sábado, 11 de agosto de 2012

Cotas e o preconceito dos bonzinhos

Por Paulo Moreira Leite, na coluna Vamos combinar:

A forma mais hipócrita de combater toda política pública de acesso dos brasileiros pobres às universidades consiste em dizer que os jovens de origem humilde não irão sentir-se bem em companhia de garotos de famílias abastadas, que puderam chegar lá sem auxílio de medidas do governo.


Por esse motivo, segue o raciocínio, iniciativas como cotas, pró-Uni e outras, iriam prejudicar até psicologicamente aqueles alunos que pretendem beneficiar, pois estes cidadãos se sentiriam diminuídos e inferiorizados ao lado de colegas cujas famílias frequentam universidades há várias gerações.

Vamos combinar que estamos diante de um recorde em matéria de empulhação ideológica. É possível discutir as cotas a partir de argumentos políticos, pedagógicos e assim por diante.

Mas o argumento do bonzinho é apenas arrogância fantasiada de caridade.

Num país onde a desigualdade atingiu o patamar da insania e da patologia, este raciocínio se alimenta de um desvio essencial. Consiste em considerar que um cidadão que não teve acesso a boas escolas desde o berço e encara o lado desagradável da pirâmide social logo depois de abrir os olhos é incapaz de raciocinar sobre sua condição e compreender que enfrenta dificuldades pelas quais não tem a menor responsabilidade como indivíduo mas como herdeiro de uma estrutura social desigual e injusta.

É aquela noção de quem acredita que as pessoas que se encontram nos degraus inferiores da pirâmide desconhecem a origem histórica material de suas dificuldades e, intimamente, se consideram “inferiores” aos demais. No fundo, se sentiriam culpadas por usufruir de um certo “privilégio” que os ricos, bem nascidos e instruídos podem dispensar — até porque o recebem por outros meios.

A vida real não é assim. Basta visitar escolas publicas e privadas que aplicam esses programas para descobrir que a maioria dos estudantes que se beneficiam de políticas compensatorias tem um desempenho igual ou até superior a seus colegas. Alguns dão duro como os demais. Outros batalham menos. Alguns fazem amigos. Outros encontram colegas que não querem ser amigos. É a vida de verdade, como se aprende até em filme sobre adolescentes americanos. A única pergunta relevante é saber se dentro de dez ou vinte anos o país estará melhor com cidadãos menos desiguais. Alguém tem alguma dúvida?

Mas os bonzinhos seguem fazendo sua parte para tornar o mundo pior. Numa canção inesquecível sobre a vida dos trabalhadores ingleses, John Lennon anotava: “assim que você nasce eles te fazem sentir-se pequeno…”

A mensagem dos bonzinhos é essa. Os filhos de pais pobres são tão pequenos que se sentem menores mesmo quando chegam à universidade. O melhor, então, é que sejam mantidos ao longe. Pode?

5 comentários:

  1. Para mim o problema desse tipo de cotas é que ele não é acompanhado por uma política forte de investimento no ensino público médio e fundamental.

    ResponderExcluir
  2. O Problema, Márcia, é que se ficarmos esperando esta política de investimento (há muito tempo reclamada e nem de longe atendida), não avançaremos em busca de novas possibilidades de diminuição da assustadora desigualdade que se enraíza no nossa País.
    É claro que urge a necessidade de cobrarmos os inadiáveis investimentos, mas, em paralelo, devemos sim arriscar novas sendas nunca antes percorridas.... Abç.

    ResponderExcluir
  3. As cotas são medida paliativa, deveriam ser temporárias. O que é preciso fazer é investir na igualdade de oportunidades. investir na educação desde a base. Não é pelo telhado que se constrói uma casa. Não sou contra as cotas, mas sou contra o fato de perdurarem quase que como solução definitiva e, quem é educador sabe, a base moral se constróis desde pequeno, não é investindo no final da linha que se vai construir um cidadão plenamente consciente e esclarecido, mas sim, um cidadão grato ao paternalismo que lhe veio tarde...

    ResponderExcluir
  4. Imagina aquele que durante a sua vida escolar não pode ser instruído o suficiente, não teve as aulas, greve, falta de professor, ou seja, não teve o mínimo de conteúdo, e por intermédio de cotas é jogado aos leões, dentro de uma faculdade, sem saber o que o professor lhe está esplicando, porque não teve estas matérias básicas no 2 grau, é uma discriminação e humilhação ao coitado que por causa de uma lei foi exposto aos demais, e novamente se perde mais uma vaga.



    ResponderExcluir
  5. Compartilho da mesma opinião Márcia, pois com as cotas há uma trasnferência de responsabilidade. Essa que deveria ser das escolas públicas ao instrir os alunos. Ontem mesmo, no jornal nacional apareceu uma reportagem de uma menina que estudou em escola pública e depois teve que ir para um cursinho, chegando lá se deparou com conteúdos que nunca tinha estudado. Conclusão: as cotas podem facilitar a entrada, mas mesmo assim o aluno vai ter que correr atrás para chegar ao nível do estudante da particular.

    ResponderExcluir

Comente: