacionais que levaram décadas para serem postos em prática.
No Brasil ainda não existe um movimento conservador com tanto apelo popular, mas o PSDB se aproximou perigosamente da baixaria do Tea Party neste segundo turno. Basta lembrar que José Serra saiu por aí frequentando missas, beijando santos, lendo a Bíblia e distribuindo panfletos com os dizeres “Jesus é a verdade e a justiça”. Enquanto encarnava o papel de missionário, dava sermões sobre seu papel de redentor das liberdades civis no país, sobretudo da liberdade de imprensa, que estaria em risco no caso de mais uma vitória do PT.
Entre seus cabos eleitorais, estava o bispo de Guarulhos, dom Luiz Bergonzini. Por intermédio de um militante da causa monarquista, o religioso mandou imprimir folhetos com o logo da CNBB condenando o aborto e sugerindo o voto no tucano. O papa Bento 16, às vésperas do pleito e com ampla cobertura dos meios de comunicação, também deu um empurrãozinho na candidatura do PSDB. No flanco evangélico, o apóstolo Renê Terra Nova não poupou esforços para viajar o Brasil com seu jatinho semeando a palavra de deus travestida de propaganda serrista.
O segundo turno forjou um cenário eleitoral em que os avanços sociais e democráticos alcançados durante o governo Lula foram repentinamente lançados à berlinda das urnas. Dois caminhos estavam à disposição dos brasileiros. Com Dilma, poderíamos seguir uma rota semelhante à trilhada nos últimos 8 anos e, por ventura, aprofundar as mudanças. Com Serra, o retrocesso batia à porta, exposto pelas alianças costuradas pelo PSDB na tentativa de vencer a qualquer custo.
Foi então que a imprensa alternativa reagiu prontamente. Cada ataque da campanha de José Serra ou do noticiário tucanófilo era acompanhado de uma enxurrada de contrapontos, argumentos, fatos e imagens, veiculados pela internet, por jornais ou revistas de esquerda. Talvez o maior exemplo da capacidade de resposta dos meios alternativos tenha sido a determinação dos blogues em destruir a farsa montada pela Rede Globo ao redor da bolinha de papel.
Houve vítimas pelo caminho, claro. A psicoanalista Maria Rita Kehl, que até o segundo turno escreveu para o jornal O Estado de S. Paulo, foi demitida após defender o Bolsa-Família e criticar as correntes anti-nordestinas que pipocavam nas caixas de e-mail pelo Brasil afora. O semanário CartaCapital foi chamado a explicar perante a Justiça os contratos de publicidade que mantém com o governo federal. A Revista do Brasil foi censurada pelo TSE após estampar o rosto de Dilma Rousseff na capa de sua edição de outubro, publicada uma semana depois do primeiro turno.
A polarização era tanta que teve jornalista demitido até no Ceará. Seu pecado foi publicar um caderno especial sobre o intelectual franco-brasileiro Michael Löwy e dois livros de sua autoria: Revoluções e Aviso de Incêndio. Também houve repórteres hostilizados durante o exercício da profissão. Foi com um raivoso “pelego filho da puta” que Aloysio Nunes Ferreira, senador eleito por São Paulo, recebeu um trabalhador da imprensa alternativa por demais insolente ao ponto de querer entrevistá-lo.
Depois da militância
A mídia alternativa desempenhou um duplo papel durante as eleições: não só cumpriu com suas obrigações jornalísticas ao desfazer manipulações, combater preconceitos e oferecer diferentes pontos de vista sobre os fatos, como também atuou política e partidariamente com o objetivo de garantir a vitória de uma candidatura que, a seu juízo – e o segundo turno deixou poucas dúvidas disso –, representava a melhor opção para governar o país. Na maioria das vezes, foi feliz e matou estes dois coelhos com uma cajadada só.
Contudo, passado o susto de uma ressaca conservadora que não aconteceu, talvez seja o momento de jornalistas independentes e meios de comunicação alternativos reavaliarem seu posicionamento no teatro do bem e do mal da política brasileira. Afinal, qual é a linha que separa o chapa-branquismo da defesa do interesse público?
No segundo turno de polarizações eleitorais, criticar as vicissitudes do governo Lula ou as deficiências de Dilma Rousseff era dar munição à violenta campanha montada pela oposição. Por isso, às vésperas do pleito, a corrida presidencial ganhou ares de jogo de futebol. Se os brasileiros deixamos de ser cidadãos e fomos transformados em torcida organizada, o jornalismo seguiu o mesmo rumo: era PT ou PSDB, Gaviões da Fiel ou Mancha Verde, sem meio termo.
