quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Os retrocessos na reforma agrária

Reproduzo importante documento da Comissão Pastoral da Terra (CPT):

A Comissão Pastoral da Terra – Nordeste II faz uma análise da conjuntura política e avaliação dos avanços, desafios e impasses da reforma agrária em 2010, ano em que se encerra a chamada “Era Lula”.

Ao fim de mais um ano, que representa o encerramento de dois mandatos do presidente Lula, os desafios e impasses históricos da reforma agrária no Brasil não foram superados. Em 2010, vimos a redução de 44% do número de famílias assentadas, com relação ao ano passado, além da redução de 72% no número de hectares destinados à reforma agrária.

O Incra tornou-se ainda mais ineficaz com o seu orçamento reduzido em quase a metade em relação a 2009. Os números deste último ano da Era Lula explicitam: a reforma agrária não foi uma prioridade para o governo federal. A reforma agrária que deveria ser assimilada enquanto um Projeto de nação e de desenvolvimento sustentável, transformou-se em um precário programa de assentamentos, em nível bastante aquém das reais demandas dos homens e mulheres do campo.

Balanço de 2010

2010, que encerra a chamada Era Lula, foi o pior ano para a reforma agrária brasileira nos últimos oito anos. A realidade é que a promessa do presidente Lula de fazer a reforma agrária com uma canetada não foi cumprida.

A situação dos camponeses e trabalhadores rurais é bastante grave! O campo exige mudanças a favor da cidadania, do desenvolvimento sustentável, contra a concentração de terra e contra o fortalecimento do já poderoso agronegócio brasileiro!

Em 2010, houve uma redução das famílias assentadas em 44% com relação ao ano passado, o qual já foi bastante insuficiente diante das promessas e dos deveres de um governo de fazer a reforma agrária e, sobretudo, diante das necessidades das famílias camponesas.

Também ocorreu neste ano uma drástica redução de 72% no número de hectares destinados à reforma agrária, conforme os números divulgados pelo próprio Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Não é exagero afirmar que em 2010 houve uma intensa estagnação no processo de reforma agrária em todo o país.

De fato, o orçamento do Incra foi reduzido em quase a metade em relação ao ano passado. Esse profundo corte dos recursos confirma que a reforma agrária não foi uma prioridade para o governo federal. O quadro se agravou ainda mais porque, além do corte, o orçamento destinado para a reforma agrária neste ano se encerrou no mês de junho e o governo nada fez para evitar que o Congresso Nacional vetasse a suplementação orçamentária. O dinheiro que já era pouco, faltou por quase um semestre.

A reforma agrária, como um conjunto de medidas estratégicas para enfrentar a concentração da propriedade da terra e para promover um desenvolvimento sustentável e igualitário no campo, transformou-se em um precário programa de assentamentos, em nível bastante aquém das próprias promessas do II Plano Nacional de Reforma Agrária.

É lamentável que o Governo Lula, nestes oito anos, tenha relegado esta pauta à periferia das políticas públicas e tenha consumado uma surpreendente opção preferencial pelo agronegócio e pelo latifúndio.

A histórica disputa no Brasil entre dois projetos para o campo brasileiro está sendo desequilibrada em favor dos poderosos de sempre. De um lado, se favorece com recursos públicos abundantes o agronegócio agroexportador e destruidor do planeta. De outro lado, praticamente se relega a um plano inferior a agricultura familiar e camponesa que é responsável pela produção dos alimentos, do abastecimento do mercado interno e pelo emprego de mais de 85% da mão-de-obra do campo, segundo o último Censo agropecuário de 2006.

Com a expansão do setor sulcroalcooleiro e maior investimento governamental para a produção de etanol, os números de trabalhadores encontrados em situação de escravidão subiram significativamente. Na era FHC, cerca de cinco mil trabalhadores e trabalhadoras foram libertados do trabalho escravo no campo. Na Era Lula esse número sobe drasticamente para 32 mil.

