segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Globo: princípios, credibilidade e prática

Por Venício Lima, no sítio Carta Maior:

Deve ter sido coincidência. Todavia, não deixa de ser intrigante que os “Princípios Editoriais das Organizações Globo” tenham sido divulgados apenas algumas semanas após o estouro do escândalo envolvendo a News Corporation e um dia depois que um ex-jornalista da própria Globo tenha postado em seu Blog – com grande repercussão na blogosfera – que havia uma orientação na TV Globo para tentar incompatibilizar o novo Ministro da Defesa com as Forças Armadas.



Credibilidade: questão de sobrevivência

A credibilidade passou a ser um elemento absolutamente crítico no “mercado” da notícia. O monopólio dos velhos formadores de opinião não existe mais. Não é sem razão que as curvas de audiência e leitura da velha mídia estejam em queda e o “negócio”, no seu formato atual, ameaçado de sobrevivência.

Na contemporaneidade, são muitas as fontes de informação disponíveis para o cidadão comum e as TICs ampliaram de forma exponencial as possibilidades de checagem daquilo que está sendo noticiado. Sem credibilidade, a tendência é que os veículos se isolem e “falem”, cada vez mais, apenas para o segmento da população que compartilha previamente de suas posições editoriais e busca confirmação diária para elas, independentemente dos fatos.

O escândalo do “News of the World” explicitou formas criminosas de atuação de um dos maiores conglomerados de mídia do mundo, destruiu sua credibilidade e levantou a suspeita de que não é só o grupo de Murdoch que pratica esse tipo de “jornalismo”. Além disso, a celebrada autorregulamentação existente na Inglaterra – por mais que o fato desagrade aos liberais nativos – comprovou sua total ineficácia. As repercussões de tudo isso começam a aparecer. Inclusive na Terra de Santa Cruz.

Os Princípios da Globo

No Brasil ainda não existe sequer autorregulamentação e as Organizações Globo, o maior grupo de mídia do país, não tem um único Ombudsman em suas dezenas de veículos para acolher sugestões e críticas de seus “consumidores”. Neste contexto, a divulgação de princípios editoriais – sejam eles quais forem – é uma referência do próprio grupo em relação à qual seu jornalismo pode ser avaliado. Não deixa de ser um avanço.

A questão, todavia, é que o histórico da Globo não credencia os Princípios divulgados. Em diferentes ocasiões, ao longo dos últimos anos, coberturas tendenciosas que se tornaram clássicas, foram documentadas. E alguns pontos reafirmados e/ou ausentes dos Princípios agora divulgados reforçam dúvidas. Lembro dois: a presunção de inocência e as liberdades “absolutas”.

Presunção de inocência

O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, adotado pela FENAJ, acolhe uma garantia constitucional (inciso LVII do artigo 5º) que tem origem na Revolução Francesa e reza em seu artigo 9º: “a presunção de inocência é um dos fundamentos da atividade jornalística”.

Não é necessário lembrar que o poder da velha mídia continua avassalador quando atinge a esfera da vida privada, a reputação das pessoas, seu capital simbólico. Alguém acusado e “condenado” pela mídia por um crime que não cometeu dificilmente se recupera. Os efeitos são devastadores. Não há indenização que pague ou corrija os danos causados. Apesar disso, a ausência da presunção de inocência tem sido uma das características da cobertura política das Organizações Globo.

Um exemplo: no auge da disputa eleitoral de 2006, diante da defesa que o PT fez de filiados seus que apareceram como suspeitos no escândalo chamado de “sanguessugas”, o jornal “O Globo” publicou um box de “Opinião” sob o título “Coerência” (12/08/2006, Caderno A pp.3/4) no qual afirmava:

“Não se pode acusar o PT de incoerência: se o partido protege mensaleiros, também acolhe sanguessugas. Sempre com o argumento maroto de que é preciso esperar o julgamento final. Maroto porque o julgamento político e ético não se confunde com o veredicto da Justiça. (...) Na verdade, a esperança do PT, e de outros partidos com postura idêntica, é que mensaleiros e sanguessugas sejam salvos pela lerdeza corporativista do Congresso e por chicanas jurídicas. Simples assim.”

Em outras palavras, para O Globo, a presunção de inocência é uma garantia que só existe no Judiciário. A mídia pode denunciar, julgar e condenar. Não há nada sobre presunção de inocência nos Princípios agora divulgados.

Aparentemente, a postura editorial de 2006 continua a prevalecer nas Organizações Globo.

Liberdades absolutas?

Para as Organizações Globo a liberdade de expressão é um valor absoluto (Seção I, letra h) e “a liberdade de informar nunca pode ser considerada excessiva” (Seção III).

Sem polemizar aqui sobre a diferença entre liberdade de expressão e liberdade de imprensa – que não é mencionada sequer uma única vez nos Princípios – lembro que nem mesmo John Stuart Mill considerava a liberdade de expressão absoluta. Ela, como, aliás, todas as liberdades, têm como limite a liberdade do outro.

Em relação à liberdade de informar, não foi exatamente o fato de “nunca considerá-la excessiva” que levou a News Corporation a violar a intimidade e a privacidade alheia e a cometer os crimes que cometeu?

O futuro dirá

Se haverá ou não alterações na prática jornalística “global”, só o tempo dirá. Ao que parece, as ressonâncias do escândalo envolvendo o grupo midiático do todo poderoso Rupert Murdoch e a incrível capilaridade social da blogosfera, inclusive entre nós, já atingiram o maior grupo de mídia brasileiro.

A ver.

2 comentários:

  1. Eu sabia que a famigerada rede globo era poderosa, só não imaginava que era tanto. Chega ao ponto de perseguir de todas as maneiras o governo, e o governo se ajoelha a ela. É muito poder para uma só instituição.

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  2. A Globo prepara o bote

    Declarações de princípios jornalísticos equivalem aos ditames dos manuais de redação que alguns veículos produzem para consumo interno: defendem os melhores critérios técnicos e de conduta profissional, mas ninguém no ramo acredita que eles possam vingar no exercício da labuta cotidiana. Esses documentos contradizem a realidade e a própria natureza do ofício criativo de forma tão descarada que deveriam ser condenados como propaganda enganosa segundo o Código de Defesa do Consumidor.

    Além de vender assinaturas e espaço publicitário, no entanto, eles ajudam a reforçar a imagem das empresas quando as coisas vão mal ou prometem piorar. É mania presunçosa e arrogante da imprensa refugiar-se no pedestal dos poderes republicanos sempre que uma parcela representativa da sociedade ousa desafiá-la. A História guarda incontáveis manifestações dessa patologia, seja na forma de notas públicas, editoriais ou colunas opinativas.

    À primeira vista, portanto, a manifestação das Organizações Globo refletiria “apenas” uma preocupação institucional diante dos continuados ataques à lisura do seu núcleo de jornalismo, talvez até alavancada por alguma pesquisa de opinião ou pelo crescimento das emissoras concorrentes. Mas as circunstâncias da declaração (ausência de causa objetiva imediata, contexto político estável, leitura solene em horário nobre) indicam motivações menos óbvias e simpáticas.

    Parece-me exagerado conferir à nomeação de Celso Amorim na Defesa a capacidade de propulsionar um gesto dessa envergadura. A Globo nunca precisou de explicações prévias para destruir reputações. Tampouco tem o costume de se rebaixar a debates com desafetos individuais, poderosos que sejam. Fiel à lógica de seu alcance (e à imagem que alimenta acerca desse poder), a corporação trabalha visando objetivos de grande envergadura. Manipular eleições, por exemplo. Ou derrubar governos.

    Já que nenhum parlamentar convocará a empresa para esclarecer por que decidiu, após quase meio século de existência, bravatear um compromisso que deveria ser obrigatório e permanente em toda concessão pública, resta-nos juntar estoques de alho, água benta e balas de prata, lacrar portas e janelas e encolher diante da televisão, esperando chegar o Dito Cujo.

    http://guilhermescalzilli.blogspot.com/

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