Qualquer desconfiança quanto à própria escolha significava ceder à “superioridade” do adversário. A política deu lugar à paixão. E, entre apaixonados, no esporte ou nas eleições, não há diálogo nem entendimento. Tampouco autocrítica: afinal, não se critica o próprio time na final de um campeonato. O atacante pode estar fora de forma e o técnico, ser um energúmeno. O que importa é ganhar.
Dilma ganhou e, felizmente, a peleja chegou ao fim. Como sempre, depois de um processo eleitoral, agora há um país a construir e que tem que dar certo para a maioria. Em tempos de paz, talvez não seja papel do jornalismo – nem do tradicional nem do alternativo – vestir a camisa deste ou daquele partido. Isso não quer dizer que temos de ressuscitar os mitos enterrados da imparcialidade. Tomar partido em épocas de polarização, como vimos, é saudável. Porém, submeter-se aos ditames de um grupo político a tempo completo pode ser danoso.
Em última análise, não há qualquer mal intrínseco em transformar-se no porta-voz de um projeto de poder. Nas democracias mais maduras, as forças partidárias estão bem representadas na imprensa. Na Espanha, o El País mantém relações com o PSOE. Nos Estados Unidos, os democratas estão mais presentes no New York Times. O Il Manifesto, da Itália, não esconde sua preferência comunista. Esta é uma opção legítima para externar à sociedade como uma agremiação política vê o mundo e interpreta a realidade. Da mesma maneira que, no Brasil, os grandes meios de comunicação se identificam com as pautas liberais e com as candidaturas mais conservadoras, como as do PSDB, é saudável que o PT e todos os demais partidos, à medida que ganhem força, também tenham aliados na trincheira midiática.
Entretanto, já passou da hora de jornalistas e meios de comunicação independentes (ou pelo menos os que desejem denominar-se como tais) assumirem papel protagônico no cenário informativo brasileiro. Entre blogueiros e profissionais que ganham a vida fora do eixo tradicional, há capacidade de sobra em braços e cabeças para elaborar uma cobertura livre das amarras mercadológicas e da estreiteza temática da opinião pública.
A internet oferece milhões de possibilidades para a criação de novos paradigmas informativos em áudio, texto, vídeo e imagens, ou na fusão simultânea de todas as mídias, tudo a baixo custo. E há pautas suficientes para preencher um novo noticiário permanente que consiga abarcar, com qualidade técnica e estética, os temas de maior interesse à sociedade nacional e internacional – sobretudo os que não estão ou não encontram na imprensa de massa o espaço que merecem.
Não há razões, portanto, para que os jornalistas independentes se restrinjam ao papel subalterno de combater as infinitas distorções da grande mídia. Estar atento para o que acontece no main stream sempre foi e continuará sendo importante. Afinal, é através do Jornal Nacional, da Veja e dos jornalões que se constrói o senso comum no país. E, ao desconstruir a visão de mundo que diariamente penetra nos lares brasileiros, o jornalismo alternativo oferece novas maneiras de enxergar os fatos, as fotos e as declarações.
Continuar nesta trilha, porém, é ficar à reboque da pauta tradicional – ainda que seja um reboque às avessas. Assim, os veículos da imprensa alternativa correm o risco de se transformar em observatórios de mídia: darão um passo para fora do jornalismo e assumirão funções de críticos, o que já é feito há muito tempo por alguns acadêmicos e, claro, pelo Observatório da Imprensa.
O salto da reportagem
Chegamos ao limite da crítica. O jornalismo alternativo precisa mudar de patamar se quiser continuar existindo de maneira independente e cercar-se de legitimidade social. Porque o melhor combate à grande imprensa se dá oferecendo ao público um conteúdo melhor, que traz em cada manchete o ideal que se revela nas entrelinhas da crítica: opiniões menos superficiais, matérias mais completas, pautas que problematizem a realidade ao invés de simplesmente reproduzi-la ou contrapô-la pelo automatismo cotidiano.
O grande filão do jornalismo independente é a reportagem, que hoje em dia foi colocada em segundo plano pela imensa maioria dos meios de comunicação tradicionais. E por um motivo bastante simples: realizar investigações jornalísticas é muito caro e traz pouco resultado comercial. Aliás, uma boa reportagem muitas vezes atenta contra o mercado publicitário, pois tem a nobre vocação de chafurdar fundo nas mazelas sociais que via de regra põem em xeque o interesse de empresas, instituições ou governos — enfim, os anunciantes em potencial. A reportagem precisa de dinheiro tanto quanto tem o potencial de repeli-lo. Eis a grande sinuca de bico do jornalismo independente hoje.
Assumir uma postura governista durante a gestão do PT pode dar sobrevida econômica aos meios de comunicação alternativos. Não foi à toa que, durante o governo Lula, o Brasil assistiu à diversificação política da imprensa. Antes dominado por conglomerados empresariais, hoje o noticiário brasileiro é mais plural. Os últimos 8 anos ampliaram a liberdade de comunicação e expressão no país, o que é motivo de comemoração, mas ainda estamos longe do ideal.
Nenhum cidadão ficará satisfeito com a divisão da comunicação social entre veículos pró-PT, pró-PSDB ou pró-qualquer-coisa. O jornalismo independente é um serviço público e deve advogar em causa própria. E a causa da imprensa livre foi e sempre será o interesse da maioria da população — ou da fatia social que ela se diz representar. Direitos humanos, justiça social, preservação do meio-ambiente, bem-estar coletivo e liberdades civis são alguns dos valores que podem nortear o ofício de informar.
É a partir deles – e, eventualmente, de sua ampliação e radicalização – que o jornalismo pode escolher criticar ou elogiar governos e desgovernos pelo mundo afora. Elogiar, porém, me parece bastante complicado, já que sempre é possível para a administração pública fazer mais e melhor. Talvez seja a sina do jornalista independente estar permanentemente na oposição, não porque desprecie tudo o que existe ou não seja capaz de reconhecer avanços, mas porque não deve descansar enquanto houver qualquer rastro de injustiça e desigualdade no planeta. É longo o trabalho que tem pela frente: revelar o que está escondido, trazer à tona o que foi submerso pela indiferença cotidiana, discutir o que normalmente não se discute.
Felizmente, a internet está aí para servir-nos. O grande desafio, quem sabe, seja saber como podemos remunerar e possibilitar vida digna aos jornalistas capazes e dispostos a serem independentes. Afinal, por mais autônomo que consiga ser, ninguém escapa da ditadura das contas.
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Um passo corajoso na direção da paz
Reproduzo artigo enviado pelo amigo internacionalista Max Altman:
Em resposta a um pedido feito pelo presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, o Brasil anunciou o reconhecimento de um Estado palestino nas fronteiras existentes antes da Guerra dos Seis Dias de junho de 1967. Trata-se da concretização da legítima aspiração do povo palestino a um Estado coeso, seguro, democrático e economicamente viável, coexistindo em paz com Israel.
A iniciativa do governo Lula abre caminho e favorece as imprescindíveis negociações entre Israel e os palestinos a fim de que se alcance concessões mútuas sobre outras questões centrais do conflito. O reconhecimento do estado da Palestina é a melhor maneira de tirar do estancamento as negociações de paz, buscar a estabilidade na região e aliviar a crise humanitária por que passa boa parte do povo palestino. Ao mesmo tempo Brasília condena quaisquer atos terroristas, praticados sob qualquer pretexto.
Com uma vitória militar arrasadora na Guerra dos Seis Dias, Israel ampliou seu território, muito além do estabelecido pela Partilha da Palestina, em 1948. Já em novembro de 1967, o Conselho de Segurança da ONU votou a célebre resolução 242 que determina que a efetivação dos princípios da Carta das Nações Unidas requer o estabelecimento de uma paz justa e duradoura no Oriente Médio que inclua a aplicação dos dois seguintes princípios:
1. Evacuação das forças armadas israelenses dos territórios ocupados no conflito recente;
2. Encerramento de todas as reivindicações ou estados de beligerância e respeito pelo reconhecimento da soberania, integridade territorial e independência política de cada Estado da região e de seu direito a viver em paz dentro das fronteiras seguras e reconhecidas, livres de ameaças ou de atos de força.
Afirma ainda a necessidade de: a- Garantia de liberdade de navegação através das águas internacionais da área; b- Conseguir um acordo justo para o problema dos refugiados; c- Garantir a inviolabilidade territorial e independência política de cada Estado da região, através de medidas que incluam a criação de zonas desmilitarizadas.