Atribuímos este aumento a uma maior atuação do Grupo Móvel de combate ao Trabalho Escravo, pressionado por uma maior mobilização social em torno do tema, criações de campanhas, denúncias nacionais e internacionais (OIT), visibilidade na imprensa, a criação da lista suja, além de outros mecanismos jurídicos como a alteração da definição penal do crime de Trabalho Escravo (TE), no art. 149.

No caso dos territórios quilombolas a situação é a mesma. Com efeito, não houve vontade política em demarcar os territórios quilombolas, além de o Incra não dispor de pessoal capacitado e de estrutura para promover o procedimento de titulação e de elaboração de relatórios técnicos, mantendo-se inerte diante dessa dívida histórica com o povo dos quilombos, remanescente ainda sofrido da odiosa escravidão.

Como resultado disso, são insignificantes os dados divulgados pelo Instituto, que revelam que o Governo Lula chega ao seu último ano emitindo apenas 11 títulos às comunidades quilombolas. Número bastante irrisório diante da demanda de mais de 3.000 comunidades em 24 estados brasileiros.

Também nessa questão, o agronegócio tem exercido pressões contrárias à titulação das terras e, infelizmente, o governo tem sido mais sensível a essas pressões e interesses do que ao seu dever maior de fazer justiça às comunidades quilombolas. Setores políticos ligados ao agronegócio articularam uma instrução normativa que não mais respeita o direito de autoidentificação, conforme preconiza a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Decreto 4887/03.

A postura do governo federal foi ainda mais lamentável quando a Casa Civil passou a reter todos os processos de regularização territorial dessas comunidades, embora o Supremo Tribunal Federal tenha negado o pedido liminar do DEM na ADIN que pretende julgar inconstitucional o decreto que regulamenta a matéria.

Na reforma agrária, como nos remanescentes dos quilombos, lamentavelmente, o governo Lula manteve o passivo de conflitos de terra recebido do governo anterior. A atual política econômica é uma aliada das empresas transnacionais, mineradoras e do agronegócio e, assim, penaliza cada vez mais a agricultura familiar e camponesa.

Embora as ocupações de terra tenham diminuído em alguns Estados nos últimos anos, em especial em 2010, o número de famílias envolvidas na luta pela terra na Era Lula, não é tão distante do da Era FHC (570 mil famílias, 3.880 ocupações). Os dados do governo Lula, relativos aos dois mandatos, ainda não foram fechados, mas estimativas indicam a participação de cerca de 480 mil famílias em 3.621 ocupações de terra ao longo desse período (dados do Núcleo de Estudos, Pesquisa e Projetos de Reforma Agrária - NERA).

No Sertão Nordestino também são visíveis os efeitos perversos desse abandono de prioridade das políticas públicas. Tem se intensificado o crescimento do agronegócio e da mineração, com o decisivo apoio dos governos federal e estaduais, através de ações e de recursos públicos. É o que vem ocorrendo na região do Vale do Açu e na Chapada do Apodi, no Rio Grande do Norte, no alto sertão paraibano e no sertão pernambucano. Todos são projetos de mineração, de fruticultura irrigada, com uso intensivo de agrotóxicos, com a degradação do meio ambiente e, sobretudo, com a irrigação custeada por recursos públicos para atender prioritariamente às grandes empresas e não aos pequenos produtores.

Em todos esses grandes Projetos, os resultados imediatos na geração de empregos e de investimentos mascaram um futuro nada sustentável, com a geração de danos à saúde das pessoas e ao meio ambiente, bem como com a intensificação da concentração de renda e de terras, com graves impactos nas populações tradicionais.

Com esses moldes e parâmetros, o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco, que o governo tanto divulga e festeja, é mais um Projeto que só vai beneficiar o agro-hidronegócio e que trará impactos negativos para as comunidades tradicionais, como os indígenas, quilombolas e ribeirinhos. Na região de Curumataú e Seridó paraibano, a exploração das atividades de mineração só fez aumentar a grilagem de terras e a expulsão das famílias que há décadas moram e plantam na área.

