domingo, 7 de abril de 2013

Tarso Genro e a regulação da mídia

Por Marco Aurélio Weissheimer, no sítio da Carta Maior:

O governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), defende que é hora de intensificar, por meio da luta política e do debate junto à opinião pública, a agenda da chamada regulamentação da mídia. Para Tarso, esse é uma questão chave para o avanço da democracia no Brasil e uma promessa ainda não cumprida da Constituição de 88. Em entrevista à Carta Maior, o governador gaúcho critica a ausência de diversidade de opinião no atual sistema midiático brasileiro e o processo de ideologização das notícias. Ele cita como exemplo o comportamento editorial do jornal Zero Hora, no Rio Grande do Sul:

“As matérias de Zero Hora criticam as decisões que estamos tomando, baseadas no nosso programa de Governo, a partir da ótica do Governo Britto e Yeda, sem dizer que estão defendendo um programa de governo oposto ao nosso, já que foram e são grandes entusiastas das privatizações e das demissões de servidores públicos de forma irresponsável, as chamadas “demissões voluntárias”.

O debate sobre o tema da regulamentação da mídia e do setor da comunicação como um todo enfrenta pesada resistência e oposição no Brasil. Na sua opinião, qual o lugar que essa agenda ocupa – se é que ocupa – hoje no debate político nacional?

A questão da chamada “regulamentação da mídia” - que na verdade não trata nem do direito de propriedade das empresas de comunicação e muito menos da interferência do Estado nas redações ou editorias - é uma questão-chave do avanço democrático do país, das promessas do iluminismo democrático inscritas na Constituição de 88 e mesmo da continuidade da presença dos pobres, índios, negros, excluídos em geral, discriminados de gênero e condição sexual, trabalhadores assalariados e setores médios que adotam ideologias libertárias, na cena pública de natureza política.

Mas essa promessa permanece não cumprida. O que é preciso fazer, na sua avaliação, para que ela se torne realidade?

É preciso “forçar a barra”, através da luta política, para que ela reflita no Congresso a exigência de uma sistema legal, regulatório e indutivo, para a formação de empresas de comunicação, cooperativadas ou não, estatais e privadas, que possam sobreviver e ter qualidade, independentemente do financiamento dos grandes grupos de poder financeiro e econômico, que tentam controlar a formação da opinião de forma totalitária.

Como fazem isso? Ideologizando as notícias e selecionando os fatos que informam o público consumidor de notícias, a partir da sua visão de Estado, da sua visão de desenvolvimento, da sua visão das funções públicas do Estado, gerando uma espécie de “naturalização” do neoliberalismo e mascarando as premissas dos seus argumentos.

Cito alguns exemplos: reforma do Estado significa reduzir o serviço público e demonizar empresas estatais, como estão fazendo atualmente com a Petrobras; redução dos gastos públicos significa diminuir as despesas de proteção social; o “custo Brasil”, para eles, é originário, não da supremacia da política rentista, característica do projeto neoliberal, mas principalmente das despesas com direitos trabalhistas e impostos; parcerias público-privadas são vistas apenas como “oportunidades de negócios”, para empresas privadas e não como uma relação contratual, que combine o interesse público com o interesse privado; a corrupção é sempre culpa do Estado e dos seus servidores, omitindo que ela tem outro polo, o polo mais ativo, o privado, que disputa obras e serviços, corrompe funcionários e manipula licitações, nas suas concorrências predatórias.

Essa relação entre a política e a mídia costuma ser carregada de tensões e conflitos. Como político e gestor público, como procura lidar com esse tipo de situação?

Tive algumas experiências diretas interessantes com este tipo de manipulação: quando iniciei a implementação das cotas para negros e afrodescendentes no país, através do Prouni - ali eu era ministro da Educação - a grande mídia atacava a proposta, apoiada por acadêmicos de direita e da chamada extrema-esquerda, porque as cotas iriam baixar a qualidade da Universidade, já que os negros e afrodescendentes eram originários da escola pública e não tinham uma formação compatível para cursar as Universidades da elite, que são as universidades privadas. Puro preconceito, como se vê, tornado notícia isenta. Hipnose fascista, como argumentava Thomas Mann, na época do nazismo.

Outra experiência bem significativa foi quando, como Ministro da Justiça, deferi –baseado em jurisprudência do Supremo, nas leis e na Constituição, o refúgio para Cesare Battisti. Battisti não era, para a grande mídia, um cidadão italiano buscando refúgio, mas um “terrorista. O pedido de refúgio era divulgado, então, como pedido do “terrorista Césare Battisti”, para induzir o consumidor da notícia a ser contra o refúgio, pois ninguém de sã consciência quer abrigar terroristas em seu território. A grande mídia repassava sem nenhum pudor, para os leitores e espectadores, portanto, a tese do corrupto Berlusconi e dos fascistas italianos, de que Battisti era um simples bandido. Pura manipulação da informação para obter resultados favoráveis às suas opiniões e posições políticas pré-concebidas. Quase conseguiram.