Esta resolução jamais foi respeitada por Israel sempre contando com o apoio de Washington. Levantaram-se questões semânticas - o texto não dizia evacuação de todos os territórios ocupados - e depois infindáveis obstáculos geoestratégicos e de diversas outras ordens.
Israel argumenta agora que o reconhecimento do Brasil viola o chamadoAcordo de Oslo 2, firmado entre o israelense Itzhak Rabin e o palestino Yasser Arafat em 28 de setembro de 1995, que prevê que o status final da Cisjordânia só poderá ser definido por meio de negociações diretas, portanto qualquer ação unilateral estaria vedada. Contudo, a história registra que poucas semanas depois da assinatura desse acordo em 4 de novembro de 1995, Rabin foi assassinado. Líderes de partidos de direita, incluído muitos membros do Knesset (Parlamento), foram acusados de incitação selvagem que levaram ao acontecimento.
As eleições de 1996 deram vitória ao partido de direita Likud, e Benjamin Netanyahu assumiu como primeiro-ministro, propondo-se a torpedear o Acordo de Oslo. O resultado do pleito trouxe de volta ao poder governantes que não estavam dispostos a continuar fazendo concessões em nome da paz. Em agosto de 1996, o governo anulou o decreto que proibia a expansão dos assentamentos judaicos na Cisjordânia.
A ocupação dos territórios palestinos já leva 43 anos. Só para citar um exemplo histórico, a Alemanha, responsável pela hecatombe da Segunda Guerra Mundial que vitimou dezenas de milhões de soldados e civis, que provocou no Holocausto o extermínio de 6 milhões de judeus, ocupada, após a sua capitulação pelas forças dos países Aliados, recuperou sua independência e integridade territorial 4 anos depois, em maio de 1949 - República Federal Alemã -, e em outubro de 1949 - República Democrática Alemã. Já em 1990, após a que do Muro de Berlim houve a reunificação.
Muitos países que mantêm relações intensas com Israel reconhecem a Palestina bem como a esmagadora maioria dos países representados na OBU. A iniciativa brasileira é consentânea com a postura histórica e a disposição inalterada de contribuir com o processo de paz, estando em consonância com as resoluções das Nações Unidas que exigem o fim da ocupação dos territórios palestinos e a construção de um Estado independente dentro de fronteiras reconhecidas, aquelas anteriores à Guerra dos Seis Dias. É a defesa do princípio de Dois Estados.
Posição histórica nesse sentido também é a do Partido dos Trabalhadores. Em meados dos anos 1990, membro do coletivo da Secretaria de Relações Internacionais, respeitando criteriosamente as teses defendidas pelo Partido, ajudamos a fundar, organizar e dirigir o Movimento Shalom Salam Paz. Esse movimento congregava brasileiros de ascendência judaica, sionistas e não sionistas, de esquerda e centro-esquerda, brasileiros de ascendência árabe, moderados e menos moderados, os de ascendência palestina e todos aqueles dispostos a lutar por uma paz justa e duradoura no Oriente Médio e em particular, entre Israel e os palestinos.
Foi extremamente difícil conciliar as posições, houve pressão das Federações judaica e árabe e do consulado de Israel, porém conseguiu-se aprovar os pontos básicos: desocupação dos territórios palestinos ocupados com a Guerra de 1967; respeito à Resolução 242 das Nações Unidas com o reconhecimento pelos palestinos do Estado de Israel com fronteiras demarcadas, reconhecidas internacionalmente, seguras e definitivas; criação do Estado palestino, laico e viável; estabelecimento de Jerusalém leste e oeste como capital de ambas as nações; reconhecimento do direito de retorno dentro de limites a serem acordados; direito de acesso à água definidos em acordo binacional; facilidade do direito de ir e vir e do comércio binacional.
Forças internacionais sob a égide da ONU garantiriam o cumprimento das decisões. O Shalom Salam Paz levou essas idéias a dezenas de faculdades e colégios, a diversas instituições, deu dezenas de entrevistas a jornais, rádios e televisões, participou de debates, esteve presente nos Fóruns Sociais Mundiais. O Partido dos Trabalhadores tem relações de camaradagem com partidos e organizações de esquerda, de centro-esquerda e progressistas de todo o mundo, inclusive de Israel. As pontes que deseja construir e manter devem ser alicerçadas em princípios comuns, de soberania, de auto-determinação dos povos, de relações fraternais entre povos e nações, de solução pacífica e justa para os confrontos internacionais.