Na Zona da Mata pernambucana, o governo federal não questionou o domínio territorial do decadente agronegócio canavieiro. Nem a tragédia ambiental, com a inundação de dezenas de cidades em Alagoas e Pernambuco, em decorrência da devastação provocada pela cana de açúcar, sensibilizou os Governos Federal e Estadual.

Embora o IBAMA tenha ajuizado ações civis públicas para obrigar as Usinas de Açúcar e Álcool de Pernambuco a repor os seus passivos ambientais, a forte pressão do setor e o apoio do Ministério Público Federal, fez com que houvesse uma trégua da Justiça para com essas Empresas seculares, enquanto a população mais pobre perdia tudo que tinha na devastadora enchente de 2010.

Diante desses fatos, a reconstrução das cidades está se dando em áreas desapropriadas das usinas, sem que qualquer medida preventiva ou estrutural de recomposição da Mata Atlântica destruída tenha sido tomada.

No que se refere à aquisição de terras por estrangeiros, o governo federal perdeu o controle que existiu de 1971 até 1994 e deu continuidade à política de FHC, com a permissão de compras de extensas áreas de terras por empresas estrangeiras ou brasileiras controladas por estrangeiros.

Apenas em 2010, a Advocacia Geral da União reviu seu parecer e passou a entender que a venda de terras brasileiras a estrangeiros ou empresas brasileiras controladas por estrangeiros, estaria limitada ao máximo em cinco mil hectares, cuja soma das áreas rurais controladas por esses grupos não poderia ultrapassar 25% da superfície do município.

A decisão veio tardia e foi ineficaz, além de consolidar todas as aquisições anteriormente realizadas, configurando-se uma medida de extrema gravidade e atentatória à soberania nacional, ao manter sob domínio estrangeiro áreas próximas às fronteiras e na região amazônica.

Assim, no governo Lula, pouco há a comemorar em favor da agricultura camponesa. Mas temos o dever de registrar essas exceções para estimular a sua multiplicação. Por exemplo, o Programa Nacional da Agricultura Familiar (PRONAF) e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) foram transformados em políticas públicas permanentes, através de decretos assinados por Lula. Um outro fato positivo foi a reestruturação da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que praticamente não existia e que virou um instrumento importante para a comercialização da agricultura familiar e camponesa.

Também é merecedor de reconhecimento que o governo federal tenha deixado de ser um agente ativo na criminalização de trabalhadores sem-terras, de suas lideranças e de seus movimentos. O que dificultou os esforços do agronegócio junto à Justiça, um poder que pouco tem melhorado nesses anos, no trato das questões agrárias e no reconhecimento dos direitos de cidadãos humildes e explorados.

Diante da existência dessas poucas ações importantes e positivas, em contraste com a abundância do mau desempenho do governo Lula na reforma agrária, o próximo governo tem que ter um posicionamento firme, com ações concretas, nas questões estratégicas da reforma agrária, a exemplo de (1) assumir efetivamente a vontade política de realizar a reforma agrária e de defender a agricultura familiar e camponesa; (2) ter um orçamento compatível e do tamanho das demandas, da dignidade e dos direitos do povo do campo; (3) propor um modelo que priorize a soberania alimentar baseado na produção camponesa; (4) Limitar o tamanho da propriedade da terra; (5) assegurar a aprovação do Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001 PEC, que prevê o confisco de terras de escravagistas; (6) garantir a demarcação das terras indígenas e Quilombolas; (7) promover a aferição da função social da terra pelos vários pontos fixados pela Constituição Federal; (8) atualizar, enfim, os índices de produtividade.

No Brasil, não poderá haver desenvolvimento alternativo, democrático e sustentável sem uma reforma agrária intensa e extensa. Atualmente, todo o mundo se volta para as questões do meio ambiente e à necessidade de salvar o planeta. A reforma agrária e a agricultura familiar e camponesa são partes essenciais desse esforço inadiável para se alcançar a sustentabilidade desejada na agricultura, na produção de alimentos e nos modelos produtivos. Igualmente nessa parte, o governo Lula beneficiou o latifúndio no debate, na formatação e na tramitação do projeto do novo Código Florestal.

