Por Leonardo Sakamato, em seu blog:
É com esperança que recebi a notícia de que a professora Eleonora Menicucci assume como ministra-chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres, não apenas por conta de sua trajetória como militante política durante os anos de chumbo e como respeitada acadêmica, mas também por sua forte atuação no movimento feminista.
Ao noticiar a posição pessoal da nova ministra de “defesa do direito ao aborto”, parte da imprensa falou simplesmente em “defesa do aborto”. Bem, só quem é jornalista e esteve em um fechamento sabe o que é ter um chefe bufando no seu cangote, exigindo a página fechada, enquanto procura fazer caber uma ideia inteira em um espaço tão exíguo quanto aquele reservado ao título ou à manchete. Mas, caros colegas, temos que tomar cuidado. Defesa do direito ao aborto é diferente de defesa do aborto.
Não há defensora ou defensor do direito ao aborto que ache a interrupção da gravidez uma coisa fácil e divertida de ser feita, equiparada a ir à padaria para comprar um Chicabon. Também não seriam formadas filas quilométricas na porta do SUS feito um drive thru de fast food de pessoas que foram vítimas de camisinhas estouradas. Também não há pessoa em sã consciência que defenda o aborto como método contraceptivo. Aliás, essa ideia de jerico aparece muito mais entre as justificativas daqueles que se opõem à ampliação dos direitos reprodutivos e sexuais do que entre os que são a favor. A interrupção de uma gravidez é um ato traumático para o corpo e a cabeça da mulher, tomada após uma reflexão sobre uma gravidez indesejada ou de risco.
Defender o direito ao aborto não é defender que toda gestação deva ser interrompida (nem sei porque estou gastando pixels explicando algo que deveria ser óbvio, mas vá lá). E sim que as mulheres tenham a garantia de atendimento de qualidade e sem preconceito por parte do Estado se fizerem essa opção.
Hoje, o “direito” ao aborto depende de quanto você tem na conta bancária. Afinal de contas, mulher rica vai à clínica, paga R$ 4 mil e pronto. Mulher pobre se vale de objetos pontiagudos ou remedinhos vendidos a torto e direito sem controle e que podem levar a danos permanentes. A discussão não é quando começa a vida, sobre isso dificilmente chegaremos ao um consenso, mas as mulheres que estão morrendo nesse processo. Negar o “direito ao aborto” não vai o diminuir o número de intervenções irregulares, eles vão acontecer legal ou ilegalmente. Abortos mal feitos causam 9% das mortes de mulheres grávidas, 25% dos casos de esterilidade e são a quinta causa de internação hospitalar de mulheres, e acordo com dados da própria Secretaria de Políticas para as Mulheres.
Mas aborto é mais do que um problema de saúde pública. Negar a uma mulher o direito a realizá-lo é equivalente a dizer que ela não tem autonomia sobre seu corpo, que não é dona de si. “Ah, e o corpo do embrião/feto que está dentro dela, seu japonês endemoniado do capeta?” Na minha opinião – e na de vários outros países que reconheceram esse direito, ela tem sim prevalência a ele.
Defendo incondicionalmente o direito da mulher sobre seu corpo (e o dever do Estado de garantir esse direito). É uma vergonha ainda considerarmos que a mulher não deve ter poder de decisão sobre a sua vida, que a sua autodeterminação e seu livre-arbítrio devem passar primeiro pelo crivo do poder público e ou de iluminados guardiões dos celeiros de almas, que decidirão quais os limites dessa liberdade dentro de parâmetros. Parâmetros estipulados historicamente por…homens, veja só.
É extremamente salutar que todos os credos tenham liberdade de expressão e possam defender este ou aquele ponto de vista. Mas o Estado brasileiro, laico, não pode se basear em argumentos religiosos para tomar decisões de saúde pública ou que não garantam direitos individuais. A justificativa de que o embrião tem os mesmos direitos de uma cidadã nascida é, no mínimo, patético. Dá vontade de fazer cafuné em quem defende isso e explicar, pausadamente, que não se pode defender que minhas crenças, físicas ou metafísicas, se sobreponham à dignidade dos outros.
Nesse sentido, desejo boa sorte à Eleonora. Que ela lute o bom combate, mesmo considerando que, como ministra, terá atuação bem mais limitada do que como militante, tendo que buscar apoio no Legislativo, no Judiciário e em setores do próprio Executivo. Mas peço a ela que ignore as ladainhas partidárias (a ditadura do comportamento não é monopólio de determinado grupo político – se vocês soubessem a quantidade de homens que vomitam progressismo publicamente e são tiranos dentro de casa…) e os que criticam sem pensar. Perdoe-os, eles não sabem o que falam.
É com esperança que recebi a notícia de que a professora Eleonora Menicucci assume como ministra-chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres, não apenas por conta de sua trajetória como militante política durante os anos de chumbo e como respeitada acadêmica, mas também por sua forte atuação no movimento feminista.