Uma diabólica espiral de sangue e dor, com raros interregnos, tomou conta da região nas últimas décadas. Guerras convencionais, ações terroristas e retaliações terroristas sem fim e com teor cada vez mais cruel e aterrador atingindo pessoas inocentes, governos árabes massacrando palestinos, assassinato de Rabin, negociações de paz torpedeadas ao sabor de interesses estratégicos e de poder, massacre de Munique e chacina de Jenin, intifada um e dois.
Desde 1948, os palestinos estão condenados a viver submetidos a uma revoltante humilhação. Perderam suas terras, perderam a liberdade e nunca puderam formar e organizar seu Estado. Hoje o cerco se estreitou e se tornou cruel. Sem permissão, não têm acesso à agua, a alimentos, a medicamentos. Não têm empregos nem vida econômica normal. Não podem ir de Gaza à Cisjordania, seus dois pedaços de terra. Não lhes permitem circular extra-muros sem passar por vexaminosos controles. Gaza se transformou numa prisão quando seus habitantes votaram em quem seus vizinhos acharam que não deveriam ter votado.
A Palestina hoje é muito menor que a que sobrou da Guerra dos Seis Dias. Colônias são assentadas em suas terras e atrás vêm os soldados corrigindo a fronteira. Se os assentamentos não são suficientes, que se erga um muro comendo mais pedaços de terra. Se olharmos comparativamente os mapas vemos que pouca Palestina restou.
Sabemos que a atual composição do eleitorado israelense levou ao governo líderes que abraçam a solução de confronto e não reconhecimento deDois Estados laicos e democráticos. Se de um lado, moralmente, não pode um povo que ao longo da história sofreu o que sofreu impor a outro povo sofrimentos que tem de sofrer, de outro, só a pressão dos povos e da comunidade internacional poderá levar as partes a uma séria mesa de negociações. Geograficamente - e isto é ineludível - Israel é território do Oriente Médio, tendo como vizinhos em todas as direções países árabes. Não é possível sentar-se o tempo todo sobre a ponta da baioneta, ao preço de transformar a nação numa simples fortaleza. Inexoravelmente, vai ter de conviver no futuro, e pacificamente, com seus vizinhos.
Contudo, a comunidade internacional deve abandonar os discursos vazios, as declarações ardilosas, a indiferença, as manifestações altissonantes, comportamentos ambíguos que servem de amparo à impunidade. Que os países árabes deixem de lavar as mãos. Que países europeus, que durante séculos costumavam praticar a caça aos judeus e há décadas passaram a cobrar essa dívida histórica dos palestinos, ponham de lado a hipocrisia de derramar umas tantas lágrimas enquanto celebram secretamente outro lance de mestre. E que os Estados Unidos deixem a parcialidade e ajudem a construir a paz justa entre Israel e palestinos, que seguramente servirá para estendê-la a outros rincões da mesma região.
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Em resposta a um pedido feito pelo presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, o Brasil anunciou o reconhecimento de um Estado palestino nas fronteiras existentes antes da Guerra dos Seis Dias de junho de 1967. Trata-se da concretização da legítima aspiração do povo palestino a um Estado coeso, seguro, democrático e economicamente viável, coexistindo em paz com Israel.
A iniciativa do governo Lula abre caminho e favorece as imprescindíveis negociações entre Israel e os palestinos a fim de que se alcance concessões mútuas sobre outras questões centrais do conflito. O reconhecimento do estado da Palestina é a melhor maneira de tirar do estancamento as negociações de paz, buscar a estabilidade na região e aliviar a crise humanitária por que passa boa parte do povo palestino. Ao mesmo tempo Brasília condena quaisquer atos terroristas, praticados sob qualquer pretexto.
Com uma vitória militar arrasadora na Guerra dos Seis Dias, Israel ampliou seu território, muito além do estabelecido pela Partilha da Palestina, em 1948. Já em novembro de 1967, o Conselho de Segurança da ONU votou a célebre resolução 242 que determina que a efetivação dos princípios da Carta das Nações Unidas requer o estabelecimento de uma paz justa e duradoura no Oriente Médio que inclua a aplicação dos dois seguintes princípios:
1. Evacuação das forças armadas israelenses dos territórios ocupados no conflito recente;
2. Encerramento de todas as reivindicações ou estados de beligerância e respeito pelo reconhecimento da soberania, integridade territorial e independência política de cada Estado da região e de seu direito a viver em paz dentro das fronteiras seguras e reconhecidas, livres de ameaças ou de atos de força.