O período que agora se encerra com o final do segundo mandato do presidente Lula produziu resultados evidentes na formação de consumidores, mas não na formação de cidadãos. Os desafios são imensos para que a migração que ocorreu entre as classes sociais não seja meramente provisória. Na verdade, o fato positivo de poder consumir é apenas uma parte da cidadania, a qual somente se estabiliza com o acesso ao conhecimento, à educação, à terra, às condições de nela produzir, dentre outros atributos que o Governo Lula não soube, nem quis assegurar ao povo do campo.

Assim, diante das demandas da reforma agrária e da agricultura familiar e camponesa, é imensa a missão da Presidenta da República recentemente eleita. Com o apoio da maioria do Congresso Nacional, a futura presidenta efetivamente terá, nesses campos estratégicos, a missão de fazer a reforma agrária que nunca foi feita no Brasil.

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A década do ativismo midiático

Reproduzo artigo de Silvio Mieli, publicado no jornal Brasil de Fato:

Há um fio condutor entre as batalhas nas ruas de Londres, Roma, Milão, Paris, Atenas e os embates digitais que convergiram no fenômeno WikiLeaks.

Há exatos dez anos o encontro entre as ruas e as redes digitais começou a ganhar forma numa dinâmica que aproximou ativismo e tecnologia contra um inimigo comum: o poder, que manifesta-se através da desregulamentação do mercado de trabalho, do desemprego, dos cortes orçamentários e das privatizações.

Herdeiro direto do zapatismo, este novo ativismo gerou os Centros de Mídia Independente, as agências de informações alternativas e os blogs livres. Uma experiência riquíssima forjada nas oficinas políticas de Seattle, Gênova, nas manifestações contra a invasão do Iraque, nos fóruns sociais e nos seminários contra a propriedade intelectual.

Os ativistas da mídia que articularam esta sublevação eram vistos com desconfiança até começarem a pautar a mídia corporativa, o que acabou se confirmando com a publicação milhares de telegramas obtidos pelo WikiLeaks. Mas o seu conteúdo, ainda que bombástico, é menos importante do que o processo de inversão do fluxo de informação que esta década de luta concretizou.

A partir de agora, a ascensão do movimento de massas não poderá mais prescindir desta nova classe, espécie de cérebro social composto pelos programadores de informática, jornalistas, pesquisadores, ao mesmo tempo técnicos, artistas e ativistas.

Entre o virtual das redes e o núcleo duro da realidade social sairá o desenho da segunda década do milênio. A propósito, um fotógrafo viu manifestantes chutando um carro na Rua Regent, no centro de compras de Londres. O carro conseguiu fugir da multidão, mas uma imagem flagrou o olhar de horror de Camilla, duquesa da Cornuália, e do príncipe Charles, confinados em seu Rolls-Royce. Os estudantes cercavam o carro e protestavam contra um projeto aprovado pela câmara baixa do Parlamento, que triplicava o preço das matrículas universitárias na Inglaterra. A nova década promete.

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"Pânico" lidera ranking da baixaria na TV

Reproduzo artigo de Virginia Toledo, publicado na Rede Brasil Atual:

Um ranking que relaciona os programas de TV mais denunciados por violações aos Direitos Humanos foi divulgado nesta quinta-feira (06) , pela campanha "Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania". O progama "Pânico na TV", da RedeTV! apareceu em primeiro lugar, o quadro - reincidente na lista - apresentou o maior número de denúncias pelos telespectadores.

Atrás do programa humorístico, o Ranking da Baixaria da TV mostra o "Brasil Urgente", da TV Bandeirantes, o qual em dezembro passado foi alvo de ação civil, instaurada pelo Ministério Público Federal (MPF), por ter apresentado declarações preconceituosas contra os ateus. A campanha recebeu 68 denúncios de telespectadores que se sentiram agredidos pelas posições do apresentador José Luiz Datena.

O ranking levou em conta as denúncias que continham indícios de apelo sexual, incitação à violência, apologia ao crime, desrespeito aos valores familiares e preconceito. Outros três programas também foram listados no ranking: "Se Liga Bocão" da TV Itapoan, afiliada da Rede Record, "A Fazenda", também da Rede Record e "Chumbo Grosso", programa regional de gênero policial exibido pela TV Goiânia, afiliada da Rede Bandeirantes.

