Donata Meirelles, Eliana Tranchesi e Monica Serra |
Vamos aos fatos: a empresária Eliana Tranchesi foi julgada e condenada a 94 anos e meio de prisão por formação de quadrilha, fraude em importações e falsidade ideológica. Dona da Daslu, megaloja de artigos de luxo, Tranchesi foi denunciada através da Operação Narciso, da Polícia Federal, em 2005. Vivia em liberdade por força de um habeas corpus até morrer na semana passada, vítima de um câncer no pulmão.
Não duvido que Eliana Tranchesi possa ter sido boa amiga, boa mãe, enfim, uma pessoa com qualidades. O problema é que, no Brasil, eventualmente a morte absolve e o câncer beatifica. A extensão da ficha criminal de Tranchesi causaria esgares de sobrancelhas a bicheiros obscuros de vários arrabaldes brasileiros, que poderiam enxergar na ascensão da dona da Daslu um plano de carreira a ser seguido. Mas houve quem, na mídia, preferiu suavizar, digamos, o jeitinho brasileiro da empresária para lembrá-la como uma espécie de Midas da moda e do comércio de alto luxo no País – mesmo que essas conquistas tenham chegado através de golpes na Receita Federal, conforme ressaltam seus processos.
Primeiro foi a jornalista e consultora de moda Glória Kalil, uma espécie de Milton Neves da etiqueta nacional, que manifestou-se impunemente chamando Eliana Tranchesi de “uma das melhores comerciantes que este país já teve”, assim, expandindo os horizontes do adjetivo “trambique”. Prossegue Kalil: “Uma pessoa que (…) nunca parou de olhar para a frente e de se esforçar para dar o melhor atendimento à sua clientela e de cercá-la dos mais delicados carinhos mandando flores, bombons e presentes superpersonalizados em todos os dias das mães, dos namorados, Natais e aniversários, sempre embrulhados em muitas fitas e um bilhetinho carinhosos escrito de próprio punho”. A consultora de moda não especificou se as tais fitas chegaram ao Brasil entre os pacotões contrabandeados pela Daslu.
O jornalista Guilherme Barros, da revista IstoÉ Dinheiro, divulgou uma carta de despedida de Tranchesi, ressaltando que nela a empresária manteve “o seu otimismo e seu espírito guerreiro, apesar de todo o sofrimento”. O otimismo e o espírito guerreiro de quem burlou o fisco por anos seguidos, ressalta-se, embora a introdução do jornalista não traga qualquer menção a isso.
A informação da morte de Eliana Tranchesi parece ter mexido também com os neurônios do jornalista Boris “Gari” Casoy, encostado como âncora de um jornal na madrugada da tevê Bandeirantes. Em editorial alucinógeno, culpou Luiz Inácio Lula da Silva e o mensalão pela morte da empresária. “O governo Lula viu em Eliana um instrumento para tentar desviar as atenções da população sobre a roubalheira do mensalão. O comércio de luxo de Eliana foi o alvo perfeito. (…) O governo montou um enorme circo de polícia e imprensa num episódio triste de utilização da Polícia Federal”, disse Boris, antes de encerrar a explanação com um espirro, valorizando o burlesco do editorial*. Ao menos, justiça seja feita, Boris endossou a culpa da empresária em quase todas as acusações a ela indicadas.
Porém, o ápice do frenesi deu-se no blog da colunista social Hildegard Angel no portal R7. Sob o título “Réquiem para Eliana Tranchesi”, a jornalista que se auto-intitula “uma das mais respeitadas do Rio de Janeiro” (foi bom ela avisar) expeliu a lógica ao cravar: “…pois não me venham com pedras na mão os patrulheiros falar em débitos com o fisco, pois é à Eliana que a Receita do Brasil (negrito dela) deve muito mais”. E, fã, desanda a dizer como Tranchesi parou o que estava fazendo para recebê-la na Daslu, interrompendo sua rotina pesada. “Sei o que isso custa para uma pessoa realmente ocupada”, suspira.
Hildegard Angel não parou por aí e resolveu justificar os crimes contra o fisco da dona da Daslu: “Eliana colecionou e disseminou pioneirismos no comércio do luxo e no comércio da moda, num país em que o emaranhado de leis e o labirinto burocrático travam, enclausuram, imobilizam, praticamente invializam qualquer voo diferenciado. Não estou com isso tentando justificar o injustificável: o drible de leis. Mas quem é do ramo sabe que é praticamente impossível para um empreendedor visionário e sonhador, que pensa longe e pensa grande, sair do lugar, crescer, se expandir, submetido a essa armadura brasileira chamada conjunto de leis fiscais e trabalhistas, que muitas vezes só funciona se bem azeitado com um combustível chamado ‘molhar-a-mão’…”.
Ou seja, justificou, sim, o injustificável. E Hildegard ainda arremata: “Numa das suas poucas entrevistas sobre o assunto, Eliana reconheceu que cometeu o erro de vender luxo num país de agudas diferenças sociais…”. Quer dizer… a culpa é do povão, confere?
Como disse o amigo jornalista Mauricio Savarese, a morte de Eliana Tranchesi serviu para explicitar quem faz jornalismo de fato dos que estão na profissão pelo deslumbre de fazer parte das rodinhas do high society. Parece ser mais fácil fazermos ricos criminosos pagarem por seus crimes na cadeia que extirparmos o jeitinho brasileiro da sociedade.
* Apesar de real, o fim do vídeo de Boris Casoy é uma montagem. O espirro em questão foi em outra oportunidade.
Como vc é invejoso e ridiculo!!!! Estou horrorizada com a sua maldade e arrogancia.
ResponderExcluirO bom da morte é que em maior ou menor grau ela acaba sendo democrática. E os canalhas e bandidos também envelhecem e morrem. O capeta te espera de braços abertos!!! DONA TRANQUEIRA!!!!
ResponderExcluirEliana era branca e pertencia à elite. Num país degenerado em que as leis começam lentamente a ser aplicadas a todos, ela foi presa num grande lapso.
ResponderExcluir.
Brasileiro adora a elite, veja as novelas da globo em que todos são brancos, ricos e não trabalham.
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Eliana foi apenas outra golpista da elite, pilantra, e 171.
Adorei esta matéria. Realmente, neste país, basta morrer ou pegar câncer que se é beatificado na hora. Uma vergonha. Essa Daslu é uma das maiores vergonhas nacionais. É um vexame essa gente famosa defender uma trambiqueira.
ResponderExcluirO que realmente me espanta é que estes jornalistas, apresentadores e politicos tenham a audacia de defender esta criminosa, minimizando o fato de que seus trambiques representaram um grande prejuizo para o povo brasileiro. Nisto, os capitalistas sao insuperaveis: lucro particular, prejuizo socializado. No direito, estas defesas apaixonadas da madame configuram uma apologia ao crime e um desrespeio ao Estado de Direito. Agora vou ser bem duro: colunista social que bajula a elite é uma parte do jornalismo completamente dispensavel. Vcs deveriam ser demitidos e procurar trabalho duro pra ver como é que o povo brasileiro vive.
ResponderExcluirPER-FEI-TO.
ResponderExcluirTambém vejo muitos méritos em Eliana Tranchesi. Foi uma mulher exuberante, talentosa, criativa e trabalhadora. Conseguiu ganhar dinheiro, ter fama e prestígio com isso. Quanto ao crime que ela cometeu, oras, ninguém gosta de pagar impostos, pois sabemos que servem também para alimentar a roubalheira generalizada, bem como o excesso de privilégio dos parlamentares. Que Deus esteja com Eliana.
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