Afirma ainda a necessidade de: a- Garantia de liberdade de navegação através das águas internacionais da área; b- Conseguir um acordo justo para o problema dos refugiados; c- Garantir a inviolabilidade territorial e independência política de cada Estado da região, através de medidas que incluam a criação de zonas desmilitarizadas.
Esta resolução jamais foi respeitada por Israel sempre contando com o apoio de Washington. Levantaram-se questões semânticas - o texto não dizia evacuação de todos os territórios ocupados - e depois infindáveis obstáculos geoestratégicos e de diversas outras ordens.
Israel argumenta agora que o reconhecimento do Brasil viola o chamadoAcordo de Oslo 2, firmado entre o israelense Itzhak Rabin e o palestino Yasser Arafat em 28 de setembro de 1995, que prevê que o status final da Cisjordânia só poderá ser definido por meio de negociações diretas, portanto qualquer ação unilateral estaria vedada. Contudo, a história registra que poucas semanas depois da assinatura desse acordo em 4 de novembro de 1995, Rabin foi assassinado. Líderes de partidos de direita, incluído muitos membros do Knesset (Parlamento), foram acusados de incitação selvagem que levaram ao acontecimento.
As eleições de 1996 deram vitória ao partido de direita Likud, e Benjamin Netanyahu assumiu como primeiro-ministro, propondo-se a torpedear o Acordo de Oslo. O resultado do pleito trouxe de volta ao poder governantes que não estavam dispostos a continuar fazendo concessões em nome da paz. Em agosto de 1996, o governo anulou o decreto que proibia a expansão dos assentamentos judaicos na Cisjordânia.
A ocupação dos territórios palestinos já leva 43 anos. Só para citar um exemplo histórico, a Alemanha, responsável pela hecatombe da Segunda Guerra Mundial que vitimou dezenas de milhões de soldados e civis, que provocou no Holocausto o extermínio de 6 milhões de judeus, ocupada, após a sua capitulação pelas forças dos países Aliados, recuperou sua independência e integridade territorial 4 anos depois, em maio de 1949 - República Federal Alemã -, e em outubro de 1949 - República Democrática Alemã. Já em 1990, após a que do Muro de Berlim houve a reunificação.
Muitos países que mantêm relações intensas com Israel reconhecem a Palestina bem como a esmagadora maioria dos países representados na OBU. A iniciativa brasileira é consentânea com a postura histórica e a disposição inalterada de contribuir com o processo de paz, estando em consonância com as resoluções das Nações Unidas que exigem o fim da ocupação dos territórios palestinos e a construção de um Estado independente dentro de fronteiras reconhecidas, aquelas anteriores à Guerra dos Seis Dias. É a defesa do princípio de Dois Estados.
Posição histórica nesse sentido também é a do Partido dos Trabalhadores. Em meados dos anos 1990, membro do coletivo da Secretaria de Relações Internacionais, respeitando criteriosamente as teses defendidas pelo Partido, ajudamos a fundar, organizar e dirigir o Movimento Shalom Salam Paz. Esse movimento congregava brasileiros de ascendência judaica, sionistas e não sionistas, de esquerda e centro-esquerda, brasileiros de ascendência árabe, moderados e menos moderados, os de ascendência palestina e todos aqueles dispostos a lutar por uma paz justa e duradoura no Oriente Médio e em particular, entre Israel e os palestinos.
Foi extremamente difícil conciliar as posições, houve pressão das Federações judaica e árabe e do consulado de Israel, porém conseguiu-se aprovar os pontos básicos: desocupação dos territórios palestinos ocupados com a Guerra de 1967; respeito à Resolução 242 das Nações Unidas com o reconhecimento pelos palestinos do Estado de Israel com fronteiras demarcadas, reconhecidas internacionalmente, seguras e definitivas; criação do Estado palestino, laico e viável; estabelecimento de Jerusalém leste e oeste como capital de ambas as nações; reconhecimento do direito de retorno dentro de limites a serem acordados; direito de acesso à água definidos em acordo binacional; facilidade do direito de ir e vir e do comércio binacional.