De acordo com a coordenação da campanha, o ranking foi contabilizado por meio das denúncias recebidas pelo site da campanha (www.eticanatv.org.br) e do Disque Câmara (0800 619 619). O ranking encontra-se na 18ª edição. Da última lista divulgada, em maio de 2010, até agora, foram recebidas 892 denúncias de telespectadores.

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As cascas de banana e a intriga da mídia

Reproduzo artigo de Izaías Almada, publicado no sítio Carta Maior:

Referindo-se a uma quase que inexistente militância da coligação PSDB/DEM/PPS, essa que se transformou na fina flor do atual conservadorismo brasileiro, a jornalista Eliana Catanhede fez, durante a última campanha eleitoral, uma citação auto-elogiosa aos “quadros” que comporiam o tal exército de Brancaleone. Denominou-os de “massa cheirosa”, com a evidente intenção de – por oposição – considerar os eleitores de Dilma e apoiadores do presidente Lula como a massa mal cheirosa da periferia e dos rincões mais distantes do país. O então general presidente João Batista Figueiredo afirmou, já no último governo da ditadura, que preferia o cheiro das estrebarias ao cheiro do povo.

Tais afirmações, a da jornalista e a do general, enquadram-se perfeitamente no discurso raivoso e preconceituoso que caracteriza uma parcela da sociedade brasileira. Antes, durante e depois do regime ditatorial de 64.

A recente campanha oposicionista do candidato José Serra fala por si. Inúmeras foram as demonstrações de intolerância, os arremedos de violência, as mentiras e os factóides diários sustentados por uma imprensa, em sua maioria, defensora de uma candidatura que nasceu morta, mas que era preciso se oxigenar com o que estivesse mais à mão. Com a agravante de que o candidato já se disse em outros tempos um homem de esquerda e progressista. Em outras circunstâncias, é claro...

Os panfletos sobre o aborto, as agressões ao passado guerrilheiro da candidata Dilma Roussef, as idiotices e inverdades repetidas por artistas de telenovelas e programas de humorismo duvidoso, invasões de missas, religiosidade de última hora, uma ridícula bolinha de papel transformada em míssil, uma campanha suja e violenta pela internet, onde predominava o irracional e o mau português, e um candidato – ao contrário do que pregava – completamente despreparado para o exercício da presidência, tudo isso acabou por criar um caldo de cultura muito próprio ao jeito fascista de fazer política. A cultura da violência.

Enquanto a nova política de resgatar o país de mazelas seculares procura avançar com rapidez, passando ao largo de vaidades e incompetências, muitas delas acadêmicas e voltadas para a satisfação de uma pequena parcela da sociedade, políticos formados na velha escola republicana e temperados pelas benesses de uma ditadura que durou 21 anos, ainda insistem em dividir o país em novas capitanias hereditárias, espalhando o preconceito e a discriminação entre brasileiros. Ao perceberem que a realidade do país começa a não responder mais diretamente aos seus interesses, tais esbirros – usando ainda o monopólio do curral mediático, onde são proprietários e beneficiários ao mesmo tempo – passaram a apostar mais pesado no ‘quanto pior, melhor’.

Seria bom não nos deixarmos iludir por uma democracia que continua parcialmente tutelada e que, apesar dos avanços institucionais, ainda não ultrapassou algumas provas de fogo, tais como o efetivo combate à corrupção ou à impunidade de alguns figurões da república. Ou à punição de torturadores de crimes políticos e comuns, de quem pouco se fala. Não conseguiu uma reforma política que merecesse esse nome, uma reforma fiscal, uma reforma do Judiciário.