Ao noticiar a posição pessoal da nova ministra de “defesa do direito ao aborto”, parte da imprensa falou simplesmente em “defesa do aborto”. Bem, só quem é jornalista e esteve em um fechamento sabe o que é ter um chefe bufando no seu cangote, exigindo a página fechada, enquanto procura fazer caber uma ideia inteira em um espaço tão exíguo quanto aquele reservado ao título ou à manchete. Mas, caros colegas, temos que tomar cuidado. Defesa do direito ao aborto é diferente de defesa do aborto.
Não há defensora ou defensor do direito ao aborto que ache a interrupção da gravidez uma coisa fácil e divertida de ser feita, equiparada a ir à padaria para comprar um Chicabon. Também não seriam formadas filas quilométricas na porta do SUS feito um drive thru de fast food de pessoas que foram vítimas de camisinhas estouradas. Também não há pessoa em sã consciência que defenda o aborto como método contraceptivo. Aliás, essa ideia de jerico aparece muito mais entre as justificativas daqueles que se opõem à ampliação dos direitos reprodutivos e sexuais do que entre os que são a favor. A interrupção de uma gravidez é um ato traumático para o corpo e a cabeça da mulher, tomada após uma reflexão sobre uma gravidez indesejada ou de risco.
Defender o direito ao aborto não é defender que toda gestação deva ser interrompida (nem sei porque estou gastando pixels explicando algo que deveria ser óbvio, mas vá lá). E sim que as mulheres tenham a garantia de atendimento de qualidade e sem preconceito por parte do Estado se fizerem essa opção.
Hoje, o “direito” ao aborto depende de quanto você tem na conta bancária. Afinal de contas, mulher rica vai à clínica, paga R$ 4 mil e pronto. Mulher pobre se vale de objetos pontiagudos ou remedinhos vendidos a torto e direito sem controle e que podem levar a danos permanentes. A discussão não é quando começa a vida, sobre isso dificilmente chegaremos ao um consenso, mas as mulheres que estão morrendo nesse processo. Negar o “direito ao aborto” não vai o diminuir o número de intervenções irregulares, eles vão acontecer legal ou ilegalmente. Abortos mal feitos causam 9% das mortes de mulheres grávidas, 25% dos casos de esterilidade e são a quinta causa de internação hospitalar de mulheres, e acordo com dados da própria Secretaria de Políticas para as Mulheres.
Mas aborto é mais do que um problema de saúde pública. Negar a uma mulher o direito a realizá-lo é equivalente a dizer que ela não tem autonomia sobre seu corpo, que não é dona de si. “Ah, e o corpo do embrião/feto que está dentro dela, seu japonês endemoniado do capeta?” Na minha opinião – e na de vários outros países que reconheceram esse direito, ela tem sim prevalência a ele.
Defendo incondicionalmente o direito da mulher sobre seu corpo (e o dever do Estado de garantir esse direito). É uma vergonha ainda considerarmos que a mulher não deve ter poder de decisão sobre a sua vida, que a sua autodeterminação e seu livre-arbítrio devem passar primeiro pelo crivo do poder público e ou de iluminados guardiões dos celeiros de almas, que decidirão quais os limites dessa liberdade dentro de parâmetros. Parâmetros estipulados historicamente por…homens, veja só.
É extremamente salutar que todos os credos tenham liberdade de expressão e possam defender este ou aquele ponto de vista. Mas o Estado brasileiro, laico, não pode se basear em argumentos religiosos para tomar decisões de saúde pública ou que não garantam direitos individuais. A justificativa de que o embrião tem os mesmos direitos de uma cidadã nascida é, no mínimo, patético. Dá vontade de fazer cafuné em quem defende isso e explicar, pausadamente, que não se pode defender que minhas crenças, físicas ou metafísicas, se sobreponham à dignidade dos outros.
Nesse sentido, desejo boa sorte à Eleonora. Que ela lute o bom combate, mesmo considerando que, como ministra, terá atuação bem mais limitada do que como militante, tendo que buscar apoio no Legislativo, no Judiciário e em setores do próprio Executivo. Mas peço a ela que ignore as ladainhas partidárias (a ditadura do comportamento não é monopólio de determinado grupo político – se vocês soubessem a quantidade de homens que vomitam progressismo publicamente e são tiranos dentro de casa…) e os que criticam sem pensar. Perdoe-os, eles não sabem o que falam.
Muito lúcida a posição do Sakamoto.
ResponderExcluirCada um de nós deve agir conforme sua consciência no que diz respeito aos nossos padrões éticos e religiosos.
O Estado não pode se basear nestes princípios para exercer suas funções, como defender a saúde da população.
Defender o direito do aborto é defender a saúde. Bem diferente de defender o aborto em si como uma pratica que deve ser tornada comum.