Forças internacionais sob a égide da ONU garantiriam o cumprimento das decisões. O Shalom Salam Paz levou essas idéias a dezenas de faculdades e colégios, a diversas instituições, deu dezenas de entrevistas a jornais, rádios e televisões, participou de debates, esteve presente nos Fóruns Sociais Mundiais. O Partido dos Trabalhadores tem relações de camaradagem com partidos e organizações de esquerda, de centro-esquerda e progressistas de todo o mundo, inclusive de Israel. As pontes que deseja construir e manter devem ser alicerçadas em princípios comuns, de soberania, de auto-determinação dos povos, de relações fraternais entre povos e nações, de solução pacífica e justa para os confrontos internacionais.
Uma diabólica espiral de sangue e dor, com raros interregnos, tomou conta da região nas últimas décadas. Guerras convencionais, ações terroristas e retaliações terroristas sem fim e com teor cada vez mais cruel e aterrador atingindo pessoas inocentes, governos árabes massacrando palestinos, assassinato de Rabin, negociações de paz torpedeadas ao sabor de interesses estratégicos e de poder, massacre de Munique e chacina de Jenin, intifada um e dois.
Desde 1948, os palestinos estão condenados a viver submetidos a uma revoltante humilhação. Perderam suas terras, perderam a liberdade e nunca puderam formar e organizar seu Estado. Hoje o cerco se estreitou e se tornou cruel. Sem permissão, não têm acesso à agua, a alimentos, a medicamentos. Não têm empregos nem vida econômica normal. Não podem ir de Gaza à Cisjordania, seus dois pedaços de terra. Não lhes permitem circular extra-muros sem passar por vexaminosos controles. Gaza se transformou numa prisão quando seus habitantes votaram em quem seus vizinhos acharam que não deveriam ter votado.
A Palestina hoje é muito menor que a que sobrou da Guerra dos Seis Dias. Colônias são assentadas em suas terras e atrás vêm os soldados corrigindo a fronteira. Se os assentamentos não são suficientes, que se erga um muro comendo mais pedaços de terra. Se olharmos comparativamente os mapas vemos que pouca Palestina restou.
Sabemos que a atual composição do eleitorado israelense levou ao governo líderes que abraçam a solução de confronto e não reconhecimento deDois Estados laicos e democráticos. Se de um lado, moralmente, não pode um povo que ao longo da história sofreu o que sofreu impor a outro povo sofrimentos que tem de sofrer, de outro, só a pressão dos povos e da comunidade internacional poderá levar as partes a uma séria mesa de negociações. Geograficamente - e isto é ineludível - Israel é território do Oriente Médio, tendo como vizinhos em todas as direções países árabes. Não é possível sentar-se o tempo todo sobre a ponta da baioneta, ao preço de transformar a nação numa simples fortaleza. Inexoravelmente, vai ter de conviver no futuro, e pacificamente, com seus vizinhos.
Contudo, a comunidade internacional deve abandonar os discursos vazios, as declarações ardilosas, a indiferença, as manifestações altissonantes, comportamentos ambíguos que servem de amparo à impunidade. Que os países árabes deixem de lavar as mãos. Que países europeus, que durante séculos costumavam praticar a caça aos judeus e há décadas passaram a cobrar essa dívida histórica dos palestinos, ponham de lado a hipocrisia de derramar umas tantas lágrimas enquanto celebram secretamente outro lance de mestre. E que os Estados Unidos deixem a parcialidade e ajudem a construir a paz justa entre Israel e palestinos, que seguramente servirá para estendê-la a outros rincões da mesma região.
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Prisão de Assange fere a democracia
Por Altamiro Borges
Satanizado pelos EUA e furiosamente perseguido pela Interpol, o australiano Julian Assange, criador do sítio Wikileaks, decidiu se entregar à polícia do Reino Unido na manhã desta terça-feira (7). A prisão representa um duro golpe contra a liberdade de expressão, principalmente contra a liberdade na internet. Não é para menos que os barões da mídia, no Brasil e no mundo, evitam fazer alarde. Se um blogueiro fosse detido na China, Irã ou Cuba, a gritaria seria infernal.