No momento, tudo parece indicar uma pausa temporária, estratégica, por parte da velha mídia, quando se espera que as águas da eleição e da posse do novo governo se acalmem. A elite política e econômica brasileira é sempre perigosa, sorrateira. A sorte do país, para além de algumas políticas acertadas do governo Lula nos últimos oito anos, é que a oposição emburreceu, assim como jornalistas e analistas do “ancien regime”. Chega a ser patética a cena mostrada em vídeo nos últimos dias, na qual FHC pede a Serra para agradecer alguns elogios do governador Alckmin no seu discurso de posse.

O mito do brasileiro cordial, de índole pacífica é uma falácia que continuamos carregando para apaziguar nossas consciências. Sempre que precisou, a elite brasileira foi violenta, sabendo cooptar aqueles de que necessita para o serviço sujo, incluindo-se aqui amplos setores da classe média também. Os exemplos da Guerra do Paraguai, do último bastião escravista até a Lei Áurea, do Estado Novo, da ditadura civil/militar de 64/68, do trabalho escravo de adultos e crianças, dos matadores de aluguel, dos esquadrões da morte e das atuais milícias urbanas, da violência contra a mulher, do preconceito contra nordestinos, do uso da tortura contra prisioneiros políticos ou comuns, da impunidade contra o crime de colarinho branco e outras mazelas do gênero, deixam muito a desejar sobre esse tão decantado espírito cordial e conciliador.

E é justamente por isso que não podemos desprezar o abominável e recente episódio das inúmeras manifestações de cidadãos brasileiros em suas sintéticas mensagens pelo twitter ao desejarem um atentado contra a presidenta Dilma Roussef no dia da sua posse. Qual o significado daquelas mensagens para além da sua linguagem crua e repetitiva, mas de conteúdo criminoso e ideologicamente condenável? Uma manifestação covarde de adolescentes sem o que fazer? Refletiam um pensamento próprio ou reproduziam opiniões ouvidas em casa, nos escritórios ou escolas? Espontânea ou induzida? O que levou tais pessoas a manifestarem esse desejo?

As cascas de banana e a intriga grosseira começam a tomar algumas manchetes jornalísticas na indisfarçável tentativa de criar embaraços a um governo que mal começou. O PMDB se tornará mais uma vez o ‘fiel da balança’ de um sistema partidário viciado, ineficiente, sensivelmente corrupto em muitos dos seus integrantes, muitas vezes dissonante em relação a antigos e insolúveis problemas brasileiros.

A campanha da presidenta Dilma Roussef prometeu avanço em várias áreas conquistadas no governo do presidente Lula. E seria bom que nos seus 100 primeiros dias de governo, essas promessas começassem a ser reconhecidas pelo povo brasileiro. Caso contrário, o tiro pode sair pela culatra. E o mau cheiro do fascismo deixar os rincões conservadores e preconceituosos, por onde transita com relativa liberdade e travestido de massa cheirosa, e começar a se espalhar por toda a sociedade brasileira.

Presidenta Dilma: olho vivo e, se for preciso, corte o mal pela raiz, já diz a sabedoria popular. Enquanto sentir firmeza, o povo estará ao seu lado. Caso contrário, o país corre o risco do retrocesso. O fascismo se alimenta da inveja, da frustração e usa da mentira e da violência para atingir seus objetivos. Nunca é cedo demais para essas reflexões.

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Panorama da comunicação em debate

Por Altamiro Borges

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em parceria com a Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação (Socicom), acaba de concluir uma pesquisa sobre o "Panorama da comunicação e das telecomunicações". Em três volumes, o estudo inédito no país apresenta um amplo paínel sobre o setor e visa ajudar na construção de políticas públicas. Sua publicação coincide a vontade expressa do governo Dilma de elaborar um novo marco regulatório da comunicação.


Com o objetivo de conhecer e discutir o seu conteúdo, o Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé realizará na próxima terça-feira, dia 11, a partir das 19 horas, no auditório do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, o debate "Panorama da comunicação e das telecomunicações no Brasil". Marcio Pochmann, presidente do IPEA, fará a apresentação dos resultados da pesquisas. E o jurista Fábio Konder Comparato e o jornalista Paulo Henrique Amorim debaterão o tema.

Participe e ajude a divulgar esta importante atividade.