Os exemplos aqui no Rio Grande do Sul também são fartos. Atualmente temos “fronts” onde esta disputa se desdobra. Temos o direito de dizer que é um jornalismo comprometido com uma visão do passado, este, da Zero Hora, que desqualifica constantemente o nosso governo, com distorções em notícias, cujos fatos são selecionados para dar uma impressão de neutralidade.

Com qual visão de passado, exatamente?

Ora, a situação financeira estrutural do Estado é ruim há muito tempo e nós nos elegemos com o compromisso de investir, melhorar o salário do servidores - que estavam arrochados duramente- e recuperar as funções pública do Estado. As matérias de Zero Hora criticam as decisões que estamos tomando, baseadas no nosso programa de Governo, a partir da ótica do Governo Britto e Yeda, sem dizer que estão defendendo um programa de governo oposto ao nosso, já que foram e são grandes entusiastas das privatizações e das demissões de servidores públicos de forma irresponsável, as chamadas “demissões voluntárias”.

O governo Britto fracionou e vendeu a CEEE por preços irrisórios, deixando as dívidas trabalhistas e das aposentadorias dos servidores com o Estado. Negociou as dívidas com a União, comprometendo-se a pagar juros exorbitantes e promoveu, assim, um estoque de dívida impagável. A governadora Yeda vendeu ações do Banrisul para pagar despesas correntes, não para - por exemplo - pagar contrapartidas para drenar mais recursos para investimentos, e fez o chamado (falso) “déficit zero”, arrochando salários e promovendo uma redução brutal nas políticas sociais e nos investimentos públicos, além de não captar recursos da União Federal, já que seu governo estava permanentemente atravessado por disputas internas. Ou seja, este jornal - e alguns editoriais de rádio e TV da mesma cadeia - estão já fazendo campanha eleitoral, para tentar restaurar, no Estado, as políticas destes dois governos, pois à medida que escondem as responsabilidades pela situação do Estado e exigem de nós, soluções imediatas, que sabem ser impossíveis e que não foram propostas no nosso Programa de Governo, estão saudosos destas políticas de privatização do Estado, que não deram em nada em lugar nenhum, a não ser atraso e crises sociais.

Um exemplo que chega ser hilário desta paixão saudosista é a forma com que eles tratam a questão dos pedágios no Estado e a parceria público-privada, para a construção da RS 10. Quanto ao primeiro assunto (pedágios), jamais avaliam os superlucros e os preços cobrados pelos pedágios, nem avaliam os investimentos feitos pelas concessionárias, para medi-los com estes preços e lucros. Quanto ao segundo assunto (parceria para a construção da RS 10) nos pressionam (ou pensam que nos pressionam), através de editoriais e notícias mal disfarçadas - mas são recados neoliberais - que devemos ser rápidos, acolhendo a proposta que vinha sendo negociada pela Governadora Yeda, sem pensar um minuto nos custos para o Estado e, inclusive, nas garantias que o Estado deve oferecer, nas suas precárias condições financeiras, herdadas dos governos Britto e Yeda, cujas promessas eles tinham grande simpatia.

Este tipo de crítica dirigida diretamente a uma empresa de comunicação costuma ser associado a um tipo de censura ou ameaça à liberdade de expressão. Como vê esse tipo de objeção?

Tem o direito de fazer tudo isso, é óbvio, mas se tivéssemos fortes órgãos de imprensa, TVs e rádios, que fizessem circular de forma equivalente as informações do governo e a opinião dos usuários, obviamente toda a sociedade ficaria bem mais esclarecida e livre, para formar a sua opinião. Para informar, como se sabe, os governos que não adotam o receituário neoliberal, precisam pagar e pagar bem, com as suas peças publicitárias, pois as matérias em regra não são nem isentas nem equilibradas e passam, naturalmente, a ideologia dominante na empresa jornalística, às vezes até editando o trabalho feito pelo repórter, ou encaminhando para ele as “conclusões” isentas que a matéria deve conter.

Considerando a natureza conflitiva dessa relação, é possível, na sua opinião, manter essa postura crítica e, ao mesmo tempo, não fechar os canais de diálogo?

Temos diálogo com eles e vamos continuar tendo, até porque não confundimos a nossa função pública com as disputas político-partidárias, que estão na base destes conflitos. Frequentemente temos que usar, porém, os meios alternativos à grande mídia, as redes, os “blogs”, as rádios independentes para divulgar as nossas posições, principalmente em épocas pré-eleitorais, quando a isenção se torna ainda menor e eles passam a preparar os seus candidatos para as próximas eleições. É o que está ocorrendo agora de forma acentuada, em temas de alta relevância para o Estado, como as finanças públicas, as parcerias e as políticas sociais do nosso governo.

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