A desculpa para justificar a caçada a Assange é a denúncia da Justiça sueca de que ele teria cometido crimes de estupro, assédio sexual e coerção ilegal contra duas mulheres, em agosto passado. A sentença é bastante confusa, levando-se em conta que no país a prática de sexo desprotegido, sem o uso de preservativo, é considerada uma categoria leve de estupro. Assange nega as acusações e garante que a perseguição é uma retaliação ao Wikileaks pelo vazamento de documentos das embaixadas dos EUA.
Cresce o apoio ao Wikileaks
Apesar da cumplicidade da mídia ianque e das suas sucursais colonizadas, a prisão de Assange não deverá cair no silêncio. Desde que os EUA deflagraram a caçada mundial ao Wikileaks, exigindo sua retirada do ar e a prisão do seu criador, cresce o apoio ao sítio. Através do Twitter foi lançado na semana passada o movimento "imwikileaks" ("eu sou Wikileaks"). Em apenas dois dias, mais de 500 sítios na web clonaram o seu conteúdo para "tornar impossível que o Wikileaks seja retirado totalmente do ar".
Também está em curso uma jornada internacional de boicote à Amazon Web Server (AWS), empresa que hospedava o sítio, mas que se sujeitou à censura imposta pelo governo de Barack Obama. O portal está agora hospedado num servidor do Partido Pirata suiço e oferece instruções para que qualquer sítio use o seu conteúdo. No mundo da internet, pelo menos por enquanto, o poder imperial dos EUA mostra-se vulnerável. Eric Holder, censor dos EUA, já admitiu que Washington tem dificuldade para silenciar o Wikileaks.
A prisão de Julian Assange é um grave atentado à democracia, à verdadeira liberdade de expressão. Merece repúdio imediato. Uma das formas de solidariedade é continuar difundindo os textos "sigilosos" que comprovam que a diplomacia ianque é um antro de espionagem e terrorismo. Ela serve aos interesses do império - uma obviedade, mas que deve ser repetida para muitos que achavam que o imperialismo já não existia.
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Satanizado pelos EUA e furiosamente perseguido pela Interpol, o australiano Julian Assange, criador do sítio Wikileaks, decidiu se entregar à polícia do Reino Unido na manhã desta terça-feira (7). A prisão representa um duro golpe contra a liberdade de expressão, principalmente contra a liberdade na internet. Não é para menos que os barões da mídia, no Brasil e no mundo, evitam fazer alarde. Se um blogueiro fosse detido na China, Irã ou Cuba, a gritaria seria infernal.
A desculpa para justificar a caçada a Assange é a denúncia da Justiça sueca de que ele teria cometido crimes de estupro, assédio sexual e coerção ilegal contra duas mulheres, em agosto passado. A sentença é bastante confusa, levando-se em conta que no país a prática de sexo desprotegido, sem o uso de preservativo, é considerada uma categoria leve de estupro. Assange nega as acusações e garante que a perseguição é uma retaliação ao Wikileaks pelo vazamento de documentos das embaixadas dos EUA.
Cresce o apoio ao Wikileaks
Apesar da cumplicidade da mídia ianque e das suas sucursais colonizadas, a prisão de Assange não deverá cair no silêncio. Desde que os EUA deflagraram a caçada mundial ao Wikileaks, exigindo sua retirada do ar e a prisão do seu criador, cresce o apoio ao sítio. Através do Twitter foi lançado na semana passada o movimento "imwikileaks" ("eu sou Wikileaks"). Em apenas dois dias, mais de 500 sítios na web clonaram o seu conteúdo para "tornar impossível que o Wikileaks seja retirado totalmente do ar".
Também está em curso uma jornada internacional de boicote à Amazon Web Server (AWS), empresa que hospedava o sítio, mas que se sujeitou à censura imposta pelo governo de Barack Obama. O portal está agora hospedado num servidor do Partido Pirata suiço e oferece instruções para que qualquer sítio use o seu conteúdo. No mundo da internet, pelo menos por enquanto, o poder imperial dos EUA mostra-se vulnerável. Eric Holder, censor dos EUA, já admitiu que Washington tem dificuldade para silenciar o Wikileaks.
A prisão de Julian Assange é um grave atentado à democracia, à verdadeira liberdade de expressão. Merece repúdio imediato. Uma das formas de solidariedade é continuar difundindo os textos "sigilosos" que comprovam que a diplomacia ianque é um antro de espionagem e terrorismo. Ela serve aos interesses do império - uma obviedade, mas que deve ser repetida para muitos que achavam que o imperialismo já não existia.
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