Debate: "O panorama da comunicação e das telecomunicações no Brasil"

Dia 11 de janeiro, terça-feira, às 19 horas.

Local: Sindicato dos Jornalistas de São Paulo (Rua Rego Freitas, 530, próximo ao Metrô República).

Expositor: Marcio Pochmann, presidente do IPEA

Debatedores: Fábio Konder Comparato e Paulo Henrique Amorim.

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Reproduzo trechos do release enviado por Isabela Vilar, da assessoria de comunicação do IPEA:

A obra traça um panorama do setor de comunicação e telecomunicações, estratégico para o país, que, apesar de ser muito debatido, não é objeto de muitas pesquisas por parte dos órgãos de estado. Nos três volumes do livro, foram reunidas diferentes dimensões que se complementam e ajudam na elaboração de futuras políticas públicas para o País. O estudo conta com a participação de pesquisadores renomados da comunicação no Brasil. Mestres e doutores de várias partes do País foram selecionados por meio de chamada pública para participar da pesquisa.

O primeiro volume é dividido em duas partes. A primeira traz o estudo das tendências nas telecomunicações e reúne artigos escritos exclusivamente para o livro, além de textos publicados originalmente na edição especial do Boletim Radar, do Ipea, sobre telecomunicações. A segunda parte traz artigos que oferecem um panorama das indústrias criativas e de conteúdos.

O segundo volume da obra é dedicado a resgatar a memória das associações científicas e acadêmicas de comunicação no Brasil. O texto descreve e diagnostica a produção de conhecimento nos principais segmentos da comunicação nacionalmente institucionalizados ou publicamente legitimados nesta primeira década do século XXI.

No terceiro volume, é apresentado o resultado parcial de quatro pesquisas sobre o Estado da Arte no campo da comunicação. O volume traz dados sobre o número de faculdades e cursos de pós-graduação em comunicação no país, com áreas de concentração e crescimento; sobre as profissões existentes na área e as novas habilidades necessárias para uma indústria de conteúdos e serviços digitais; e sobre as indústrias criativas e de conteúdos e os movimentos das empresas em direção ao modelo digital, além de uma comparação com outros países, possibilitando a análise das fragilidades e potencialidades do Brasil.


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Salário mínimo e a coragem de Dilma

Por Altamiro Borges

"O correr da vida embrulha tudo.
A vida é assim:
esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem".


Em seu discurso de posse no Congresso Nacional, a presidenta Dilma Rousseff citou as belas palavras do escritor Guimarães Rosa e, na seqüência, emendou: “É com esta coragem que vou governar o Brasil. Mas a mulher não é só coragem. É carinho também”. Agora, no comando da nação, ela precisará demonstrar sensibilidade e coragem em inúmeros assuntos delicados. Um dos seus primeiros testes no assento do Palácio do Planalto já está em curso com a definição do novo valor do salário mínimo.

"É preciso um Nuremberg dos especuladores"

Reproduzo entrevista de Jean Ziegler, publicado no sítio do Instituto Humanitas Unisinos:

Diplomata internacional na ONU, Ziegler publicou o ensaio El odio a Occidente, uma crítica ao sistema capitalista dominado pela Europa e pelos EUA.

A reportagem é de Guillaume Fourmont Madrid, publicada no sítio Publico.es, 29-12-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Que ninguém se deixe enganar pelo seu cargo muito oficial de membro do Comitê Consultivo do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Por trás de seus óculos de professor de universidade, o suíço Jean Ziegler (Thoune, 1934) é um revolucionário. Ele gosta de provocar e gritar o que os seus colegas diplomatas não ousam dizer nem nos corredores das organizações internacionais.

Um exemplo: "Uma criança que morre de fome hoje em dia é um assassinato". Outro: "Somos democracias, mas praticamos um fascismo exterior". Ziegler é um argumento que argumenta cada frase com números ou citações de grandes intelectuais, como esse grito de dor do poeta anticolonialista Aimé Césaire: "Vivo em uma ferida sagrada / Vivo em um querer obscuro / Vivo em um longo silêncio".

Dessa ferida, Ziegler falar em seu último livro, El odio a Occidente (Ed. Península), um título que responsabiliza os países desenvolvidos pelos males do mundo. O escritor não perde a esperança e aspira a uma "revolução para acabar com a ordem canibal do mundo". Na capa do seu ensaio, a letra "i" da palavra ódio é uma bomba com detonador. Resta só um segundo para que ela exploda.

Eis a entrevista.

O mundo vai tão mal assim?

Jamais na história um imperador ou um rei teve tanto poder como o que a oligarquia do poder financeiro possui na atualidade. São as bolsas que decidem quem vive e quem morre. Doze bilhões de pessoas podem comer, o dobro da população mundial. Mas a cada cinco segundos, uma criança menor de 10 anos morre de fome. É um assassinato!

É daí que vem o ódio do qual o senhor falar? Por que nos odeiam?

É preciso distinguir dois tipos de ódio. Um, primeiro, patológico, como o da Al Qaeda, que assassina inocentes com bombas. Mas nada justifica essa violência, nada! E o meu livro não trata disso. Refiro-me a um ódio meditado, que pede justiça e compensação, que chama a romper com o sistema estrutural do mundo, dominado pelo capitalismo.

Não aprendemos nada com a crise?

Lições? É pior ainda: esses bandidos de especuladores que provocaram a crise e a quebra do sistema ocidental atacam agora produtos como o arroz e o trigo. Há milhares de vítimas a mais do que antes. É preciso sentar esses especuladores na cadeira. É preciso realizar um Nuremberg para eles!

O senhor trabalha na ONU. Não acredita no papel da comunidade internacional?

O mero fato de que a comunidade internacional seja consciente dos problemas do mundo é positivo. Os Objetivos do Milênio não se cumpriram, mas não sou uma pessoa cética.

Não acredita, no entanto, que o Ocidente só se interessa pelo Ocidente e que mantém o Terceiro Mundo na pobreza de propósito?

É verdade! Mas não se trata de doar mais, mas sim de roubar menos. Na África, podem-se encontrar produtos europeus mais baratos do que os locais, enquanto que as pessoas se matam trabalhando. A hipocrisia dos europeus é bestial! Nós geramos fome na África, mas quando os imigrantes chegam às nossas costas em balsas os mandamos embora. Para acabar com a fome, é preciso uma revolução!

No Ocidente? Isso é possível?

A sociedade civil se despertou. Há movimentos como Attac, Greanpeace e outros que fazem uma crítica radical da ordem mundial. No Ocidente, temos democracias, mas praticamos um fascismo exterior. Embora não haja nada impossível na democracia. "O revolucionário deve ser capaz de ouvir a grama crescer", disse Karl Marx.

Em seu livro, o senhor fala da Bolívia de Evo Morales como exemplo.

É um caso exemplar. Pela primeira vez na história, o povo boliviano elegeu como presidente um deles, um indígena aimara. E, em seis meses, expulsaram as empresas privadas que ficavam com todos os benefícios das energias do país. O governo pode, com esses milhões ganhados, lançar programas sociais, e a Bolívia é agora um Estado florescente e, principalmente, soberano. Veja, não sou um ingênuo, mas na Bolívia a memória ferida do povo se converteu em uma luta política, em uma insurreição identitária.

Em outros termos, Morales merecia mais o Nobel da Paz do que Obama.

Claro! O Nobel de Obama era ridículo, era una operação de marketing.

Obama não trazia consigo nenhuma esperança?

Ver uma cara negra de presidente dos Estados Unidos na capa de grandes revistas foi incrível, principalmente porque o bisavó da esposa de Obama era um escravo. Mas é só um símbolo. O império norte-americano é três coisas: a indústria armamentícia, Wall Street e o lobby sionista. Obama sabe que se tocar em algum dos três está morto. E não vai fazer isso. A esperança vem da sociedade civil. Se conseguirmos criar uma aliança planetária de todos os movimentos de emancipação, do Ocidente e do Sul, então haverá uma revolução mundial, uma revolução capaz de acabar com a ordem canibal do mundo.

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